Enferm Bras. 2023;22(6):938-51

doi: 10.33233/eb.v22i6.5507

ARTIGO ORIGINAL

Estresse ocupacional em residentes multiprofissionais em saúde: um estudo transversal

 

Paula Silva Peixoto1, Douglas de Souza e Silva2, Valdenir Almeida da Silva3, Maisa Matos Santana1, Ana Claudia Fonseca de Souza1

 

1Hospital Geral Roberto Santos, Salvador, BA, Brasil

2Universidade do Estado da Bahia, Salvador, BA, Brasil

3Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil

 

Recebido em: 31 de julho de 2023; Aceito em: 26 de dezembro de 2023.

Correspondência: Douglas de Souza e Silva, douglasss-gbi@hotmail.com

 

Como citar

Peixoto PS, Souza e Silva D, Silva VA, Santana MM, Souza ACF. Estresse ocupacional em residentes multiprofissionais em saúde: um estudo transversal. Enferm Bras. 2023;22(6):938-51. doi: 10.33233/eb.v22i6.5516

 

Resumo

Objetivos: Estimar a prevalência de estresse ocupacional em residentes multiprofissionais; avaliar os fatores associados ao estresse ocupacional e caracterizar o perfil sociodemográfico, ocupacional e de saúde de residentes multiprofissionais de um hospital público baiano. Métodos: Estudo transversal, descritivo, e analítico, conduzido com 75 residentes multiprofissionais em um hospital público de grande porte entre junho e dezembro de 2022. Os dados foram coletados por meio de um questionário estruturado contendo questões voltadas a dados sociodemográficos, laborais, estilo de vida e saúde. Para investigar o Estresse ocupacional, utilizou-se a Escala de Estresse no Trabalho (EET). Procedeu-se a análise descritiva e bivariada dos resultados. Resultados: A idade média dos participantes foi de 26,9 anos; sendo 82,7% do sexo feminino; 73,3% relataram hábitos de vida considerados saudáveis. Quando questionados sobre sintomas referentes à atividade laboral, 48% relataram dor de cabeça, 57,3% dor nas costas e 68%, ansiedade; 48% dos residentes apresentavam nível de estresse considerado alto. Foi evidenciada associação do estresse com as seguintes variáveis: ano de residência - R2, (RP = 2,45 – IC95% = 1,34-4,49 – p = 0,001); insatisfação com o trabalho (RP = 2,23 – IC95%: 1,43 – 3,48 – p = 0,001); padrão de sono - dormir no máximo 5 horas por noite (RP = 1,98 - IC95% = 1,23 – 3,20; p = 0,004). Conclusão: O maior percentual de residentes apresentava nível baixo/moderado de estresse. Ainda assim, é importante mencionar que o percentual de 48% de nível alto foi significativo e sinaliza a necessidade de intervenção no campo da saúde mental.

Palavras-chave: estresse relacionado ao trabalho; residência multidisciplinar; saúde do estudante; saúde mental.

 

Abstract

Occupational stress in multidisciplinary health residents: a cross-sectional study

Objectives: To estimate the prevalence of occupational stress in multidisciplinary residents; to evaluate the factors associated with occupational stress and to characterize the sociodemographic, occupational and health profile of multidisciplinary residents of a public hospital in Bahia. Methods: Cross-sectional, descriptive, and analytical study, conducted with 75 multidisciplinary residents in a large public hospital between June and December 2022. Data were collected through a structured questionnaire containing questions related to sociodemographic data, work, lifestyle life and health. To investigate occupational stress, the Stress at Work Scale (WSS) was used. A descriptive and bivariate analysis of the results was performed. Results: The average age of participants was 26.9 years; being 82.7% female; 73.3% reported lifestyle habits considered healthy. When asked about symptoms related to work activity, 48% reported headache, 57.3% back pain and 68% anxiety; 48% of residents had a level of stress considered high. There was evidence of an association between stress and the following variables: year of residence - R2, (PR = 2.45 – 95%CI: 1.34-4.49 – p = 0.001); job dissatisfaction (RP = 2.23 – 95%CI = 1.43 – 3.48 – p = 0.001); sleep pattern - sleeping a maximum of 5 hours a night (RP = 1.98 - 95%CI = 1.23 – 3.20; p = 0.004). Conclusion: The highest percentage of residents had a low/moderate level of stress. Even so, it is important to mention that the percentage of 48% of high level was significant and signals the need for intervention in the field of mental health.

