ARTIGO
ORIGINAL
Concepções
multiprofissionais sobre a integralidade no cuidado à pessoa com lesão de pele
Gímerson Erick
Ferreira*, Cristina Orlandi Costa**, Samanta Andresa Richter***, Edemilson
Pichek dos Santos****, Dagmar Elaine Kaiser, D.Sc.*****,
Êrica Rosalba Mallmann Duarte, D.Sc.*****
*Doutorando,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Escola de Enfermagem,
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Porto Alegre/RS, **Especialista em
Lesões de Pele (UFRGS), Escola de Enfermagem, Porto Alegre/RS, ***Acadêmica,
Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT), Curso de Enfermagem, TaquaraRS, ****Acadêmico, FACCAT, Curso de Enfermagem,
Taquara/RS, *****Professora Adjunta, UFRGS, Escola de Enfermagem, Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem, Porto Alegre RS, *****Professora Associada, UFRGS,
Escola de Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Porto
Alegre/RS
Recebido em 12 de
abril de 2017; aceito em 4 de setembro de 2017.
Endereço
de correspondência:
Êrica Rosalba Mallmann Duarte, Rua Dr. Valle, 605/601, bloco B, 90560-010 Porto
Alegre RS, E-mail: ermduarte@gmail.com, Gímerson Erick Ferreira:
gimeferreira@gmail.com; Samanta Andresa Richter: samantarichter@sou.faccat.br;
Edemilson Pichek dos Santos: edemilson@sou.faccat.br; Dagmar Elaine Kaiser:
dagmar.kaiser@ufrgs.br; Cristina Orlandi Costa: orlandi.costa@hotmail.com
Resumo
Objetivo: Analisar as
concepções de profissionais de equipes da atenção básica sobre a integralidade
no cuidado à pessoa com lesões de pele. Métodos:
Estudo descritivo de abordagem qualitativa realizada mediante grupos focais com
doze profissionais de equipes de saúde da família. A análise deu-se de modo
categorial temática. Resultados: As
concepções multiprofissionais expressam a fragmentação das ações de cuidado e
como o trabalho organiza-se na atenção a pessoas acometidas por lesões
cutâneas. Revelou-se a desarticulação entre os atores e serviços que compõem as
redes de apoio necessárias ao cuidado integral neste âmbito. Concebem o
conceito de integralidade no cuidado em lesões como proposta de articular-se e
interagir conjuntamente frente às necessidades do usuário. Conclusão: Os profissionais entendem que o cuidado em lesões de
pele, na perspectiva da integralidade, demanda articulação no trabalho
multiprofissional por meio da implantação de redes de atenção à saúde, a qual
supere o modelo fragmentado, centrado unicamente na lesão.
Palavras-chave: integralidade em
saúde, atenção primária à saúde, Enfermagem.
Abstract
Multiprofessional conceptions on integrality in the care of the person with a skin lesion
Objective: To analyze
the conceptions of professionals of primary care teams about integrality in the
care of the person with skin lesions. Methods:
Descriptive study with qualitative approach performed through focus groups with
twelve professionals from family health teams. The analysis took place in a
thematic category. Results: The Multiprofessional conceptions express the fragmentation of
care actions and how the work is organized in the care of people affected by
cutaneous lesions. It was revealed the disarticulation between the actors and
services that make up the necessary support networks for the integral care in
this scope. They take on the concept of integrality in the care in injuries as
a proposal to articulate and interact jointly with the needs of the user. Conclusion: The professionals understand
that care in skin lesions, from the perspective of integrality, demands
articulation in the multiprofessional work through
the implantation of health care networks, which surpasses the fragmented model,
centered solely on the lesion.
Key-words: integrality in health, primary health care, Nursing.
Resumen
Concepciones multiprofesionales sobre la integralidad en la atención a la persona con lesión de
piel
Objetivo: Analizar las
concepciones de profesionales de equipos de la
atención básica acerca de la integralidad en el cuidado a la persona con
lesiones de piel. Método: Estudio
descriptivo de abordaje cualitativo realizado mediante grupos focales con doce
profesionales de equipos de salud de la familia. El
análisis se dio de manera categorial temática. Resultados: Las concepciones
multiprofesionales expresan la fragmentación de las
acciones de cuidado y cómo el trabajo se organiza en la atención a personas
acometidas por lesiones cutáneas. Se ha revelado la
desarticulación entre los actores y servicios que componen las redes de apoyo
necesarias para el cuidado integral en este ámbito. Se concibe el concepto de integralidad en el cuidado en lesiones como
propuesta de articularse e interactuar conjuntamente frente a las necesidades
del usuario. Conclusión: Los profesionales
entienden que el cuidado en lesiones de piel, en la
perspectiva de la integralidad, demanda articulación en el trabajo
multiprofesional por medio de la implantación de redes de atención a la salud,
la cual supere el modelo fragmentado, centrado únicamente en la lesión.
