ARTIGO
ORIGINAL
Conflitos
éticos da equipe de enfermagem no processo de trabalho na atenção básica
Renato Bellettini
Bristot, Esp.*, Luciane Bisognin Ceretta, D.Sc.**,
Maria Tereza Soratto, M.Sc.**
*Enfermeiro,
Especialista em Gestão da Atenção Básica de Saúde da Universidade do Extremo
Sul de Santa Catarina (UNESC), Criciúma/ SC,**Enfermeira, UNESC, Criciúma/SC -
Artigo Baseado na Monografia de Pós-graduação Especialização em Gestão da
Atenção Básica de Saúde
Recebido em 28 de
março de 2016; aceito em 9 de fevereiro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Maria Tereza Soratto, UNESC, Av. Universitária, 1105, Curso de Enfermagem,
Bloco S, 88806-000 Criciúma SC, E-mail: renatobristot@gmail.com, luk@unesc.net,
guiga@unesc.net
Resumo
Estudo com objetivo
de identificar os conflitos éticos da equipe de enfermagem no processo de
trabalho na atenção básica. Pesquisa de abordagem qualitativa, descritiva e de
campo. Aplicou-se questionário semiestruturado com 6profissionais
da equipe de enfermagem atuantes na atenção básica
de um
município do Extremo Sul Catarinense. A análise e a
interpretação dos dados
qualitativos foram organizadas a partir da análise de
conteúdo com a
categorização dos dados, através da
ordenação, classificação e análise
final
dos dados pesquisados. Os dilemas enfrentados pela equipe de enfermagem
na
atenção básica estão relacionados ao sigilo
das informações, dificuldades
inerentes à comunicação e ao acesso dos
usuários aos serviços de saúde. É
fundamental que a equipe de enfermagem promova discussões sobre
os dilemas
enfrentados e as condutas éticas requeridas no processo de
trabalho, buscando a
humanização e a qualidade do cuidado na
atenção básica.
Palavras-chave: ética em
enfermagem, atenção primária à saúde, prática profissional.
Abstract
Ethical conflicts of the nursing staff in the process of work in the
basic attention
Study aiming to identify the ethical conflict of nursing staff in the
process of work in the basic attention. This is a qualitative, descriptive and
field study. Semi-structured questionnaire was applied with 6 professionals of
nursing staff that worked in basic attention of a city in the extreme south of
Santa Catarina. The analysis and interpretation of qualitative data were
organized from the content analysis with the categorization of the data, by
ordering, sorting, and final analysis of the data searched. The dilemmas faced
by nursing staff in basic care are related to the confidentiality of the
information; difficulties inherent in the communication and users ' access to
health services. It is essential that the nursing staff promote discussions
about the dilemmas faced and the ethical requirements in the process of work,
seeking humanization and the quality of care in the basic attention.
Key-words: ethics,
nursing, primary health care, professional practice.
Resumen
Conflictos éticos de enfermería en el proceso de trabajo en la atención básica
Estudio con el objetivo de identificar el conflicto ético de personal en
el proceso de trabajo en la atención básica de enfermería. Investigación de
enfoque cualitativo, descriptivo y de campo. Se aplicó cuestionario
semiestructurado con 06 profesionales del equipo de
enfermería en la atención básica de una ciudad en el extremo sur de Santa
Catarina. El análisis e interpretación de datos cualitativos fueron organizados
a partir del análisis de contenido con la
categorización de los datos, ordenamiento, clasificación y análisis final de
los datos de búsquedas. Los dilemas que enfrentan el
personal en cuidados básicos de enfermería están relacionados con la
confidencialidad de la información; dificultades en la comunicación y el acceso
de los usuarios a servicios de salud. Es esencial que
el personal de enfermería promueva discusiones sobre los dilemas que enfrentan
y los requisitos éticos en el proceso de trabajo, buscando la humanización y la
calidad de la atención en la atención básica.
Palabras-clave: ética en
enfermería, atención primaria de salud, práctica profesional.
A ética compreende a
experiência da “morada humana”, compreendendo uma teia de relações
interpessoais e interprofissionais, orientando-se por princípios e convicções,
conforme valores sociais consagrados [1]. Os valores universais (a pessoa como
um valor em si, a dignidade humana, a liberdade, a igualdade e a fraternidade)
observados na relação profissional só terão na prática a expressão
correspondente se forem conhecidos, compreendidos e incorporados pelos
profissionais no seu universo de saberes [2] permitindo, assim, a sua
efetivação na relação enfermeiro-paciente-cliente-família e comunidade.
