RELATO
DE CASO
Aplicação
do Modelo Calgary para Avaliação Familiar na Estratégia Saúde da Família
Ana Egliny Sabino
Cavalcante*, Antonia Regynara Moreira Rodrigues**, Geilson Mendes de Paiva***,
José Jeová Mourão Netto, M.Sc.****, Natália Frota
Goyanna*****
*Enfermeira
Especialista em Gestão em Saúde e Auditoria, Atua no serviço de Educação
Permanente do Hospital Regional Norte, Sobral/CE, **Enfermeira Especialista em
Gestão em Saúde e Auditoria, Mestranda em Cuidados Clínicos em Enfermagem e
Saúde (UECE), Fortaleza/CE, ***Enfermeiro, Escola de Formação em Saúde da
Família, Sobral/CE, ****Enfermeiro, Secretaria Municipal de Saúde, Cariré/CE,
*****Enfermeira, Mestranda em Saúde da Família (UFC), Secretaria Municipal de
Saúde, Sobral/CE
Recebido em 10 de
maio de 2016; aceito em 10 de abril de 2017.
Endereço
para correspondência:
José Jeová Mourão Netto, Av. Margarida Moura, 1114 Jerônimo de Medeiros Prado
62044-240 Sobral CE, E-mail: jeovamourao@yahoo.com.br, Ana Egliny Sabino
Cavalcante: eglinysabino@yahoo.com.br; Antonia Regynara Moreira Rodrigues:
regynararodrigues@yahoo.com.br; Geilson Mendes de Paiva:
geilsonpaiva@yahoo.com.br; Natália Frota Goyanna: nataliagoyanna@yahoo.com.br
Resumo
Este estudo objetivou
avaliar a dinâmica de uma família residente em um território de abrangência da
Estratégia Saúde da Família. Trata-se de um estudo de caso, de abordagem qualitativa,
realizado em Sobral/CE, tendo como referencial teórico o Modelo Calgary de
Avaliação Familiar. Foi possível compreender os sujeitos a partir do contexto e
dinâmica familiar, e também observar o convívio e a interação entre os membros
da família. As informações foram coletadas de setembro a dezembro de 2013 a
partir de entrevista e análise de prontuários. A aplicação deste Modelo
permitiu levantar os principais aspectos de sua estrutura, desenvolvimento e
funcionamento, identificando os vínculos do usuário e seus relacionamentos no
micro e macro espaço familiar, mostrando as redes de apoio social e as funções
que desempenham no cotidiano. Assim, o Modelo Calgary emerge como recurso
terapêutico importante, pois possibilita um tratamento voltado à vida do
indivíduo, considerando seu contexto, possibilitando ampliação das ações de
cuidado.
Palavras-chave: família, avaliação,
Estratégia Saúde da Família.
Abstract
Application of Calgary Family Assessment Model in the Family Health
Strategy
This study aimed to evaluate the dynamics of a family residing in the
territory of coverage of the Family Health Strategy. This is a case study, with
qualitative approach, carried out in Sobral/CE, which
used the theoretical reference of Calgary Family Assessment Model. It was
possible to understand the subjects from the context and family dynamics, and
also to observe family life and interaction between family members. Data were
collected from September to December 2013 using interview and analysis of
medical records. The application of this model allowed for pointing out the
main aspects of its structure, development and operation, identifying the user
links and relationships in the micro and macro family space, showing the social
support networks and the roles they play in everyday life. Thus, the Calgary
model emerges as an important therapeutic tool because it enables a treatment
aimed at improving individual life, considering its context, allowing expansion
of care actions.
Key-words: family,
assessment, Family Health Strategy.
Resumen
Aplicación
del Modelo Calgary de Evaluación Familiar en la
Estrategia Salud de la Familia
Este estudio tuvo
como objetivo evaluar la dinámica de una familia
residente en un territorio de cobertura de la Estrategia Salud de la Familia.
