ARTIGO ORIGINAL

Concepções multiprofissionais sobre a integralidade no cuidado à pessoa com lesão de pele

 

Gímerson Erick Ferreira*, Cristina Orlandi Costa**, Samanta Andresa Richter***, Edemilson Pichek dos Santos****, Dagmar Elaine Kaiser, D.Sc.*****, Êrica Rosalba Mallmann Duarte, D.Sc.*****

 

*Doutorando, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Escola de Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Porto Alegre/RS, **Especialista em Lesões de Pele (UFRGS), Escola de Enfermagem, Porto Alegre/RS, ***Acadêmica, Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT), Curso de Enfermagem, TaquaraRS, ****Acadêmico, FACCAT, Curso de Enfermagem, Taquara/RS, *****Professora Adjunta, UFRGS, Escola de Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Porto Alegre RS, *****Professora Associada, UFRGS, Escola de Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Porto Alegre/RS

 

Recebido em 12 de abril de 2017; aceito em 4 de setembro de 2017.

Endereço de correspondência: Êrica Rosalba Mallmann Duarte, Rua Dr. Valle, 605/601, bloco B, 90560-010 Porto Alegre RS, E-mail: ermduarte@gmail.com, Gímerson Erick Ferreira: gimeferreira@gmail.com; Samanta Andresa Richter: samantarichter@sou.faccat.br; Edemilson Pichek dos Santos: edemilson@sou.faccat.br; Dagmar Elaine Kaiser: dagmar.kaiser@ufrgs.br; Cristina Orlandi Costa: orlandi.costa@hotmail.com

 

Resumo

Objetivo: Analisar as concepções de profissionais de equipes da atenção básica sobre a integralidade no cuidado à pessoa com lesões de pele. Métodos: Estudo descritivo de abordagem qualitativa realizada mediante grupos focais com doze profissionais de equipes de saúde da família. A análise deu-se de modo categorial temática. Resultados: As concepções multiprofissionais expressam a fragmentação das ações de cuidado e como o trabalho organiza-se na atenção a pessoas acometidas por lesões cutâneas. Revelou-se a desarticulação entre os atores e serviços que compõem as redes de apoio necessárias ao cuidado integral neste âmbito. Concebem o conceito de integralidade no cuidado em lesões como proposta de articular-se e interagir conjuntamente frente às necessidades do usuário. Conclusão: Os profissionais entendem que o cuidado em lesões de pele, na perspectiva da integralidade, demanda articulação no trabalho multiprofissional por meio da implantação de redes de atenção à saúde, a qual supere o modelo fragmentado, centrado unicamente na lesão.

Palavras-chave: integralidade em saúde, atenção primária à saúde, Enfermagem.

 

Abstract

Multiprofessional conceptions on integrality in the care of the person with a skin lesion

Objective: To analyze the conceptions of professionals of primary care teams about integrality in the care of the person with skin lesions. Methods: Descriptive study with qualitative approach performed through focus groups with twelve professionals from family health teams. The analysis took place in a thematic category. Results: The Multiprofessional conceptions express the fragmentation of care actions and how the work is organized in the care of people affected by cutaneous lesions. It was revealed the disarticulation between the actors and services that make up the necessary support networks for the integral care in this scope. They take on the concept of integrality in the care in injuries as a proposal to articulate and interact jointly with the needs of the user. Conclusion: The professionals understand that care in skin lesions, from the perspective of integrality, demands articulation in the multiprofessional work through the implantation of health care networks, which surpasses the fragmented model, centered solely on the lesion.

Key-words: integrality in health, primary health care, Nursing.

 

Resumen

Concepciones multiprofesionales sobre la integralidad en la atención a la persona con lesión de piel

Objetivo: Analizar las concepciones de profesionales de equipos de la atención básica acerca de la integralidad en el cuidado a la persona con lesiones de piel. Método: Estudio descriptivo de abordaje cualitativo realizado mediante grupos focales con doce profesionales de equipos de salud de la familia. El análisis se dio de manera categorial temática. Resultados: Las concepciones multiprofesionales expresan la fragmentación de las acciones de cuidado y cómo el trabajo se organiza en la atención a personas acometidas por lesiones cutáneas. Se ha revelado la desarticulación entre los actores y servicios que componen las redes de apoyo necesarias para el cuidado integral en este ámbito. Se concibe el concepto de integralidad en el cuidado en lesiones como propuesta de articularse e interactuar conjuntamente frente a las necesidades del usuario. Conclusión: Los profesionales entienden que el cuidado en lesiones de piel, en la perspectiva de la integralidad, demanda articulación en el trabajo multiprofesional por medio de la implantación de redes de atención a la salud, la cual supere el modelo fragmentado, centrado únicamente en la lesión.

