ARTIGO
ORIGINAL
As
representações sociais da mãe frente à morte de um filho e a assistência de
enfermagem
Ivandira Anselmo
Ribeiro Simões, M.Sc.*, Nayara Dias Andrade**, Wiviana
Paiva Vilela de Oliveira**
*Enfermeira,
Professora da Escola de Enfermagem Wenceslau Braz, Itajubá/MG, **Graduanda de
Enfermagem na Escola de Enfermagem Wenceslau Braz, Itajubá/MG
Recebido em 17 de
novembro de 2014; aceito em 11 de agosto de 2016.
Endereço
de correspondência:
Nayara Dias Andrade, Rua da Floresta, 233, 37500-234, Itajubá MG, E-mail:
naydiasandrade@hotmail.com; Ivandira Anselmo Ribeiro Simões:
ivandiranselmors@hotmail.com; Wiviana Paiva Vilela de Oliveira: wivivilela@hotmail.com
Resumo
Este estudo teve como
objetivos compreender como as mães conseguiram passar pela situação da morte de
um filho e identificar como foi a assistência prestada
pelo enfermeiro no atendimento a esta mãe. Esta pesquisa foi aprovada pelo
comitê de ética e pesquisa da Escola de Enfermagem Wenceslau Braz. É uma
pesquisa qualitativa, descritiva, exploratória e transversal. As participantes
foram 20 mães, a amostra foi do tipo bola de neve e o método utilizado foi
Discurso do Sujeito Coletivo. Como resultados sobre a mãe frente à morte de um
filho, identificamos cinco ideias centrais e dessas as que mais prevaleceram
foram: “Muito Difícil”, e “Muito Triste”. E com relação ao enfermeiro na
assistência prestada a mãe também cinco ideias centrais, das quais as duas que
mais prevaleceram foram: “Não” e “Sim, enfermeira”. Percebeu-se que não importa
o motivo e quando a morte ocorreu, a dor vai ser a mesma, pois altera a ordem
cronológica da vida que é os filhos enterrarem os pais
e não ao contrário.
Palavras-chave: morte, Enfermagem,
pesar.
Abstract
Social representations of mothers facing death of a child and nursing
care
The objective of this study was to understand how mothers were able to
get over the loss of a son or daughter, and to identify how the nursing care of
mothers experiencing loss was. This research was approved by the Research
Ethics Committees of Escola de Enfermagem Wenceslau Braz. It is a qualitative, descriptive,
exploratory, cross-sectional research. The participants were 20 mothers. The
snowball sampling and the Collective Discourse method were adopted. As a result
on the topic of mother facing death of a child, we identified five central
ideas, in which prevailed, “Very hard”, and “Very sad”. On the topic of nursing
care of mother experiencing loss, we acquired five central ideas as well, in
which the two prevailed were “No” and “Yes, Nurse”. It was noticed that the
motive or when the death occurred does not matter; the pain will be the same
because it changes the chronological order of life that says sons/daughters
bury their parents and not the other way around.
Key-words: death,
Nursing, grief.
Resumen
Las representaciones sociales de madres
frente a la muerte de un hijo y los cuidados de
enfermería
Este estudio tuvo
como objetivos comprender cómo las madres lograron pasar por una situación de
muerte de un hijo, identificar cómo han sido los cuidados brindados por
enfermeras a esta madre e identificar las características personales y sociales
de las entrevistadas. Este estudio fue aprobado por el
comité de ética e investigación de la Escuela de Enfermería Wenceslau Braz. Se trata de un estudio cualitativo, descriptivo,
exploratorio y transversal con 20 madres. La técnica de muestreo bola de nieve
y el método del Discurso del Sujeto Colectivo (DSC)
han sido utilizados. Como resultados del tema de la
madre frente a la muerte del niño, se identificaron cinco ideas centrales, y
estas las que prevalecieron “Muy difícil” y “Muy triste”. Y sobre el tema del enfermero en el cuidado de la madre que perdió
un hijo también se encontraron cinco ideas centrales que prevalecieron “No” y
“Sí, la enfermera”. Se observó que no importa el
motivo y cuando ocurrió la muerte, el dolor será el mismo, porque, por orden
cronológico y natural, los hijos deben enterrar a sus padres y no al contrario.
Palabras-clave: muerte, Enfermería,
pesar.
