Enferm Bras. 2023;22(5):640-54

doi: 10.33233/eb.v22i5.5540

ARTIGO ORIGINAL

Violência física no estado do Espírito Santo: uma análise dos casos notificados

 

Franciéle Marabotti Costa Leite1, Luiza Albina Ribeiro1, Fábio Lúcio Tavares1, Márcia Regina de Oliveira Pedroso2, Bruna Venturin3, Luiza Eduarda Portes Ribeiro1, Edleusa Gomes Ferreira Cupertino4

 

1Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES

2Universidade Federal do Oeste da Bahia, Barreiras, BA, Brasil

3Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS

4Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo (SESA/ES). Vitória, ES

 

Recebido em: 17 de agosto de 2023; Aceito em: 23 de outubro de 2023.

Correspondência: Franciéle Marabotti Costa Leite, francielemarabotti@gmail.com

 

Como citar

Leite FMC, Ribeiro LA, Tavares FL, Pedroso MRO, Venturin B, Ribeiro LEP, Cupertino EGF. Violência física no estado do Espírito Santo: uma análise dos casos notificados. Enferm Bras. 2023;22(5):

640-54. doi: 10.33233/eb.v22i5.5540

 

Resumo

Objetivo: Analisar os casos notificados de violência física no Espírito Santo no período de 2011 a 2018. Métodos: Estudo analítico transversal, com as notificações realizadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). A variável dependente foi violência física e as independentes foram as características da vítima, agressor e agressão. Os dados foram analisados por meio do Stata 14.0. Resultados: A frequência de notificação de violência física foi de 56,2% (IC95%: 55,7-56,8). Foram associados a esse agravo: ser homem, adulto, raça/cor preta/parda, sem deficiência/transtorno e residente da zona rural. Os agressores eram a maioria homens adultos, com suspeita de uso de álcool durante o evento, envolvendo mais de uma pessoa. A agressão ocorreu mais em via pública e não foi de repetição. Conclusão: A violência física é a mais frequente dentre todos os tipos de violência, evidenciando a importância da identificação, acolhimento e prevenção a esse agravo.

Palavras-chave: violência; agressão; notificação de abuso; epidemiologia; exposição à violência.

 

Abstract

Physical violence in the state of Espírito Santo: an analysis of notified cases

Objective: To analyze reported cases of physical violence in Espírito Santo from 2011 to 2018. Methods: Cross-sectional analytical study, with notifications made in the Notifiable Diseases Information System (SINAN). The dependent variable was physical violence and the independent variables were the characteristics of the victim, aggressor and aggression. Data were analyzed using Stata 14.0. Results: The frequency of notification of physical violence was 56.2% (95%CI: 55.7-56.8). The following were associated with this condition: being a man, adult, black/brown race/color, without disability/disorder and resident of a rural area. The attackers were mostly adult men, suspected of using alcohol during the event, involving more than one person. The attack occurred more on public roads and was not repeated. Conclusion: Physical violence is the most frequent among all types of violence, highlighting the importance of identifying, embracing and preventing this problem.

Keywords: violence; aggression; abuse notification; epidemiology; exposure to violence.

 

Resumen

Violencia física en el estado de Espírito Danto: un análisis de casos notificados

Objetivo: Analizar los casos denunciados de violencia física en Espírito Santo entre 2011 y 2018. Métodos: Estudio analítico transversal, con notificaciones realizadas en el Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria (SINAN). La variable dependiente fue la violencia física y las variables independientes fueron las características de la víctima, el agresor y la agresión. Los datos se analizaron utilizando Stata 14.0. Resultados: La frecuencia de notificación de violencia física fue de 56,2% (IC95%: 55,7-56,8). Se asociaron a esta condición: ser hombre, adulto, raza/color negro/moreno, sin discapacidad/trastorno y residente en zona rural. Los atacantes eran en su mayoría hombres adultos, sospechosos de haber consumido alcohol durante el evento, en el que participaron más de una persona. El ataque se produjo más en la vía pública y no se repitió. Conclusión: La violencia física es la más frecuente entre todos los tipos de violencia, destacando la importancia de identificar, abrazar y prevenir este problema.

Palabras-clave: violencia; agresión; notificación de abuso; epidemiología; exposición a la violencia.

