RELATO DE CASO

Aplicação do Modelo Calgary para Avaliação Familiar na Estratégia Saúde da Família

 

Ana Egliny Sabino Cavalcante*, Antonia Regynara Moreira Rodrigues**, Geilson Mendes de Paiva***, José Jeová Mourão Netto, M.Sc.****, Natália Frota Goyanna*****

 

*Enfermeira Especialista em Gestão em Saúde e Auditoria, Atua no serviço de Educação Permanente do Hospital Regional Norte, Sobral/CE, **Enfermeira Especialista em Gestão em Saúde e Auditoria, Mestranda em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde (UECE), Fortaleza/CE, ***Enfermeiro, Escola de Formação em Saúde da Família, Sobral/CE, ****Enfermeiro, Secretaria Municipal de Saúde, Cariré/CE, *****Enfermeira, Mestranda em Saúde da Família (UFC), Secretaria Municipal de Saúde, Sobral/CE

 

Recebido em 10 de maio de 2016; aceito em 10 de abril de 2017.

Endereço para correspondência: José Jeová Mourão Netto, Av. Margarida Moura, 1114 Jerônimo de Medeiros Prado 62044-240 Sobral CE, E-mail: jeovamourao@yahoo.com.br, Ana Egliny Sabino Cavalcante: eglinysabino@yahoo.com.br; Antonia Regynara Moreira Rodrigues: regynararodrigues@yahoo.com.br; Geilson Mendes de Paiva: geilsonpaiva@yahoo.com.br; Natália Frota Goyanna: nataliagoyanna@yahoo.com.br

 

Resumo

Este estudo objetivou avaliar a dinâmica de uma família residente em um território de abrangência da Estratégia Saúde da Família. Trata-se de um estudo de caso, de abordagem qualitativa, realizado em Sobral/CE, tendo como referencial teórico o Modelo Calgary de Avaliação Familiar. Foi possível compreender os sujeitos a partir do contexto e dinâmica familiar, e também observar o convívio e a interação entre os membros da família. As informações foram coletadas de setembro a dezembro de 2013 a partir de entrevista e análise de prontuários. A aplicação deste Modelo permitiu levantar os principais aspectos de sua estrutura, desenvolvimento e funcionamento, identificando os vínculos do usuário e seus relacionamentos no micro e macro espaço familiar, mostrando as redes de apoio social e as funções que desempenham no cotidiano. Assim, o Modelo Calgary emerge como recurso terapêutico importante, pois possibilita um tratamento voltado à vida do indivíduo, considerando seu contexto, possibilitando ampliação das ações de cuidado.

Palavras-chave: família, avaliação, Estratégia Saúde da Família.

 

Abstract

Application of Calgary Family Assessment Model in the Family Health Strategy      

This study aimed to evaluate the dynamics of a family residing in the territory of coverage of the Family Health Strategy. This is a case study, with qualitative approach, carried out in Sobral/CE, which used the theoretical reference of Calgary Family Assessment Model. It was possible to understand the subjects from the context and family dynamics, and also to observe family life and interaction between family members. Data were collected from September to December 2013 using interview and analysis of medical records. The application of this model allowed for pointing out the main aspects of its structure, development and operation, identifying the user links and relationships in the micro and macro family space, showing the social support networks and the roles they play in everyday life. Thus, the Calgary model emerges as an important therapeutic tool because it enables a treatment aimed at improving individual life, considering its context, allowing expansion of care actions.

Key-words: family, assessment, Family Health Strategy.

 

Resumen

Aplicación del Modelo Calgary de Evaluación Familiar en la Estrategia Salud de la Familia

Este estudio tuvo como objetivo evaluar la dinámica de una familia residente en un territorio de cobertura de la Estrategia Salud de la Familia. Se trata de un estudio de caso, de abordaje cualitativo, realizado en Sobral/CE, que utilizó como referencial teórico el Modelo Calgary de Evaluación Familiar. A partir del contexto y de la dinámica familiar ha sido posible comprender los sujetos y también observar el convivio y la interacción entre los miembros de la familia. Las informaciones fueron colectadas por medio de entrevista y análisis de los historiales clínicos. La aplicación de este modelo permitió plantear los principales aspectos de su estructura, desarrollo y funcionamiento, identificando los vínculos del usuario y sus relacionamientos en el micro y macro espacio familiar, mostrando las redes de apoyo social y las funciones que desempeñan en el cotidiano. Así, el Modelo Calgary emerge como recurso terapéutico importante, pues posibilita un tratamiento volcado hacia la vida del individuo, considerando su contexto, posibilitando la ampliación de las acciones del cuidado.

