O nascimento no Brasil: não dá mais para aceitar o que acontece...

Autores

  • Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler FAMERP

DOI:

https://doi.org/10.33233/eb.v13i3.3691

Resumo

Diferentes aspectos são emergentes em movimentos mundiais quanto ao nascimento, que inclui a gestação, o parto, o perí­odo puerperal e os cuidados com o recém-nascido e lactente. Ao longo das últimas décadas, foi ficando cada vez mais forte a crí­tica ao modelo hegemônico e tecnocrático de atenção ao nascimento e ao parto. Essas crí­ticas são levadas a debates e discussões no meio cientí­fico e governamental, organizações não governamentais, movimentos feministas, redes socias via internet, pedindo uma nova forma de atenção ao nascimento.

O Brasil tem ficado no bojo das crí­ticas quanto ao modelo de atenção ao nascimento, pelo aumento crescente do número de cesáreas e a excessiva intervenção tecnológica sobre o corpo das mulheres, descritos como fatores responsáveis pelas altas taxas de morbi-mortalidade materno-infantil. De modo geral, discute-se a prática do nascimento humanizado, que preconiza o direito de todas as mulheres de vivenciarem uma maternidade saudável e prazerosa, para ela e para sua famí­lia, com um modelo de atenção obstétrica respeitoso í  mulher, que passe segurança e que respeitem seu bem-estar, sua intimidade e suas preferências pessoais e culturais.

Deste modo, permite-se a participação efetiva e as escolhas de gestantes, parturientes e puérperas, respeitando seus interesses, necessidades e possibilidades terapêuticas no decorrer do ciclo graví­dico puerperal. Enfim, deixa destacado o direito do empoderamento e protagonismo das mulheres no processo do nascimento.

Especificamente no âmbito do nascimento, tem sido visto ao longo das últimas décadas, nas diferentes partes do mundo, que com a alegação de propiciar maior segurança para mãe e filho, médicos e hospitais tornaram-se os focos centrais na assistência í  mulher durante o ciclo graví­dico puerperal. Para isso passaram a utilizar várias práticas com a finalidade de intervir, monitorar e controlar o processo do nascimento, provocando profundas alterações na saúde da mulher e do concepto. De um lado este modelo foi determinante para uma queda inicial dos coeficientes de mortalidade materna e perinatal, mas também trouxe consequências como a exclusão de não médicos, em especial do enfermeiro obstetra, além da diminuição da participação efetiva da mulher, enfim, a desumanização no processo do nascimento.

O alto grau de medicalização, hospitalização e de abuso de práticas invasivas e de alta tecnologia, nem sempre necessárias, nem sempre igualitárias, resultou em taxas excessivas de cesáreas e em opressão da participação efetiva da mulher no processo do nascimento. Com o passar do tempo foram se acentuando as distorções no atendimento obstétrico, priorizando-se investimentos em procedimentos de alta complexidade em detrimento da qualidade de atenção í  mulher. Da mesma forma, tem sido constatado e denunciado o aumento das dificuldades de mulheres de menor poder aquisitivo, identificada na perambulação por maternidades em busca de vagas, gerando polêmicas e discussões sobre o modelo de atendimento que se tornou comum no Brasil.

A partir das crí­ticas e questionamentos ao modelo convencional, tecnocrático, medicalizado e hospitalocêntrico de atenção ao nascimento, em diferentes partes do mundo emergiram propostas de intervenção e de modelos holí­sticos de atenção ao nascimento. Em geral, esses modelos holí­sticos incluem: incentivo ao parto normal, aleitamento materno no pós-parto imediato, alojamento conjunto mãe-recém-nascido, presença do pai ou acompanhante, atuação de enfermeiro obstetra, de outros profissionais não médicos e modificação das rotinas hospitalares e de comportamento dos profissionais envolvidos nessa assistência.

As abordagens direta ou indiretamente relacionadas às diferentes questões e facetas no enfoque de humanizar o nascimento são:

  • que é mais que a garantia de 6 consultas pré-natais e uma vagaem maternidade. Significaoferecer um atendimento centrado na mulher, para que ela possa ter uma experiência positiva e fortalecedora;
  • que deve-se oferecer e disponibilizar, de forma igualitária as tecnologias apropriadas e adequadas a cada caso;
  • que deve haver conscientização e capacitação da equipe obstétrica, no contexto da humanização do nascimento, para que fiquem mais sensí­veis í  compreensão desse processo, da individualidade da mulher, de sua realidade social e cultural, com mais condições para ouvir, orientar, informar e apoiar as mulheres, familiares e acompanhantes;
  • contribuir para que a mulher tenha uma boa experiência nas diferentes fases do ciclo graví­dico-puerperal, apoiando-a para lidar com os desconfortos, o medo, a dor;
  • tornar possí­vel o protagonismo da mulher, permitir-lhe conhecer alternativas, verdades, para fazer escolhas, decidir, perguntar, argumentar, debater, planejar, participar ativamente. Resgatar a posição central da mulher no contexto do nascimento;
  • atender às recomendações da OMS para a maternidade segura e uso de práticas apropriadas ao nascimento, respeitando também os dispositivos legais vigentes neste enfoque;
  • propiciar condições de orientação e capacitação da equipe de saúde para a promoção do aleitamento materno, particularmente de forma exclusiva;
  • propiciar uma formação na área de atendimento obstétrico, em especial de obstetras, neonatologistas, obstetrizes e enfermeiros-obstetras na perspectiva da ação no cuidado humanizado;

                  Nos meus quase 40 anos de formação como obstetriz e enfermeira e minha vinculação ao exercí­cio, ao ensino e í  pesquisa, em ní­vel de graduação em e pós-graduação em Enfermagem Obstétrica, considero que é mais que necessário, é essencial, a retomada da profissão e da atuação de obstetrizes e enfermeiros obstetras. Devem atuar na atenção a gestantes, parturientes puérperas, neonatos e lactentes, em ambiente hospitalar e na atenção básica, com trabalho realizado em consonância e de forma compartilhada com obstetras, anestesistas e neonatologistas, respeitando os preceitos éticos e legais e as especificidades de cada profissão. Como está não dá mais para suportar...

Biografia do Autor

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, FAMERP

Obstetriz (1974); Enfermeira (1975); Enfermeira do Trabalho (1976); Licenciatura em Enfermagem (1976); mestre (1984) e doutora (1993) em Enfermagem Obstétrica – USP/SP; Livre- Docente em Enfermagem – FAMERP-2005 (área Enfermagem Obstétrica), organizadora e Presidente do Centro de Estudos do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva e Orientação Profissional – CEDESCOP – FAMERP; organizadora e coordenadora dos Cursos de Especialização em Enfermagem Obstétrica, ministrado na FAMERP desde 2000, vinculado ao CEDESCOP; Diretora Adjunta de Extensão de Serviços í  Comunidade da FAMERP de 2001 a 2012. Docente e orientadora da graduação e pós-graduação Lato Sensu e Stricto Sensu da FAMERP; coordenadora do Programa de Enfermagem - Mestrado Acadêmico proposto na CAPES em 2011.

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Publicado

2014-06-10