EDITORIAL
Cuidados
paliativos na esclerose lateral amiotrófica
Marco Orsini*,
Viviane Marques**, Carlos Henrique Melo Reis***, Mauricio de Sant Anna Jr****,
Adriana Leico Oda*****, Victor Hugo Bastos******, Silmar Teixeira******, Marcos
RG de Freitas***, Acary Bulle Oliveira*****
*Universidade
Severino Sombra, Programa de Mestrado em Ciências Aplicadas à Saúde e Centro
Universitário Augusto Motta, Ciências da Reabilitação, Rio de Janeiro,
**Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO, Departamento de
Fonoaudiologia e Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, ***Faculdade de
Medicina de Valença e Serviço de Neurologia do Hospital Geral de Nova Iguaçu,
Rio de Janeiro, ****Instituto Federal do Rio de Janeiro, IFRJ, Curso de
Fisioterapia, *****Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo,
UNIFESP, ******Universidade Federal do Piaui, Departamento de Medicina
Endereço
para correspondência:
Marco Orsini, Rua Professor Miguel Couto, 322/1001, Jardim Icaraí 24230240
Niterói RJ, E-mail: orsinimarco@hotmail.com; Viviane Marques: vivianemarquesfono@hotmail.com;
Carlos Henrique Melo Reis: chmeloreis@hotmail.com; Mauricio de Sant Anna Jr:
fisioenf@gmail.com; Adriana Leico Oda: adrileico.oda@uol.com.br ;
Victor Hugo Bastos: victorhugobastos@ufpi.edu.br; Silmar Teixeira:
silmarteixeira@ufpi.edu.br; Marcos RG de Freitas: mgdefreita@hotmail.com; Acary
Bulle Oliveira: acary.bulle@unifesp.br
A Esclerose Lateral
Amiotrófica (ELA) pode ser definida como uma doença neurológica, progressiva e
degenerativa que cursa com o comprometimento dos neurônios da ponta anterior da
medula espinhal e do feixe piramidal em graus variados [1]. Os pacientes
apresentam deficiências e/ou incapacidades em suas atividades básicas e
instrumentais da vida diária, caracterizadas por padrões heterogêneos de
deterioração como, por exemplo, dificuldades de locomoção, comunicação,
respiração, deglutição, além de mudanças de humor e comportamento. Problemas
psicológicos como depressão e ansiedade, ligados à vivência da doença também
são comumente relatados [1,2]. Ainda com prognóstico reservado, leva a óbito
cerca de 5-8 anos após o início dos sintomas [1].
Acostados estão os
princípios da beneficência aos padecentes de suas condições saúde inexoráveis,
tanto nos textos sagrados, quanto nos ensinamentos de Hipócrates, patrono da
medicina ocidental. Desta feita, os cuidados paliativos na ELA deveriam ser
considerados já no início da trajetória do adoecimento, tão somente no aguardo
do tempo certo de sua instituição, ou seja, devem fazer parte do elenco de
estratégias de tratamento instituído por parte do neurologista, sem prejuízos
das intervenções neurológicas propostas, com o intuito de oportunizar a ação de
equipe multiprofissional, que inclui a assistência integral do paciente e de
seus familiares. Na ausência de tratamento curativo, os cuidados podem melhorar
a qualidade de vida, prolongar a sobrevivência e apoiar os portadores de ELA e
suas famílias e, principalmente, ajudá-los a antecipar e se preparar para o fim
da vida [3].
O atendimento
domiciliar adequado associado às medidas de paliação mostra-se mais vantajoso
que internações desnecessárias. A atenção domiciliar e os cuidados paliativos
(CP) na ELA remontam aos princípios da humanidade no cuidado, não substituindo
a assistência hospitalar, mas sendo uma proposta de tratamento que possibilita
ao paciente a manutenção da sua autonomia, visto que os cuidados no domicílio
são executados no tempo do paciente e do seu núcleo familiar. Uma questão de
significativa relevância é o menor risco de exposição dos pacientes a agentes
infecciosos, reduzindo à associação de co-morbidades
nosocomiais [3].
No tocante a
pacientes com ELA algumas vantagens do serviço de atendimento domiciliar
multidisciplinar devem ser destacadas: desospitalização precoce; redução de
custos; treinamento de familiares com programas que facilitam a comunicação
alternativa não-verbal; gerenciamento da oferta via
oral total, parcial ou suspensão da alimentação realizando manutenção do prazer
oral; possibilidade de uma equipe interdisciplinar treinada para monitorar a
condição clínica dos pacientes; conforto respiratório com adequação dos padrões
ventilatórios; acompanhamento do status nutricional e metabólico. O
envolvimento das clínicas especializadas compostas por médicos, enfermeiros,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas promovem ações
programadas e continuadas que podem ampliar a sobrevivência e melhorar o
conforto no fim de vida [4,5].
Entendamos por CP,
práticas voltadas para o período final da vida de pacientes fora de condutas
terapêuticas de cura, que reflete a mudança de paradigma e de conceitos sobre a
matéria do corpo, o adoecimento e a morte. Tais práticas buscam em última
análise, o controle dos sinais e sintomas físicos e psicológicos próprios do
estágio avançado da ELA, além da melhora da qualidade de vida [6]. Os CP se
desenvolveram em grande parte devido aos “excessos” cometidos pela medicina,
que conduzia, até pouco tempo, o paciente a um final de vida medicalizado e
carregado de sofrimento, em contraposição à qualidade do viver [6,7].
Acreditamos que na ELA os cuidados paliativos devem estar de prontidão desde o
estabelecimento do diagnóstico de certeza até o estágio realmente terminal da
doença.
A reabilitação também
assume a responsabilidade tanto dos cuidados respiratórios como
músculo-esqueléticos dos pacientes portadores de ELA. Esses cuidados passam
pela utilização de exercícios ativos (quando possível) e passivos, que visam à
adequada mobilização do paciente impedindo o surgimento não só de deformidades
e encurtamentos, mas como o surgimento de úlceras por pressão. No que tange aos
cuidados respiratórios, a monitorização constante da função dos músculos
ventilatórios, saturação de oxigênio tanto diurna quanto noturna, assim como o
pico de fluxo torna-se primordiais, principalmente no
tocante a definição da instituição tanto do suporte ventilatório não invasivo,
e posteriormente traqueostomia [8].
A manutenção da
permeabilidade das vias aéreas, através de adequada higienização é uma atividade
que deve ser realizada não só pelo fisioterapeuta, mas por todos os
profissionais da saúde. Essas estratégias minimizam a ocorrência de pneumonias
broncoaspirativas [9].
O fim da vida implica
dilemas éticos e impasses de natureza jurídica, fazendo com que todos os
envolvidos nesse cenário reflitam de forma crítica a respeito da conduta
bioética e judicial mais adequada, ante a terminalidade da vida humana.
Trata-se, pois, de um desafio real aos serviços e equipes de saúde, que
precisam ser enfrentados [8].
Com os conhecimentos
contemporâneos, não há sustentação para que os pacientes com ELA permaneçam
internados longamente, porquanto existe um dever moral e ético em fornecer
cuidados domiciliares. Devido a complexidade e especificidade dos aspectos
clínicos e do espectro de apresentação da ELA, os profissionais devem ser
exaustivamente treinados [1,7,9]. Nossa expectativa
para o atendimento domiciliar de pacientes em estágio terminal de ELA é
otimista. Logicamente, são necessários aprimoramentos nos cuidados específicos.
Cabe-nos lutar para garantir tal oportunidade.