Enferm Bras. 2023;22(5):785-801

doi: 10.33233/eb.v22i5.5510

REVISÃO

A espiritualidade e morte para a enfermagem: uma revisão de literatura

 

Luiz Carlos Moraes França1, Rachel Verdan Dib2, Vanessa do Carmo Correia1, Rafaela da Conceição Gomes1, Marcelly Silva dos Anjos1, Rayza Martins de Azevedo1, Juliana Rodrigues da Silva Gomes1, Marcelle Bezerra da Costa1, Elizandra Pires Azevedo de Souza1, Maria Alice Pereira Gaspar1

 

1França Centro Universitário Anhanguera Pitágoras UNOPAR de Niterói, RJ, Brasil

2Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

Recebido em: 19 de julho de 2023; Aceito em: 28 de agosto de 2023.

Correspondência: Luiz Carlos Moraes França, lcmoraesfranca@hotmail.com

 

Como citar

França LCM, Dib RV, Correia VC, Gomes RC, Anjos MS,  Azevedo RM, Gomes JRS, Costa MB, Souza EPA, Gaspar MAP. A espiritualidade e morte para a enfermagem: uma revisão de literatura. Enferm Bras. 2023;22(5):785-801. doi: 10.33233/eb.v22i5.5510

 

Resumo

A espiritualidade é compreendida pela busca de sentido da existência, podendo ser utilizada como ferramenta no enfrentamento da morte. Objetivo: Refletir sobre os significados e sentidos da morte e espiritualidade no contexto da equipe de enfermagem. Métodos: Revisão bibliográfica de literatura através do Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), com coleta de dados realizada entre maio e junho de 2023, com o uso dos descritores “Espiritualidade”, “Morte” e “Enfermagem”, conectados pelo operador booleano "AND". Bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências e Saúde (Lilacs), National Library of Medicine (Medline) e Bases de Dados de Enfermagem (BDENF). Critérios de inclusão: artigos publicados em português, com textos completos disponíveis online, entre os anos 2018-2023. Resultados: Após a coleta de dados, a pesquisa identificou uma amostra de 13 artigos. A morte ainda se apresenta como um acontecimento acompanhado de tristeza e sofrimento, sendo a espiritualidade uma alternativa eficaz a fim de amenizar sentimentos negativos. A espiritualidade, quando exercida por um profissional de enfermagem, contribui para uma assistência de melhor qualidade, além da melhor compreensão sobre a morte. Conclusão: A espiritualidade colabora para um melhor enfrentamento do processo de finitude, auxiliando os profissionais de enfermagem que vivenciam a morte.

Palavras-chave: espiritualidade; morte; Enfermagem.

 

Abstract

Spirituality and death for nursing: a literature review

Spirituality is understood by the search for the meaning of existence, and can be used as a tool in coping with death. Objective: To reflect on the meanings and senses of death and spirituality in the context of the nursing team. Methods: Bibliographic review of the literature through the Regional Portal of the Virtual Health Library (VHL), with data collection carried out between May and June 2023, using the descriptors "Spirituality", "Death" and "Nursing", connected by the boolean operator "AND". Databases: Latin American and Caribbean Literature in Science and Health (Lilacs), National Library of Medicine (Medline) and Nursing Databases (BDENF). Inclusion criteria: articles published in Portuguese, with full texts available online, between the years 2018-2023. Results: After data collection, the survey identified a sample of 13 articles. Death still presents itself as an event accompanied by sadness and suffering, and spirituality is an effective alternative in order to alleviate negative feelings. Spirituality, when exercised by a nursing professional, contributes to better quality care, in addition to a better understanding of death. Conclusion: Spirituality contributes to better coping with the process of finitude, helping nursing professionals who experience death.

Keywords: spirituality; death; Nursing.