Palabras-clave: familia, evaluación, Estrategia Salud de la Familia.

 

Introdução

 

A Estratégia Saúde da Família (ESF) foi concebida pelo Ministério da Saúde em 2006, trazendo maior vigor ao então Programa Saúde da Família (PSF), de 1994, com o objetivo de proceder à reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de doenças e para a atenção hospitalar [1].

Nesse sentido, representa, pelo menos, duas novas formas de abordagem à saúde da população: primeiro, busca ser uma estratégia para reorientação do modelo assistencial; segundo, é uma proposta de reorganização da atenção básica, respondendo a uma nova concepção de saúde. Essa concepção não é mais centrada somente na assistência à doença, mas, sobretudo, na promoção da qualidade de vida e intervenção nos fatores que a colocam em risco, pela incorporação das ações programáticas de uma forma mais abrangente e desenvolvimento de ações intersetoriais, tendo como eixo prioritário a abordagem familiar [1].

O conceito de família compreende variantes semânticas, que mesmo com algumas divergências entre si não deixam de estar diretamente ligadas a sua definição original. Família pode ser entendida como a célula mater das sociedades; o ambiente de maior convívio e partilhas entre os integrantes; uma forma de suporte afetivo de um mesmo grupo. Ainda há quem defina família como sendo o espaço constituído pelas articulações da consanguinidade, afinidade e descendência [2].

Assim, ao se focar a atuação na família, amplia-se a noção de atendimento integral à saúde, em que, a partir de um paciente, as ações são desdobradas para o grupo, com a organização de práticas preventivas e de promoção coletivas da saúde [3].

Considerar a família como uma perspectiva de trabalho ainda constitui-se um desafio para os profissionais de saúde, sobretudo em um contexto em que o cuidado está voltado, principalmente, para atender às necessidades do indivíduo e não da unidade familiar [4].

O ponto de partida para o trabalho com família é a compreensão, por parte do profissional, do próprio modelo de organização familiar, com crenças, valores e procedimentos que efetivamente são adotados na sua vida em família. A abordagem dos sistemas familiares tem sido empregada com o intuito de auxiliar na compreensão da família como unidade de cuidado e não simplesmente como a soma da individualidade de cada membro da família, em diversos contextos. Identificar algumas áreas de intervenção na família em que haja melhorias em saúde, de forma a conseguir definir as áreas de atenção e implementar estratégias conducentes à produção de resultados, pode ser uma etapa para a construção do corpo de conhecimentos específicos na área de saúde da família [4].

A avaliação e intervenção em saúde exigem a utilização de modelos que permitam a concepção de cuidados orientados tanto para a coleta de dados como para o planejamento das intervenções. Neste contexto, o Modelo Calgary de Avaliação da Família (MCAF) surge com uma perspectiva multidimensional de conhecer e avaliar famílias, englobando três dimensões: estrutural (composição, organização e características dos membros familiares), de desenvolvimento (estágios, tarefas e vínculos) e funcional (atividades, comunicação e papéis familiares). Cada uma destas dimensões integra várias categorias e subcategorias que, no seu conjunto, permitem a avaliação sistêmica da família, numa perspectiva dinâmica e de continuidade [5].

Trata-se de um referencial metodológico que permite apreender a família como um sistema, diagnosticar seus problemas de saúde, seus recursos potenciais para enfrentar os problemas e os suportes sociais comunitários disponíveis. Julgamos assim que a utilização do MCAF possibilita aos enfermeiros conhecer a dinâmica familiar e identificar as necessidades vivenciadas.

Diante do exposto, surge a pergunta norteadora do nosso estudo: Como o MCAF pode contribuir para a melhoria da assistência prestada a famílias no contexto da Estratégia de Saúde à Família?

Portanto, o objetivo deste artigo é avaliar, conforme o Modelo Calgary de Avaliação Familiar, a dinâmica de uma família residente em um território de abrangência da Unidade de Estratégia Saúde da Família Doutor Everton Mont’Alverne, no município de Sobral/CE.