Se trata de un estudio de caso, de abordaje cualitativo, realizado en
Sobral/CE, que utilizó como referencial teórico el
Modelo Calgary de Evaluación Familiar. A partir del
contexto y de la dinámica familiar ha sido posible comprender los sujetos y
también observar el convivio y la interacción entre los miembros de la familia.
Las informaciones fueron colectadas por medio de entrevista y análisis de los
historiales clínicos. La aplicación de este modelo permitió plantear los
principales aspectos de su estructura, desarrollo y funcionamiento,
identificando los vínculos del usuario y sus
relacionamientos en el micro y macro espacio familiar, mostrando las redes de
apoyo social y las funciones que desempeñan en el cotidiano. Así, el Modelo Calgary emerge como recurso terapéutico
importante, pues posibilita un tratamiento volcado hacia la vida del individuo,
considerando su contexto, posibilitando la ampliación de las acciones del
cuidado.
Palabras-clave: familia,
evaluación, Estrategia Salud de la Familia.
A Estratégia Saúde da
Família (ESF) foi concebida pelo Ministério da Saúde em 2006, trazendo maior
vigor ao então Programa Saúde da Família (PSF), de 1994, com o objetivo de
proceder à reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em
substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de
doenças e para a atenção hospitalar [1].
Nesse sentido,
representa, pelo menos, duas novas formas de abordagem à saúde da população:
primeiro, busca ser uma estratégia para reorientação do modelo assistencial;
segundo, é uma proposta de reorganização da atenção básica, respondendo a uma
nova concepção de saúde. Essa concepção não é mais centrada somente na
assistência à doença, mas, sobretudo, na promoção da qualidade de vida e
intervenção nos fatores que a colocam em risco, pela incorporação das ações
programáticas de uma forma mais abrangente e desenvolvimento de ações
intersetoriais, tendo como eixo prioritário a abordagem familiar [1].
O conceito de família
compreende variantes semânticas, que mesmo com algumas divergências entre si
não deixam de estar diretamente ligadas a sua definição original. Família pode
ser entendida como a célula mater das sociedades; o ambiente de maior convívio
e partilhas entre os integrantes; uma forma de suporte afetivo de um mesmo
grupo. Ainda há quem defina família como sendo o espaço constituído pelas
articulações da consanguinidade, afinidade e descendência [2].
Assim, ao se focar a
atuação na família, amplia-se a noção de atendimento integral à saúde, em que,
a partir de um paciente, as ações são desdobradas para o grupo, com a
organização de práticas preventivas e de promoção coletivas da saúde [3].
Considerar a família
como uma perspectiva de trabalho ainda constitui-se um desafio para os
profissionais de saúde, sobretudo em um contexto em que o cuidado está voltado,
principalmente, para atender às necessidades do indivíduo e não da unidade
familiar [4].
O ponto de partida
para o trabalho com família é a compreensão, por parte do profissional, do
próprio modelo de organização familiar, com crenças, valores e procedimentos
que efetivamente são adotados na sua vida em família. A abordagem dos sistemas
familiares tem sido empregada com o intuito de auxiliar na compreensão da
família como unidade de cuidado e não simplesmente como a soma da
individualidade de cada membro da família, em diversos contextos. Identificar
algumas áreas de intervenção na família em que haja melhorias em saúde, de
forma a conseguir definir as áreas de atenção e implementar
estratégias conducentes à produção de resultados, pode ser uma etapa para a
construção do corpo de conhecimentos específicos na área de saúde da família [4].
A avaliação e
intervenção em saúde exigem a utilização de modelos que permitam a concepção de
cuidados orientados tanto para a coleta de dados como para o planejamento das
intervenções. Neste contexto, o Modelo Calgary de Avaliação da Família (MCAF)
surge com uma perspectiva multidimensional de conhecer e avaliar famílias,
englobando três dimensões: estrutural (composição, organização e
características dos membros familiares), de desenvolvimento (estágios, tarefas
e vínculos) e funcional (atividades, comunicação e papéis familiares). Cada uma
destas dimensões integra várias categorias e subcategorias que, no seu
conjunto, permitem a avaliação sistêmica da família, numa perspectiva dinâmica
e de continuidade [5].