Palabras-clave: integralidad en salud, atención primaria a la salud, Enfermería.

 

Introdução

 

A pele é um órgão de importância vital para a sobrevivência e desenvolvimento humano. Possui diversas e complexas funções e, no âmbito biológico, é responsável pelo revestimento do corpo, manutenção da temperatura, defesa contra micro-organismos, excreção e armazenamento de substância e base dos estímulos sensoriais. Na esfera da psicologia, representa uma proteção do mundo interno do externo, formando uma “barreira” que demarca este limite, entre o “eu” e o “outro”. Expressa também o meio de contato, em que, através do toque, expressamos afetos, vivenciamos experiências únicas, nos vinculamos [1].

Entretanto, as lesões de pele têm sido cada vez mais frequentes nos serviços de saúde, fato que demanda um olhar atento dos profissionais de saúde, especialmente da atenção básica, com vistas à prevenção de agravamento destas lesões. Geralmente, os profissionais de saúde tendem a avaliar as lesões cutâneas a partir dos seus aspectos físicos, porém, sabe-se que as lesões físicas se revestem de características intrínsecas da pessoa acometida, as quais estão relacionadas a aspectos psicológicos, sociais, espirituais e culturais, além da dimensão biológica. A presença da lesão ocasiona mudanças significativas na vida do indivíduo, pois interfere na sua autoimagem, autoestima e autonomia, culminando em prejuízos financeiros e sociais [2,3].

A integralidade, em seus múltiplos sentidos, é um princípio que deve estar presente na assistência à saúde de todos os indivíduos, inclusive aqueles acometidos por lesões cutâneas, pois oferece um conceito ampliado de saúde, extrapolando os limites da ferida. Para tal, demanda a utilização de tecnologias específicas, a exemplo da escuta qualificada, acolhimento, produção vínculo, autonomia, e corresponsabilização do cuidado, para que, desse modo, alcance sua efetividade [4].

Nesse sentido, a perspectiva de integralidade deve estar presente na organização dos serviços de saúde, de maneira a possibilitar a construção de processos de trabalho que integrem saberes técnicos e empíricos em uma dinâmica multiprofissional e interdisciplinar. A configuração de redes de apoio pressupõe a existência de serviços distintos em complexidade e níveis, articulando ações eficazes e dividindo os inúmeros cuidados demandados por um indivíduo [4,5].

Contudo, o exercício do cuidado integral não é uma prática simples, visto que exige, para além da reestruturação dos serviços, a reformulação de processos de trabalho e trabalho de equipe. Isso significa mudanças nas relações com a comunidade e na organização da atenção à saúde, o que requer, consequentemente, modificações nos papéis assumidos pela equipe multiprofissional. A estratégia de saúde da família colabora para uma troca mútua de saberes, construção de conhecimentos e comunicação, garantindo melhoria das práticas e um espaço de colaboração entre os envolvidos [6].

Atuando como enfermeiros em serviços de atenção básica do sul do Brasil, os pesquisadores percebem que não há um envolvimento interdisciplinar da equipe multiprofissional relacionado ao cuidado em lesões, o que desfavorece a articulação dos profissionais de saúde em prol da integralidade em suas ações. Esse fato deu origem ao seguinte questionamento: Quais as concepções de integralidade dos profissionais de saúde da atenção básica acerca do cuidado à pessoa com lesões de pele? Para respondê-lo, optou-se pela realização de um estudo com o objetivo de analisar as concepções de profissionais da atenção básica sobre integralidade no cuidado à pessoa com lesão de pele.

    

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa, realizado com profissionais de quatro equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF), as quais atendem a 12 mil habitantes e estão inseridas no mesmo espaço físico de um Centro de Especialidades e Unidade Básica de Saúde (UBS), no município de Porto Alegre/RS.