Keywords: work-related stress; multidisciplinary residence; student health; mental health.

 

Resumen

Estrés laboral en residentes multidisciplinarios: un estudio transversal

Objetivos: Estimar la prevalencia de estrés laboral en residentes multidisciplinarios; evaluar los factores asociados al estrés laboral y caracterizar el perfil sociodemográfico, ocupacional y de salud de residentes multidisciplinarios de un hospital público de Bahia. Método: Estudio transversal, descriptivo y analítico, realizado con 75 residentes de un gran hospital público entre junio y diciembre de 2022. Los datos fueron recolectados a través de un cuestionario estructurado que contenía preguntas relacionadas con datos sociodemográficos, laborales, de estilo de vida y de salud. Para investigar el estrés ocupacional, se utilizó la Escala de Estrés en el Trabajo (WSS). Se realizó un análisis descriptivo y bivariado. Resultados: La edad promedio de los participantes fue de 26,9 años; siendo 82,7% mujeres; El 73,3% reportó hábitos de vida considerados saludables. Al indagar sobre síntomas relacionados con la actividad laboral, el 48% refirió dolor de cabeza, 57,3% dolor de espalda y 68% ansiedad; El 48% de los residentes tenían un nivel de estrés considerado alto. Se evidenció asociación entre el estrés y las siguientes variables: año de residencia - R2, (RP = 2,45 – IC95% = 1,34-4,49 – p:0,001); insatisfacción laboral (RP = 2,23 – IC95%: 1,43 – 3,48 – p = 0,001); patrón de sueño - dormir un máximo de 5 horas por noche (RP = 1,98 - IC95% = 1,23 - 3,20; p = 0,004). Conclusión: El mayor porcentaje de residentes presentó un bajo/moderado nivel de estrés. Aun así, es importante mencionar que el porcentaje del 48% de nivel alto fue significativo y señala la necesidad de intervención en el campo de la salud mental.

Palabras-clave: estrés laboral; residencia multidisciplinar; salud estudiantil; salud mental.

 

Introdução

 

A Residência Multiprofissional foi criada pela Lei n° 11.129, de 2005, como uma forma de pós-graduação lato sensu, voltada para a educação em serviço e destinada aos profissionais da área de saúde, exceto médicos. É realizada em regime de dedicação exclusiva sob supervisão docente-assistencial, de responsabilidade conjunta dos setores da educação e da saúde. Tem o intuito de proporcionar a inserção de jovens profissionais qualificados no mercado de trabalho, principalmente em áreas do Sistema Único de Saúde (SUS) [1].

De acordo com a Resolução nº 5, de 07 de novembro de 2014, os programas de Residência em Área Profissional da Saúde devem ter uma carga horária total mínima de 5760 horas, executadas num período mínimo de 02 anos, sendo cumpridas em 60 horas semanais, com direito a 30 dias de férias por ano. Serão desenvolvidas com atividades educacionais, 80% práticas ou teórico-práticas e 20% teóricas, sempre sob supervisão e orientação do corpo docente assistencial [2]. Para tanto, é assegurada aos residentes uma bolsa no valor de R$ 4.106,09 [3].

Neste contexto, os residentes acabam expostos a diversos fatores estressantes, inerentes à atividade laboral. Dentre esses fatores estão o alto nível de tensão, sobretudo pela inexperiência profissional; necessidade de adequação às novas rotinas, carga horária elevada, sobrecarga e pressão do campo de prática; problemas nas relações interpessoais; falta de supervisão adequada; escassez de articulação entre teoria e prática, dificuldade de reconhecimento por parte da equipe multiprofissional acerca do papel do residente; despreparo de alguns preceptores para lidar com as demandas da residência. Além destes, somam-se estressores das atividades acadêmicas: trabalhos, provas, monografia e aulas teóricas; e sociais, como: afastar-se de seus familiares e amigos [4-8].