O conhecimento e a
prática profissional são de suma importância, mas a ética também é importante,
com isso se consegue a confiança não só da equipe, mas a confiança do paciente
(cliente), sendo assim não basta apenas conhecer o que é ética, mas sim
praticar a ética no seu cotidiano de trabalho. O que pensa a equipe sobre o
tema? A ética no exercício de uma profissão deve iniciar-se bem antes da
prática, porque envolve princípios, valores e crenças pessoais. Em virtude da
importância da postura ética da equipe de enfermagem no processo de trabalho na
atenção básica, como forma de garantir princípios de humanização do cuidado,
sigilo, privacidade, considera-se imprescindível pesquisar a percepção dos
profissionais sobre o tema.
O exercício da
enfermagem engloba consciência, liberdade, valores e responsabilidades, que se
encontram inseridos no contexto culturalmente construído, com significados
atribuídos socialmente ao fazer da equipe de enfermagem [1]. O Código de Ética
dos Profissionais de Enfermagem leva em consideração a necessidade e o direito
de assistência em enfermagem da população, os interesses do profissional e de
sua organização. Está centrado na pessoa, família e coletividade e pressupõe
que os trabalhadores de enfermagem estejam aliados aos usuários na luta por uma
assistência sem riscos e danos e acessível a toda população [1,3].
As leis de cada
profissão são elaboradas com o objetivo de proteger os profissionais, a
categoria como um todo e as pessoas que dependem daquele profissional, mas há
muitos aspectos não previstos especificamente e que fazem parte do
comprometimento do profissional em ser eticamente correto [2].
Os conflitos éticos
são considerados desafios, fontes de conflitos de valores e deveres, que
permitem vários cursos de ação para sua solução, exigindo deliberação e
ponderação para se encontrar o melhor caminho, e este precisa ser continuamente
reavaliado [4]. Os dilemas éticos estão presentes em todas as áreas de atuação
dos profissionais da saúde e são situações passíveis de questionamento moral ou
social relacionada ao conjunto de comportamentos, hábitos, valores, cultura e
as crenças expressas pelos seres humanos na sociedade [5].
Nesta perspectiva, o
trabalho na atenção Primária em Saúde possui particularidades em termos das
relações (bio)éticas estabelecidas nesse nível de
atenção à saúde. Assim, a proposição de novos referenciais teóricos e o
desenvolvimento de ações educativas usualmente utilizadas para a abordagem das
questões tornam-se extremamente necessários [6,7]. Na atenção básica, a
proximidade da equipe multiprofissional ao ambiente familiar propicia um
contato mais próximo com o usuário, permitindo praticar ações educativas
condizentes com a realidade vivenciada pela comunidade [7,8].
Considera-se que os
conflitos éticos da equipe de enfermagem no processo de trabalho na atenção
básica estão relacionados principalmente as questões que envolvem o sigilo
profissional. A ética profissional é alicerçada a partir dos valores pessoais
do indivíduo e pelo Código de ética de enfermagem, porém nem sempre ele
responde a todos os conflitos e dilemas éticos no processo de trabalho na
atenção básica. Este estudo teve por objetivo identificar os conflitos éticos
da equipe de enfermagem no processo de trabalho na atenção básica.
Nesta pesquisa de
abordagem qualitativa, descritiva e de campo, aplicou-se questionário
semiestruturado com 6 profissionais da equipe de
enfermagem atuantes na atenção básica. Utilizaram-se como critérios de inclusão
dos participantes da pesquisa: equipe de enfermagem atuante na atenção básica;
aceitação para participar da Pesquisa segundo Resolução 510/2016 [9] e assinar
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O município conta com 6 Unidades vinculadas à Atenção Básica, e a pesquisa foi
realizada na Unidade Central no mês de fevereiro a março de 2016. Dos 11 profissionais
da equipe de enfermagem da Unidade Central de um município de pequeno porte do
Extremo Sul Catarinense aceitaram participar da pesquisa 6
profissionais.