 

Material e métodos

 

Adotou-se a metodologia do estudo de caso, com abordagem qualitativa. Este método é considerado amplo, permitindo ser aplicado a uma variedade de problemas e pode ser utilizado em diversas áreas de pesquisa para proporcionar maior conhecimento e envolvimento do pesquisador com uma situação real observada [6].

Foi realizado no Centro de Saúde da Família Dr. Everton Mont’Alverne, no Município de Sobral/CE. A UBS possui 3.943 famílias cadastradas e 14.799 pessoas no território adscrito que corresponde à área abrangida pela Cidade José Euclides I e Cidade José Euclides II. O critério de escolha do sujeito do estudo foi: constituir uma família acompanhada pela ESF do município de Sobral que vivenciasse dificuldades/necessidades no contexto familiar com a proposta de contribuir com a atuação e intervenção da equipe multiprofissional e para melhorar as condições de saúde da família, através da identificação e minimização dos riscos.

Para selecionar a família, solicitamos aos enfermeiros do serviço e posteriormente com toda a equipe para que indicassem aquela que, na sua visão, vinha apresentando maiores dificuldades. Ao final, o sujeito do estudo constituiu-se de uma família composta por onze membros, necessitada de uma abordagem familiar multiprofissional. A pesquisa ocorreu entre os meses de setembro e dezembro de 2013.

Como referencial teórico metodológico, adotamos o Modelo Calgary de Avaliação Familiar. Este modelo trata-se de uma estrutura multidimensional e baseia-se em um fundamento teórico que envolve não somente o conceito de sistemas, mas também cibernética, comunicação e mudança, sendo constituído por três categorias principais: estrutural, de desenvolvimento e funcional [7].

A categoria estrutural compreende a estrutura da família, ou seja, quem faz parte dela, qual é o vínculo afetivo entre seus membros em comparação com os demais indivíduos, e qual o seu contexto. Três aspectos da estrutura familiar podem ser examinados prontamente: elementos internos (composição da família, gênero, orientação sexual, ordem de nascimento, subsistemas e limites), elementos externos (família extensa e sistemas mais amplos) e contexto (etnia, raça, classe social, religião e ambiente) [8].

Para a análise estrutural utilizamos, como ferramentas, o genograma e ecomapa. O primeiro propicia dados ricos sobre os relacionamentos, ao longo do tempo, incluindo informações sobre saúde, escolaridade, ocupação, religião, etnia, migração e moradia dos membros da família. O segundo representa os relacionamentos dos membros da família com os sistemas mais amplos, ou seja, demonstrar uma visão geral da situação familiar, retratando as relações importantes de educação ou aquelas oprimidas por conflitos entre a família e o mundo, demonstrar o fluxo ou a falta de recursos e as privações da família [5].

A categoria de desenvolvimento refere-se à transformação progressiva da história familiar durante as fases do ciclo de vida: sua história, o curso de vida, o crescimento da família, o nascimento e a morte [8].

Para esta etapa utilizamos entrevistas semiestruturadas, análise dos prontuários familiar e a Linha da Vida de Medalie que lista as ocorrências que sucederam a um indivíduo num período determinado da sua vida familiar e o impacto que tiveram, correlacionando cronologicamente os acontecimentos vitais e os problemas de saúde de uma família [7].

Já a categoria funcional refere-se ao modo como os indivíduos da família interagem. Podem ser explorados dois aspectos: o funcionamento instrumental, que se refere às atividades da vida cotidiana, e o funcionamento expressivo, que diz respeito aos estilos de comunicação, solução de problemas, papéis, crenças, regras e alianças [5]. Para esta categoria, as ferramentas utilizadas para coleta de dados foram o Apgar Familiar [9] e a Avaliação da Sobrecarga do Cuidador (Zarit).

A escala de sobrecarga do cuidador de Zarit é um instrumento que permite avaliar a sobrecarga objetiva e subjetiva do cuidador informal e que inclui informações sobre saúde, vida social, vida pessoal, situação financeira, situação emocional e tipo de relacionamento [10]. Cada item é pontuado de forma qualitativa/quantitativa da seguinte forma: nunca = (1); quase nunca = (2); às vezes = (3); muitas vezes = (4) e quase sempre = (5). Também existem versões em que a pontuação quantitativa varia em cada item entre 0 e 4 [11].