 

Resumen

Espiritualidad y muerte para la enfermería: una revisión de la literatura

La espiritualidad es entendida por la búsqueda del sentido de la existencia, y puede ser utilizada como herramienta en el enfrentamiento de la muerte. Objetivo: Reflexionar sobre los significados y sentidos de la muerte y la espiritualidad en el contexto del equipo de enfermería. Métodos: Revisión bibliográfica de la literatura a través del Portal Regional de la Biblioteca Virtual en Salud (BVS), con recolección de datos realizada entre mayo y junio de 2023, utilizando los descriptores "Espiritualidad", "Muerte" y "Enfermería", conectados por el booleano operador "Y". Bases de datos: Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencia y Salud (Lilacs), Biblioteca Nacional de Medicina (Medline) y Bases de Datos de Enfermería (BDENF). Criterios de inclusión: artículos publicados en portugués, con texto completo disponible en línea, entre los años 2018-2023. Resultados: Después de la recolección de datos, la encuesta identificó una muestra de 13 artículos. La muerte aún se presenta como un evento acompañado de tristeza y sufrimiento, y la espiritualidad es una alternativa eficaz para paliar los sentimientos negativos. La espiritualidad, cuando es ejercida por un profesional de enfermería, contribuye para una mejor calidad del cuidado, además de una mejor comprensión de la muerte. Conclusión: La espiritualidad contribuye para un mejor enfrentamiento del proceso de finitud, auxiliando a los profesionales de enfermería que viven la muerte.

Palabras-clave: espiritualidad; muerte; Enfermería.

 

Introdução

 

A espiritualidade está sendo cada vez mais abordada no âmbito da saúde, sendo observado um aumento significativo na produção de estudos sobre a temática [1]. Desse modo, os estudos de Oliveira et al. [2] e Tavares et al. [3] descrevem que há uma tendência de associação, e por vezes são utilizados como sinônimos os termos espiritualidade e religiosidade, cabendo uma distinção.

Segundo Tavares et al. [3], a espiritualidade pode ser definida como a procura pela essência da vida, além de tudo o que é concreto, que faz com que as pessoas tenham a percepção de algo superior a si, estando ou não associada a uma religião. Ela pode ser compreendida como a dimensão específica do indivíduo, incentivando-o na busca do divino a fim de entender os aspectos essenciais da existência humana [4]. Desse modo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a espiritualidade não está limitada a uma crença específica tanto quanto a religiosidade, abordando questões como significado e propósito da existência [5].

Destarte, a religiosidade é compreendida a partir das práticas executadas atreladas às convicções da pessoa, sendo vinculadas ou não a uma entidade religiosa [3]. A religiosidade traz consigo uma proposta de conjunto de dogmas e adoração que é partilhada com uma comunidade, podendo ser os valores que uma pessoa dispõe e que são o pilar do modo de viver e atitudes do indivíduo [5].

Neste contexto, a espiritualidade e a religiosidade estão presentes na dimensão humana, sendo essencial em todos os momentos do cotidiano, sendo uma importante forma de apoio.

De acordo com Boff [6], a vida humana é finita, e aos poucos ela vai perdendo o seu vigor, fazendo com que a pessoa vivencie eventos patológicos e faleça. A morte caracteriza-se como um evento cheio de sentido e princípios inerentes ao cenário em que se apresenta.

A definição de morte se altera conforme o avanço histórico e através das diversas culturas existentes. Na atual modernidade, a morte para o homem do Ocidente se tornou uma ocorrência traduzida por sentimento de frustração, fragilidade e demérito. Arduamente, se busca superá-la, e quando isso não é possível, é encoberta e contestada [7].

Ademais, em concordância com Stochero et al. [8], as pessoas sentem dificuldade no enfrentamento da morte por raramente reconhecerem que é uma ocorrência comum e/ou natural. Há indivíduos que acreditam que a morte pode ser representada através de vivências como pesar e vazio, em contrapartida para outros esta é caracterizada como o descanso da estrutura física [9]. Para Gutierrez e Ciampone [10], as crenças de cada pessoa geralmente influenciam a perspectiva no contexto de morte e terminalidade.

Consoante a Kind e Cordeiro [11], no decorrer da história da humanidade, a morte acontecia dentro do lar, e a família participava ativamente desse momento. No entanto, pouco a pouco essa realidade foi se transformando e a morte passou a acontecer em hospitais. A mudança de lugar onde esta acontece trouxe uma nova representação do morrer, mas também alterou a forma como as pessoas envolvidas se comportam diante da morte. Neste cenário, faz-se necessário abordar as formas de confrontar esse momento, adotadas não apenas por familiares, bem como pela equipe de enfermagem, fazendo o uso de vivência, convicções e princípios individuais.