A análise dos dados
ocorreu a partir da análise de conteúdo, sendo uma técnica de análise das
comunicações realizadas em entrevistas, questionários ou observação. Na análise
do material, busca-se classificá-los em temas ou categorias que auxiliam na
compreensão do que está por trás dos discursos ressaltando os aspectos
considerados semelhantes e os que foram concebidos como diferentes. Cada
categoria constitui-se dos trechos selecionados das falas dos entrevistados
sendo discutidos com base no referencial teórico [10]. A palavra chave é a
expressão ampla da categoria que deve refletir com exaustividade e precisão o
significado principal do relato. A organização das categorias deve observar
fundamentalmente a exaustividade, validade e fidelidade dos dados [11].
De acordo com a
Resolução 510/2016 [9], os participantes devem ser esclarecidos sobre a
natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais
riscos e o incômodo que esta possa lhes acarretar, na medida de sua compreensão
e respeitados em suas singularidades [7]. Na pesquisa utilizou-se um termo de
consentimento livre e esclarecido, informando aos participantes da pesquisa os
objetivos, métodos, direito de desistir da mesma e sigilo em relação à
pesquisa. Para preservar o sigilo e o anonimato dos participantes da pesquisa,
de acordo com as diretrizes e normas regulamentadoras da Resolução 510/2016
[9], utilizou-se indicador alfanumérico; E para Enfermeiro e T para Técnico de
Enfermagem (E1 e E2; T1 a T4). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da UNESC pelo Projeto nº 1.425.775/2016.
Com base nos dados
obtidos através da aplicação do questionário semiestruturado, foram
evidenciadas as seguintes categorias de análise: concepção da equipe de
enfermagem sobre ética; capacitação sobre ética profissional na enfermagem; os
conflitos e dilemas éticos enfrentados pela equipe de enfermagem no processo de
trabalho na atenção básica; o enfrentamento dos conflitos e dilemas éticos pela
equipe de enfermagem. Na categoria os conflitos e dilemas éticos enfrentados
pela equipe de enfermagem no processo de trabalho na atenção básica
organizaram-se 05 subcategorias: o sigilo; humanização; comunicação;
assistência à comunidade; não vivenciar dilemas éticos na profissão.
Perfil
da equipe de enfermagem
Em relação ao perfil dos profissionais
entrevistados, cinco são do sexo feminino e um do sexo masculino, a idade
variou de 26 anos a 38 anos. Em relação à formação duas são enfermeiras e
quatro técnicos de enfermagem. O tempo de atuação na atenção primária variou de
1 ano a 13 anos.
Concepção da equipe
de enfermagem sobre ética
A ética provoca no
ser uma reflexão com base em princípios e valores que orientam sua vida;
reflete o pensar e o questionar a realidade circundante. A ética envolve
valores internos, significa “modo de ser” ou “morada do ser”, englobando
consciência, conhecimento, concepção, liberdade e responsabilidade [1]. A ética como conjunto de regras, valores morais e princípios
que norteiam a conduta humana foram destacados pelos enfermeiros E1 e E2 e o
técnico de enfermagem T3:
E1:
“Ética significa ter bom costume, conjunto de regras, princípios que norteiam a
conduta humana”.
E2:
“É um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na
sociedade”.
T3:
“É um conjunto de princípios Morais que regem os direitos e deveres de cada um
de nós”
A ação ética dentro
dos valores estabelecidos pela sociedade, visando o bem e os direitos do
cidadão, permeia a concepção de ética dos técnicos de enfermagem T1; T2 e T4.
T1:
“Ética é um conjunto de ações que praticamos visando sempre o bem estar, a
privacidade e os direitos dos pacientes”.
T2:
“É o conjunto de ações e os hábitos de cada pessoa que juntas formam o caráter
de cada um dando origem a ética”.
T4:
“Ser ético é agir dentro dos padrões convencionais, é proceder bem, e não
prejudicar o próximo. Ser ético é cumprir os valores estabelecidos pela
sociedade em que se vive”.
Agir
de forma
consciente e ética requer uma percepção de si, do
meio e dos outros, envolvendo
também sabedoria, razão, comunicação,
interação, concepções, valores e cultura,
além da vontade, ou seja, do querer e do propiciar abertura para
o outro [1]. A
Atenção Básica necessita de uma bioética
clínica amplificada que articule no
cuidado a responsabilidade e direitos [12].
A ética pressupõe uma
prática profissional que busca garantir o sigilo, o respeito, a privacidade,
formando a partir desta postura profissional um vínculo com os pacientes e
familiares. A postura ética da equipe de enfermagem contribui para uma
convivência harmoniosa, entre os pacientes, familiares e a própria equipe, e o
processo de trabalho alicerçado na ética possibilita a qualidade do cuidado.
