EDITORIAL

A cesariana em microrregião do interior paulista: uma realidade assustadora

 

Luciana Braz de Oliveira Paes*, Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, D.Sc.**

 

*Enfermeira Obstetra, Mestranda Programa Pós Graduação em Enfermagem da FAMERP, Docente de Curso de Graduação em Enfermagem FIPA, Coordenadora da enfermagem obstétrica do Hospital Padre Albino, **Obstetriz, enfermeira, livre-docente em enfermagem obstétrica, docente e orientadora da graduação e pós-graduação na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), organizadora e coordenadora geral do Curso de pós-graduação em Enfermagem Obstétrica na FAMERP; Coordenadora Geral do Mestrado Acadêmico – Programa Enfermagem, FAMERP

 

Correspondência: Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, E-mail: zaida@famerp.br

 

A resolução do parto por cesárea constitui-se em problema amplamente discutido no Brasil e na região que abrange uma microrregião do estado de São Paulo - da Divisão Regional de Saúde XV (DRS XV),  já que inclui municípios com os maiores índices de cesárea do Brasil e, consequentemente, do mundo. Como em outras localidades brasileiras, várias questões são aventadas para explicar os índices abusivos de cesárea nesta região paulista, em especial nos setores de saúde suplementar e em nível particular.

Ocorre o desrespeito às indicações obstétricas e as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que desde 1985 publicou que não há justificativa para índices superiores a 10-15%, em qualquer país, estado, região, município ou instituição de saúde. Recentemente, pela Portaria Nº 306, de 28 de março de 2016, foram aprovadas as “Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana”, definindo a taxa de cesariana no Brasil entre 25%-30%.

Na microrregião em foco não temos tais taxas de partos normais nem no sistema público de saúde (SUS), evidenciando-se um aumento crescente nas taxas de cesariana, muitas vezes induzindo-se a mulher e família para conseguir meios financeiros para financiamento desta cirurgia. Que se dirá, então, do sistema privado de atenção em obstetrícia, com índices que se aproximam de 99% de nascimentos por cesariana.

Vale apresentar o perfil das mulheres que realizam a cesárea, a maioria de forma eletiva: faixa etária de 20 a 34 anos; 6 a 7 consultas de pré-natal; casadas ou com companheiro; maior nível de escolaridade e de recursos financeiros; sem problemas obstétricos.

É preocupante verificar que o maior acesso ao pré-natal não reduziu o número de cesarianas, que esta cirurgia teve um aumento progressivo e se tornou quase absoluta no setor privado de atenção obstétrica; que estão aumentando os índices de cesárea no SUS e mesmo com todas as evidências, há dificuldades de atuação do enfermeiro obstetra.

As publicações científicas sobre este assunto são unânimes em destacar a cesariana eletiva como uma vergonha nacional e sobre a necessidade de ações e intervenções para coibir essa prática e de promover a formação e (re)inserção da enfermagem obstétrica, com vistas à humanização do nascimento e alcance de maiores índices de parto normal.

Dados de pesquisa em todo o país mostram a influência médica e familiar na decisão pela cesárea, os fatores socioeconômicos que são decisivos para sua indicação e realização e a precariedade da assistência pré-natal. Interagem e se emaranham interesses econômicos, corporativistas de conveniência/interesse/poder médico e a “preferência” da mulher.

Emerge neste contexto as lacunas na qualidade da assistência ao nascimento que revelam caminhos de violência obstétrica, da medicalização que negligencia ou impede o trabalho em equipe, o abuso de intervenções e de uso de tecnologias desnecessárias e também a não valorização ou desvalorização da participação do enfermeiro obstetra na condução do trabalho de parto ao menos. Como explicar a perpetuação de uma prática em um país com tantos problemas na atualidade, não permitindo ações humanizadoras que desonerariam a atenção obstétrica e devolveriam ou propiciariam à mulher o protagonismo do parto. Legislações neste aspecto existem em grande número, mas são descumpridas sem maiores responsabilizações.

Percebe-se que o momento atual de resolução do parto na região da DRS XV estudada é mais crítico do que seria possível imaginar e que é preciso juntar forças para modificação de comportamentos e usar de estratégias que viabilizem resultados alentadores, com foco na humanização do nascimento.

São necessárias estratégias e ações a serem implementadas embasadas em pesquisas sobre questões sociais, econômicas, possibilidades de espaços de atuação, agentes envolvidos e determinação das competências de cada um, deixando claro o que é privativo e o que é compartilhado e que a mulher/família são os protagonistas nesse contexto. Cabe não esmorecer na luta pela enfermagem obstétrica: a cada um o seu papel, a todos a responsabilidade do agir profissional ético, legal e humanístico.

 

Referências

 

  1. Soler ZASG. CEPAHN - Centro de Preparo e Assistência Humanizados ao Nascimento: uma proposta para a região de São José do Rio Preto, São Paulo [livre-docência]. São José do Rio Preto: Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto; 2005.
  2. Rattner D, Rabello-Neto DL, Lansky S,Vilela MEA, Bastos MH. As cesarianas no Brasil: situação no ano de 2010, tendências e perspectivas. In: Brasil. Brasil 2011: uma análise da situação de saúde e a vigilância da saúde da mulher. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. p.371-99.
  3. Marcolin AC. Até quando o Brasil será conhecido como o país da cesárea. RBGO 2014;36(7):283-9.
  4. BRASIL. MS. Secretaria de ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana, 2016. [citado 2016 Jan 20]. Disponível em: URL: http://conitec.gov.br
  5. Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, d’Orsi E, Pereira APE, et al. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saúde Pública 2014;30Suppl 1:S101-16.
  6. Riscado LC, Jannotti CB, Barbosa RHS. A decisão pela via de parto no Brasil: temas e tendências na produção da saúde coletiva. Texto Contexto Enferm 2016; 25(1).