O grupo que constituiu a pesquisa foi composto por doze profissionais de diferentes formações, incluindo: seis Agentes Comunitários de Saúde (ACS), um Enfermeiro, quatro Técnicos de Enfermagem e um Técnico de Saúde Bucal. Portanto, foram incluídos no estudo profissionais que se disponibilizaram em participar dos dois encontros, independente do sexo, do tempo de atuação no serviço e da prática no cuidado com lesões. Foram excluídos os profissionais que no período da coleta estavam em férias ou Licença Saúde.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, nº:1.673.204 e pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, nº: 1.737.204, seguindo a resolução de 466/12, referente à pesquisa em seres humanos. Os participantes expressaram sua concordância em participar do estudo, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Na fase inicial da pesquisa foram convidados todos os profissionais de saúde que compunham as equipes de ESF, porém os médicos e cirurgiões dentistas, embora tenham aderido à proposta de desenvolvimento do estudo, não puderam participar devido às demandas do serviço no período de coleta.

A coleta dos dados foi realizada através de dois encontros de grupos focais, planejados e organizados a partir da estruturação operacional em um guia de temas. Os encontros foram mediados pela participação de um condutor e um observador, ambos, pesquisadores do projeto. No primeiro encontro, foram discutidas as concepções de lesões de pele, as características populacionais e territoriais, a atuação profissional e práticas empreendidas por cada categoria, frente às demandas de cuidado à pessoa com lesão. No segundo encontro, foram abordadas as temáticas da integralidade, acolhimento, vínculo e redes de apoio no cuidado em lesões cutâneas.

As informações resultantes da coleta de dados foram submetidas à análise de conteúdo por temática [7], sendo processadas, em termos operacionais, pelas etapas de pré-análise, categorização e tratamento, com posterior interpretação dos resultados. Para preservar o anonimato dos participantes, foram adotadas as seguintes codificações: (ENF) para os enfermeiros, (TENF) para os técnicos de enfermagem, (ACS) para os agentes comunitários de saúde e (TSB) para técnicos de saúde bucal, seguidos de um algarismo arábico correspondente à ordem crescente, conforme a ordem de manifestação nos encontros.

 

Resultados

 

A análise de conteúdo obtido a partir das concepções dos sujeitos da pesquisa foi sistematizada em três categorias temáticas: O trabalho multiprofissional no cuidado à pessoa com lesões de pele: fragmentação ou integração?; (Des)articulação da rede no cuidado à pessoa com lesões de pele; De que integralidade os profissionais se referem?

 

O trabalho multiprofissional no cuidado à pessoa com lesões de pele: fragmentação ou integração?

 

Neste eixo temático, estão descritos os relatos dos profissionais acerca do modo como a equipe se organiza para prestar assistência às pessoas com lesões. Expõem o que entendem ser papel de cada profissional nestes atendimentos.

 

A primeira escuta, normalmente, é a do agente comunitário de saúde, ele é que traz, ou que vai ver no primeiro momento, porque, quando chega alguma lesão, normalmente a gente vai, para ver o que está acontecendo (...). Na equipe, a enfermeira normalmente vai num primeiro momento para ver, daí depois a gente já assume e ela continua acompanhando também (...) Dependendo do caso, os médicos têm que entrar, para prescrever medicação. (TENF 1)

 

Não deixamos de atender. A gente olha e já encaminha para uma enfermeira ou para o médico dentro do lugar, porque eles têm outro olhar. (ACS 3)

 

O meu papel é orientar o agente e os técnicos e buscar me especializar do que vem, porque nem sempre tem todo esse conhecimento, então a gente avalia o paciente e vai procurar alguém que tenha um conhecimento maior naquele momento. (ENF 1)

 

Dentro da organização do trabalho, observaram-se divergências na atenção, ressaltando o limite tênue entre a fragmentação do cuidado e a organização das práticas de atenção para abranger as múltiplas necessidades identificadas no convívio com os indivíduos.