Os maiores mistérios
que circulam o ser humano se referem as suas origens, ao seu papel no mundo e a
sua finitude. Para tentar explicá-los e compreendê-los, a humanidade vem
procurando respostas através de conhecimentos filosóficos, científicos e
religiosos. A morte não é apenas a destruição do estado físico e biológico, mas
também o desaparecimento de um ser que interage, pois o vazio da morte é
interacional, portanto, a ideia da morte traz a ruptura da interação da pessoa
consigo mesma e da privação com sua comunidade e com sua cultura [1].
A ética da vida e da
morte é única. O cuidado que damos ao nascer deve ser dado ao morrer, pois
nascer e morrer fazem parte de um mesmo fenômeno: o da
vida humana [2]. A morte tem dois lados. Um deles é a sua realidade física, e
nisto todos se parecem. O outro são as palavras que dizemos uns aos outros,
diante dela. É aqui que se encontra a diferença [3].
Para os pais que
planejam e idealizam o futuro de seus filhos, a morte
de um deles é um acontecimento indescritível. É como se esse planejamento
desaparecesse de repente, como folhas levadas pelo vento. Algumas manifestações
dão uma dimensão dessa perda avassaladora, como “o que será de nossas vidas sem
ele ou ela” ou “nada mais terá sentido nas nossas vidas”. Além do imensurável
sofrimento, ocorre nesses pais todo tipo de sentimento: culpa, impotência,
fracasso, raiva e punição [1].
Participar do
processo de morrer é uma experiência única para qualquer ser humano, a maneira
com que cada pessoa lida com a morte é reflexo de suas
vivencias, seu grau de maturidade, seus valores culturais, espirituais e
religiosos [1].
A superação do luto
por parte dos pais é um processo de integração da criança morta à vida diária
em que a dor da perda da criança nunca acaba apenas reduz [4]. O luto pode ser
classificado em: crônico, que é o prolongamento indefinido do luto; inibido,
quando há ausência dos sintomas normais de luto; e adiado, quando a pessoa não
apresenta reações logo após a morte, apresentando um luto distorcido mais tarde
[5].
Alguns fatores, como
a morte violenta, repentina, muito sofrida ou que inverta a ordem natural das
coisas, como o caso de filhos que morrem antes dos pais, podem
agravar esse processo doloroso [6].
O profissional de
Enfermagem precisa construir vínculos que possibilitem o olhar sobre os
indivíduos, suas famílias e seu contexto de vida, entendendo como as famílias vivem, quem são, como são compostas, como se desenvolveram,
como funcionam, que papéis desempenham, suas fragilidades e quais são as forças
que os grupos familiares constituíram ao longo de sua trajetória para
reconstruir o cuidado às famílias, reconhecendo-as, respeitando sua autonomia e
favorecendo a resolução de seus problemas. Portanto, para se trabalhar com as
famílias, é necessário que o profissional tenha conhecimento acerca do universo
familiar, sem simplificá-lo, reduzindo-o a variáveis, relacionadas a condições
de risco, em função de seus valores socioculturais [7].
Este estudo teve como
objetivos: Compreender como as mães conseguiram passar pela situação da morte
de um filho; Identificar como foi a assistência
prestada pelo enfermeiro no atendimento a esta mãe.
Material
e métodos
Estudo de abordagem
qualitativa, descritiva, exploratória e transversal, realizado em duas cidades
do sul de Minas Gerais. Teve como método de estudo o Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC), utilizando algumas figuras metodológicas como Expressões Chaves (ECH) e
Ideia Central (IC). As participantes foram 20 mães que vivenciaram a morte de
um filho. A amostragem foi do tipo proposital (intencional ou racional) e a
amostra do tipo bola de neve.
Utilizou-se para a
coleta de dados dois instrumentos: o primeiro destinado à identificação das
características pessoais das mães, o qual é constituído de perguntas abertas e
fechadas referentes à idade, escolaridade, situação conjugal, de trabalho e
religião, motivo da morte do filho. O segundo trata de uma entrevista
semiestruturada constituída de duas perguntas abertas. A primeira questão era
sobre a experiência da mãe ao passar pela morte de um filho. A segunda
relacionada à ajuda que as mães receberam pelos profissionais de saúde,
principalmente o enfermeiro.
Esta pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem Wenceslau Braz
com o parecer consubstanciado número 114.669.
Resultados
Os resultados serão
apresentados em dois quadros que permitirão visualizar os temas explorados e a
frequência de cada Ideia Central.
Tema I:
A mãe frente à morte de um filho
Quadro
1 – Ideias centrais sobre o tema I.
Tema
II: Enfermeiro na assistência da mãe que perdeu um filho
Quadro
2 – Ideias centrais sobre o tema II.
