ARTIGO
ORIGINAL
Perfil
de usuários e financiamento da acupuntura em um hospital de ensino no interior
paulista
Sandra Segarra*,
Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, D.Sc.**, Marli de
Carvalho Jericó, D.Sc.***
*Bacharel
em Direito, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade
de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto/SP,
**Enfermeira, Livre-docente em Enfermagem, Professor Adjunto da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), SP, Coordenadora Geral do Mestrado
Acadêmico – Programa de Enfermagem da FAMERP, Orientadora do trabalho,
***Enfermeira, Professora do curso de graduação de enfermagem na Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto/ SP,
Co-Orientadora do trabalho
Recebido em 20 de
fevereiro de 2017; aceito em 22 de fevereiro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Sandra Segarra, Rua Projetada 8, 299, Bairro Ary Attab, 15040-647 São José do
Rio Preto SP, E-mail: saleroso@hotmail.com, Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler:
zaidaaurora@gmail.com, Marli de Carvalho Jericó: marli@famerp.br
Este
artigo faz parte da dissertação de mestrado da primeira autora, sendo
orientadora e co-orientadora as outras autoras,
respectivamente. Está incluído no Grupo de Pesquisa “Nemoreges: Núcleo de
Estudos sobre Morbidade Referida, Educação e Gestão em Saúde, na Área de
Concentração “Processo de Trabalho em Saúde” e na Linha de Pesquisa Gestão em
Saúde e em Enfermagem, do mestrado Acadêmico em Enfermagem da FAMERP
Resumo
Objetivo: Analisar o perfil
de usuários e o financiamento da acupuntura em um hospital de ensino no
interior paulista. Métodos: Pesquisa
transversal, quantitativa, com fonte de dados nos registros computadorizados
entre os anos de 2010 a 2016, referente a 2564 pacientes que fizeram 19.034
atendimentos de acupuntura como prática terapêutica prescrita. Foram realizadas
técnicas de estatística descritiva e os testes de Mann-Whitney, de Análise de
Variância (ANOVA), de comparação múltipla de Games-Howell, teste de correlação
de Pearson e análise de Correspondência Múltipla, para observar a relação entre
todas as variáveis coletadas, o número total de atendimentos e o recurso
financeiro total da prática de acupuntura. Resultados:
A maioria dos pacientes era do sexo feminino - 1952 (76,13%); com ocupação do
lar - 739 (28,82%); escolaridade em nível do ensino fundamental - 1077
(42,00%); religião católica - 1651 (64,39%). O número médio de atendimentos foi
de 7,42 com desvio padrão de 8,99 atendimentos e mediana de 5,00 atendimentos;
o financiamento médio foi de R$ 12,15, atingindo um máximo de R$ 21,47 por
atendimento. Conclusão: Há
necessidade de ofertar outras práticas de atenção em saúde previstas na
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC); serem mais
divulgadas quanto aos benefícios, ao financiamento governamental e custos
menores dessas práticas.
Palavras-chave: Terapia por
acupuntura, financiamento da assistência à saúde, financiamento governamental,
terapias complementares, medicina tradicional chinesa.
Abstract
Acupuncture user profiles and financing of acupuncture sessions in a
teaching school in the countryside of São Paulo state
Objective: To
investigate the profile of acupuncture users and the financing of acupuncture
sessions in a teaching hospital in the countryside of Sao Paulo state. Methods: This transversal and
quantitative study used, as a data source, all records computerized between
2010 and 2016 regarding 2,564 patients who received 19,034 acupuncture sessions
as prescribed therapeutic interventions. The data were analyzed using
descriptive statistics, the Mann-Whitney U test, the ANOVA test, the
Games-Howell Multiple Comparison procedure, Pearson's correlation test, and
Multiple Correspondence Analysis, to investigate the relationship between the
collected variables, the total number of sessions, and the total financial cost
of acupuncture. Results: Most
patients were female - 1952 (76.13%), housekeepers -739 (28.82%), had
elementary school education -1077 (42.00%), and were Catholics -1651 (64.39%).