 

Introdução

 

A ocorrência de atos de violência está cada vez mais crescente e, deste modo, com o passar dos anos e com o avançar da tecnologia e dos meios de comunicação, esses atos estão progressivamente mais visíveis para a população [1]. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2002), a violência é relacionada com a intenção e ocorrência do ato, que pode ser por meio do uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou a um grupo, resultando em desenvolvimento prejudicado e, em muitos relatos, até a morte [2].

Este agravo ocorre tanto em espaços públicos como no ambiente privado do lar, tendo como vítima crianças, adolescentes, homens, mulheres, idosos e portadores de deficiências com realidades sociodemográficas distintas, inferindo diretamente, de forma múltipla, na saúde, bem-estar e/ou qualidade de vida [3]. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (2002) divulgou, no Relatório Mundial sobre Violência, a natureza dos atos violentos. Esses podem ser de natureza física, sexual, psicológica e relacionada à privação ou ao abandono, vinculados à violência autoinfligida, interpessoal ou coletiva [2].

A violência física é representada por intermédio de situações de poder sobre outra pessoa, levando intencionalmente ao dano com uso da força física ou de armas que ocasionam ou não lesões externas, internas ou ambas [4]. Convém mencionar que a violência física pode ser o desfecho final de diversos outros tipos de violência, como, por exemplo, a violência psicológica e sexual [5]. Dessa forma, este agravo associa-se a fatores socioeconômicos, contexto familiar, saúde mental, comportamentos individuais de risco, ambiente inseguro, uso de drogas ilícitas ou lícitas pelo agressor, apresentação de histórico de repetição e intolerância às diversidades [6].

Destaca-se que toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, e a prática da violência física infringe os direitos humanos e estabelece um empecilho para a saúde por acarretar consequências negativas no desenvolvimento biopsicossocioespiritual do indivíduo [7].

Considerando sua magnitude e seus enormes custos à sociedade, no ano de 2011, o Ministério da Saúde ampliou a lista de notificação compulsória, englobando a obrigatoriedade de notificar casos de violências, com o objetivo de universalizar tal ação a todos serviços de saúde do país [8]. Conforme Mascarenhas et al. [9], os profissionais da saúde são vistos como um setor privilegiado para a detecção desse agravo, porque grande parte das vítimas procuram neles acolhimento, atendimento e orientação através da rede de cuidados e de proteção social. Por terem mais contato com a população, os profissionais da saúde tornam-se pessoas da linha de frente na notificação e alimentação do banco epidemiológico, e no combate às violências, dentre elas a do tipo física [10].

Assim sendo, violência física é uma temática que requer atenção da população e do setor de saúde, visto que pode acarretar mortes, traumas físicos e emocionais [11]. Logo, compreende-se que a análise dos dados contribui para ampliar o conhecimento relacionado à violência, levando a orientação e delineamento de políticas públicas para a sua prevenção [8].

Diante do exposto, este trabalho objetiva analisar os casos notificados de violência física no estado do Espírito Santo no período de 2011 a 2018.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo epidemiológico transversal, no qual foram analisados todos os dados notificados de violência física registrados no SINAN no estado do Espírito Santo entre os anos de 2011 a 2018. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio do censo brasileiro de 2010, o estado do Espírito Santo possui em torno de 3,5 milhões de habitantes, sendo o décimo quarto estado mais populoso do Brasil [12]. Ademais, apresenta em sua densidade demográfica 76,25 habitantes por quilômetro quadrado, onde mais de 83% da população reside na zona urbana. Além disso, o Espírito Santo está entre os três estados que tiveram a maior diminuição na taxa de homicídios, com redução de 22,6% [13].

A variável dependente deste estudo é a violência física (sim/não) e as variáveis independentes são de acordo com as características a seguir:

a) Características da vítima: faixa etária (0 a 9; 10 a 19; 20 a 59; 60 e mais), sexo (masculino; feminino), raça/cor (branca; preta/parda), presença de deficiência/transtorno (não; sim) e zona de residência (urbana/periurbana; rural); 

b) Características do agressor: número de envolvidos (um; dois ou mais), faixa etária (0 a 24; 25 e mais), sexo (masculino; feminino; ambos), vínculo com a vítima (conhecido; desconhecido) e suspeita de uso de álcool (não; sim); 

c) Características da agressão: local de ocorrência (residência; via pública; outros), histórico de repetição (não; sim) e encaminhamento para outros serviços da rede (não; sim).