      Sendo assim, os profissionais da enfermagem lidam com a morte de forma cotidiana. Entretanto, muitos deles não se sentem aptos para lidarem com a mesma, descrevendo ser muito penoso enfrentar a partida de um paciente, sendo a angústia decorrente dela algo impossível de não vivenciar [12]. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo principal refletir os significados e sentidos da espiritualidade e morte no contexto da equipe de enfermagem.

 

Métodos

 

O presente estudo consiste em uma revisão bibliográfica de literatura que visa realizar uma análise acerca dos significados e sentidos de espiritualidade e morte e sua influência para os profissionais de enfermagem na atualidade.

Diante do exposto, foram realizadas 6 etapas para confecção do estudo: 1) identificação do tema e seleção da hipótese ou questão norteadora; 2) estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão no que se refere à seleção dos estudos; 3) categorização dos estudos; 4) avaliação dos estudos incluídos na revisão; 5) interpretação dos resultados; e 6) síntese/apresentação do conhecimento [13].

O cenário definido para o estudo foi o Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências e Saúde (Lilacs), National Library of Medicine (Medline) e Bases de Dados de Enfermagem (BDENF)s. O cenário se deu a partir da escolha de se utilizar bases e estudos brasileiros, devido ao peso e relevância no país.

A coleta dos manuscritos foi realizada entre os meses de maio e junho de 2023, sendo utilizados os descritores “Espiritualidade”, “Morte” e “Enfermagem” conectados entre si pelo conector booleano “AND”.

Dessa forma, considerados elegíveis e selecionados os artigos publicados no idioma português, publicados nos últimos 5 anos, com texto completo e disponível online. Assim, excluídas da análise as publicações cujos textos completos não versaram sobre o tema proposto. Para os artigos que apareceram em mais de uma base de dados, ou seja, duplicados, apenas um foi submetido à análise, a fim de evitar a duplicidade de artigos.

O estudo preservou os aspectos éticos da pesquisa, todos os autores dos artigos analisados foram adequadamente referenciados, além do conteúdo apresentado de forma fidedigna, conforme as exigências da Lei de Direitos Autorais nº 9.610/1998 [14].

 

Resultados

 

A partir da coleta de dados em que foram aplicados todos os critérios de inclusão e exclusão delineados na metodologia do estudo, a pesquisa obteve uma amostra final de 13 artigos, conforme ilustrado no fluxograma a seguir.

 

 

Fonte: Os autores, 2023.

Figura 1 - Fluxograma de estratégia de busca e seleção de artigos nas bases de dados. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2023

 

A análise das informações obtidas deu-se através da avaliação crítica do material, tendo em vista a questão norteadora definida para a pesquisa e seu objetivo principal. Para viabilizar a síntese dos artigos que atenderam aos critérios de inclusão, elaborou-se um quadro sinóptico contendo as variáveis: título, ano de publicação, metodologia e principais conclusões, conforme o Quadro 1.

 

Quadro 1Produção científica e delineamento metodológico dos artigos selecionados. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2023

Discussão

 

      Embora a morte seja acompanhada de sofrimento, a espiritualidade se mostra uma excelente estratégia para humanização terapêutica, por isso requer uma maior atenção dos profissionais de saúde nos planos assistenciais [16]. Diante disso, a forma como as pessoas definem e compreendem a morte está muitas vezes atrelada à religião que possuem [19].

Segundo Volpato et al. [18], a espiritualidade está inserida na realidade cotidiana das pessoas e, independe da religião, a espiritualidade transpassa todos os aspectos do cuidado. Quando o profissional de saúde promove o autocuidado, levando em consideração todas as suas dimensões humanas, ele está apto a prestar uma assistência mais ampla a seu paciente independente da religião [18]. No estudo de Andrade et al. [17], a espiritualidade foi citada por enfermeiras como uma estratégia para o desenvolvimento de resistência ao encarar a morte de crianças em estágio de terminalidade.