The mean number of acupuncture sessions was 7.42 with a standard deviation of
8.99 sessions and a median of 5.0 sessions. The mean financing round for the
performance of acupuncture sessions was 91.99 Brazilian Reais/patient;
the mean financing round per session was 12.15 Brazilian Reais,
reaching a maximum of 21.47 Brazilian Reais per
session. Conclusion: There is a need
to offer other healthcare practices provided for in the Política Nacional de Práticas Integrativas
e Complementares (PNPIC), and show these
practices, their benefits, and the government financing of PICs.
Key-words: acupuncture
therapy, healthcare financing, financing, government, complementary therapies,
traditional chinese medicine.
Resumen
Perfil de los usuarios de acupuntura y
financiación de la terapia por acupuntura en un
Hospital Escuela del interior del Estado de São Paulo
Objetivo: Investigar el perfil de los usuarios de acupuntura y la financiación de
la terapia por acupuntura en un hospital escuela del interior del Estado de São
Paulo. Método: Estudio transversal y
cuantitativo; utilizó como fuente de datos todos los registros computarizados
entre 2010 y 2016 con respecto a 2.564 pacientes que recibieron 19.034 sesiones
de acupuntura como intervenciones terapéuticas prescritas. Los datos se
analizaron mediante estadística descriptiva, la prueba
U de Mann-Whitney, la prueba ANOVA, el test de Comparación Múltiple de
Games-Howell, el test de correlación de Pearson y el Análisis de
Correspondencia Múltiple para investigar la relación entre las variables
recogidas, el número total de sesiones y el costo financiero total de la
terapia por acupuntura. Resultados:
La mayoría de los pacientes eran mujeres - 1952 (76,13%), trabajadoras
domésticas - 739 (28,82%), tenían educación primaria -1077(42,00%) y eran
católicas - 1651 (64.39%). El número medio de sesiones de acupuntura fue de
7,42 con una desviación estándar de 8,99 sesiones y una mediana de 5,0
sesiones. La financiación media para la realización de
sesiones de acupuntura fue de 91,99 reales brasileños por paciente; la
financiación media por sesión de acupuntura fue de 12,15 reales brasileños,
alcanzando un máximo de 21,47 reales brasileños por sesión. Conclusión: Evidenciada la necesidad de ofrecer otras prácticas de salud previstas
en la Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) y deben ser mejor divulgadas en
relación a los beneficios, la financiación gubernamental y costos menores de
las PICs.
Palabras-clave: terapia por
acupuntura, financiación de la atención de la salud,
financiación gubernamental, terapias complementarias, medicina China
tradicional.
A OMS [1] tem
reconhecido a importância de práticas não convencionais, chamadas de medicinas
tradicionais, alternativas ou complementares (MAC), que não se incluem no
escopo da medicina alopática, oficialmente reconhecida. Constituem intervenções
terapêuticas geralmente pouco discutidas em escolas médicas; pouco
disponibilizadas em hospitais ou unidades de atenção em saúde e sofrem
resistência da comunidade médica e indústria farmacêutica [2-7]. Neste estudo
será utilizada somente a denominação PICs (Práticas Integrativas ou
Complementares).
No bojo das discussões
sobre as PICs ficam ressaltados: o vínculo solidário de integração dos aspectos
físicos, psicológicos e sociais; os mecanismos naturais de prevenção, controle
e recuperação da saúde; as tecnologias simples, baratas, eficazes e seguras; a
valorização do vínculo terapêutico de humanização do atendimento; a
integralidade na assistência; o acesso a todos e a um menor custo [1-4,8-10].
Soma-se a tudo isso a preocupação dos gestores em saúde, no âmbito público e
privado, especialmente no Brasil, quanto à evidência do aumento dos gastos e
custos na saúde, situação que enfrentam diariamente [11-15].
A propósito, em todo
o mundo, cada vez mais se ressalta a importância de aprofundamento de pesquisas
sobre os diferentes contextos da economia em saúde, justificados pela limitação
dos recursos disponíveis, elevação de gastos e custos e demandas crescentes de
necessidades da população. Entre outros fatores isso está explicado no aumento
do envelhecimento populacional, de doenças crônico-degenerativas e mudanças
epidemiológicas; na complexidade tecnológica terapêutica; no aumento de
acidentes; no papel reduzido do mercado e maior grau de consciência de
cidadania do usuário, cada vez mais exigente em relação a seus direitos [3-5].