Trata-se de um
referencial metodológico que permite apreender a família como um sistema,
diagnosticar seus problemas de saúde, seus recursos potenciais para enfrentar
os problemas e os suportes sociais comunitários disponíveis. Julgamos assim que
a utilização do MCAF possibilita aos enfermeiros conhecer a dinâmica familiar e
identificar as necessidades vivenciadas.
Diante do exposto,
surge a pergunta norteadora do nosso estudo: Como o MCAF pode contribuir para a
melhoria da assistência prestada a famílias no contexto da Estratégia de Saúde
à Família?
Portanto, o objetivo
deste artigo é avaliar, conforme o Modelo Calgary de Avaliação Familiar, a
dinâmica de uma família residente em um território de abrangência da Unidade de
Estratégia Saúde da Família Doutor Everton Mont’Alverne,
no município de Sobral/CE.
Adotou-se a
metodologia do estudo de caso, com abordagem qualitativa. Este método é
considerado amplo, permitindo ser aplicado a uma variedade de problemas e pode
ser utilizado em diversas áreas de pesquisa para proporcionar maior
conhecimento e envolvimento do pesquisador com uma situação real observada [6].
Foi realizado no
Centro de Saúde da Família Dr. Everton Mont’Alverne,
no Município de Sobral/CE. A UBS possui 3.943 famílias cadastradas e 14.799
pessoas no território adscrito que corresponde à área abrangida pela Cidade
José Euclides I e Cidade José Euclides II. O critério de escolha do sujeito do
estudo foi: constituir uma família acompanhada pela ESF do município de Sobral
que vivenciasse dificuldades/necessidades no contexto familiar com a proposta
de contribuir com a atuação e intervenção da equipe multiprofissional e para
melhorar as condições de saúde da família, através da identificação e
minimização dos riscos.
Para selecionar a
família, solicitamos aos enfermeiros do serviço e posteriormente com toda a
equipe para que indicassem aquela que, na sua visão, vinha apresentando maiores
dificuldades. Ao final, o sujeito do estudo constituiu-se de uma família
composta por onze membros, necessitada de uma abordagem familiar
multiprofissional. A pesquisa ocorreu entre os meses de setembro e dezembro de
2013.
Como referencial
teórico metodológico, adotamos o Modelo Calgary de Avaliação Familiar. Este
modelo trata-se de uma estrutura multidimensional e baseia-se em um fundamento
teórico que envolve não somente o conceito de sistemas, mas também cibernética,
comunicação e mudança, sendo constituído por três categorias principais:
estrutural, de desenvolvimento e funcional [7].
A categoria
estrutural compreende a estrutura da família, ou seja, quem faz parte dela,
qual é o vínculo afetivo entre seus membros em comparação com os demais
indivíduos, e qual o seu contexto. Três aspectos da estrutura familiar podem
ser examinados prontamente: elementos internos (composição da família, gênero,
orientação sexual, ordem de nascimento, subsistemas e limites), elementos
externos (família extensa e sistemas mais amplos) e contexto (etnia, raça,
classe social, religião e ambiente) [8].
Para
a análise
estrutural utilizamos, como ferramentas, o genograma e ecomapa. O
primeiro
propicia dados ricos sobre os relacionamentos, ao longo do tempo,
incluindo
informações sobre saúde, escolaridade,
ocupação, religião, etnia, migração
e
moradia dos membros da família. O segundo representa os
relacionamentos dos
membros da família com os sistemas mais amplos, ou seja,
demonstrar uma visão
geral da situação familiar, retratando as
relações importantes de educação ou
aquelas oprimidas por conflitos entre a família e o mundo,
demonstrar o fluxo
ou a falta de recursos e as privações da família
[5].