O estudo respeitou as normas da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como explicado aos participantes sobre a natureza e objetivos da pesquisa.

 

Resultados e discussão

 

Avaliação estrutural

 

J.G.S. sexo masculino, 84 anos, casado, pai de 15 filhos sendo 6 já falecidos. É procedente do município de Meruoca/CE, mas há mais de quinze anos mudou-se para o município de Sobral/CE. Analfabeto, trabalhava como agricultor e hoje é aposentado. Católico, sua fé em Deus é a sua grande motivação. J.G.S. fazia uso de cigarro e de bebida alcoólica, abandonando esses hábitos após o avançar da idade e o desenvolvimento do seu problema de saúde.

Apresenta diagnóstico médico de hipertensão arterial, usando captopril e hidroclorotiazida como anti-hipertensivos. Por muitos anos fez uso incorreto da medicação, mas atualmente tem seguido às orientações e feito o uso regular das mesmas. Além desse problema, J.G.S apresenta neoplasia prostática. Há mais de 1 ano J.G.S. vem sofrendo com esse problema de saúde e atualmente encontra-se bastante debilitado, acamado, em uso de sonda vesical de demora e totalmente dependente dos seus cuidadores quanto às suas necessidades básicas e atividades da vida diária.

J.G.S. é o patriarca de uma família composta por 11 membros, sendo os mesmos sua esposa e seus 9 filhos, 3 do sexo masculino e 6 do sexo feminino. A idade dos membros da família corresponde cronologicamente a: 84 anos, 77 anos, 53 anos, 52 anos, 50 anos, 49 anos, 47 anos, 43 anos, 41 anos, 38 anos e 30 anos. Todos, com exceção da pessoa com 84 anos, que corresponde à pessoa índice deste estudo e da pessoa de 77 anos que é sua esposa, trabalham.

Na composição familiar, os membros que prestam apoio à pessoa índice correspondem à sua esposa e suas duas filhas mais jovens.

Os momentos de interação entre os membros da família são restritos, ocorrem apenas a cada quinze dias, devido ao fato de a maioria de seus filhos residirem em outro município. Entretanto isto não interfere no convívio e relacionamento familiar.

 

Genograma e Ecomapa

 

Fonte: dados do estudo.

Figura 1 - Genograma e Ecomapa Familiar.

 

 

Avaliação de desenvolvimento

 

Para tal, foi utilizada a ferramenta Linha de Vida de Medalie, que possibilitou identificar momentos críticos do processo saúde/doença dos atores em questão.

 

Quadro 1 - Desenvolvimento familiar a partir da Linha da Vida de Medalie.

 

Fonte: dados do estudo.

 

Avaliação funcional

 

Em relação ao Apgar familiar, verificou-se que a família possui um alto nível de funcionalidade, companheirismo, interatividade e união entre os membros, confirmadas pela satisfação que o idoso demonstra em pertencer ao seio familiar e pelo próprio resultado obtido na escala (9 pontos).

Na dimensão de Adaptação (A = Adaptation) J.G.S. respondeu que SEMPRE (2 pontos) está satisfeito, pois pode recorrer à família em busca de ajuda quando algo o incomoda ou preocupa. Na dimensão de Companheirismo (P = Partnership) respondeu que SEMPRE (2 pontos) fica satisfeito com a maneira pela qual ele e a família conversam e compartilham os problemas. Quanto ao Desenvolvimento (G = Growth) afirmou que SEMPRE (2 pontos) fica satisfeito com a maneira como a família aceita e apoia seus desejos de iniciar ou buscar novas atividades e procurar novos caminhos ou direções. Na dimensão de Afetividade (A = Affection) afirmou que SEMPRE (2 pontos) fica satisfeito com a maneira pela qual a família demonstra afeição e reage às suas emoções, tais como raiva, mágoa ou amor. E em relação à Ccapacidade resolutiva (R = Resolve) referiu algumas vezes (1 ponto) ficar satisfeito com a maneira pela qual ele e a família compartilham o tempo juntos.

A existência de um doente crônico/paliativo no seio familiar conduz a uma necessidade de reorganização de toda a família, com redefinição de papéis e tarefas, para dar resposta a esta nova realidade. A família sofre alterações em nível físico, psíquico, social e econômico, proporcionando modificações no movimento natural do ciclo de vida familiar [12].