Os dados foram trabalhados no pacote estatístico Stata® versão 14.1, e os resultados apresentados por meio de frequência absoluta e relativa, bem como, intervalos de confiança de 95%. Para a avaliação da associação entre as variáveis foram utilizados os testes do Qui-Quadrado de Pearson e Regressão de Poisson.

O presente estudo faz parte do projeto “Violência nos diferentes ciclos de vida no estado do Espírito Santo: Uma análise epidemiológica”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, sob identificação pela inscrição número 2.819.597.

 

Resultados

 

Entre o período de 2011 a 2018, o estado do Espírito Santo registrou 20.048 casos de violência física. Essa tipologia de violência mostrou-se em 56,2% (IC95%: 55,7-56,8) das notificações, sendo predominante entre as notificações de violência interpessoal.

Dessa maneira, percebe-se que as vítimas de violência física no Espírito Santo são, em sua maioria, mulheres (71,9%), com idade entre 20 a 59 anos (71,1%), da raça/cor preta/parda (70,3%), não tinham deficiências ou transtornos (90%) e residiam na zona urbana/periurbana (88,3%). Em referência aos agressores e ao evento, 75,4% eram homens, 69,5% tinham 25 anos ou mais, 85,5% eram conhecidos da vítima, em 52% das ocorrências não houve suspeita do uso de álcool, 63,9% ocorreram em residência, 81,9% dos casos envolviam apenas um agressor, 50,7% dos casos foram violência de repetição e 83,8% haviam sido encaminhados (Tabela I).

 

Tabela I - Caracterização dos casos notificados de violência física. Espírito Santo, Brasil, 2011-2018 (n = 20.048)

 

n = frequência absoluta; % = frequência relativa; IC 95% = intervalo de confiança de 95%. Fonte: Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN), 2011 a 2018

 

Nas análises bivariadas, foi observada a relação com as seguintes variáveis: sexo, faixa etária, raça/cor, deficiências/transtornos, zona de residência, faixa etária e sexo do agressor, suspeita do uso de álcool, número de envolvidos, local de ocorrência e histórico de repetição (p < 0,05) (Tabela II).

 

Tabela II - Distribuição das características das notificações de violência física (n = 20.048). Espírito Santo, Brasil, 2011-2018

 

n = frequência absoluta; % = frequência relativa; IC95% = intervalo de confiança de 95%. Fonte: Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN), 2011 a 2018

 

Na análise ajustada, a violência física foi mais prevalente em homens (RP: 1,32; IC95% 1,29-1,35), com idade entre 20 e 59 anos (RP: 3,36; IC95% 3,12%-3,61%), de raça/cor preta/parda (RP: 1,07; IC95% 1,05-1,10), sem presença de deficiências/transtornos (RP: 1,76; IC95% 1,69-1,83) e residente da zona rural (RP: 1,14; IC95% 1,11-1,17). Observou a associação do agressor ter acima de 25 anos (RP: 1,04; IC95% 1,01-1,07), ser do sexo masculino (RP: 1,34; IC95% 1,29-1,39) e com suspeita de uso de álcool (RP: 1,16; IC95% 1,12-1,19). Além disso, em relação ao evento, foi mais frequente dois ou mais agressores envolvidos (RP: 1,24; IC95% 1,20 -1,28), em via pública (RP: 1,34; IC95% 1,30-1,38) e sem histórico de repetição (RP: 1,07; IC95% 1,03-1,10) (Tabela III).

 

Tabela III - Análise bruta e ajustada dos efeitos das características dos casos de violência física (n = 20.048). Espírito Santo, Brasil, 2011-2018

 

RP = Razão de Prevalência; IC95% = intervalo de confiança de 95%

 

Discussão

 

A violência física foi responsável por 56,2% das notificações de violência interpessoal registradas no estado do Espírito Santo entre 2011 e 2018. Na literatura nacional, os achados se equiparam ao presente estudo, pesquisa caracterizando as agressões físicas mostrou uma prevalência de 64,7% entre todos os tipos de violência notificáveis pelo SINAN durante diferentes períodos do ciclo de vida [8].

Para além, os resultados deste estudo demonstraram que esse agravo ocorre com mais frequência nos indivíduos do sexo masculino. Segundo dados da pesquisa epidemiológica e descritiva, realizada em 2020 na região Centro Oeste do Brasil, foi evidenciado que 72,3% das vítimas de violência eram homens e em 68,1% dos relatos ocorreram agressões físicas [14]. Esses achados refletem a concepção social e cultural de que homens reafirmam sua masculinidade através de sua resistência física em seu contexto coletivo, de forma a apresentarem uma maior inclinação de vivenciarem agressões [15].