Palabras-clave: integralidad en
salud, atención primaria a la salud, Enfermería.
A pele é um órgão de
importância vital para a sobrevivência e desenvolvimento humano. Possui
diversas e complexas funções e, no âmbito biológico, é responsável pelo
revestimento do corpo, manutenção da temperatura, defesa contra
micro-organismos, excreção e armazenamento de substância e base dos estímulos
sensoriais. Na esfera da psicologia, representa uma proteção do mundo interno
do externo, formando uma “barreira” que demarca este limite, entre o “eu” e o
“outro”. Expressa também o meio de contato, em que, através do toque,
expressamos afetos, vivenciamos experiências únicas, nos vinculamos [1].
Entretanto, as lesões
de pele têm sido cada vez mais frequentes nos serviços de saúde, fato que
demanda um olhar atento dos profissionais de saúde, especialmente da atenção
básica, com vistas à prevenção de agravamento destas lesões. Geralmente, os
profissionais de saúde tendem a avaliar as lesões cutâneas a partir dos seus
aspectos físicos, porém, sabe-se que as lesões físicas se revestem de
características intrínsecas da pessoa acometida, as quais estão relacionadas a
aspectos psicológicos, sociais, espirituais e culturais, além da dimensão
biológica. A presença da lesão ocasiona mudanças significativas na vida do
indivíduo, pois interfere na sua autoimagem, autoestima e autonomia, culminando
em prejuízos financeiros e sociais [2,3].
A integralidade, em
seus múltiplos sentidos, é um princípio que deve estar
presente na assistência à saúde de todos os indivíduos, inclusive aqueles
acometidos por lesões cutâneas, pois oferece um conceito ampliado de saúde,
extrapolando os limites da ferida. Para tal, demanda a utilização de
tecnologias específicas, a exemplo da escuta qualificada, acolhimento, produção
vínculo, autonomia, e corresponsabilização do cuidado, para que, desse modo,
alcance sua efetividade [4].
Nesse sentido, a
perspectiva de integralidade deve estar presente na organização dos serviços de
saúde, de maneira a possibilitar a construção de processos de trabalho que
integrem saberes técnicos e empíricos em uma dinâmica
multiprofissional e interdisciplinar. A configuração de redes de apoio
pressupõe a existência de serviços distintos em complexidade e níveis,
articulando ações eficazes e dividindo os inúmeros cuidados demandados por um
indivíduo [4,5].
Contudo, o exercício
do cuidado integral não é uma prática simples, visto que exige, para além da
reestruturação dos serviços, a reformulação de processos de trabalho e trabalho
de equipe. Isso significa mudanças nas relações com a comunidade e na organização
da atenção à saúde, o que requer, consequentemente, modificações nos papéis
assumidos pela equipe multiprofissional. A estratégia de saúde da família
colabora para uma troca mútua de saberes, construção de conhecimentos e
comunicação, garantindo melhoria das práticas e um espaço de colaboração entre
os envolvidos [6].
Atuando como
enfermeiros em serviços de atenção básica do sul do Brasil, os pesquisadores
percebem que não há um envolvimento interdisciplinar da equipe
multiprofissional relacionado ao cuidado em lesões, o que desfavorece a
articulação dos profissionais de saúde em prol da integralidade em suas ações.
Esse fato deu origem ao seguinte questionamento: Quais as concepções de
integralidade dos profissionais de saúde da atenção básica acerca do cuidado à
pessoa com lesões de pele? Para respondê-lo, optou-se pela realização de um
estudo com o objetivo de analisar as concepções de profissionais da atenção
básica sobre integralidade no cuidado à pessoa com lesão de pele.