São essenciais as
pesquisas sobre as PICs que abordem aspectos gerenciais e econômicos, nos
enfoques organizacionais, programáticos, sociais, humanísticos, monetários e
governamentais, que revelem os caminhos para a excelência de qualidade da
atenção, baseada em evidências científicas [16-18]. No Brasil, o processo
gerencial tradicionalmente adotado carece de dados fidedignos sobre custos e
financiamento, revelando uma mentalidade de otimização
das atividades. Dentro das possibilidades financeiras privilegia a quantidade
de recursos, desconsiderando a eficiência, a eficácia e a otimização
na oferta de assistência [11-13].
A temática que
incorpora as PIC está prevista na Constituição brasileira e nas prerrogativas
do Sistema Único de Saúde (SUS) [2,14,15]. As PICs
foram regulamentadas para financiamento pelo SUS em 2006, por meio da Portaria
n. 971/2006, com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
(PNPIC) [2]. Regulamenta o cuidado a saúde de pessoas interessadas em receber
serviços relativos a: Medicina Tradicional Chinesa
(acupuntura, dietoterapia, “ginástica terapêutica chinesa” [lian gong, chi gong
e tai-chi-chuan]; a massagem tui-na e a meditação); a Homeopatia, o
Termalismo-Crenoterapia (tratamento com água mineral); a Medicina Antroposófica
(abordagem médico-terapêutica com uso de chás, homeopatia e fitoterapia) [2].
A acupuntura é uma
modalidade terapêutica instituída através de sistemas e recursos cujas
abordagens visam estimular os mecanismos naturais de prevenção e recuperação da
saúde, uso de procedimento eficaz e seguro, no segmento do vínculo terapêutico
e não exige alta densidade tecnológica ou intervenções farmacológicas que
possam colocar em risco a saúde dos usuários [2,8,19-21].
Desde a década de
1970, a OMS vem incentivando o uso da acupuntura e de outras PICS, de forma que
criou um documento intitulado “Estratégia da OMS sobre Medicina Tradicional
(MT) 2002-2005” [1]. O objetivo foi de promover o desenvolvimento de políticas
para a implantação de tratamentos não convencionais em saúde, estabelecendo requisitos
de segurança, eficácia, qualidade, uso racional e acesso, podendo ser usada
isoladamente ou integrada com outros recursos terapêuticos [22].
Dentre as
possibilidades terapêuticas oferecidas pela acupuntura estão seus efeitos:
analgésico; antiinflamatório; de relaxamento muscular; ansiolítico;
antidepressivo; em sequelas neurológicas e distúrbios psiquiátricos; apressar o
processo de cicatrização e diminuir o uso de medicação alopática [8,21,23,24], com menor custo.
Por certo é
importante buscar menor custo ou equilíbrio entre receitas e despesas, mas
financiamento da saúde não se resume a uma simples equação contábil [12,25].
Também envolve questões como: volume de recursos a ser destinado à saúde e como
prover acesso oportuno da população a serviços assistenciais com qualidade,
eficiência, segurança e também custo-benefício, que corresponde à análise dos
encargos tributários e despesas oriundas do serviço prestado [12,25-27].
Todas estas reflexões
assinalam a relevância de analisar a configuração financeira atual e as
perspectivas da acupuntura no serviço de saúde, deixando visíveis os contornos
de sua relação com a PNPIC, contribuindo para o fortalecimento da atenção
básica. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar o perfil de usuários e o financiamento
da acupuntura em um hospital de ensino no interior paulista.
Trata-se de uma
pesquisa de caráter analítico, transversal, com abordagem quantitativa. Foram
preservados os aspectos éticos de pesquisa envolvendo seres humanos, com a
prévia submissão do projeto de pesquisa a Comitê de Ética em Pesquisa (CEP),
com aprovação sob Parecer nº 1.647.216.
O estudo foi
realizado em um hospital de ensino de porte extra, que realiza atendimentos de
alta complexidade, vinculado a uma instituição fundacional, localizado na
região noroeste do interior paulista, que cumpre a tríade universitária de
ensino, pesquisa e extensão de serviços à comunidade. É o principal campo de
ensino prático de uma faculdade pública, com curso de graduação em medicina e
enfermagem e hospital referência da cidade, da região e até de outros estados,
em especial a usuários do SUS, mas também realiza atendimento a pacientes da
saúde suplementar e particulares.
