Lembrando de Trótula de Salerno no mês da mulher: a primeira mulher ginecologista?
DOI:
https://doi.org/10.33233/eb.v17i1.2237Resumo
Trótula de Salerno é uma dessas personagens históricas fascinantes. Sua vida está intimamente ligada í Escola Médica de Salerno, cidade situada no sul da atual Itália, que foi primeiro centro de ensino de medicina da era medieval, existindo no mínimo desde o século IX. Foi também a primeira instituição cultural a não ser controlada pela Igreja. Um dos distintivos da Schola Medica Salernitana foi ter admitido mulheres como alunas e como mestres. Foi nesse contexto que Trótula, também conhecida como Trótula de Ruggiero, referência í sua família de nascimento, se destacou entre as Mulieres Salernitaneae.
Sua vida é pouco conhecida, mas é provável que tenha vivido em meados do século XI, conforme algumas referências. São atribuídas a ela as obras: De passionibus mulierum ante, in et post partum, De curis mulierum e De ornatu mulierum, escritos em latim e que circularam e foram bem conhecidos na Idade Média na forma de manuscritos. Com a invenção da imprensa, esses textos foram publicados e influenciaram a formação de muitos médicos do Renascimento.
Na introdução do De passionibus mulierum ante, in et post partum, Trótula aponta que sua condição de mulher lhe permitia maior aproximação e confiança para o tratamento das mulheres. Nesse livro de 60 capítulos ela aborda e indica tratamentos para distúrbios ginecológicos, problemas da gravidez e parto, cuidados com o recém-nascido, higiene e até sobre a sexualidade feminina. Ela tinha um pensamento próprio sobre as mulheres que não engravidavam, ao apontar que muitas vezes o defeito estava no homem, numa época em que a culpa era sempre feminina. Nos seus escritos em De ornatos mulieum ela contempla cuidados com a pele e descreve técnicas e tratamentos para o embelezamento feminino.
Essas obras foram copiadas, traduzidas e bastante difundidas durante o período medieval. Diversos documentos da época fazem referências í médica de Salerno, ressaltando seu saber, seu prestígio e sua influência. Sua fama persistiu certamente até o século XVI, quando historiadores e escritores do Renascimento, na sua visão misógina, passaram a contestar a autoria das obras referidas, atribuindo-as a escritores do sexo masculino e até questionando a própria existência de Trótula. Aliás, a partir do Renascimento é que foi criada a ideia de que a Idade Média foi marcada pelo obscurantismo e atraso.
Hoje, a historiografia parece tender a reabilitar o papel e a existência de Trótula de Salerno como médica e mestra da medicina e, com o perdão do anacronismo, a primeira ginecologista. Além da sábia de Salerno, mulheres como Thomasia Mattheo, Frascesca de Romana, Constanza Calenda, Rebeca Guarda entre outras são citadas na historiografia como titulares da arte da medicina medieval.
A mulher esteve alijada da História por séculos. Trótula de Rugiero e de Salerno ajudou a mostrar que não foram poucas as representantes do sexo feminino que tiveram papel ativo na construção cultural do período medieval, pelo menos em alguns espaços como a Escola de Salerno e é mais uma evidência de que a Idade Média estava longe de ser a tão propalada "idade das trevas".
Referências
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