Trata-se de um estudo
descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa, realizado com profissionais
de quatro equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF), as quais atendem a
12 mil habitantes e estão inseridas no mesmo espaço físico de um Centro de
Especialidades e Unidade Básica de Saúde (UBS), no município de Porto
Alegre/RS.
O grupo que
constituiu a pesquisa foi composto por doze profissionais de diferentes
formações, incluindo: seis Agentes Comunitários de Saúde (ACS), um Enfermeiro,
quatro Técnicos de Enfermagem e um Técnico de Saúde Bucal. Portanto, foram
incluídos no estudo profissionais que se disponibilizaram em participar dos
dois encontros, independente do sexo, do tempo de atuação no serviço e da
prática no cuidado com lesões. Foram excluídos os profissionais que no período
da coleta estavam em férias ou Licença Saúde.
O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS, nº:1.673.204 e pelo Comitê de Ética da
Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, nº: 1.737.204, seguindo a
resolução de 466/12, referente à pesquisa em seres humanos. Os participantes
expressaram sua concordância em participar do estudo, mediante assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Na fase inicial da
pesquisa foram convidados todos os profissionais de saúde que compunham as
equipes de ESF, porém os médicos e cirurgiões dentistas, embora tenham aderido
à proposta de desenvolvimento do estudo, não puderam participar devido às
demandas do serviço no período de coleta.
A coleta dos dados
foi realizada através de dois encontros de grupos focais, planejados e
organizados a partir da estruturação operacional em um guia de temas. Os
encontros foram mediados pela participação de um condutor e um observador,
ambos, pesquisadores do projeto. No primeiro encontro, foram discutidas as
concepções de lesões de pele, as características populacionais e territoriais,
a atuação profissional e práticas empreendidas por cada categoria, frente às
demandas de cuidado à pessoa com lesão. No segundo encontro, foram abordadas as
temáticas da integralidade, acolhimento, vínculo e redes de apoio no cuidado em
lesões cutâneas.
As informações
resultantes da coleta de dados foram submetidas à análise de conteúdo por
temática [7], sendo processadas, em termos operacionais, pelas etapas de
pré-análise, categorização e tratamento, com posterior interpretação dos
resultados. Para preservar o anonimato dos participantes, foram adotadas as
seguintes codificações: (ENF) para os enfermeiros, (TENF) para os técnicos de
enfermagem, (ACS) para os agentes comunitários de saúde e (TSB) para técnicos
de saúde bucal, seguidos de um algarismo arábico correspondente à ordem
crescente, conforme a ordem de manifestação nos encontros.
A análise de conteúdo
obtido a partir das concepções dos sujeitos da pesquisa foi sistematizada em
três categorias temáticas: O trabalho multiprofissional no cuidado à pessoa com
lesões de pele: fragmentação ou integração?; (Des)articulação da rede no cuidado à pessoa com lesões de pele;
De que integralidade os profissionais se referem?
O
trabalho multiprofissional no cuidado à pessoa com lesões de pele: fragmentação
ou integração?
Neste eixo temático,
estão descritos os relatos dos profissionais acerca do modo como a equipe se
organiza para prestar assistência às pessoas com lesões. Expõem o que entendem
ser papel de cada profissional nestes atendimentos.
A primeira escuta,
normalmente, é a do agente comunitário de saúde, ele é que traz, ou que vai ver
no primeiro momento, porque, quando chega alguma lesão, normalmente a gente
vai, para ver o que está acontecendo (...). Na equipe, a enfermeira normalmente
vai num primeiro momento para ver, daí depois a gente
já assume e ela continua acompanhando também (...) Dependendo do caso, os
médicos têm que entrar, para prescrever medicação. (TENF 1)
Não deixamos de
atender. A gente olha e já encaminha para uma enfermeira ou para o médico dentro
do lugar, porque eles têm outro olhar. (ACS 3)
O meu papel é
orientar o agente e os técnicos e buscar me especializar do que vem, porque nem
sempre tem todo esse conhecimento, então a gente avalia o paciente e vai
procurar alguém que tenha um conhecimento maior naquele momento. (ENF 1)
Dentro da organização
do trabalho, observaram-se divergências na atenção, ressaltando o limite tênue
entre a fragmentação do cuidado e a organização das práticas de atenção para
abranger as múltiplas necessidades identificadas no convívio com os indivíduos.