Capacitação
sobre ética profissional na Enfermagem
A equipe de
enfermagem foi capacitada sobre a ética profissional, com exceção do enfermeiro
E1 e o técnico T1que foram capacitados somente na formação de graduação e
técnico de enfermagem:
E1:
“Sim. Na formação de nível superior”.
E2;
T2; T3; T4: “Sim”.
T1:
“Sim, na formação de técnico de enfermagem”.
A educação permanente
da equipe de enfermagem precisa ser capaz de despertar os profissionais para a
reflexão sobre as questões éticas envolvidas no processo de trabalho na atenção
básica, com objetivo de desenvolver habilidades práticas, competência e
sensibilidade para conduzir a reflexão, discussão e resolução prudente e
responsável dos problemas éticos [4].
Os valores pessoais,
o ensino e a prática são os pilares que suportam a construção de um
profissional eticamente competente [13]. Os aspectos éticos e bioéticos
integrantes do cotidiano do cuidar na ESF muitas vezes não são percebidos,
resultando em danos a atenção, especialmente no que se refere ao vínculo e
corresponsabilização pela saúde. Para atuar na atenção básica o profissional,
além de redirecionar sua prática clínica, precisa redimensionar sua
sensibilidade para perceber, compreender e ponderar acerca de situações
eticamente significativas ou problemáticas [7].
Nesta perspectiva, os
profissionais necessitam estar preparados para o reconhecimento de conflitos
éticos, para a análise crítica de suas implicações, para o uso de senso de
responsabilidade e para a obrigação moral ao tomar decisões relacionadas à vida
humana [14].
Os
conflitos e dilemas éticos enfrentados pela equipe de enfermagem no processo de
trabalho na atenção básica
Dilemas éticos são
resultantes de diferenças de valores, crenças e experiências, bem como a
formação ética, humana e profissional do indivíduo, em que o profissional tem
de tomar decisões entre duas ou mais alternativas de ação [2].
O
sigilo
O sigilo das
informações é o conflito e dilema ético mais citado pela equipe de enfermagem,
nos relatos da enfermeira E1 e E2 e o técnico T1:
E1:
“Nossa função na enfermagem é orientada por normas e princípios. O sigilo é um
dos principais dilemas que enfrentamos perante a equipe”.
E2:
“[...] O sigilo sobre as patologias dos pacientes, muitas vezes os próprios
pacientes já sabem o que a pessoa que consulta tem”.
T1:
“O sigilo[...]”.
São recorrentes nos
estudos resultados relativos a problemas éticos relacionados com as informações
sigilosas e as potenciais ameaças à privacidade e confidencialidade das
informações na atenção básica [4,6,15-17].
O segredo compreende
as informações a que a equipe de enfermagem tem acesso, no exercício de suas
atividades, quando transmitidas pelo paciente ou responsável, obtidas por meio
da anamnese, exame físico, dos cuidados aos pacientes ou provenientes das
observações de outros profissionais e procedimentos administrativos. Um recurso
para dimensionar o que cabe ou não ser compartilhado sobre o paciente é
colocar-se no lugar dele verificando que informações, se reveladas, poderiam
causar-lhe danos [2].
O sigilo nos serviços
de saúde quanto às informações dos usuários é previsto em lei e pelos conselhos
de ética profissional, sendo dever do profissional de saúde manter a lealdade
com o usuário [18].
Como
responsabilidades e deveres o Código de ética, nas relações com a pessoa, família
e coletividade institui no Art. 19 - Respeitar o pudor, a privacidade e a
intimidade do ser humano, em todo seu ciclo vital, inclusive nas situações de
morte e pós-morte. Em relação ao sigilo profissional - Capítulo II – o Código
de ética constitui como responsabilidades e deveres no Art. 82 - Manter segredo
sobre fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão de sua atividade
profissional, exceto casos previstos em lei, ordem judicial, ou com o
consentimento escrito da pessoa envolvida ou de seu representante legal. O Art.
83 ressalta que cabe ao enfermeiro orientar a equipe sob sua responsabilidade,
sobre o dever do sigilo profissional [3].
O Código de ética de
Enfermagem no artigo Art. 81 destaca que a enfermagem deve abster-se de revelar
informações confidenciais de que tenha conhecimento em razão de seu exercício
profissional a pessoas ou entidades que não estejam obrigadas ao sigilo.