Nota-se que a violência física foi 3,36 vezes mais prevalente em vítimas de 20 a 59 anos. Dado que se assemelha a pesquisa de abordagem quantitativa, por meio da análise das notificações de uma Regional de Saúde do interior do Paraná no ano de 2018, onde 51,3% dos casos foram de indivíduos adultos [16]. A normalização da agressão entre gerações e sociedades favorece com que essas situações sejam banalizadas e, como consequência, tem-se adultos mais expostos a tais atitudes e comportamentos [17].

As análises da pesquisa identificaram que pessoas da raça/cor preta/parda tiveram mais frequência de vivenciarem a violência física. O Atlas da Violência descreveu sobre o crescimento da desigualdade racial, no qual 77% das vítimas de lesão corporal com desfecho de mortalidade são negros, e o assassinato de pretos/pardos é 2,6 vezes maior do que um não negro, e esses números tem crescido em 1,6% ao longo dos anos [18]. A violência física contra a população negra é velada pela construção histórica do racismo e da desigualdade social em que o indivíduo, através de suas características fenotípicas de traços afrodescentes, é estereotipado de forma a tornar-se mais suscetível de sofrer agressões e, também, violências raciais [19].

Observa-se que pessoas sem deficiência ou transtornos apresentam 76% mais prevalência de agressões em comparação às pessoas com deficiências. O Disque Direitos Humanos – Disque 100, referente ao ano de 2019 e divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos, aponta que a violência física no grupo de pessoas com transtornos apresentou uma queda de 4,98% [20]. A redução das agressões em pessoas com deficiência recorre a uma menor inclinação de interações interpessoais e a uma maior dificuldade de acessarem os serviços de saúde, podendo contribuir para uma subnotificação [9]. Em contrapartida, o aumento expressivo de notificação em indivíduos sem necessidades especiais cresce devido às facilidades de desvincularem do agressor e buscarem por ajuda nos serviços de referência [21].

Dados do estudo demonstraram uma prevalência cerca de 1,14 vezes a mais em residentes da zona rural em experienciar a violência física, contrariando os achados da literatura [22]. Todavia, vale refletir que no perímetro da zona rural as agressões físicas são potencializadas por meio da reprodução geracional e normatização de tais atitudes, além da característica desarticulada do serviço de saúde para promoção da proteção e prevenção às violências [23,24].

A respeito da idade do perpetrador, obteve-se uma maior proporção de indivíduos acima de 25 anos, concordando com o estudo de Bezerra e Rodrigues, em que os autores das agressões mostraram ter entre 26 e 34 anos [25]. A violência física é naturalizada na sociedade como uma forma de expressão, condutas educativo e de repressão, de maneira que é reproduzida no cerne social por todo ciclo de vida [26].

Quanto ao sexo do agressor, observa-se uma prevalência maior entre homens. Melo e Garcia abordam que os principais autores de violência física são, predominantemente, do sexo masculino [27]. O papel de gênero, implicitamente pregado na sociedade, molda a visão do homem perante a sua própria masculinidade, no qual ele é cobrado a mantê-la por meio do uso de agressividade, violência e demonstrações de tolerância à dor, tornando um indivíduo propenso a vivenciar e propagar a violência física [28].

O uso de álcool mostrou-se como fator predisponente para a perpetração da violência física, fato que se assemelha aos dados divulgados pela Organização Pan-Americana da Saúde em que 48% dos agressores haviam consumido álcool antes de consumar o homicídio e 37% estavam embriagados no ímpeto da agressão física [29]. Segundo Mascarenhas et al. [9], a ingestão de bebidas alcoólicas por parte do agressor tem implicação significativa nos abusos físicos, no qual observa-se a predominância da desinibição fisiológica, podendo levar a comportamentos violentos, impulsivos e descontrolados.

Outro dado referente ao evento da agressão é o número de perpetradores, foi evidenciado que houve a prevalência de dois ou mais agressores envolvidos, dado que apresenta divergência da pouca literatura que aborda o assunto [14,29]. É perceptível que as mulheres sofrem essas agressões de pessoas mais próximas estando vinculadas a um agressor, sendo esse comumente o parceiro íntimo, enquanto para os homens, esses agressores são pessoas desconhecidas, podendo ter um maior número de perpetradores envolvidos [8].