Desse modo, ao correlacionar a morte à espiritualidade, a espiritualidade é compreendida por algo que ajuda a proporcionar sentido à vida daquele que a exerce, sendo o elo entre o existencialismo e o transcendental, o que torna difícil sua mensuração por apenas palavras [16]. Muitos profissionais da saúde qualificam como exaustiva a tentativa, em muitos momentos, frustrada de tentar salvar vidas, trazendo a eles a decepção, sentimento de impotência e tristeza [12].

De acordo com Souza et al. [15], a espiritualidade atua como fonte de amparo e mostra-se como uma forma favorável de enfrentamento no processo de morte, tornando o indivíduo mais forte, e por essa razão precisa ser reconhecida e aperfeiçoada na sua implementação no cuidado realizado por profissionais da enfermagem.

A morte e o morrer são questões que causam desconforto em grande parte dos seres humanos. Entretanto, precisamos entender que o nascer e o morrer são processos naturais, as pessoas nascem, vivem a sua vida e morrem; entretanto, óbito e o processo de terminalidade faz nascer nos indivíduos o medo [12].

Para Zaccara et al. [20], no decorrer da história da humanidade, a morte acontecia dentro do lar das pessoas, e a família participava desse momento. No entanto, pouco a pouco essa realidade foi se transformando e ela passou a ocorrer nos hospitais. A mudança de lugar onde acontece trouxe uma nova significação para a morte e também alterou a forma como as pessoas envolvidas se comportam diante dela.

Segundo Gomes et al. [21], pessoas que convivem com o diagnóstico de doenças crônicas são propícias a ter suas crenças voltadas para obterem respostas que abrandem o receio acerca da morte. Nesse âmbito, os indivíduos que creem em um ser transcendente que tem o controle sobre a vida e a morte, em situações adversas barganham com ele para seguirem vivos e às vezes por meio das suas crenças, começam a enxergar a morte de modo mais sereno, não mais configurando-a como algo angustiante.

Sendo assim, para Ferraboli e Quadros [19], sobre a morte e a terminalidade, ambas estão geralmente conectadas com as crenças individuais de cada pessoa. Comumente, as religiões possuem a crença de que existe vida após a morte, auxiliando aqueles que as possuem a enfrentar a morte e o sofrimento e dispor de comodidade perante situações adversas.

Mesmo com todo o avanço na formação dos profissionais de saúde, ainda existe pouco investimento acerca dos temas: morte e terminalidade. Esses assuntos são pouco ou nem mesmo são abordados, pois o modelo de educação em saúde ainda prioriza as dimensões biológica e fisiológica. Essa condição torna os profissionais tecnicistas ou mesmo frios diante do cuidado com o paciente. Assim, perante o exposto existe a grande necessidade em investimento, estratégias e, principalmente, uma educação continuada para que essa falha na formação seja corrigida [19].

No estudo de Ferraboli e Quadros [19], os profissionais da equipe de enfermagem, entrevistados na pesquisa, mencionaram que a espiritualidade age como uma proteção, proporcionando a compreensão dos aspectos associados ao processo de morte, inclusive no trabalho.

Os profissionais da enfermagem lidam com a morte de forma cotidiana. Entretanto, na pesquisa de Chuista et al. [12], muitos deles não se sentem aptos para lidarem com ela, e dizem que é muito penoso enfrentar a partida de um paciente, sendo a angústia decorrente dela algo impossível de não vivenciar. No entanto, outros participantes desse estudo sentiam-se preparados para lidar com a mesma, pois possuíam a consciência de que realizaram todo o possível baseado em seus conhecimentos teóricos e práticos, conseguiam administrar bem suas emoções, e tinham a convicção religiosa de que Deus sabe o que realiza.

Na pesquisa elaborada por Monteiro et al. [16], os profissionais da enfermagem participantes definiram a morte como o repouso da estrutura física, referenciando que ela se caracteriza como um tema sensível de tratar e encarar durante a prestação da assistência. Entretanto, quando eles conseguem compreender o significado da espiritualidade, tornam-se mais capacitados para encarar a morte de forma equilibrada, percebendo-a como parte normal da vida, deixando de despertar angústias.