Ao analisarmos as
ideias centrais do tema “A mãe frente à morte de um filho”, observamos que a
ideia mais frequente entre as participantes foi “Muito difícil”. Há uma grande
falta de preparação para o enfrentamento de tal perda, pois não se espera que
pais enterrem seus filhos e sim, o contrário. Frente à perda de filhos, leva-se
em conta a importância do vínculo e a proximidade de relacionamento implicados
entre pais e filhos [8]. As mães assim se expressaram:
“...
Para quem se prepara para construir uma família a perda de um filho é muito
dura. Foi a situação mais difícil que enfrentei na
minha vida, é uma dor incomparável...”.
A enfermeira deve se
preparar para dar assistência à mãe que perde um filho. Passar pela perda de
qualquer ente querido, não importando sua idade e nível de proximidade, é muito
difícil. Pior, então, da perda de filhos, levando-se em conta a importância do
vínculo e proximidade de relacionamento entre pais e filhos [8].
Dentro ainda desse
tema, “Muito triste” foi outra ideia central muito usada pelas mães. A reação
frente ao luto é particular de cada pessoa. Porém, ao relembrar da perda, esta
sente uma intensa tristeza, mas é possível reencontrar um conforto [6]. Como
podemos ver no seguinte discurso:
“Mas
foi muito triste, eu estava muito doente. Quando perdi foi muito triste. Foi
bem traumatizante, tive muito sangramento que demorou a se conter e cheguei a
ficar anêmica. Muito traumatizante. A gente fica triste. A gente passa por
momento de tristeza, porque a gente fica ansiosa querendo que venha. É muito
triste.”
A partir do momento
que a pessoa aceita a realidade de ter perdido o ente querido, inicia-se uma
tristeza profunda, pois a morte passa a ser uma realidade concreta e visível, o
que provoca algumas manifestações, sejam elas físicas emocionais e espirituais.
A tristeza é muito comum para aqueles que perdem seus entes. O que não pode
ocorrer é esta tornar-se crônica [9].
Outra ideia central
foi “Horrível”, “Não Superei” e “Sofri muito”. Esses foram evidenciados nos
seguintes depoimentos:
“...
Eu não superei ainda, tá na saudade... Foi horrível. É uma experiência única e
muito ruim... Eu fiquei sem chão, porque é horrível perder um filho, ainda mais
quando você vê que está perfeito. Eu sofri muito com a morte do L...”.
O processo de luto
implica em reconhecer, aceitar a realidade, experimentar e lidar com as emoções
resultantes da perda. Tais mudanças dependem de condições que favoreçam e/ou
prejudiquem a elaboração dessa perda e, no entanto, demandam tempo. Trata-se de
um tempo interno e não de um tempo cronometrado. O luto é único, singular e
individual. A perda de uma pessoa querida desestrutura quem perde. É preciso
aprender a viver sem a pessoa que morreu, porém há um tempo em que o hábito
prevalece, e aqueles que iniciam o processo de luto ainda continuam a viver
[3].
Ao interpretarmos as
ideias centrais da questão: “Enfermeiro na assistência da mãe que perdeu um
filho”, a mais emergente foi “Não”. Os profissionais da saúde têm se mostrado
com falhas na formação quanto a esse tempo da vida para a morte. Poucos cursos
abordam este assunto sobre a morte. Na parte prática são focados mais o doente,
sua família e os cuidados que devem ser dados a eles, enquanto vivos. Portanto,
na graduação o assunto morte quase não é discutido, e na vivência profissional
é ainda pouco refletido [10]. Essa
conclusão do autor pode ser interpretada diante o discurso das mães:
“...
Não, de ninguém... Eu não recebi ajuda nenhuma, depois que sai do hospital,
ninguém nunca me viu...”.
Ao serem questionados
sobre sua prática, é comum ouvirmos dos enfermeiros que “falta tempo” [11].
Essa é uma desculpa frequente, mas para realizar uma assistência de qualidade
ele tem que se deslocar até a família, o paciente e ter a capacidade de ouvi-lo
e isso requer tempo. Falta empenho dos enfermeiros para resgatar suas reais
funções e redefinir seu valor profissional. Além disso, apesar de toda proposta
lógica do processo de enfermagem, parece que a essência da profissão, a arte de
cuidar, está em segundo plano. O que se vê é o enfermeiro assistencial
desenvolvendo ações burocráticas, mergulhado em atividades rotineiras de
controles e registros e perdendo a noção do seu principal papel que é cuidar
[11].