A população do estudo
foi constituída pelos pacientes que fizeram acupuntura como prática terapêutica
prescrita de junho de 2010 a julho de 2016. Justifica-se tal período, pelo fato
que mesmo que a Portaria regulamentando as PIC no SUS tenha sido publicada em
03 de maio de 2006 [2], os dados digitalizados sobre financiamento da
acupuntura pelo SUS, no hospital campo da pesquisa, só estavam disponíveis no
Sistema de Informação Hospitalar a partir de junho de 2010. Os registros
existentes no Sistema de Informação Hospitalar sobre tratamentos com acupuntura
pelo SUS foram disponibilizados pelo serviço de tecnologia da informação (TI)
do hospital.
O valor do
procedimento de acupuntura repassado pelo SUS ao hospital estudado consiste no
valor em dinheiro pago pelo Ministério da Saúde (MS), segundo Sistema de
Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e
Materiais Especiais (SIGTAP) do SUS, que regulamenta o financiamento e
transferência de recursos federais para os serviços de saúde [28].
Na análise dos dados
foram realizadas técnicas de estatística descritiva das variáveis de
caracterização amostral, como: o teste de Mann-Whitney (comparar o número de
atendimentos e o recurso financeiro); o teste de Análise de Variância (ANOVA);
o teste de comparação múltipla de Games-Howell (comparar o número de
atendimentos e o recurso financeiro); o teste de correlação de Pearson
(comparar o número de atendimentos e o recurso financeiro total em relação à
idade dos pacientes) e a análise de correspondência múltipla (abordagem
multivariada), relacionando as variáveis coletadas, o número total de
atendimentos e o recurso financeiro total.
A possibilidade de
aplicação de ferramentas multivariadas é importante do ponto de vista
estatístico, enquanto a análise univariada apresenta certa limitação no que
concerne à influência dos efeitos de todas as variáveis na variável resposta. A
abordagem multivariada possibilita a análise estatística dos efeitos conjuntos
de todas as variáveis coletadas na variável resposta [29]. Os dados obtidos
foram agrupados por semelhanças, segundo o objetivo do estudo e são
apresentados em Tabelas e Figura.
Na Tabela I, estão
apresentadas algumas características sociais e demográficas, disponíveis no
banco de dados hospitalar, de 2564 pacientes
assistidos com acupuntura financiada pelo SUS, entre 2010 a 2016, gerando-se
19.034 atendimentos na instituição. Nota-se que a maioria dos pacientes era do
sexo feminino (1952 – 76,1%), com ocupação do lar (739 – 28,8%); escolaridade
de ensino fundamental (1077 – 42%); religião católica (1651 – 64,3%). A grande
maioria (2551- 99,4%) era procedente da Direção Regional de Saúde de São José
do Rio Preto (DRS XV).
Tabela
I - Caracterização sociodemográfica dos
pacientes submetidos à acupuntura financiada pelo SUS, entre junho de 2010 a julho
de 2016. São José do Rio Preto, 2016.
Na Tabela II são
apresentados os motivos para a realização da acupuntura entre os pacientes
incluídos no estudo. Observa-se que a maioria procurou a acupuntura como tratamento
alternativo para problemas ortopédicos (1846 – 72%), seguido de problemas
neurológicos (359 – 14%) e de processos infecciosos/inflamatórios
(133 – 5,1%) .
Tabela
II -
Perfil clínico dos pacientes submetidos à
acupuntura com financiamento pelo SUS, no período de junho de 2010 a julho de
2016. São José do Rio Preto, 2016.
A Tabela III e a
Figura 1 mostram as estatísticas descritivas do número de atendimentos de
acupuntura financiada pelo SUS ao longo dos anos de junho de 2010 a julho de
2016. Nota-se que o número de atendimentos de acupuntura foi superior nos anos
de 2011 e 2012, decrescendo de forma significativa após o ano de 2013. Ainda,
que os anos de 2010 e de 2016 apresentaram menores quantidades de atendimento
de acupuntura financiada pelo SUS, no hospital campo deste estudo.