Define-se estresse como um desgaste geral do organismo, que envolve uma série de sintomas que o indivíduo apresenta quando submetido a situações que exijam adaptação do organismo para enfrentá-las. Divide-se o estresse em três fases: alerta, resistência e exaustão [9].

A fase de alerta, inicia-se quando o índividuo é exposto ao agente estressor, ocasionando mudanças nuroendócrinas, com objetivo de defesa do organismo. Quando o estímulo estressor não cesa, incia-se a fase de resistência, na qual o organismo adpta-se ao estressor buscando a sobrevivência. Por fim, quando a capacidade adptativa esgota-se, ocorre a fase de exaustão, capaz de provocar doenças físicas e psíquicas [10].

Contudo, o estresse em si não é ruim, ele ajuda o organismo a se preparar para desempenhar funções orgânicas e psíquicas, e o organismo tem a capacidade de se adaptar depois de uma situação estressante. Entretanto, essa capacidade é limitada, e quando o estresse se prolonga, pode provocar adoecimento, exemplo disso está a Síndrome de Burnout (SB) que decorre da cronificação do estresse laboral [11].

Estudo realizado com residentes multiprofissionais de cinco programas de residência do estado de São Paulo indicou uma prevalência de estresse de 78,9%. O estresse vivenciado foi capaz de provocar sintomas físicos e psicológicos. De modo geral, foi encontrada tensão muscular, mudança de apetite, insônia, bruxismo, problema dermatológico prolongado, tiques, diarreias, pensamento em um único assunto, dúvida de si próprio, irritabilidade, sensibilidade excessiva, cansaço exacerbado e ansiedade [11].

Pesquisa realizada no estado do Paraná evidenciou prevalência elevada de estresse em estágio pré-patológico entre residentes multiptofissionias. Do total de participantes identificados com estresse (36%), 94% demonstravam sintomas psicológicos. No mesmo estudo, que também avaliou a qualidade de vida dos residentes, foi verificado que os mesmos que apresentavam estresse, também tinham menor qualidade de vida em todos os domínios estudados [12].

Diante do exposto, conhecer o estresse entre residentes multiprofissionais poderá contribuir com informações que possibilitem o embasamento para mudanças futuras com vistas à prevenção de alterações na saúde mental e na manutenção da qualidade de vida.  A partir da importância da temática abordada, o presente estudo tem como objetivos: estimar a prevalência de estresse ocupacional em residentes multiprofissionais; avaliar os fatores associados ao estresse ocupacional em residentes multiprofissionais; e caracterizar o perfil sociodemográfico, ocupacional e de saúde de residentes multiprofissionais de um hospital público baiano.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e analítico, conduzido com profissionais residentes multiprofissionais (não médicos) de diversos programas de um hospital público de grande porte, localizado na cidade de Salvador, Bahia, Brasil.

Foram incluídos os residentes multiprofissionais do primeiro e segundo ano matriculados nos programas do hospital em questão, cujo ingresso se deu nos anos de 2021 e 2022 respectivamente (R2 e R1), com no mínimo 06 meses de atuação. Excluíram-se os residentes que tinham realizado tratamento psiquiátrico recente, os afastados por licenças médica e maternidade. Assim, de um total de 92 residentes, 78 foi elegível para participar do estudo, destes, houve 01 recusa e 02 não estavam de acordo com os critérios de elegibilidade, obtendo assim, uma amostra de 75 residentes. A coleta dos dados foi realizada nos meses de junho a dezembro do ano de 2022.

Utilizou-se um questionário estruturado contendo questões voltadas a dados sociodemográficos, laborais, estilo de vida e saúde. Para investigar o Estresse ocupacional, utilizou-se a Escala de Estresse no Trabalho (EET), proposta por Paschoal e Tamayo [13]. A EET é constituída de 23 afirmações e 05 alternativas que permitem a identificação do nível de estresse ocupacional existente através de uma escala de concordância do tipo “Likert” de 05 pontos, cada item apresenta um tipo e uma reação ao estressor. Essa versão utilizada foi validada considerando seu fator geral, contando com todos os seus itens, que atribui escore que varia de 23 pontos a 115 pontos, e apresenta boas evidências de validade de construto e confiabilidade. Utilizou-se como indicador a classificação de alto, médio e baixos escores, tomando como ponto de corte a mediana dos escores dos profissionais estudados. Assim, valores abaixo da mediana e até a mediana, foram considerados baixo/moderado estresse e valores acima da mediana, com alto estresse [13].