Ainda sobre esse
tema, obtivemos outra ideia central “Sim, enfermeira”. Os enfermeiros relatam
que, ao estabelecerem vínculo com os familiares e vivenciarem o sofrimento,
também eles sofrem [12].
O enfermeiro é o
profissional central da equipe de saúde, indispensável na assistência e está
presente em todas as etapas do ciclo vital humano. Durante a assistência, deve
perceber cada membro familiar a fim de buscar subsídios para efetivar a
comunicação, sendo necessário adequar à forma de transmitir as informações de
acordo com o contexto da família [13].
Este comentário
condiz com o discurso de algumas mães entrevistadas que assim expressaram:
“...
Sim. Eu estava internada e lá no hospital a enfermeira veio e me orientou,
falou o que tinha acontecido e me preparou... Recebi sim, por vários meses
ainda. Em consequência da pressão alta mesmo, se existe meio AVC foi o que eu
tive, pois um dia do nada meu braço caiu e fiquei uns 2
ou 3 meses com meu lado direito totalmente bobo, não conseguia fazer nada, nem
pentear cabelo, abotoar camisa. Elas sempre iam, pelo menos duas vezes por dia
iam dar assistência...”.
Dentro ainda desse
tema, deparamos com a ideia central “Recebi de amigos e parentes”. Alguns
amigos aconselham aos pais que não fiquem falando sempre sobre a perda, mas sim
se lembrar do filho de maneira significativa e isso talvez seja realmente o que
eles precisam fazer [14].
Outra ideia central
dentro desse mesmo tema foi “Padre”. Os pais, ao falarem da perda dos filhos
expressam que, a prece, a fé, conversa com sacerdotes ajuda a enfrentar a perda
[14]. A afirmação desses autores vem de encontro com o discurso:
“...
a única pessoa que veio conversar comigo foi um padre. Ele me orientou
certinho, e eu to levando...”.
A presença de um
padre ou pastor serve de apoio e consolo para os que perdem o ente querido. O
fato é que as mães acreditam que pela sua fé a pessoa que morre vive para a
vida eterna, logo serve de consolo a certeza de
estarem vivos e com Deus.
Ainda sobre esse
tema, encontramos a ideia central “Psicólogo”. Hoje em dia, a morte ainda é
vista como um tabu, cercada de mistérios e de crenças, e as pessoas,
normalmente, não se encontram preparadas para lidar com morte. Quando esta
ocorre de forma trágica e repentina, tende a causar várias alterações na vida
de uma pessoa, ocasionando, muitas vezes, prejuízos e alterações,
principalmente, emocionais e cognitivos. Neste momento, os enlutados poderão
recorrer a um psicólogo e este tende a priorizar o acolhimento e a escuta ao
paciente [15].
Essas palavras dos
autores condizem com o que uma mãe explanou:
“... A única ajuda que eu tive foi com
psicólogo...”.
O cuidado com os
enlutados exige relacionamentos sofisticados e mais complicados de serem
argumentados do que a aparente simplicidade dos modelos de cuidar. É um tipo de
relacionamento que visa uma atenção às particularidades do enlutado,
ajudando-os nesta difícil situação a enxergar que, às vezes, o que mais pode
lhes dar conforto é, ironicamente, falar sobre sua perda [15].
Considerando que a
morte ainda não é bem aceita pela sociedade, percebeu-se que tratar desse tema
não é fácil. O medo que esta causa para a maioria das pessoas é devido a não
estarmos acostumados com o fato de que um dia morreremos,
que esse fenômeno faz parte do ciclo vital, e também ao sentimento de fim e
perda que é causado. Por esses motivos, não é fácil passar pela morte de um
ente ou pessoa querida, o que faz com que as pessoas não entendam e tenham
dificuldade em superá-la.
Assim, na maioria das
vezes, o que ajuda a superar é a fé, a capacidade de acreditar em Deus e se
esvaziar de si mesmo e ir ao encontro do outro, se ocupar.
Uma mãe que perde seu
filho jamais será a mesma, sempre vai ter um pedaço vazio que era destinado
aquele filho, porém é preciso encontrar forças e continuar, pois a vida não
para diante dos sofrimentos. Lidar com o luto é muito difícil, pois cada um tem
seu jeito, uma forma de encará-lo e superá-lo, não há regras para serem
seguidas, apenas o seu coração.
Outros estudos devem
ser realizados sobre o tema, pois há uma escassez de estudos nesta área. Há
pesquisas sobre luto, morte e o processo morrer, porém
o luto materno não é muito abordado.
Referências