(...) se for a parte da boca, por exemplo, o fluxo que normalmente tem
que ser seguido é levar essa demanda à equipe de saúde bucal. Ah! Eu gostaria
que vocês fossem visitar para avaliar a parte da boca. E depois na parte da
pele o técnico de enfermagem visita e passa para o enfermeiro (TSB 1)
Ontem eu saí para uma
VD [visita domiciliária], era um casal com Alzheimer, olhei para o pé do
senhor: curativo! (...) Tem Alzheimer? Mas ele também tem outras comorbidades
que tu vai ter que tratar também, que tu tens que olhar, eu não posso olhar ele
como um paciente com Alzheimer e só isso. (TENF 1)
No que se refere às
dificuldades para integração do trabalho da equipe, os profissionais destacam
em suas falas: a supervalorização do atendimento médico e da atenção
especializada em detrimento dos cuidados ofertados por outros profissionais,
bem como a descontinuidade do cuidado por quantitativo insuficiente de pessoal,
profissionais sobrecarregados e organização formal do trabalho. Tais condições
expressam manifestações de revolta dos profissionais ante a fragmentação,
sinalizando a necessidade de articulação e integração entre as equipes
multiprofissionais.
Para eles o
especialista é tudo! Eles não aceitam nem que seja um clínico, quanto mais
aceitar a enfermagem. (TENF 2)
Às vezes eles chegam
aqui e não são passados [encaminhados] para os médicos. É isso que eu escuto,
quando eu vou às casas! (ACS 1)
Eu não consigo dar
receita! Não sou eu que resolvo! Eu não sou a que avalio! Eu faço a primeira
avaliação, mas preciso de outra avaliação, mas eventualmente eu não consigo
essa avaliação. (TENF 1)
Aqui tem uma coisa
que eu não gosto. Eu sou da equipe 2, atendo a equipe
2! Eu sou da equipe... Isso não existe! Por mais que tenha que ter as equipes,
no dia a dia tem que trabalhar todo mundo junto. (TSB 1)
(Des)articulação da rede no cuidado à pessoa com lesões de pele
Neste eixo temático
os profissionais descrevem sua noção de rede de cuidado e a articulação e
desarticulação que presenciam no cotidiano. Nos relatos, os mesmos entendem que
a equipe deve articular os casos com familiares, profissionais da equipe e a
participação do indivíduo no seu próprio cuidado.
O ideal é que o
familiar venha também para ajudar a aderir ao tratamento. (TENF 2)
Primeiro, saber qual
é causa, como nós agentes comunitários, que somos o primeiro contato, gente
analisa, a gente conversa, com quem está cuidando ou quem está próximo, ou com
a própria pessoa, a gente chega aqui e passa para a enfermeira é a primeira
coisa que a gente faz! (ACS 4)
A gente poderia ter um
grupo de pacientes de autocuidado, com uma linguagem bem clara, bem simples,
pra eles conseguiram terem esse cuidado, os que moram sozinhos e que precisam
disso. (ENF 1)
Eu acho que nós temos
a mania de colocar todo mundo “embaixo da asa” e vamos carregar todo mundo
(...). A gente tem que ofertar! Mas a gente também tem de fazer entender, que o
cuidado também é dele. (TENF 1)
Quanto à articulação
entre os serviços de saúde, as falas evidenciam a baixa responsabilização na
continuidade do acompanhamento de ambos os serviços, bem como no momento do
encaminhamento não são observadas as possibilidades dos indivíduos, assim
acontece disponibilidade de consultas.
Eu acho que quando o
médico encaminha da unidade de saúde para o dermato [dermatologista] eles não
voltam. Alguns voltam para fazer curativos e a gente consegue um
acompanhamento. (TENF 2)
Mas tem gastro
[gastroenterologista] aqui em cima, porque está demorando tanto para me
chamarem? E por que quando chamaram a minha vizinha, foram lá [se referindo a
unidades mais distantes], se tem gastro aqui em cima? (TENF 3)
Quanto a outros pontos
da rede, observa-se nos relatos o desconhecimento dos profissionais da
participação efetiva de outros serviços, instituições, grupos na assistência a
estas pessoas e o produzir cuidado em rede.
E mesmo assim, às
vezes tu aciona o conselho e o conselho não te dá
resposta (...). Não tem o feedback deles para dizer
assim: A gente foi, a gente fez...”. Então assim a rede não funciona. (TENF 1)
De que
integralidade os profissionais se referem?