Procedeu-se a análise descritiva e bivariada. A estatística descritiva foi utilizada para caracterizar a amostra geral através das frequências absolutas e relativas nas variáveis categóricas. A variável contínua idade, também foi avaliada pela média e desvio padrão. Em seguida, conduziu-se análise bivariada no intuito de identificar os fatores associados ao Estresse Ocupacional. Calcularam-se as Razões de Prevalência (RP) e respectivos Intervalos de Confiança (IC) de 95%. O Teste Qui-quadrado de Pearson foi empregado para análise da significância estatística, considerando um valor de p < 0,05. O software Statistical Package for the Social Science – SPSS versão 22.0 foi utilizado nas análises.

O presente estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos, sob o parecer de número 5.447.296/2022, e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) 58719922.0.0000.5028.

 

Resultados

 

Dentre os 75 profissionais entrevistados, 40% eram enfermeiros; 36% fisioterapeutas; 10,7%, nutricionistas; 9,3%, fonoaudiólogos; e 4%, psicólogos. Com relação aos programas de residência, 21,3% dos residentes pertenciam ao programa Multiprofissional em Saúde Hospitalar, 18,7% ao programa Multiprofissional em Neurologia, 16% ao programa Fisioterapia em UTI e 13,3%, ao programa Enfermagem em UTI. A maior parte dos residentes (54,1%) era do segundo ano (R2) e 66,7% declaravam-se satisfeitos com o trabalho.

A idade média dos participantes foi de 26,9 anos com desvio padrão (DP) de 4,7 ±, sendo 22 anos a menor idade e 46 a maior. A respeito da caracterização dos residentes, 82,7% declararam-se ser do sexo feminino; 93,3%, não ter filhos; 78,7% não possuir companheiro; 69,3% possuíam menos de 04 anos de formados; 51% não possuíam experiência profissional; e 58,7% não possuíam outra especialização anterior à residência.

Sobre os achados referentes à saúde dos residentes, a maior proporção relatou hábitos de vida considerados saudáveis, 73,3%; 63% dos participantes afirmaram praticar atividade física; e 58,7%, dormir 06 horas ou mais por noite. Quando questionados sobre sintomas referentes à atividade laboral, 48% relataram dor de cabeça, 57,3% dor nas costas e 68%, ansiedade.

A tabela I traz as características sociodemográficas, laborais e de saúde dos residentes multiprofissionais.

 

Tabela I - Características sociodemográficas, laborais e de saúde dos Residentes Multiprofissioanis de um hospital público. Salvador, Bahia, Brasil, 2022, (n = 75)

 

**Informações autodeclaradas

 

De acordo com a Escala de Estresse no Trabalho aplicada na entrevista, 52% (39) dos residentes apresentavam nível de estresse considerado baixo/moderado e 48% (36) nível considerado alto.

A respeito dos fatores associados relatados no estudo, que impactam significativamente no nível de estresse ocupacional, foi evidenciada associação com as seguintes variáveis: Ano de residência (R2) - (RP = 2,45 – IC 95% = 1,34 - 4,49); Insatisfação com o trabalho (R =: 2,23 – IC 95% = 1,43 - 3,48); Padrão de sono - dormir no máximo 5 horas por noite (RP = 1,98 – IC 95% = 1,23 - 3,20). (Tabela II).

 

Tabela II - Fatores associados ao Estresse Ocupacional em Residentes Multiprofissionais de um hospital público. Salvador, Bahia, Brasil, 2022, (N = 75)

 

**Informações autodeclaradas; a = Razão de Prevalência; b = Intervalo de confiança de 95% IC = Valor de P – qui-quadrado

 

Discussão

 

Quando analisadas as características sociodemográficas dos residentes multiprofissionais, foi evidenciado que a maioria (82,7%) eram do sexo feminino. Este dado também foi percebido em outros estudos semelhantes, com prevalência feminina de 98,1% [8] e 95,2% [14], refletindo assim a predominância das mulheres nas profissões da área de saúde.