 

(...) se for a parte da boca, por exemplo, o fluxo que normalmente tem que ser seguido é levar essa demanda à equipe de saúde bucal. Ah! Eu gostaria que vocês fossem visitar para avaliar a parte da boca. E depois na parte da pele o técnico de enfermagem visita e passa para o enfermeiro (TSB 1)

 

Ontem eu saí para uma VD [visita domiciliária], era um casal com Alzheimer, olhei para o pé do senhor: curativo! (...) Tem Alzheimer? Mas ele também tem outras comorbidades que tu vai ter que tratar também, que tu tens que olhar, eu não posso olhar ele como um paciente com Alzheimer e só isso. (TENF 1)

 

No que se refere às dificuldades para integração do trabalho da equipe, os profissionais destacam em suas falas: a supervalorização do atendimento médico e da atenção especializada em detrimento dos cuidados ofertados por outros profissionais, bem como a descontinuidade do cuidado por quantitativo insuficiente de pessoal, profissionais sobrecarregados e organização formal do trabalho. Tais condições expressam manifestações de revolta dos profissionais ante a fragmentação, sinalizando a necessidade de articulação e integração entre as equipes multiprofissionais.

 

Para eles o especialista é tudo! Eles não aceitam nem que seja um clínico, quanto mais aceitar a enfermagem. (TENF 2)

 

Às vezes eles chegam aqui e não são passados [encaminhados] para os médicos. É isso que eu escuto, quando eu vou às casas! (ACS 1)

 

Eu não consigo dar receita! Não sou eu que resolvo! Eu não sou a que avalio! Eu faço a primeira avaliação, mas preciso de outra avaliação, mas eventualmente eu não consigo essa avaliação. (TENF 1)

 

Aqui tem uma coisa que eu não gosto. Eu sou da equipe 2, atendo a equipe 2! Eu sou da equipe... Isso não existe! Por mais que tenha que ter as equipes, no dia a dia tem que trabalhar todo mundo junto. (TSB 1)

 

 

(Des)articulação da rede no cuidado à pessoa com lesões de pele

 

Neste eixo temático os profissionais descrevem sua noção de rede de cuidado e a articulação e desarticulação que presenciam no cotidiano. Nos relatos, os mesmos entendem que a equipe deve articular os casos com familiares, profissionais da equipe e a participação do indivíduo no seu próprio cuidado.

 

O ideal é que o familiar venha também para ajudar a aderir ao tratamento. (TENF 2)

 

Primeiro, saber qual é causa, como nós agentes comunitários, que somos o primeiro contato, gente analisa, a gente conversa, com quem está cuidando ou quem está próximo, ou com a própria pessoa, a gente chega aqui e passa para a enfermeira é a primeira coisa que a gente faz! (ACS 4)

 

A gente poderia ter um grupo de pacientes de autocuidado, com uma linguagem bem clara, bem simples, pra eles conseguiram terem esse cuidado, os que moram sozinhos e que precisam disso. (ENF 1)

 

Eu acho que nós temos a mania de colocar todo mundo “embaixo da asa” e vamos carregar todo mundo (...). A gente tem que ofertar! Mas a gente também tem de fazer entender, que o cuidado também é dele. (TENF 1)

 

Quanto à articulação entre os serviços de saúde, as falas evidenciam a baixa responsabilização na continuidade do acompanhamento de ambos os serviços, bem como no momento do encaminhamento não são observadas as possibilidades dos indivíduos, assim acontece disponibilidade de consultas.

 

Eu acho que quando o médico encaminha da unidade de saúde para o dermato [dermatologista] eles não voltam. Alguns voltam para fazer curativos e a gente consegue um acompanhamento. (TENF 2)

 

Mas tem gastro [gastroenterologista] aqui em cima, porque está demorando tanto para me chamarem? E por que quando chamaram a minha vizinha, foram lá [se referindo a unidades mais distantes], se tem gastro aqui em cima? (TENF 3)

 

Quanto a outros pontos da rede, observa-se nos relatos o desconhecimento dos profissionais da participação efetiva de outros serviços, instituições, grupos na assistência a estas pessoas e o produzir cuidado em rede.

 

E mesmo assim, às vezes tu aciona o conselho e o conselho não te dá resposta (...). Não tem o feedback deles para dizer assim: A gente foi, a gente fez...”. Então assim a rede não funciona. (TENF 1)

 

De que integralidade os profissionais se referem?