A categoria de
desenvolvimento refere-se à transformação progressiva da história familiar
durante as fases do ciclo de vida: sua história, o curso de vida, o crescimento
da família, o nascimento e a morte [8].
Para esta etapa
utilizamos entrevistas semiestruturadas, análise dos prontuários familiar e a
Linha da Vida de Medalie que lista as ocorrências que sucederam a um indivíduo
num período determinado da sua vida familiar e o impacto que tiveram,
correlacionando cronologicamente os acontecimentos vitais e os problemas de
saúde de uma família [7].
Já a categoria
funcional refere-se ao modo como os indivíduos da família interagem. Podem ser
explorados dois aspectos: o funcionamento instrumental, que se refere às
atividades da vida cotidiana, e o funcionamento expressivo, que diz respeito
aos estilos de comunicação, solução de problemas, papéis, crenças, regras e
alianças [5]. Para esta categoria, as ferramentas utilizadas para coleta de
dados foram o Apgar Familiar [9] e a Avaliação da Sobrecarga do Cuidador
(Zarit).
A escala de
sobrecarga do cuidador de Zarit é um instrumento que permite avaliar a
sobrecarga objetiva e subjetiva do cuidador informal e que inclui informações
sobre saúde, vida social, vida pessoal, situação financeira, situação emocional
e tipo de relacionamento [10]. Cada item é pontuado de forma qualitativa/quantitativa
da seguinte forma: nunca = (1); quase nunca = (2); às vezes = (3); muitas vezes
= (4) e quase sempre = (5). Também existem versões em que a pontuação
quantitativa varia em cada item entre 0 e 4 [11].
O estudo respeitou as
normas da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Foi utilizado o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como explicado aos
participantes sobre a natureza e objetivos da pesquisa.
Avaliação
estrutural
J.G.S. sexo
masculino, 84 anos, casado, pai de 15 filhos sendo 6
já falecidos. É procedente do município de Meruoca/CE, mas há mais de quinze
anos mudou-se para o município de Sobral/CE. Analfabeto, trabalhava como
agricultor e hoje é aposentado. Católico, sua fé em Deus é a sua grande
motivação. J.G.S. fazia uso de cigarro e de bebida alcoólica, abandonando esses
hábitos após o avançar da idade e o desenvolvimento do seu problema de saúde.
Apresenta diagnóstico
médico de hipertensão arterial, usando captopril e hidroclorotiazida como
anti-hipertensivos. Por muitos anos fez uso incorreto da medicação, mas
atualmente tem seguido às orientações e feito o uso regular das mesmas. Além
desse problema, J.G.S apresenta neoplasia prostática.
Há mais de 1 ano J.G.S. vem sofrendo com esse problema
de saúde e atualmente encontra-se bastante debilitado, acamado, em uso de sonda
vesical de demora e totalmente dependente dos seus cuidadores quanto às suas
necessidades básicas e atividades da vida diária.
J.G.S. é o patriarca
de uma família composta por 11 membros, sendo os mesmos sua esposa e seus 9 filhos, 3 do sexo masculino e 6 do sexo feminino. A idade
dos membros da família corresponde cronologicamente a:
84 anos, 77 anos, 53 anos, 52 anos, 50 anos, 49 anos, 47 anos, 43 anos, 41
anos, 38 anos e 30 anos. Todos, com exceção da pessoa com 84 anos, que
corresponde à pessoa índice deste estudo e da pessoa de 77 anos que é sua
esposa, trabalham.
Na composição
familiar, os membros que prestam apoio à pessoa índice correspondem à sua
esposa e suas duas filhas mais jovens.
Os momentos de
interação entre os membros da família são restritos, ocorrem apenas a cada
quinze dias, devido ao fato de a maioria de seus filhos residirem em outro
município. Entretanto isto não interfere no convívio e relacionamento familiar.
Genograma
e Ecomapa
Fonte: dados do estudo.
Figura
1 - Genograma e Ecomapa Familiar.