Essa característica também está relacionada ao fato de que a maior parte das equipes de saúde são formadas por enfermeiras, fato este que também está de acordo com os dados encontrados, uma vez que 40% dos residentes que responderam ao questionário eram desta categoria profissional, composta majoritariamente por mulheres [8].

O fato de 93,3% dos residentes não ter filhos e de 78,7% não possuir companheiro, está em concordância com outras publicações que mostram resultados semelhantes [14-16].

A média de idade encontrada neste estudo foi de 26,9 anos (DP ± 4,7), corroborando outros estudos realizados com residentes, nos quais as médias foram de 27 (DP ± 3,7), 25,86 (DP ± 4,32) e 25,96 anos (DP ± 2,3) [11,14,17]. Da mesma forma, a predominância de residentes com menos de quatro anos de formados, sem experiência profissional ou outro curso de pós-graduação, possibilita estabelecer um perfil de estudantes que busca a residência como forma de especialização logo após a graduação, sem experiência no mercado de trabalho e em início de vida profissional.

Sobre os hábitos que influenciam na saúde dos residentes, como a alimentação saudável (73,3%) e a prática de atividade física (63%), os resultados encontrados neste estudo vão de encontro a outra publicação [15] na qual foram relatados para as mesmas variáveis, percentuais de 39,7%, 47,7% respectivamente. No mesmo estudo [15], os autores ainda relatam altos níveis nas dimensões da síndrome de burnout. Já quando analisamos a variável padrão de sono superior a 6 horas por noite, os resultados deste estudo (58,5%) se aproximam de outra publicação que estudou a síndrome de burnout entre residentes (60,3%) [15]. Já as variáveis dor de cabeça (48%) e dores nas costas (57,3%), se distanciaram do estudo citado, 73% e 76,2%, respectivamente [15].

A alimentação saudável, prática de atividade física e a qualidade do sono fazem parte dos pilares da terapia de controle de estresse, contribuindo para a redução e a melhoria da saúde [18]. Além disso, sabe-se que conhecimentos científicos sobre fatores protetores à saúde podem explicar a adesão de hábitos de vida mais saudáveis [19].

Os resultados para a variável ansiedade (68%) apresentam-se semelhantes a outros estudos que encontraram 68,5% de possível e provável ansiedade e 68% angústia/ ansiedade diária [7,8]. O processo da residência por si só é considerado gerador de ansiedade, devido às mudanças de rotina, grande quantidade de atribuições e pressões do cotidiano. Estes fatores podem levar ao estresse e esgotamento, sinalizando sofrimento psíquico e problemas com a saúde em geral [7,8].

A respeito da satisfação com o trabalho, 66,7% dos residentes referiram satisfação. Este resultado corrobora os de outra pesquisa semelhante que encontrou um percentual de satisfação de 53% entre os participantes [14]. A satisfação com o trabalho é considerada um fator que favorece a realização profissional de modo a ser um protetor contra o estresse [14,17].

Sobre os níveis de estresse apontados pela EET, 52% dos residentes apresentavam nível de estresse considerado baixo/moderado. Outro estudo que também utilizou a mesma escala demonstrou resultados equivalentes, em que 51,35% dos residentes apresentam baixo estresse [14], e em outro que separou os resultados revelou que 69,5% dos R1 e 59,4% dos R2 apresentavam estresse baixo ou moderado [20].

Apesar dos níveis de estresse na maior parte dos residentes ser considerado baixo/moderado, foi observado uma associação significativa entre o estresse e alguns fatores específicos. Com relação ao fator ano de residência, verificou-se que os R2 possuem uma associação com altos níveis de estresse (RP: 2,45 – IC 95%: 1,34-4,49). Isso também foi encontrado em outro estudo no qual os R2 (40,5%) apresentaram níveis maiores de alto estresse quando comparados R1 (30,4%) [5]. Pressupõe-se que este dado pode estar relacionado ao tempo de exposição aos fatores estressores, acúmulo de responsabilidades e tarefas devido a maior experiência profissional, finalização do trabalho de conclusão da residência e expectativas com o futuro, já que os R2 estão próximos a buscar inserção no mercado de trabalho [5,14].