Tabela
III
- Número de atendimentos de acupuntura
com financiamento pelo SUS, no período de junho de 2010 a julho de 2016. São
José do Rio Preto, 2016.
1Valor P referente ao teste
de Análise de Variância com teste de comparação múltipla de Games-Howell a P
< 0,05; 2Média ± DP: média ± desvio padrão.
Figura
1 - Distribuição do número total de atendimentos
de acupuntura por ano.
Na Tabela IV
apresenta-se a estatística descritiva de 2564 atendimentos de acupuntura,
quanto aos valores gastos com essa terapia no hospital campo do estudo. O
número médio de atendimentos nos anos avaliados foi de 7,4 com desvio padrão de
8,9 atendimentos e mediana de 5,0 atendimentos. O financiamento médio com a
realização da prática de acupuntura, por paciente, foi de R$ 91,99 reais com
desvio padrão de 120,10 reais e mediana de R$ 56,52,
atingindo um máximo de R$ 1.429,06. O financiamento médio, por atendimento, foi
de R$ 12,15 com desvio padrão de R$ 3,74 e mediana de R$ 14,13, atingindo um
máximo de R$ 21,47 por atendimento.
Tabela
IV -
Estatísticas descritivas do número total
de atendimentos e dos financiamentos referentes à acupuntura com financiamento
pelo SUS em reais, no período de junho de 2010 a julho de 2016. São José do Rio
Preto, 2016.
Na Tabela V são
destacados os resultados da análise comparativa entre os dados
sociais dos pacientes
participantes deste estudo quanto ao número de atendimentos e no financiamento
total da acupuntura, verificando-se: diferenças significativas no número de
atendimentos e no financiamento total da acupuntura (maior para as mulheres; o
número total de atendimentos foi superior para as ocupações de aposentado e do
lar e o menor número foi para técnicos de nível médio e outras ocupações); tanto
o número de atendimentos quanto o financiamento total foram superiores para os
pacientes sem escolaridade ou com menor escolaridade; pacientes católicos e
espiritualistas apresentaram maior número de atendimentos e maior financiamento
referente à prática de acupuntura, diferenciando-se de forma significativa dos
pacientes evangélicos e sem religião; o financiamento individual também
apresentou diferenças significativas (P = 0,034), sendo que tal financiamento
foi superior para os pacientes sem religião e inferior para os pacientes
espiritualistas; o financiamento individual das sessões de acupuntura nos
pacientes do estudo mostrou diferenças significativas para a comparação com CID
(P < 0,001), sendo que o financiamento individual foi significativamente
superior para os casos infecciosos/inflamatórios e inferior para os casos
ortopédicos e outros casos.
Tabela
V - Comparação do perfil da população, segundo o
número total de atendimentos e do financiamento total e individual da
acupuntura no período de junho de 2010 a julho de 2016. São José do Rio Preto,
2016. (ver tabela em PDF em anexo)
A acupuntura é uma
prática oriental milenar, fundamentada na medicina chinesa, que envolve
princípios humanísticos, religiosos e filosóficos, tem sido tema de investigações
científicas, clínicas e experimentais e reconhecida no mundo ocidental [1,2].
Resultados de
pesquisas sobre a acupuntura mostram seu caráter holístico e abrangente, que
permite seu emprego em praticamente todos os tipos de problema, com influência
profunda sobre muitos problemas físicos e emocionais, sendo recomendável a
combinação dessa técnica com outros tratamentos convencionais [8,10,18]. Está entre as PIC mais conhecidas e utilizadas por
diferentes usuários da saúde, assim como a mais prescrita por médicos de
diversas especialidades, geralmente como tratamento complementar de agravos à
saúde de pacientes que referem dor crônica [16,30].