No estudo de Crize et al. [25] os pacientes relataram que os profissionais de enfermagem não prestam cuidados espirituais, pois seus cuidados estão voltados ao modelo biologicista. Percebe-se que para um profissional de saúde a Religiosidade e Espiritualidade (R\E) são difíceis de serem abordadas por parecer intromissão e desrespeito, e ainda devido à falta de preparo para essas situações em sua formação. Assim, por essa razão não sabem abordá-la por julgarem não ter aprendizado e saberes suficientes para esse fim.

Para Chuista et al. [12], a morte e a terminalidade estão inseridas no cotidiano da equipe de enfermagem; porém, as táticas para encará-la são próprias de cada profissional e estão atreladas às experiências, convicções e concepções que eles possuem.

A enfermagem, por ser a parte da equipe que presta uma assistência mais direta ao paciente, deve ofertar um cuidado humanizado, contemplando todas as dimensões do ser [25]. No enfrentamento de doenças pelo ser humano, as pesquisas frequentemente demonstram que as crenças espirituais influenciam esse processo, portanto, considera-se que seja cada vez mais necessário conhecer as demandas de cuidados espirituais dessas pessoas [26].

Ademais, no artigo de Monteiro et al. [16], os profissionais da enfermagem ao discorrer a respeito do sentido da espiritualidade diante do paciente oncológico em processo de morte, falaram que tal situação coloca em relevo a existência como princípio de afeto e misericórdia.

De acordo com Monteiro et al. [16], existem profissionais que não encaram o processo de luto, porque não estão prontos para vivenciarem suas reações e sentimentos advindos dessa experiência.

A R/E precisam ser implementadas nos cuidados em saúde e para tal objetivo é fundamental que ocorra um investimento em pesquisas que colaborem para o melhoramento dos profissionais que lidam com as particularidades do adoecimento e da morte [24].

Para Bezerra et al. [24], os aspectos religiosos e espirituais exercem grande importância sobre a vida das pessoas em situação de adoecimento e morte, pois o cuidar, considerando a dimensão subjetiva, é de extrema relevância em um momento no qual a cura não é mais possível.

Com a finalidade de atenuar os efeitos da terminalidade, os profissionais da enfermagem buscam a R/E para assegurar a esperança com a intenção de prestar cuidado, atenção e conforto aos pacientes. Para que isso ocorra, os centros acadêmicos e os locais que prestam serviços de saúde devem destinar recursos para a realização de debates acerca da finitude, a fim de que a enfermagem possa descobrir formas de enfrentar esse momento [17].

Neste pensamento, deve-se compreender a naturalidade atrelada ao processo de finitude. As instituições de ensino devem reconhecer a importância da temática de morte e finitude, investindo em discussões acerca do tema, a fim de que enfermeiros busquem formas de enfrentamento e de construção da resiliência para o cuidado à criança que se encontra no fim da vida [17].

As crenças religiosas são instrumentos utilizados por profissionais para agirem diante da morte percebendo-a, dessa forma, como algo normal, levando aqueles que a possuem a orar a Deus por seus pacientes. A espiritualidade/religiosidade age auxiliando-os a encararem a morte e o morrer [12].

Para Zaccara et al. [20], a espiritualidade é entendida por um elemento crucial à sensação de esperança, significando a vida e a doença, oferecendo tranquilidade, além de contribuir para a redução de sentimentos e emoções negativos relacionados à finitude.

Existem algumas táticas que são utilizadas pelos profissionais no que diz respeito à dimensão espiritual dos pacientes, dentre elas podemos citar a prática da oração, a visita à capela, a propiciação de ver programas religiosos pela televisão e outros [20].

Apesar dos pontos positivos, a R/E também podem se apresentar de forma prejudicial devido ao sofrimento espiritual: o indivíduo contesta, por meio de suas crenças religiosas, o motivo das complicações e sofrimentos ocasionados pela doença, à vista disso o indivíduo refere-se não crer mais em um Deus e afirma sentir-se abandonado por Ele [21].

A espiritualidade pode ainda promover a mudança no estilo de vida das pessoas, pois, os indivíduos ao manifestarem sua espiritualidade através da religião, adquirem um conjunto de normas morais que afetam suas atitudes individuais e sociais. O hábito de estar presente em templos religiosos para cultos e reuniões se mostrou como uma estratégia positiva, que proporciona paz e tranquilidade [21].