Para tal, foi
utilizada a ferramenta Linha de Vida de Medalie, que possibilitou identificar
momentos críticos do processo saúde/doença dos atores em questão.
Quadro
1 - Desenvolvimento familiar a partir da Linha
da Vida de Medalie.
Fonte: dados do
estudo.
Avaliação
funcional
Em relação ao Apgar
familiar, verificou-se que a família possui um alto nível de funcionalidade, companheirismo,
interatividade e união entre os membros, confirmadas pela satisfação que o
idoso demonstra em pertencer ao seio familiar e pelo próprio resultado obtido
na escala (9 pontos).
Na dimensão de
Adaptação (A = Adaptation) J.G.S. respondeu que SEMPRE (2
pontos) está satisfeito, pois pode recorrer à família em busca de ajuda quando
algo o incomoda ou preocupa. Na dimensão de Companheirismo (P = Partnership)
respondeu que SEMPRE (2 pontos) fica satisfeito com a
maneira pela qual ele e a família conversam e compartilham os problemas. Quanto
ao Desenvolvimento (G = Growth) afirmou que SEMPRE (2
pontos) fica satisfeito com a maneira como a família aceita e apoia seus
desejos de iniciar ou buscar novas atividades e procurar novos caminhos ou
direções. Na dimensão de Afetividade (A = Affection) afirmou que SEMPRE (2 pontos) fica satisfeito com a maneira pela qual a família
demonstra afeição e reage às suas emoções, tais como raiva, mágoa ou amor. E em
relação à Ccapacidade resolutiva (R = Resolve) referiu algumas vezes (1 ponto) ficar satisfeito com a maneira pela qual ele e a
família compartilham o tempo juntos.
A existência de um
doente crônico/paliativo no seio familiar conduz a uma necessidade de
reorganização de toda a família, com redefinição de papéis e tarefas, para dar
resposta a esta nova realidade. A família sofre alterações em nível físico,
psíquico, social e econômico, proporcionando modificações no movimento natural
do ciclo de vida familiar [12].
As necessidades da
família que cuida de um doente paliativo têm sido alvo de vários estudos,
concluindo para necessidades múltiplas e complexas, na sua grande maioria,
fatores de sobrecarga emocional, física, social, espiritual e financeira [12].
A sobrecarga do
cuidador é definida como uma perturbação resultante do lidar com a dependência
física e a incapacidade mental do indivíduo alvo da atenção e dos cuidados.
Neste âmbito existem já escalas validadas e para
avaliar a sobrecarga do cuidador, nomeadamente The Zarit Burden Interview que tem como objetivo identificar os fatores
que levam à exaustão do cuidador para, posteriormente, proporcionar respostas
adequadas às suas necessidades [10].
Nesta pesquisa, a
Avaliação de Sobrecarga do Cuidador foi realizada no domicílio da família em
estudo, com a esposa de 77 anos, a principal cuidadora de J.G.S. Além da
esposa, sua filha de 49 anos também foi colocada como importante cuidadora,
tanto pelos relatos dos familiares como pela frequente procura à Unidade Básica
de Saúde para resoluções de problemas associados à pessoa índice do estudo.
Através da Escala de
Sobrecarga do Cuidador de Zarit, percebeu-se que as cuidadoras estão
sobrecarregadas, principalmente em virtude do longo tempo em que essa situação
persiste. Porém, ambas afirmam que mesmo estando nessa difícil situação ainda
sentem satisfação em cuidar de J.G.S., pois elas constituem seu principal apoio
para superar as dificuldades impostas pelo problema de saúde e pela própria
vida.
O cuidador principal
de um doente crônico deve ser encarado como um parceiro na prestação de
cuidados ao utente, mas também como alvo de cuidados. De acordo com os autores,
o risco de exaustão diminui se os profissionais de saúde intervierem junto dos
cuidadores com respeito, dignidade e cortesia respondendo às necessidades de
informação e informando sobre os recursos disponíveis [12].