 

Neste terceiro eixo temático, são apresentadas concepções dos profissionais de saúde acerca da integralidade. Conceituando a visão holística, articulação de práticas multiprofissionais escuta qualificada, escuta acolhedora e corresponsabilização do cuidado.

 

[...] para os dentistas as lesões bucais são ocasionadas por outras lesões, assim, por outros problemas. Isso às vezes acaba incluindo outros profissionais, por exemplo, para fazer teste rápido. (TSB 1)

 

A gente tem a sala para o acolhimento para ele falar mais coisas, assim, de alguma doença mesmo, de alguma coisa que tá sentindo. Mas desde que ele chega ali e a informação já é. Porque é diferente, né? Tu dar uma informação qualquer do que dar um acolhimento ali. (TENF 2)

 

Tem alguns que tu sabe vai para ficar uma tarde praticamente, porque tem que ter muito tempo pra ouvir o que eles têm para falar, eles querem falar de tudo, assim... chega a ser chato! (ACS 5)

 

Se a gente for ver um paciente que tem uma ferida na perna, tu estás cuidando. Vou usar a medicação para fechar. Dependendo do que for, se ele tem alguma doença vascular, por exemplo, tu podes cuidar daquela ferida, mas se tu não cuidares do problema vascular ela não vai fechar também. ( TENF 2)

 

É no cuidado também tu tem que ‘puxar as orelhas’ do paciente [...] A obrigação é sua, a minha [...]. E sua também, entendeu? Mostrar para ele que ele também tem obrigações! (TSB 1)

 

 

Discussão

 

O trabalho interdisciplinar contribui para a efetivação das ações em saúde no âmbito da estratégia da saúde da família, possibilita a interação de saberes e facilita a reconstrução de práticas profissionais na convivência com o outro e com o cenário onde estão inseridos [8,9]. Assim, esse intercâmbio de conhecimentos e vivências incide sobre os resultados das intervenções oferecidas às pessoas. Portanto, a oferta do cuidado integral depende do produto destas relações [8,10].

A integralidade deve estar contemplada na essência da organização do trabalho da equipe compondo as diversas necessidades que emergem no contato com o indivíduo e seu contexto. Nos relatos, ficou evidenciado que os membros da equipe manifestaram a necessidade da articulação dos seus integrantes.

Nas falas, observa-se o agente comunitário de saúde como responsável por identificar as necessidades da pessoa que visita fazendo a articulação com a equipe de enfermagem e médica para poderem realizar o cuidado com a lesão. A odontologia, apesar de reconhecer que as causas das lesões são multifatoriais e implicam em outros agravos, está à parte neste cuidado, assumindo o seu papel, unicamente frente às lesões de boca.

A potência de uma estratégia da família encontra-se neste ambiente multiprofissional, desde que garanta encontros: trocas, planejamento e avaliação das práticas. Entendendo que os profissionais possuem saberes específicos, porém devem se integrar para produzir cuidados que garantam acesso a um conceito ampliado de saúde [11,12].

Os relatos ressaltam a visão reducionista e centrada no cuidado especializado, heranças do antigo modelo de atenção, como um dos principais fatores que contribuem para a fragmentação das práticas e organização dentro do ambiente do trabalho. Tanto por parte dos próprios profissionais como dos indivíduos que acessam o serviço. Outras dificuldades destacadas são a insuficiência de recursos humanos que acarreta na sobrecarga profissional reforçando a desvinculação da equipe com a oferta de práticas integrais.

É importante a compreensão que a parte biológica e os cuidados médicos são essenciais na oferta de cuidados, porém, são partes que o compõe, não devem ser entendidos como modelo de assistência único, já que não são totalmente resolutivos por não suprirem as demandas biopsicossociais que contemplam os indivíduos. Assim como as estruturas hierarquizadas, altamente burocráticas, que promovem diferenças entre o nível de importância de seus integrantes e constituem entraves para a prática integral do cuidado [8,13].

O cuidado em rede é um dos sentidos da integralidade, portanto, articular níveis de atenção e serviços diversos, centrados nas necessidades do indivíduo, faz parte da competência e do compromisso das equipes multiprofissionais [12]. Para tanto, faz-se necessário o estreitamento do vínculo com os usuários acometidos por lesões, no sentido de encorajá-los ao autocuidado; bem como o fomento a uma cultura de integração e de coordenação da atenção à saúde.