Os participantes da pesquisa de Gomes et al. [21] afirmaram que a fé que colocam em Deus como um ser que possui o domínio sobre todos os acontecimentos, inclusive tendo o controle sobre suas próprias vidas, proporciona a eles refrigério, de forma a tirar deles o foco em suas dificuldades relacionadas ao processo de adoecimento, colocando-as sobre Deus.

O estudo de Gomes et al. [21] evidencia que é necessário que os profissionais de saúde estejam preparados para tratarem acerca da dimensão espiritual dos seus pacientes, possuindo o objetivo de detectar sofrimento, prestando a ajuda necessária.

De acordo com Crize et al. [25], a espiritualidade colabora para fazer com que as pessoas que vivenciam algum processo de saúde e doença se sintam acolhidos e possam enfrentar a enfermidade e suas adversidades, proporcionando força para continuar e preparo para a iminência da morte de forma serena. A espiritualidade foi retratada como forma de superação para o paciente oncológico e gera nos profissionais de saúde diversos sentimentos [23].

Enquanto alguns profissionais utilizam a espiritualidade como a principal forma de enfrentamento das emoções negativas advindas do processo de finitude, outros por sua vez fazem uso da criação de obstáculos, não permitindo a criação de vínculos com seus pacientes e familiares, evitando, assim, sentimento de tristeza e sofrimento posteriormente [22].

Os profissionais de Enfermagem tendem a separar a vida pessoal dos sentimentos vividos no contexto profissional compartilhando suas vivências no ambiente de trabalho com sua rede de apoio, sejam amigos ou família, além de buscarem acesso ao lazer como ferramenta positiva para o enfrentamento da morte [22].

O sentido da própria espiritualidade dos profissionais, a compreensão da espiritualidade como facilitadora diante de situações estressantes, é fundamental, sendo importante estar integrado na prática dos cuidados [26].

Diante do exposto, ressalta-se a essencialidade da prática da espiritualidade não somente por pacientes e familiares, mas também pelos profissionais da enfermagem, sendo uma ferramenta de grande relevância no que tange ao melhor entendimento e aceitação do processo de finitude. Aos profissionais de enfermagem, a espiritualidade atua na redução do desgaste emocional, pois a categoria vivencia o evento da morte e morrer no âmbito do trabalho. Além disso, a espiritualidade atrelada ou não à religiosidade, ao ser inserida na assistência de enfermagem, melhora a sua qualidade através do acolhimento que esta proporciona.

 

Conclusão

 

Mesmo que presente na dimensão humana, ainda existem grandes tabus no que se refere ao advento da morte, o que nos sugere uma melhor inclusão temática no processo de formação acadêmica. Uma grande parcela de profissionais de enfermagem apresenta dificuldade no enfrentamento da morte, vivenciando sentimentos como sofrimento e tristeza, além da não aceitação da situação.

A fim de mudar esse cenário, a aplicação da espiritualidade, bem como a sua definição é de extrema relevância no que se refere à compreensão do processo de finitude. A espiritualidade se apresenta como uma ferramenta no processo de aceitação, enfrentamento e adesão ao tratamento de pessoas com determinada enfermidade.

Diante da relevância da temática e seus impactos positivos sobre pacientes, familiares e profissionais da saúde, destaca-se a necessidade de mais produções científicas sobre a espiritualidade no contexto dos profissionais de saúde, não somente de enfermeiros.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse

 

Fontes de financiamento

Não recebeu financiamento

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: França LCM, Dib RV, Gomes, Correia VC; Coleta de dados: França LCM, Gomes RC, Anjos MD, Azevedo RM, Gomes JRS, Costa MB, Souza EPA, Gaspar MAP; Análise e interpretação dos dados: Gomes RC, Anjos MD, Azevedo RM, Gomes JRS, Costa MB, Souza EPA, Gaspar MAP; Redação do manuscrito: França LCM, Dib RV, Correia VC, Gomes RC, Anjos MD, Azevedo RM, Gomes JRS, Costa MB, Souza EPA, Gaspar MAP; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: França LCM, Dib RV, Correia VC

 

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