As necessidades da família que cuida de um doente paliativo têm sido alvo de vários estudos, concluindo para necessidades múltiplas e complexas, na sua grande maioria, fatores de sobrecarga emocional, física, social, espiritual e financeira [12].

A sobrecarga do cuidador é definida como uma perturbação resultante do lidar com a dependência física e a incapacidade mental do indivíduo alvo da atenção e dos cuidados. Neste âmbito existem já escalas validadas e para avaliar a sobrecarga do cuidador, nomeadamente The Zarit Burden Interview que tem como objetivo identificar os fatores que levam à exaustão do cuidador para, posteriormente, proporcionar respostas adequadas às suas necessidades [10].

Nesta pesquisa, a Avaliação de Sobrecarga do Cuidador foi realizada no domicílio da família em estudo, com a esposa de 77 anos, a principal cuidadora de J.G.S. Além da esposa, sua filha de 49 anos também foi colocada como importante cuidadora, tanto pelos relatos dos familiares como pela frequente procura à Unidade Básica de Saúde para resoluções de problemas associados à pessoa índice do estudo.

Através da Escala de Sobrecarga do Cuidador de Zarit, percebeu-se que as cuidadoras estão sobrecarregadas, principalmente em virtude do longo tempo em que essa situação persiste. Porém, ambas afirmam que mesmo estando nessa difícil situação ainda sentem satisfação em cuidar de J.G.S., pois elas constituem seu principal apoio para superar as dificuldades impostas pelo problema de saúde e pela própria vida.

O cuidador principal de um doente crônico deve ser encarado como um parceiro na prestação de cuidados ao utente, mas também como alvo de cuidados. De acordo com os autores, o risco de exaustão diminui se os profissionais de saúde intervierem junto dos cuidadores com respeito, dignidade e cortesia respondendo às necessidades de informação e informando sobre os recursos disponíveis [12].

 

O processo saúde/doença a partir do Modelo Calgary de Avaliação Familiar

 

O impacto que a doença causa no ambiente familiar e as formas de enfrentamento são específicas de cada família, que possui crenças, histórias e rotinas próprias. Diante deste contexto, optou-se por utilizar o Modelo Calgary de Avaliação da Família (MCAF), que possibilita uma visão ampliada da família, incluindo suas relações internas e externas, fortalezas e fragilidades, através de instrumentos como genograma e ecomapa [13].

A avaliação do Genograma e Ecomapa nos permitiu identificar aspectos relevantes quanto à estrutura interna e externa da família, bem como a relação estabelecida entre a família e o meio na qual está inserida.

Com relação à estrutura interna, a esposa de J.G.S. é quem lhe oferta apoio e assistência, tendo em vista que somente ela reside no mesmo domicílio que a pessoa índice. Na estrutura externa evidenciou-se o apoio familiar de duas filhas que moram no mesmo bairro da pessoa índice. As mesmas prestam assistência a J.G.S. revezando os turnos diários já que nos outros horários estão envolvidas com suas atividades.

Geralmente, a doença crônica afeta tanto o doente como toda sua família, surgindo desadaptações no seu funcionamento cotidiano. Porém, em alguns casos possibilita, também, uma aproximação entre os membros familiares, promovendo reestruturação de suas relações. Desse modo, a família cria uma nova forma de conviver, adaptando-se a realidade, tornando o doente foco da atenção familiar [14].

Ao que diz respeito à relação de J.G.S. com o contexto comunitário, o mesmo mantém forte vínculo com a Unidade Básica de Saúde (UBS) que lhe oferta os cuidados necessários para a manutenção de seu estado de saúde. Relaciona-se ainda com a vizinhança que se mantém disposta a colaborar quando necessário e tem na religião um suporte para o enfrentamento de situações adversas.

A principal fonte de apoio do doente são seus familiares, mas a rede social, formada por pessoas que podem apoiar o doente, como os amigos e os vizinhos, também é apontada como fundamental e indispensável para superar as dificuldades [15]. A fé ajuda o indivíduo a manter a esperança e a confiar que alguma coisa pode ser feita para ajudá-lo e também constitui um modo de pensar construtivo, é um sentimento de confiança de que acontecerá o que se deseja [16].

De acordo com a Linha da Vida de Medalie, identificaram-se sinais do surgimento de uma grave patologia na pessoa índice do estudo, o que alterou o curso do desenvolvimento de sua família.