Preceitua como dever do profissional de enfermagem manter segredo sigiloso de
que tenha conhecimento em razão de sua atividade profissional [3].
Para Oguisso et al. [2] a confidencialidade não são princípios
considerados, ética ou legalmente, absolutos. Ao contrário, têm seus limites
fundamentados na possibilidade de causar dano à saúde ou à segurança da
coletividade ou de pessoas identificáveis. No processo de trabalho na atenção
básica é essencial preservar o sigilo e a confidencialidade das informações,
buscando definir em que medida as informações privativas do paciente devem ser
compartilhadas no âmbito da equipe [17].
O sigilo deve ser
mantido também entre a equipe de enfermagem, garantindo a confidencialidade
referente às informações dos pacientes e familiares atendidos na atenção
básica.
A
humanização
A falta de
humanização foi citada nos relatos dos profisisionais E2 e T1 como um conflito
vivenciado no processo de trabalho na atenção básica.
E2:
“A falta de humanização caracterizando os pacientes por patologias e condições
sócio econômicas[...]”.
T1:
“[...]a falta de interesse e dedicação pelo próximo”.
A falta de
humanização, protagonizada por alguns membros da equipe – no processo de
acolhimento ao usuário foi citada em pesquisa de Simas et
al. [6]. A humanização abrange um conjunto de conhecimentos, práticas e atitudes,
envolvendo a participação da equipe multiprofissional de saúde, gestores,
usuários e movimentos sociais possibilitando o compartilhamento de experiências
visando à qualificação do cuidado na atenção básica [19].
A relação de
confiança, o vínculo e a co-responsabilização é
determinante para a humanização do cuidado, o que requer garantias ao direito
de informação, um dos elementos fundamentais para que o usuário possa tomar
decisões substancialmente autônomas sobre a sua saúde [4]. Nesse sentido, dois
aspectos são relevantes no que tange à temática dos fundamentos éticos e morais
da prática da enfermagem, o primeiro fato caracterizaria o momento quando o
profissional que atua na área da saúde trata o paciente como um objeto, o
segundo fato seria em não limitar a ética a um conjunto de normas,
hermeticamente fechadas, prontas e acabadas [1].
A relação que permeia
os profissionais e o usuário não deve se restringir apenas ao tratamento das
doenças, mas se fundamentar na promoção da saúde e na percepção do indivíduo
como ser único, que necessita ser escutado e compreendido nas necessidades
físicas, emocionais e sociais [7].
Para atuar na saúde
da família o profissional, além de redirecionar sua prática clínica, precisa
redimensionar sua sensibilidade para perceber, compreender e ponderar acerca de
situações eticamente significativas ou problemáticas. Existe a necessidade de
educação continuada com direcionamento para a formação de especialistas em
saúde da família objetivando a humanização do cuidado [7].
A
comunicação
Os conflitos
relacionados à falta de comunicação foi relatado pelo
técnico T3: “Falta de comunicação”.
A
comunicação
qualificada entre a equipe de enfermagem e usuário poderia
reduzir conflitos
éticos na atenção básica e favorecer a
condução satisfatória de uma relação
terapêutica e ética [4]; sendo essencial uma linguagem
clara e acessível para a
resolução dos conflitos éticos e bioéticos
no atendimento de famílias [15].
O acolhimento com uma
escuta ativa, qualificada e resolutiva é um fator primordial para orientar o
atendimento e o encaminhamento adequado, conduzindo a uma maior resolubilidade
dos problemas enfrentados; o diálogo é considerado como um elemento de mediação
entre os sujeitos da rede de atenção à saúde [6].
A partir dos
princípios que norteiam a ética profissional, considera-se de extrema
relevância um bom relacionamento e comunicação interpessoal da equipe de
enfermagem para o estabelecimento de melhor resolução de conflitos e dilemas no
processo de trabalho na atenção básica.
Assistência
à comunidade
Os desafios
relacionados ao atendimento da comunidade na atenção básica foi
relatado pelo técnico T4:
T4:
“Dilemas que eu enfrento, as pessoas precisam de consultas e o atendimento é
limitado. Os conflitos, é que o médico só atende as 16 fichas, e só atende 2 vezes por semana. Falta de mais consultas na unidade,
necessidade de um dentista e um ginecologista”.