No entanto, ainda é
incipiente em nosso meio como evidenciar cientificamente os mecanismos de ação
e os resultados da acupuntura, pois é uma prática que pode ser realizada com
diferentes técnicas, mas sem bula para explicar indicações, efeitos e a escolha
do melhor procedimento, somando-se as deficiências na formação e atuação de
acupunturistas. Alguns estudos no Brasil sustentam a hipótese de que há
progressivo interesse pelas PIC e de modo geral mais sensibilização, ou menor
oposição ou resistência de médicos, em especial aqueles que atuam na atenção
primária [30,34]. Em parte isso pode ser explicado pela insatisfação com a
biomedicina e suas iatrogenias decorrentes; altos custos da alopatia ou da
medicina convencional; métodos diagnósticos, terapêuticos, tecnologia e
produtos com foco na doença e não no doente e possível apenas para poucos. As
qualidades atribuídas às PIC ressaltam: abordagem mais holística no cuidado; a
integralidade da atenção, a humanização, a universalidade, o estímulo às forças
curativas do organismo e menor potencial de dano [8-9,16,33].
Outros estudos
mostram que usuários da acupuntura apresentaram diminuição na intensidade e
frequência de dor, avanço no desenvolvimento cognitivo com o decorrer das
sessões, remissão das queixas e progressiva suspensão do uso de analgésicos,
antidepressivos, laxantes intestinais e indutores de sono [8,21,23,24].
Também é uma possibilidade terapêutica eficaz e de baixo custo, ou menor custo
que os tratamentos convencionais, em muitas situações de atenção a agravos de
saúde [16,25].
Um aspecto que merece
discussão nesta pesquisa é o número que consideramos reduzido de atendimentos
com acupuntura no hospital estudado, de porte extra e que praticamente é o
único com condições efetivas de realizar tal assistência. É possível aventar
que ainda são desconhecidos para a maioria da população e dos profissionais de
saúde, particularmente dos médicos que prescrevem, as políticas públicas
brasileiras que possibilitam financiamento de práticas de atenção em saúde como
a acupuntura.
Isso demonstra a
necessidade em maior divulgação dos benefícios da acupuntura no âmbito da
atenção primária de saúde, que devem contribuir para aumentar os
encaminhamentos [2-3,9]. Seja no âmbito privado, seja no público, é importante
à proposição e implantação de medidas que facilitem e melhorem o acesso de
usuários de acupuntura, assim como deve haver contínua participação do Estado
no financiamento não só da acupuntura, mas também de outras PIC [11].
Neste estudo, o
perfil dos 2564 pacientes que foram submetidos à acupuntura, com financiamento
pelo SUS, entre os anos de 2010 a 2016, revelou:
1 - predominância do
sexo feminino, resultado semelhante a outras pesquisas, revelando que as
mulheres procuram mais atendimentos junto ao SUS que os homens e também aceitam
mais as práticas de saúde complementares, como a acupuntura. Quanto aos homens,
geralmente não se detêm para entender e usar práticas de atenção em saúde não
convencionais e, por consequência, estão mais expostos a agravos de saúde que
aumentam a morbimortalidade masculina [34,35].
2 - Uso da acupuntura
a indivíduos de menor escolaridade e renda. Alguns estudos destacam que nas
últimas décadas, inclusive no Brasil, os usuários da acupuntura, entre pessoas
que financiam seus atendimentos, têm maior escolaridade e maior renda [36,37].
3 - A maioria dos
pacientes incluídos nesta pesquisa procurou a acupuntura como tratamento
alternativo para problemas ortopédicos (72,00%), seguido de problemas
neurológicos (14,00%) e de processos infecciosos/inflamatórios
(5,19%). Segundo a literatura pesquisada, em países ocidentais a acupuntura é procurada
como tratamento de diversas doenças e agravos à saúde, como por exemplo:
enxaquecas, problemas gastrointestinais, alergias, algias diversas e problemas
emocionais [2,3,38,39].