J.G.S. apresenta hipertensão arterial há 9 anos. Porém o mesmo não costumava fazer o uso correto de seus anti-hipertensivos, além de não ter um estilo de vida saudável, com hábitos alimentares insatisfatórios e sedentarismo. Em outubro de 2011, J.G.S. começou a apresentar sintomatologia de problemas relacionados à próstata. Esses sintomas foram se agravando e em novembro de 2012 foi necessário o uso de sonda vesical de demora. Foram solicitados exames específicos e encaminhamentos a especialistas que detectaram hiperplasia prostática. Foi solicitada avaliação mais específica através de uma biópsia que identificou neoplasia prostática, e, no ano de 2013, J.G.S. foi encaminhado a um procedimento cirúrgico que, no entanto, não teve êxito em retirar a lesão, já muito comprometida. Atualmente, a pessoa em estudo encontra-se acamada, em uso de sonda vesical de demora e com grandes dificuldades em comunicar-se, alimentar-se, banhar-se, enfim em realizar suas atividades básicas de vida diária, dependendo, portanto do auxílio de um cuidador.

Cuidar de um doente com doença avançada no domicílio causa importantes encargos ao cuidador e sua família, havendo, neste âmbito, vários estudos já realizados que demonstram a sobrecarga do cuidador relativa à prestação de cuidados diários e ininterruptos ao doente [12].

A avaliação do Apgar Familiar e da Sobrecarga do cuidador de Zarit permitiram nos aproximar do contexto funcional da família sob a ótica da pessoa que necessita de cuidado, tanto no contexto de vida diária, como nos de relacionamentos, e sob a ótica do cuidador principal.

No prontuário familiar foi enfatizado que J.G.S encontra várias dificuldades para a realização de suas atividades básicas, tais como alimentação, sono, repouso, higienização, uso da medicação e autocuidado, dependendo totalmente de seus cuidadores para exercer tais atividades. Desta forma, J.G.S. encontra-se bastante vulnerável no que diz respeito às necessidades de saúde.

As crenças, os comportamentos apreendidos e incorporados na convivência social consideram as experiências de vida que o indivíduo e a família vão adquirindo no processo de adoecer e cuidar de si. Partindo desse pressuposto, o enfermeiro precisa conhecer e compreender a família, aceitando suas experiências e mobilizando-a a buscar novos conhecimentos e aprendizagens para a prática do cuidado com o familiar doente, salientando a importância de partir das necessidades e preferências do indivíduo e da família e não do profissional [17].

Deste modo, cabe ressaltar aos profissionais de saúde a necessidade de estarem cientes de que o cuidado envolve o ser como um todo, incluindo a família e as relações familiares entre seus membros, sendo essencial que o enfermeiro esteja inserido neste contexto familiar, buscando qualificar e humanizar o atendimento prestado a cada família [17].

O APGAR familiar evidenciou ainda que J.G.S. encontra-se satisfeito com o relacionamento, apoio e atenção que lhe é oferecido pelos seus familiares ficando a desejar apenas a disponibilidade de tempo para compartilharem momentos juntos, tendo em vista que a maioria de seus filhos reside em comunidades distantes do seu domicílio.

 

Conclusão

 

A avaliação familiar respaldada pelo Modelo Calgary adotado neste estudo permitiu realizar a análise da família como um todo, levantando os principais aspectos de sua estrutura, desenvolvimento e funcionamento, contemplando assim o objetivo traçado.

Esta avaliação familiar possibilitou conhecer o relacionamento entre os membros familiares, como se dá o processo saúde-doença dentro da família e como acompanhar de forma mais intrínseca situações que possam desestruturá-la, tais como doenças crônicas ou de início súbito.

Sabe-se que um dos grandes potenciais de trabalho no cenário da Estratégia Saúde da Família é a sua capacidade de oferecer suporte e de fortalecer as famílias para lidarem com situações críticas, como o envelhecimento com dependência, de forma a minimizar a sobrecarga e o sofrimento.

A partir da avaliação integral da família, é possível, em parceria com seus integrantes, propor intervenções de ajuda para a melhoria da qualidade de vida familiar, auxiliando-a a vislumbrar suas próprias soluções diante das dificuldades do cotidiano.