O
processo saúde/doença a partir do Modelo Calgary de Avaliação Familiar
O impacto que a
doença causa no ambiente familiar e as formas de enfrentamento são específicas
de cada família, que possui crenças, histórias e rotinas próprias. Diante deste
contexto, optou-se por utilizar o Modelo Calgary de Avaliação da Família (MCAF),
que possibilita uma visão ampliada da família, incluindo suas relações internas
e externas, fortalezas e fragilidades, através de instrumentos como genograma e
ecomapa [13].
A avaliação do
Genograma e Ecomapa nos permitiu identificar aspectos relevantes quanto à
estrutura interna e externa da família, bem como a relação estabelecida entre a
família e o meio na qual está inserida.
Com relação à
estrutura interna, a esposa de J.G.S. é quem lhe oferta apoio e assistência,
tendo em vista que somente ela reside no mesmo domicílio que a pessoa índice.
Na estrutura externa evidenciou-se o apoio familiar de duas filhas que moram no
mesmo bairro da pessoa índice. As mesmas prestam assistência a J.G.S. revezando
os turnos diários já que nos outros horários estão envolvidas com suas
atividades.
Geralmente, a doença
crônica afeta tanto o doente como toda sua família, surgindo desadaptações no
seu funcionamento cotidiano. Porém, em alguns casos possibilita, também, uma
aproximação entre os membros familiares, promovendo reestruturação de suas
relações. Desse modo, a família cria uma nova forma de conviver, adaptando-se a
realidade, tornando o doente foco da atenção familiar [14].
Ao que diz respeito à
relação de J.G.S. com o contexto comunitário, o mesmo mantém forte vínculo com
a Unidade Básica de Saúde (UBS) que lhe oferta os cuidados necessários para a
manutenção de seu estado de saúde. Relaciona-se ainda com a vizinhança que se
mantém disposta a colaborar quando necessário e tem na religião um suporte para
o enfrentamento de situações adversas.
A principal fonte de
apoio do doente são seus familiares, mas a rede social, formada por pessoas que
podem apoiar o doente, como os amigos e os vizinhos, também é
apontada como fundamental e indispensável para superar as dificuldades
[15]. A fé ajuda o indivíduo a manter a esperança e a confiar que alguma coisa
pode ser feita para ajudá-lo e também constitui um modo de pensar construtivo,
é um sentimento de confiança de que acontecerá o que se deseja [16].
De acordo com a Linha
da Vida de Medalie, identificaram-se sinais do surgimento de uma grave
patologia na pessoa índice do estudo, o que alterou o curso do desenvolvimento
de sua família.
J.G.S. apresenta
hipertensão arterial há 9 anos. Porém o mesmo não
costumava fazer o uso correto de seus anti-hipertensivos, além de não ter um
estilo de vida saudável, com hábitos alimentares insatisfatórios e
sedentarismo. Em outubro de 2011, J.G.S. começou a apresentar sintomatologia de
problemas relacionados à próstata. Esses sintomas foram se agravando e em
novembro de 2012 foi necessário o uso de sonda vesical de demora. Foram
solicitados exames específicos e encaminhamentos a especialistas que detectaram
hiperplasia prostática. Foi solicitada avaliação mais específica através de uma
biópsia que identificou neoplasia prostática, e, no ano de 2013, J.G.S. foi
encaminhado a um procedimento cirúrgico que, no entanto, não teve êxito em
retirar a lesão, já muito comprometida. Atualmente, a pessoa em estudo encontra-se
acamada, em uso de sonda vesical de demora e com grandes dificuldades em
comunicar-se, alimentar-se, banhar-se, enfim em realizar suas atividades
básicas de vida diária, dependendo, portanto do auxílio de um cuidador.
Cuidar de um doente
com doença avançada no domicílio causa importantes encargos ao cuidador e sua
família, havendo, neste âmbito, vários estudos já realizados que demonstram a
sobrecarga do cuidador relativa à prestação de cuidados diários e ininterruptos
ao doente [12].