4 - O número médio de
atendimentos/paciente nos anos analisados foi de 7,42 e mediana de 5,00
atendimentos; foi superior nos anos de 2011 e 2012, com diminuição
significativa após 2013. Os anos de 2010 e o de 2016 foram os que apresentaram
menores quantidades de atendimento referentes a essa prática. Pode-se justificar no número “pequeno” de atendimentos com
acupuntura os seguintes fatos: apesar das diretrizes públicas, no hospital
estudado cabe apenas aos médicos a aplicação de acupuntura; foi informado pelo
médico chefe do serviço de acupuntura que a redução do número de atendimentos
de acupuntura no hospital é reflexo da despactuação com o governo municipal no
atendimento a pacientes da cidade; a diminuição do número de médicos residentes
lotados para essa função; o acesso à acupuntura no hospital vem se restringindo
a pacientes de interconsultas, que são aqueles encaminhados por outras
especialidades dentro do ambulatório da instituição. Este médico não respondeu
o motivo de não participação de profissionais não médicos. Uma questão que tem
acirrado debate e amplas discussões no foco da lei e do direito, da
regulamentação da prática e que tem evidenciado aspectos corporativos de
profissionais da medicina no Brasil, diz respeito à
não inclusão no atendimento à acupuntura de profissionais que não são médicos
[40].
Tais fatos permitem
supor que mesmo sendo praticamente a única instituição que atua pelo SUS na
prestação desse serviço na cidade e na sub-região da DRS XV, existem condições
estruturais e profissionais que limitam a possibilidade de atendimento e de
revelar maior abrangência, eficiência e eficácia da acupuntura [41]. Se não há
ao menos a possibilidade de aumentar a demanda, como estimular diversos perfis
de usuários? Acreditamos que sem a inserção de novos profissionais de saúde,
com formação e qualificação para atender acupuntura pelo SUS, não será possível
manter e muito menos expandir o número de usuários da acupuntura, com
financiamento público.
Propiciar maior fluxo
de atendimentos de acupuntura e outras PIC com financiamento público, não vai
onerar o sistema de saúde governamental, federal, estadual ou municipal, já que
é considerada uma prática de baixo custo e riscos. Ainda, mostra o paradoxo da
baixa oferta da acupuntura na rede de atenção primária e representa uma saída
experimental frente a usuários que não respondem aos tratamentos convencionais
propostos [4,9,39-41].
A perspectiva de
busca de crescente aumento de atendimento de acupuntura com financiamento pelo
SUS visa além da consonância de melhores condições na saúde com o enfoque na
redução do adoecimento e de possíveis internações, além da possibilidade de
menores gastos de financiamento, pela diminuição do custo e seus gastos fixos
[16,42].
Nesta pesquisa, para
o perfil de pacientes do sexo feminino, do lar e sem escolaridade, ocorreram
mais de 6 atendimentos com financiamentos totais acima
de R$ 100,00. Já entre os pacientes do sexo masculino e com ocupação vinculada
a serviços industriais, houve menor número de atendimentos (1 a 5 atendimentos)
e, por conseguinte, o menor financiamento referente à prática da acupuntura
(até R$ 50). Pacientes aposentados, com 60 anos de idade ou mais, de ensino
fundamental e com problemas ortopédicos, apresentaram gastos com acupuntura em
torno de R$ 50,00 a R$ 100,00. O financiamento médio, por paciente, com a realização
da prática de acupuntura, foi de R$ 91,99 e de R$ 12,15 a média de custo por
atendimento.
Há falta de estudos
brasileiros abordando a temática sobre o financiamento de acupuntura pelo SUS
[43]. O SIGTAP [28] (Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos,
Medicamentos e órteses, próteses e materiais especiais do SUS) disponibiliza
valores repassados de R$ 3,67 em sessão de acupuntura com aplicação
ventosa/moxa e de R$ 4.13 em sessão de acupuntura com agulhas.
Vale lembrar que a
transferência do repasse de valores monetários dos recursos federais para os
municípios privilegia aqueles com maior número de habitantes, situados na faixa
de 50-100 mil pessoas [42]. Tal condição confere em âmbito demográfico, social,
político e econômico da sociedade brasileira, uma repercussão direta na vida e
saúde da população por ações que demandam em uma reformulação do sistema e
melhor alocação dos recursos públicos [25,43].
O Ministério da Saúde
tem manifestado que estão sendo ampliados os esforços nas bases de financiamento
sob a forma do repasse deste dinheiro na oferta do serviço disponível [25,43].
A inserção da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
(PNPIC) na rede municipal de saúde exige a elaboração de normas técnicas;
definição de recursos orçamentários e financeiros; estabelecimento de
mecanismos para a qualificação dos profissionais; apresentação e aprovação da
proposta de inclusão no conselho municipal de saúde, com acompanhamento e
avaliação da implantação, usando instrumentos de gestão e indicadores
econômicos [32,43,44].