Neste terceiro eixo
temático, são apresentadas concepções dos profissionais de saúde acerca da
integralidade. Conceituando a visão holística, articulação de práticas
multiprofissionais escuta qualificada, escuta acolhedora e corresponsabilização
do cuidado.
[...] para os
dentistas as lesões bucais são ocasionadas por outras lesões, assim, por outros
problemas. Isso às vezes acaba incluindo outros profissionais, por exemplo,
para fazer teste rápido. (TSB 1)
A gente tem a sala
para o acolhimento para ele falar mais coisas, assim, de alguma doença mesmo,
de alguma coisa que tá sentindo. Mas desde que ele chega ali e a informação já
é. Porque é diferente, né? Tu dar uma informação qualquer do que dar um
acolhimento ali. (TENF 2)
Tem alguns que tu sabe vai para ficar uma tarde praticamente, porque tem que
ter muito tempo pra ouvir o que eles têm para falar, eles querem falar de tudo,
assim... chega a ser chato! (ACS 5)
Se a gente for ver um
paciente que tem uma ferida na perna, tu estás cuidando. Vou usar a medicação
para fechar. Dependendo do que for, se ele tem alguma doença vascular, por
exemplo, tu podes cuidar daquela ferida, mas se tu não cuidares do problema
vascular ela não vai fechar também. ( TENF 2)
É no cuidado também
tu tem que ‘puxar as orelhas’ do paciente [...] “ A
obrigação é sua, a minha [...]. E sua também, entendeu? Mostrar para ele que
ele também tem obrigações! (TSB 1)
O trabalho
interdisciplinar contribui para a efetivação das ações em saúde no âmbito da
estratégia da saúde da família, possibilita a interação de saberes e facilita a
reconstrução de práticas profissionais na convivência com o outro e com o
cenário onde estão inseridos [8,9]. Assim, esse intercâmbio de conhecimentos e
vivências incide sobre os resultados das intervenções oferecidas às pessoas.
Portanto, a oferta do cuidado integral depende do produto destas relações
[8,10].
A integralidade deve
estar contemplada na essência da organização do trabalho da equipe compondo as
diversas necessidades que emergem no contato com o indivíduo e seu contexto.
Nos relatos, ficou evidenciado que os membros da equipe manifestaram a
necessidade da articulação dos seus integrantes.
Nas falas, observa-se
o agente comunitário de saúde como responsável por identificar as necessidades
da pessoa que visita fazendo a articulação com a equipe de enfermagem e médica
para poderem realizar o cuidado com a lesão. A odontologia, apesar de
reconhecer que as causas das lesões são multifatoriais e implicam em outros
agravos, está à parte neste cuidado, assumindo o seu papel, unicamente frente
às lesões de boca.
A potência de uma
estratégia da família encontra-se neste ambiente multiprofissional, desde que
garanta encontros: trocas, planejamento e avaliação das práticas. Entendendo
que os profissionais possuem saberes específicos, porém devem se integrar para
produzir cuidados que garantam acesso a um conceito ampliado de saúde [11,12].
Os relatos ressaltam
a visão reducionista e centrada no cuidado especializado, heranças do antigo
modelo de atenção, como um dos principais fatores que contribuem para a
fragmentação das práticas e organização dentro do ambiente do trabalho. Tanto
por parte dos próprios profissionais como dos indivíduos que acessam o serviço.
Outras dificuldades destacadas são a insuficiência de recursos humanos que
acarreta na sobrecarga profissional reforçando a desvinculação da equipe com a
oferta de práticas integrais.
É importante a
compreensão que a parte biológica e os cuidados médicos são essenciais na
oferta de cuidados, porém, são partes que o compõe, não devem ser entendidos
como modelo de assistência único, já que não são totalmente resolutivos por não
suprirem as demandas biopsicossociais que contemplam os indivíduos. Assim como
as estruturas hierarquizadas, altamente burocráticas, que promovem diferenças
entre o nível de importância de seus integrantes e constituem entraves para a
prática integral do cuidado [8,13].
O cuidado em rede é
um dos sentidos da integralidade, portanto, articular níveis de atenção e
serviços diversos, centrados nas necessidades do indivíduo, faz parte da
competência e do compromisso das equipes multiprofissionais [12]. Para tanto,
faz-se necessário o estreitamento do vínculo com os usuários acometidos por
lesões, no sentido de encorajá-los ao autocuidado; bem como o fomento a uma
cultura de integração e de coordenação da atenção à saúde.