Na atenção básica
convive-se com um problema que afeta vários municípios que é a falta de médicos
e especialistas, e os poucos que têm não cumprem o horário. Mas, por outro
lado, falta também uma escuta mais qualificada, uma consulta de enfermagem
feita de forma correta, diminuindo assim de forma considerável a demanda para
médico clínico geral ou especialista.
Em estudo de
Siqueira-Batista et al. [17], Arantes et al. [20] com
a equipe atuante na Estratégia Saúde da Família constataram problemas éticos
relacionados as dificuldade de acesso dos usuários aos serviços de saúde. O
acesso aos serviços de saúde pode ser avaliado na perspectiva do princípio da
integralidade, equidade e justiça conforme diretriz do Sistema Único de Saúde [21].
A falta de recursos humanos, apontada como um problema ético da Atenção Básica
pode comprometer a qualidade do cuidado [4].
Não
vivenciar dilemas éticos na profissão
O técnico de
enfermagem T2 não vivenciou dilemas éticos na prática profissional, em virtude
do bom relacionamento interpessoal estabelecido pela equipe multiprofissional
da atenção básica:
T2:
“Não tenho como responder, na unidade de saúde onde trabalho não tem problemas
relacionados a ética, equipe é muito boa. Até o momento
não passei por nenhum problema ou conflito ético”.
A equipe
multidisciplinar da atenção básica enfrenta na construção dos vínculos entre si
e com as pessoas da coletividade, uma série de questões éticas, que podem
passar despercebidas, deixando de ser identificadas [17].
A reflexão sobre
bioética requer o auxílio de conceitos fundamentais da ética [22], no entanto
os aspectos éticos da atenção à saúde nem sempre são visíveis aos gestores,
usuários e trabalhadores da área da saúde resultando em danos a atenção,
especialmente no que se refere ao vínculo e corresponsabilização pela saúde [6,7,22].
O
enfrentamento dos conflitos e dilemas éticos pela equipe de enfermagem
O diálogo e a
humanização do cuidado são imprescindíveis para preservar a ética no
relacionamento com a equipe, paciente e família. Desta forma, a equipe de
enfermagem enfrenta os conflitos e dilemas éticos vivenciados no processo de
trabalho na atenção básica a partir do diálogo, com questionamentos, debates e
buscando a humanização:
E1:
“A única maneira de enfrentamento é através de diálogo com a equipe”.
E2:
“De forma clara e humanizada, cada paciente tem o direito de ser preservado; a
fofoca é algo que não temos controle”.
T1:
“Questionando e debatendo as falhas”.
T2:
“Não passo por nenhum conflito ético na minha unidade de saúde, mas acredito
que através do diálogo seria possível resolver”.
T4:
“De forma agradável, fazendo com que as pessoas entendam que é uma norma a ser
cumprida”.
Em estudo de Chaves e
Massarollo [5], os enfermeiros levam em conta os seus valores, a ética
profissional, a empatia e o diálogo com a equipe para tomar decisões frente às
situações dilemáticas. Ainda em pesquisa de Caetano et
al. [15] ressaltaram a necessidade de discussão dos casos pela equipe para
promover a humanização do cuidado na atenção básica.
Não se pode perder de
vista que as pessoas são diferentes, com valores, pontos de vistas e crenças
individuais e coletivas distintas, que precisam ser respeitadas e consideradas
em um ambiente de diálogo e de comprometimento de todo o grupo [21]. Os
fundamentos do agir ético da equipe de enfermagem se pauta
nas concepções de vida, valores, crenças, desejos, motivações,
intencionalidades, necessidades e possibilidades, perpassando o diálogo aberto,
crítico, reflexivo e consensual [1].
Para o técnico de
enfermagem T3 faz-se necessário reuniões e capacitação sobre ética no processo
de trabalho para o necessário enfrentamento dos dilemas vivenciados: T3:
“Reuniões semestrais e cursos de capacitação”.
O estudo de Schaefer
e Junges [13] demonstrou a necessidade de promover iniciativas educacionais e
organizacionais, como ferramenta de enfrentamento dos dilemas e conflitos
éticos no processo de trabalho em enfermagem para melhorar a qualidade do
cuidado em atenção primária à saúde. Os profissionais indicam a formação como
recurso de enfrentamento das questões éticas na atenção básica, valorizando
discussões formais, informais, reflexão individual, em equipe e tempo para a
discussão das questões éticas [4].