Sobre o fator satisfação com o trabalho, os 33,3% de residentes insatisfeitos apresentaram associação com o estresse laboral (RP = 2,23 – IC 95% = 1,43 – 3,48). Outro estudo que também comparou a satisfação com a residência e o nível de estresse mostrou que dos residentes insatisfeitos, 72,4% pontuaram alto nível de estresse. Dessa maneira é possível fazer uma análise sobre a satisfação com o trabalho e o estresse, de modo que quanto menor a satisfação, maiores os níveis de estresse relatados e maiores as chances de esgotamento profissional [14,21].

No que diz respeito ao fator privação de sono, 41,3% afirmaram dormir no máximo 5 horas por noite, e essa variável foi associada ao estresse laboral (RP = 1,98 – IC 95% = 1,23 – 3,20). Em um estudo que avaliou a qualidade de vida, sono e burnout em residentes, apontou que 55,55% dos R1 e 72,22% dos R2 apresentavam qualidade de sono ruim [5]. Autores afirmam que a necessidade de cumprir muitos compromissos ocasiona a privação e o comprometimento da qualidade do sono, sendo essa uma das principais reações psicológicas nos programas de residência. A alteração do padrão e qualidade do sono é capaz de provocar males ao organismo como redução da capacidade de concentração, dificuldade de planejamento e execução de tarefas, trazendo um impacto negativo na qualidade de vida [5,21].

A extensa carga horária da residência (60h semanais) é uma das principais queixas ao longo da formação de dois anos, podendo gerar desgaste e sofrimento, de forma que, por vezes, não é possível realizar todas as atribuições necessárias. É preciso então que o planejamento das tarefas seja mais flexibilizado, aliado à articulação do tempo, a fim de minimizar a sobrecarga [7].

Esta pesquisa apresenta como limitações o fato de ser um estudo transversal, o que impossibilita uma análise da relação de causa e efeito, além de ter sido realizada em apenas um campo de prática de residência multiprofissional na área hospitalar, caracterizando-se assim como um estudo local. No entanto, ao se estabelecer uma discussão dos resultados, à luz de outros estudos, foi possível estabelecer semelhanças e diferenças no que diz respeito ao estresse entre residentes brasileiros. Assim, pode servir de base para o planejamento e implementação de estratégias que favoreçam o aprendizado na modalidade de treinamento em serviço com o mínimo de prejuízo aos profissionais em formação.

 

Conclusão

 

Os resultados deste estudo apontaram que os residentes eram em sua maioria, do sexo feminino, jovens, sem filhos ou companheiro e sem experiência profissional anterior. A maior proporção relatou praticar atividade física, ter uma alimentação saudável e dormir mais de 5 horas por noite.

De acordo com a Escala de Estresse no Trabalho, o maior percentual de residentes apresentava nível baixo/moderado de estresse, ainda assim, é importante mencionar que o percentual de 48% de nível alto foi significativo. Foi verificada associação significativa entre o fato de ser R2, dormir menos de 5 horas por noite e estar insatisfeito com o trabalho com o aumento das chances de apresentar estresse ocupacional.

Espera-se que este estudo possa contribuir com o conhecimento acerca do estresse ocupacional na residência, a fim de promover melhorias nos aspectos considerados nocivos à saúde mental dos residentes, principalmente no tocante ao processo organizacional, favorecendo a aprendizagem em serviço e satisfação com o trabalho. Ainda, considera-se pertinente a realização de novos estudos sobre a temática com metodologias mais robustas.

 

Conflito de interesse

Declaramos que não existem conflitos de interesse profissionais, financeiros ou de benefícios diretos ou indiretos.

 

Fontes de financiamento

Todos os custos da pesquisa foram financiados pelos próprios autores.

 

Contribuições dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Silva DS, Peixoto PS; Obtenção de dados: Silva DS, Peixoto PS; Análise e interpretação dos dados: Silva DS, Peixoto PS, Silva VA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva DS, Peixoto PS, Silva VA, Santana MM, Souza ACF.

 

Referências

 

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