EDITORIAL
Síndrome
de Williams-Beuren: história contada de experiência vivida
Não adianta esperar
que a lâmpada acenda sozinha;
também não adianta esperar sentado;
a solução é levantar-se e ligar o interruptor.
Leobino Filho
Ana Lúcia Fernandes
Farias Ricci Marques
Biomédica,
enfermeira, pós-graduada em Psicopedagogia, Membro do grupo de Pesquisa
Nemoreges e aluna especial do Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Enfermagem – Mestrado Acadêmico, da Faculdade de Medicina de São
José do Rio Preto/SP (FAMERP)
Correspondência:
anariccimarques@gmail.com
Neste Editorial busco
apresentar o que considero uma ou mais uma “lacuna” na atenção em saúde em
nosso meio – a assistência a portadores de doenças
raras e a orientação à família, seus pais, principalmente. As doenças raras não
são tão raras quanto se imagina e em muitos casos o tratamento médico e de
outros profissionais não ambiciona a cura.
No caso das síndromes
genéticas, geralmente o tratamento se limita a cuidados básicos de vida diária
e uso de terapias auxiliares/complementares/alternativas,
com vistas a melhorar a qualidade de vida dos pacientes, seja no contexto
familiar, seja em núcleos sociais a começar pela própria família e, quando
possível, também a escola, clubes e outros espaços públicos.
Sou biomédica, enfermeira e mãe de uma criança, hoje com 11 anos, acometida por uma doença
rara, a Síndrome de Williams-Beuren. Tenho buscado desde o diagnóstico o que
poderia fazer para ajudar meu filho a integrar-se da melhor forma possível à
vida social e familiar.
Esta trajetória
pessoal me levou à pesquisa dos cuidados e terapias auxiliares no tratamento de
doenças raras, especialmente das síndromes genéticas, iniciando com uma
pós-graduação em psicopedagogia. O passo mais recente foi minha associação ao
grupo de pesquisa Nemoreges (Núcleo de Estudos sobre Morbidade referida e
gestão em saúde), iniciado e dirigido pela Profª. Dra. Zaida AS Geraldes Soler,
no intuito de buscar qualificação acadêmica para encontrar e/ou desenvolver
materiais de referência que facilitem a vida dos pais e orientem os
profissionais de saúde sobre o melhor procedimento a ser adotado nestes casos.
A partir deste ano
estou me inserindo como aluna especial na pós-graduação, em nível de mestrado,
para aprofundar conhecimentos, desenvolver pesquisas e fazer divulgações sobre
tal síndrome, tomando como ponto de partida o crescimento e desenvolvimento de
meu filho. Quem sabe o que será possível alcançar... no
mínimo beneficiarei minha família, meu filho e outros pais e crianças com
doenças raras.
Durante o II
Congresso Iberoamericano de Doenças Raras, realizado em 2016, na cidade de
Brasília, veio à tona a informação de que o número estimado de pessoas com
doenças raras no Brasil é de 13 milhões. Este número é maior do que a população
da cidade de São Paulo que, segundo dados do IBGE atualizados em 2016, é de 12
milhões de pessoas, sendo considerada atualmente a terceira maior cidade do
mundo! Todas estas pessoas se encaixam no conceito adotado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), que indica como doença rara aquela que atinge até 65
pessoas a cada 100 mil indivíduos, ou seja, apenas 1,3 paciente numa população
de 2 mil pessoas.
No universo de
doenças raras, estão as síndromes genéticas, algumas já bastante conhecidas
como a Síndrome de Down e outras que carecem de informação e pesquisa como a
Síndrome de Williams-Beuren. Esta síndrome afeta gravemente o desenvolvimento
cognitivo, comportamental e motor desde a mais tenra infância e geralmente é
acompanhada também de anomalias físicas, sendo mais comuns a mal
formação cardíaca e problemas do trato renal.
O nome atribuído à
síndrome vem de dois profissionais que primeiro identificaram o conjunto de
sintomas que caracterizam a doença, os médicos J. C. P. Williams, da Nova
Zelândia, e o alemão A. J. Beuren. A síndrome é diagnosticada em laboratório
pelo exame de hibridação in situ por fluorescência FISH (sigla inglesa para
Fluorescent In Situ Hybridization) ou ainda em consultório pelo fenótipo
característico: nariz pequeno e arrebitado, cabelo encaracolado, lábios cheios,
dentes pequenos e sorriso frequente.
A raridade da
síndrome faz com que muitos familiares convivam com a doença sem obterem o correto
diagnóstico e, em decorrência disto, também ficam sem acesso ao tratamento
adequado. É certo que é desconhecido nesta síndrome, assim como em outras
doenças raras, aspectos de prevenção e de tratamento que possibilite a cura ou
ao menos ações terapêuticas mais efetivas e eficazes. Via de
regra o tratamento médico é em nível sintomático, para corrigir ou
amenizar os vários problemas de saúde física que geralmente acompanham os
indivíduos acometidos pela síndrome.
Cuidando de meu filho
e estudando sobre tal síndrome vivenciei o quanto a fonoaudiologia contribuiu
para a redução da ansiedade e também quanto ele aprendeu na verbalização de
suas demandas. A terapia ocupacional e fisioterapia também têm contribuído
fortemente para superar as deficiências no desenvolvimento motor,
principalmente na coordenação motora fina, permitindo maior independência no
uso de tecnologia (celular, computador); atividades de
cuidados pessoais (escovar os dentes, usar o banheiro, pentear os cabelos) e
até mesmo na alfabetização. Sem dúvida, os cuidados e as terapias melhoram a
qualidade de vida do paciente e da família, permitindo a inserção do indivíduo
na rotina habitual da família e o acesso a locais públicos como escola,
parques, clubes, shopping e outros.
Assim, se ele for
estimulado, por exemplo, a comer sozinho (usando talheres, copos e pratos) será
capaz de frequentar um restaurante, trazendo um fio de normalidade para a
rotina da família e aumentando a qualidade de vida de todos os envolvidos.
No contexto das
doenças raras, em que não se ambiciona a cura, a aplicação destes cuidados na
infância é de fundamental importância porque irão determinar o nível de
independência e adaptação à sociedade que este indivíduo terá na idade adulta.
No caso do meu filho, ele hoje frequenta a mesma escola que os irmãos e está
totalmente alfabetizado.
Diz o antigo ditado
português “o que não tem remédio, remediado está”, mas eu ouso discordar para
dizer que “aquilo que não tem remédio inspira cuidados”, porque nestes casos,
os cuidados representam tudo o que o paciente e sua família têm de concreto em
termos de assistência em saúde.
Mais, tomo como minha
a frase final, considerando a competência (conhecimento, habilidade, atitudes,
valores e emoções) que eu como mãe e minha família desenvolvemos no cotidiano
de convivência com nosso filho, portador da síndrome de Williams-Beuren: “...Enquanto
eu viver, darei sempre o melhor de mim, na esperança de que todos possam ter um
futuro melhor.” ( Leobino Filho)