De acordo com Oguisso
e Zobolli [2] não se pode esquecer que a análise de um dilema ético depende das
concepções e dos valores adquiridos pautados nos conhecimentos e nas suas
experiências acumuladas ao longo da nossa história. Essas concepções e valores
não são destituídos das influencias do meio, pois todo conhecimento e
experiência adquiridos foram vivenciados como possibilidades no mundo, ou seja,
foram compartilhados pelas nossas reflexões e ações. O ser ético vai além das
concepções de valores aceitos como verdade, é também olhar para além da
situação conflituosa ou do dilema ético, e constatar que talvez, as concepções
e os valores estejam inadequados para aquela circunstância e que precisariam
ser revistos.
Conforme o estudo
realizado por Martins et al. [21] com profissionais da atenção
básica, em Pelotas-RS, para a resolução de conflitos a equipe de trabalho
precisa ser maleável, receptiva e adaptável às contínuas modificações que
ocorrem nos serviços de saúde, com a formação de vínculos. A abordagem dos
conflitos e dilemas éticos na esfera de cuidado à saúde necessita da
incorporação dos conceitos éticos à ação do profissional de modo a embasar as
decisões de forma autônoma e prudente [8].
O diálogo e a
humanização do cuidado é base essencial para o enfrentamento dos dilemas
éticos, sendo extremamente necessária a capacitação e sensibilização da equipe
de enfermagem para questões que envolvem a ética, o exercício profissional e os
conflitos vivenciados na atenção básica.
Para uma tomada de
decisão autônoma por parte da equipe de enfermagem, é preciso avaliar,
primordialmente, os fundamentos éticos no próprio Código de Ética no que tange
a responsabilidades, direitos e deveres [1]. É imprescindível refletir sobre os
princípios éticos que norteiam cada ação, pois os valores não são absolutos e
as questões éticas não contêm fórmulas matemáticas com respostas exatas e
fechadas. Nem todo dilema ou conflito ético pode ser resolvido pela técnica.
Neste contexto, o profissional de enfermagem deve refletir e diante de um
conflito procurar conhecer a situação com cuidado, levando em conta os recursos
disponíveis, tanto humanos como materiais [2].
O desenvolvimento da
ciência, as regras do mercado, as leis civis e penais e as normas deontológicas
das profissões de saúde nem sempre dão respostas aos problemas éticos, que se
manifestam em muitos aspectos do trabalho. Sobretudo os conflitos entre valores
e interesses diferentes, nenhum desses é capaz de anular os demais, pois cada
um pode apresentar uma justificativa legítima [2].
Os códigos de ética
devem ajustar-se, continuamente, às situações novas que as transformações
sociais e científicas suscitam a cada momento [1]. O
profissional de enfermagem deve dispor de sólidos princípios éticos para agir
perante os frequentes dilemas éticos que integram o cuidado [2].
A competência ética é
algo que está sempre em construção e mostra que ações com foco na ética devem
ser constantes e transversais, tanto no âmbito do ensino quanto da prática
[13]. Neste contexto é necessário que os profissionais de enfermagem tenham uma
maior fundamentação teórica dos conjuntos de princípios éticos que compõem a
base necessária para o delicado processo de tomada de decisão [5].
Os dilemas
enfrentados pela equipe de enfermagem envolvem fatores relacionados ao sigilo
das informações; dificuldades inerentes à comunicação e ao acesso dos usuários
aos serviços de saúde.
O enfrentamento dos
conflitos e dilemas éticos pela equipe de enfermagem é realizado a partir do
diálogo, com questionamentos, debates e buscando a humanização do cuidado no
processo de trabalho na atenção básica. O diálogo e a humanização do cuidado
são imprescindíveis para preservar a ética do cuidado. A equipe considera
necessárias reuniões e capacitação sobre ética no processo de trabalho para o
adequado enfrentamento dos dilemas vivenciados.
Para o enfrentamento
destes dilemas é essencial o conhecimento do Código de Ética da profissão,
nesta perspectiva sugere-se uma capacitação/sensibilização para refletir sobre
o processo de trabalho e as condutas necessárias para a efetivação da ética na
atenção básica. É fundamental que a equipe de enfermagem promova discussões
sobre os dilemas enfrentados e as condutas éticas requeridas no processo de
trabalho, buscando a humanização e a qualidade do cuidado na atenção básica.