A prevalência da violência física ocorrida em via pública foi evidenciada por meio deste estudo. O Instituto Médico Legal de Petrolina/PE revelou que, entre 2015 e 2016, 58,8% dos casos de agressões ocorreram fora do domicílio [31]. Nesse sentido, a violência física no cenário de vias públicas foi potencializada pela intencionalidade da ação e redução na sobrevida que conjuntamente associada a um momento de baixa circulação de pessoas pode expor a vítima a uma situação de maior risco e letalidade do ato [32]. Além do exposto, a violência física pode ser visualizada e esse fato determina uma aceitação social, enquanto outras tipologias, como a psicológica, possuem uma dificuldade para serem reconhecidas como violências e isso promove com que sejam veladas [33].

A violência física foi mais frequente em vítimas sem histórico de repetição. Em concordância com os achados dessa pesquisa, Armond et al. [7] referiu 41,6% a prevalência de agressões vivenciadas uma única vez por pessoas do sexo masculino. Estudos têm mostrado que há baixos níveis de procura de homens pelo serviço de saúde em detrimento da visão de masculinidade em que não incentiva a sensibilização da promoção do autocuidado, atitude que impacta diretamente nas notificações de casos repetidos de violência, contribuindo para a notificação de apenas uma situação, principalmente quando se refere a casos de extremo agravamento [34].

A notificação dos agravos são importantes componentes na detecção dos públicos de risco, monitoramento e desenvolvimento de um olhar sensível para produção de políticas públicas voltadas para a prevenção e proteção desses indivíduos [34]. O profissional da saúde é o primeiro contato de apoio para acolhimento e tratamento das vítimas, fato que propicia a maior facilidade de identificação de violências [9]. Dessa maneira, terem conhecimento da importância e a forma de notificar, impulsionam medidas preventivas à violência física e de promoção à saúde [9].

Os pontos fortes do estudo é que se trata de uma pesquisa com um banco de dados de rotina de um dos estados da região Sudeste do país e cujos resultados podem ser utilizados para diagnóstico, planejamento, execução e monitoramento de políticas públicas de prevenção à violência física. Como limitações do estudo, por se tratar de um banco de dados oriundo de sistema de notificação infere-se a possibilidade de subnotificação devido as barreiras na alimentação, ausência de equipamentos e dificuldade de identificação do agravo nos atendimentos de rotina, porém se presente atenuaria a magnitude da associação. Ainda, pode-se citar a possibilidade de confusão residual pela falta de informação e também dificuldade de qualificação de todos os profissionais para preencher adequadamente a ficha de notificação, entretanto a qualificação dos dados pelos pesquisadores foi executada a fim de minimizar inconsistência e melhorar a qualidade da informação.

 

Conclusão

 

Este trabalho evidenciou que a violência física foi a tipologia mais notificada dentre as violências interpessoais no Espírito Santo no período de 2011 a 2018. Observa-se ainda que características da vítima, do agressor e do evento estiveram associados ao desfecho em estudo. A violência física mostrou-se presente no estado do Espírito Santo e a identificação dos fatores associados permitem um maior detalhamento desse fenômeno, contribuindo para a prevenção e enfrentamento das agressões. Identificar os indivíduos mais vulneráveis a vivenciarem essa tipologia de violência possibilita a criação de medidas de proteção e o encaminhamento correto para os setores de acolhimento, garantindo os direitos e a segurança das vítimas. Por fim, cabe ressaltar o pouco volume de pesquisas sobre a violência física especificamente, carecendo de mais informações a respeito deste agravo.

 

Conflitos de interesse

Não há conflito de interesse

 

Fontes de financiamento

Não houve financiamento

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Leite FMC; Coleta de dados: Leite FMC, Ribeiro LEP, Venturin B; Análise e interpretação dos dados: Leite FMC, Ribeiro LA, Ribeiro LEP, Tavares FL, Cupertino EGF, Venturin B; Análise estatística: Leite FMC, Venturin B; Redação do manuscrito: Leite FMC, Ribeiro LA, Ribeiro LEP, Tavares FL, Cupertino EGF, Venturin B; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Leite FMC, Ribeiro LA, Ribeiro LEP, Tavares FL, Cupertino EGF, Venturin B

 

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