Embora até possam
conhecer o conteúdo da PNPIC, muitos gestores não a utilizam para o
desenvolvimento do seu serviço, temendo a falta de garantia de recursos pelos
entes governamentais. E mais, o Ministério da Saúde vem publicando, ano após
ano, documentos (estratégias, pactos, programas e diretrizes) que apontam
caminhos para efetivação do SUS, mas em nenhum deles há menção, citações ou
referências às PIC e à política que regulamenta essas práticas no SUS. Não estão
inseridas no pacto pela saúde, composto por três documentos: pacto pela vida,
pacto em defesa do SUS e pacto de gestão, assim como não estão nas leis de
diretrizes orçamentárias, nas normas operacionais básicas. Como resultado, as
PICs se tornam uma política isolada de atenção em saúde, pouco conhecida e de
pouca influência [43].
No
processo de
melhorias e reformas pelos gestores, a efetivação de
maior atendimento da
acupuntura financiada pelo SUS deve incluir mecanismos para prover
número suficiente
de profissionais capacitados, garantia de financiamento e espaço
institucional
para o desenvolvimento da acupuntura [4,11]. Entretanto, o empenho
à solução de
forma adequada dos problemas complexos, apresenta uma série de
desafios
administrativos no que tange aos processos decisórios em
planejar e avaliar,
podendo resultar em restrições à
criação, articulação e
manutenção dos recursos
financiados [44]. Para que ocorra maior inserção do
serviço de acupuntura no
SUS, é necessário avaliações e
monitoramento de ações presente tanto do governo
e seus gestores, quanto do usuário que contribui no desempenho
em um processo
continuo fiscalizador como cidadão brasileiro que conhece os
seus direitos e
assim ser ofertado a população a integralidade desta
prática no SUS [32,43]. Desse modo, a destinação do recurso financeiro para uso
das PICs financiada pelo SUS tem mostrado de forma obscura o esclarecimento do
orçamento real [13,27].
Apesar da escassez de
estudos relacionados ao tema acupuntura como prática integrativa e seu
financiamento pelo SUS, deve-se buscar um incentivo à
maior inserção desse seguimento terapêutico no sistema público de saúde. Os
poucos estudos realizados no Brasil sobre a acupuntura já trazem indícios de
uma elevada satisfação dos pacientes que tiveram acesso a tal prática, além de
mostrarem redução de despesas e custos no tratamento e internações hospitalares
[11,16,25,45,46].
Recomenda-se a
realização de pesquisas que abordem com mais exatidão e clareza aos usuários do
serviço de acupuntura, o poder de acompanhar e até mesmo controlar o valor
ofertado do financiamento pelo SUS, seja pelos meios eletrônicos ou até mesmo
divulgação escrita, visível em locais onde se realiza a prestação do serviço
[45]. Ainda, no que diz respeito ao financiamento da acupuntura, as análises de
custo benefício, eficácia clínica são de extrema importância em todo o complexo
do sistema de atenção em saúde, além da definição da qualificação e
regulamentação acerca dos profissionais que podem atuar.
A relação da pouca
oferta ao usuário com correlação à demanda de atendimento da acupuntura
financiada pelo SUS no hospital estudado, mostrou que
há limitações que não estão sendo objeto de ao menos tentativa de correção,
como no caso da realização da acupuntura ficar restrita a médicos e os gestores
omitirem o motivo de não participação de outros profissionais qualificados para
a aplicação dessa prática.
No aspecto econômico
de financiamento da acupuntura, são necessárias investigações mais amplas e
controladas no Brasil, de forma a propiciar maiores condições de adesão de
usuários e profissionais de saúde, assim como de análise e fiscalização dos
recursos destinados à acupuntura.
Há necessidade de
aumentar a oferta de atendimento da acupuntura e de outras práticas
integrativas e complementares na rede de atenção pública e privada em saúde,
seja por estímulo social, profissional ou de políticas públicas de organizações
de saúde internacionais e nacionais. Deste modo, o usuário será beneficiado com
uma prática efetiva, humanística, com tratamento menos dispendioso aos cofres
públicos.