Assim, espera-se contribuir para o conhecimento dos profissionais que atuam na Estratégia de Saúde da Família e sensibilização destes para a importância de utilizarem o Modelo Calgary de Avaliação da Família, para subsidiar o planejamento e implementação do cuidado a ser adotado no cotidiano familiar.

O estudo também proporcionou uma reflexão acerca da carência de pesquisas voltadas à temática bem como das possibilidades de desenvolvimento de pesquisas futuras que visem efetivar assistência integral às famílias, buscando atender as necessidades identificadas, na perspectiva de melhorar a qualidade de vida de seus membros e promover um ambiente familiar mais saudável.

Como limitações deste estudo evidenciam-se a restrição a um caso único e a não continuidade do acompanhamento familiar devido ao encerramento do estudo, devendo ser dado seguimento para que os resultados sejam efetivos e ampliação para outros casos de acordo com as necessidades e possibilidades da estratégia saúde da família.

 

Referências

 

  1. Brasil. Política Nacional de Atenção Básica. 4a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2007.
  2. Silva AV, Machado WV, Silva MAM. Avaliação da família de uma gestante usuária de crack à luz do Modelo Calgary. SANARE 2011;10(1):13-9.
  3. Ditterich RG, Gabardo MCL, Moysés SJ. As ferramentas de trabalho com famílias utilizadas pelas equipes de Saúde da Família de Curitiba, PR. Saúde Soc São Paulo 2009;18(3):515-24.
  4. Figueiredo MHJS, Martins MMFPS. Dos contextos da prática à (co)construção do modelo de cuidados de enfermagem de família. Rev Esc Enferm USP 2009;43(3):615-21.
  5. Montefusco SRA, Bachion MN, Nakatani AYK. Avaliação de famílias no contexto hospitalar: uma aproximação entre o modelo Calgary e a Taxonomia da Nanda. Texto Contexto Enferm 2008;17(1):72-80.
  6. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 5ª ed. São Paulo: São Paulo; 2010.
  7. Galdeano LE, Rossi LA, Zago MMF. Roteiro instrucional para a elaboração de um estudo de caso clínico. Rev Latinoam Enferm 2003;11(3):371-5.
  8. Silva LS, Bousso RS, Galera SAF. Aplicação do Modelo Calgary na prática clínica. Rev Bras Enferm 2009;62(4):530-4.
  9. Pavarini SCI, Tonon FL, Silva JMC, Mendionido MZ, Barham EJ, Filizola CLA. Quem irá empurrar minha cadeira de rodas? A escolha do cuidador familiar do idoso. Rev Eletr Enf 2006;8(3):326-35.
  10. Sequeira CAC. Adaptação e validação da Escala de Sobrecarga do Cuidador de Zarit. Rev Enferm 2010;12:9-16.
  11. Scazufca M. Versão brasileira da Escala Burden Interview para avaliação de sobrecarga em cuidadores de indivíduos com doenças mentais. Rev Bras Psiq 2002;24(1):12-7.
  12. Ferreira F, Pinto A, Laranjeira A, Lopes A, Viana A. Validação da escala de Zarit: sobrecarga do cuidador em cuidados paliativos domiciliários, para população portuguesa. Cadernos de Saúde 2010;3(2):13-19.
  13. Domingues MARC, Santos CF, Quintana JR. Doença de Alzheimer: o perfil dos cuidadores que utilizam o serviço de apoio telefônico da ABRAz – Associação Brasileira de Alzheimer. Mundo Saúde [Internet] 2009;33(1):161-9.
  14. Radovanovic CAT, Cecilio HPM, Marcon SS. Avaliação estrutural, desenvolvimental e funcional da família de indivíduos com hipertensão arterial. Rev Gaúcha Enferm 2013;34(1):45-54.
  15. Di Primio AO, Shwartz E, Bieleman VLM, Burille A, Zillmer JGV, Feijó AM. Rede social e vínculos apoiadores das famílias de crianças com câncer. Texto & Contexto Enferm 2010;19(2):334-42.
  16. Trentini M, Silva SH, Vallee ML, Hammerschmidt KSA. Enfrentamento de situações adversas e favoráveis por pessoas idosas em condições crônicas de saúde. Rev Latinoam Enferm 2005;13(1):38-45.
  17. Pires CGS, Mussi FC. Crenças em saúde para o controle da hipertensão arterial. Ciênc Saúde Coletiva 2008;13(2):2257-67.