A avaliação do Apgar
Familiar e da Sobrecarga do cuidador de Zarit permitiram nos aproximar do
contexto funcional da família sob a ótica da pessoa que necessita de cuidado,
tanto no contexto de vida diária, como nos de relacionamentos, e sob a ótica do
cuidador principal.
No prontuário
familiar foi enfatizado que J.G.S encontra várias
dificuldades para a realização de suas atividades básicas, tais como
alimentação, sono, repouso, higienização, uso da medicação e autocuidado,
dependendo totalmente de seus cuidadores para exercer tais atividades. Desta
forma, J.G.S. encontra-se bastante vulnerável no que diz respeito às
necessidades de saúde.
As crenças, os
comportamentos apreendidos e incorporados na convivência social consideram as
experiências de vida que o indivíduo e a família vão adquirindo no processo de
adoecer e cuidar de si. Partindo desse pressuposto, o enfermeiro precisa
conhecer e compreender a família, aceitando suas experiências e mobilizando-a a
buscar novos conhecimentos e aprendizagens para a prática do cuidado com o
familiar doente, salientando a importância de partir das necessidades e
preferências do indivíduo e da família e não do profissional [17].
Deste modo, cabe
ressaltar aos profissionais de saúde a necessidade de estarem cientes de que o
cuidado envolve o ser como um todo, incluindo a família e as relações
familiares entre seus membros, sendo essencial que o enfermeiro esteja inserido
neste contexto familiar, buscando qualificar e humanizar o atendimento prestado
a cada família [17].
O APGAR familiar
evidenciou ainda que J.G.S. encontra-se satisfeito com o relacionamento, apoio
e atenção que lhe é oferecido pelos seus familiares ficando a desejar apenas a
disponibilidade de tempo para compartilharem momentos juntos, tendo em vista
que a maioria de seus filhos reside em comunidades distantes do seu domicílio.
A avaliação familiar
respaldada pelo Modelo Calgary adotado neste estudo permitiu realizar a análise
da família como um todo, levantando os principais aspectos de sua estrutura,
desenvolvimento e funcionamento, contemplando assim o objetivo traçado.
Esta avaliação
familiar possibilitou conhecer o relacionamento entre os membros familiares,
como se dá o processo saúde-doença dentro da família e como acompanhar de forma
mais intrínseca situações que possam desestruturá-la, tais como doenças
crônicas ou de início súbito.
Sabe-se que um dos
grandes potenciais de trabalho no cenário da Estratégia Saúde da Família é a
sua capacidade de oferecer suporte e de fortalecer as famílias para lidarem com
situações críticas, como o envelhecimento com dependência, de forma a minimizar
a sobrecarga e o sofrimento.
A partir da avaliação
integral da família, é possível, em parceria com seus integrantes, propor
intervenções de ajuda para a melhoria da qualidade de vida familiar,
auxiliando-a a vislumbrar suas próprias soluções diante das dificuldades do
cotidiano.
Assim, espera-se
contribuir para o conhecimento dos profissionais que atuam na Estratégia de
Saúde da Família e sensibilização destes para a importância de utilizarem o
Modelo Calgary de Avaliação da Família, para subsidiar o planejamento e implementação do cuidado a ser adotado no cotidiano
familiar.
O estudo também
proporcionou uma reflexão acerca da carência de pesquisas voltadas à temática
bem como das possibilidades de desenvolvimento de pesquisas futuras que visem
efetivar assistência integral às famílias, buscando atender as necessidades
identificadas, na perspectiva de melhorar a qualidade de vida de seus membros e
promover um ambiente familiar mais saudável.
Como limitações deste
estudo evidenciam-se a restrição a um caso único e a não continuidade do
acompanhamento familiar devido ao encerramento do estudo, devendo ser dado
seguimento para que os resultados sejam efetivos e ampliação para outros casos
de acordo com as necessidades e possibilidades da estratégia saúde da família.