A intersetorialidade é essencial para compor a rede de apoio a pessoas com lesões, pois a proposta de cuidado em um contexto ampliado de saúde na estratégia de saúde da família é complexo e implica em lidar com questões sociais. A ação isolada de profissionais de saúde impede a realização de práticas efetivas, portanto, a parceria de profissionais e serviços é extremamente necessária para compor a rede de apoio [14], bem como para definição clara dos papéis que cada profissional assume na prestação de cuidados em lesões.

Os relatos não demonstram essa realidade, uma vez que ressaltam o desconhecimento das atribuições dos profissionais e dos serviços, que deveriam compor a rede. As falas inserem também o apoio familiar e a participação do indivíduo como essencial para compor o cuidado às pessoas com lesões, porém a comunidade onde vive não foi citado. Essa perspectiva remonta à concepção de fortalecimento do autocuidado apoiado, que se traduz na colocação do usuário como centro da atenção à saúde, mediante elaboração colaborativa de um plano de cuidados pela equipe multiprofissional [15].

A integralidade no cuidado à pessoa com lesão de pele oferta diversas interpretações e não se caracteriza em uma prática simples de ser vivenciada. O entendimento das falas dos profissionais destaca: a visão holística, o agir proativo, e a articulação de práticas multiprofissionais centradas na escuta qualificada, no acolhimento e na corresponsabilização do cuidado, entretanto percebe-se que isso não está conscientizado. Pressupõe modos de agir que oportunizem ao profissional ir além da doença, valorizando queixas e aspectos subjetivos do usuário, e preocupando-se com a efetividade das ações empreendidas [16]. Contudo, compreende-se que o desafio não é conceituar a integralidade, mas, sim, ofertar garantias e pensar estratégias para transformá-la em uma realidade nos ambientes de produção de cuidado, praticada e pensada por todos os profissionais que compõem a equipe.

Este estudo busca proporcionar um olhar ampliado aos profissionais de saúde da atenção básica quanto à constituição de espaços para discussões referentes ao manejo adequado com lesões, sob a perspectiva da integralidade, de caráter multidisciplinar, produzindo articulações estratégicas nas redes de atenção, centradas nos indivíduos e conscientes do contexto ao qual o mesmo está inserido.

Reconhece-se que há limitações neste estudo, no qual médicos e cirurgiões dentistas não participaram dos grupos, entendendo que sua participação poderia ampliar a concepções da equipe multidisciplinar.

 

Conclusão

 

Cuidar de lesões de pele não se constitui uma prática simples de ser realizada, pois se entende que o indivíduo é o centro deste cuidado, e necessita de muitos olhares e cuidados que extrapolam os serviços de saúde. Implica em identificar a etiologia, escolher a melhor terapêutica para a cicatrização, o acompanhamento das comorbidades associadas e principalmente a estimulação do indivíduo em aderir aos cuidados e ser parte integrante deste processo.

O cuidado integral exige, para além de competências técnicas, a gestão das ações de cuidado. Portanto, compreende a gerência das práticas de recursos humanos, materiais, novas tecnologias, organização do trabalho, criação de espaços para discussões de caso, monitoramento das ações e articulação em rede.

O desenvolvimento do estudo permitiu conhecer as concepções da equipe multiprofissional, da unidade, a respeito do cuidado integral às pessoas com lesões, dentro do contexto da estratégia de saúde da família, entendendo que essa experiência pode oportunizar a construção de um conceito ampliado de saúde e melhorias para profissionais, indivíduos e serviços do local observado.

Tais concepções evidenciam o quanto podemos construir e o muito que ainda se tem para caminhar, na organização de uma equipe multiprofissional que se agrupam, entretanto com formações e experiências práticas diferentes entre si. Pesquisas como esta podem contribuir na redução do distanciamento entre o discurso e a prática da equipe, do cuidado integral aos usuários com lesão de pele, e no desenvolvimento de novas tecnologias de cuidado, reduzindo o cuidado fragmentado que ainda se observa.

 

Referências

 

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