A intersetorialidade
é essencial para compor a rede de apoio a pessoas com lesões, pois a proposta
de cuidado em um contexto ampliado de saúde na estratégia de saúde da família é
complexo e implica em lidar com questões sociais. A
ação isolada de profissionais de saúde impede a realização de práticas efetivas,
portanto, a parceria de profissionais e serviços é extremamente necessária para
compor a rede de apoio [14], bem como para definição clara dos papéis que cada
profissional assume na prestação de cuidados em lesões.
Os relatos não
demonstram essa realidade, uma vez que ressaltam o desconhecimento das
atribuições dos profissionais e dos serviços, que deveriam compor a rede. As
falas inserem também o apoio familiar e a participação do indivíduo como
essencial para compor o cuidado às pessoas com lesões, porém a comunidade onde
vive não foi citado. Essa perspectiva remonta à
concepção de fortalecimento do autocuidado apoiado, que se traduz na colocação
do usuário como centro da atenção à saúde, mediante elaboração colaborativa de
um plano de cuidados pela equipe multiprofissional [15].
A integralidade no
cuidado à pessoa com lesão de pele oferta diversas interpretações e não se
caracteriza em uma prática simples de ser vivenciada. O entendimento das falas
dos profissionais destaca: a visão holística, o agir proativo, e a articulação
de práticas multiprofissionais centradas na escuta qualificada, no acolhimento
e na corresponsabilização do cuidado, entretanto percebe-se que isso não está
conscientizado. Pressupõe modos de agir que oportunizem ao profissional ir além
da doença, valorizando queixas e aspectos subjetivos do usuário, e
preocupando-se com a efetividade das ações empreendidas [16]. Contudo,
compreende-se que o desafio não é conceituar a integralidade, mas, sim, ofertar
garantias e pensar estratégias para transformá-la em uma realidade nos
ambientes de produção de cuidado, praticada e pensada por todos os
profissionais que compõem a equipe.
Este estudo busca
proporcionar um olhar ampliado aos profissionais de saúde da atenção básica
quanto à constituição de espaços para discussões referentes ao manejo adequado
com lesões, sob a perspectiva da integralidade, de caráter multidisciplinar,
produzindo articulações estratégicas nas redes de atenção, centradas nos
indivíduos e conscientes do contexto ao qual o mesmo está inserido.
Reconhece-se que há
limitações neste estudo, no qual médicos e cirurgiões dentistas não
participaram dos grupos, entendendo que sua participação poderia ampliar a
concepções da equipe multidisciplinar.
Cuidar de lesões de
pele não se constitui uma prática simples de ser realizada, pois se entende que
o indivíduo é o centro deste cuidado, e necessita de muitos olhares e cuidados
que extrapolam os serviços de saúde. Implica em identificar a etiologia,
escolher a melhor terapêutica para a cicatrização, o acompanhamento das
comorbidades associadas e principalmente a estimulação do indivíduo em aderir
aos cuidados e ser parte integrante deste processo.
O cuidado integral
exige, para além de competências técnicas, a gestão das ações de cuidado.
Portanto, compreende a gerência das práticas de recursos humanos, materiais,
novas tecnologias, organização do trabalho, criação de espaços para discussões
de caso, monitoramento das ações e articulação em rede.
O desenvolvimento do
estudo permitiu conhecer as concepções da equipe multiprofissional, da unidade,
a respeito do cuidado integral às pessoas com lesões, dentro do contexto da
estratégia de saúde da família, entendendo que essa experiência pode
oportunizar a construção de um conceito ampliado de saúde e melhorias para
profissionais, indivíduos e serviços do local observado.
Tais concepções
evidenciam o quanto podemos construir e o muito que ainda se tem para caminhar,
na organização de uma equipe multiprofissional que se agrupam, entretanto com
formações e experiências práticas diferentes entre si. Pesquisas como esta
podem contribuir na redução do distanciamento entre o discurso e a prática da
equipe, do cuidado integral aos usuários com lesão de pele, e no
desenvolvimento de novas tecnologias de cuidado, reduzindo o cuidado
fragmentado que ainda se observa.