ARTIGO ORIGINAL

Análise das impressões plantares de bailarinas através de parâmetros plantigráficos

Analysis of plantar prints of ballet dancers through plantigraphy parameters

 

Ana Vannise de Melo Gomes, Ft., Esp.*, Darlan de Oliveira Alencar, Ft.**, Nandeyara Cardoso dos Santos, Ft.**, Rebeca Conceição Torres Santos da Costa, Ft, Esp.***

 

*Docente do Curso de Fisioterapia da Uninovafapi, **Uninovafapi, ***Especialista em fisioterapia traumato-ortopédica manipulativa pela CEUT

 

Recebido em 12 de abril de 2016; aceito em 27 de dezembro de 2016.

Endereço para correspondência: Rebeca Conceição Torres Santos da Costa, Rua Cícero Soares 2320 Morada Nova 64023-005 Teresina PI, E-mail: beca_ts@yahoo.com.br; Ana Vannise de Melo Gomes: anavannise@ig.com.br; Darlan de Oliveira Alencar: darlan-alencar@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: O ballet clássico é uma dança que na maioria das vezes utiliza posições extremas como rotação externa dos quadris e flexão plantar de tornozelos e pés. Podendo, estes últimos, sofrerem alterações morfo-estruturais. Objetivo: O objetivo do estudo foi analisar as impressões plantares de bailarinas clássicas através de parâmetros plantigráficos. Material e métodos: Trata-se de um estudo descritivo observacional que foi realizado numa amostra de 66 bailarinas clássicas da cidade de Teresina/PI, com média de idade de 17,0 ± 3,1 anos e no mínimo 2 anos de prática. O instrumento avaliativo utilizado foi um plantígrafo da marca PODO tech e a classificação seguiu os critérios definidos por Viladot. Os dados foram analisados por estatística descritiva e pelo teste de correlação linear de Pearson. Resultados: Verificou-se prevalência de pés cavos (62,1%), seguido por pés normais (36,4%) e pé plano (1,5%). Não houve correlação entre o tipo de pé e o tempo de prática. Contudo, encontrou-se correlação fraca e moderada entre o tipo de pé e os pontos de hiperpressões e as dores, respectivamente. Conclusão: A prática do ballet clássico contribui para a formação de um pé cavo, sendo necessária intervenção frente a possíveis danos que possam estar associados a este fato.

Palavras-chave: impressões plantares, pé plano, pé cavo, dor.

 

Abstract

Introduction: The classical ballet is a dance that most of the times uses extreme positions such as extern rotation of the hips and plantar flexion of ankles and feet. These last ones may suffer morpho structural alterations. Objective: The objective of this study was to analyze the plantar prints of classical dancers through plantigraphy parameters. Methods: It is an observational descriptive study carried out with a sample of 66 classical dancers of Teresina/PI, 17.0 ± 3.1 years old and with at least 2 years of practice. The evaluation instrument used was a PODO tech brand plantigraph and the classification followed Viladot criteria. Data were analyzed using descriptive statistics and the Pearson linear correlation test. Results: We observed the prevalence of cavus deformity (62.1%) followed by normal feet (36.4%) and flatfoot (1.5%). There was no correlation between the type of feet and the period of practice. However, it has been found a weak and moderate correlation between feet type and the points of overpressure and pain, respectively. Conclusion: The practice of classical ballet contributes to the formation of cavus deformity, requiring intervention against possible damage that may be associated to this fact.

Key-words: plantar prints, flatfoot, cavus deformity, pain

 

Introdução

 

O ballet clássico é uma forma de dança que utiliza um conjunto de posturas para expressar emoções e intenções do artista, envolve também uma complexa sequência de movimentos e demandas físicas de força, estabilidade e flexibilidade. Os princípios básicos do ballet clássico são: postura ereta; uso do en dehors (rotação externa dos membros inferiores); verticalidade corporal e simetria [1]. A prática dessa modalidade exige uma ampla e complexa movimentação dos pés, posições extremas e antianatômicas. O movimento de rotação externa de membros inferiores e flexão plantar de tornozelos e pés colocam tensões nas articulações do pé e sobrecarregam músculos, ligamentos e tendões, podendo desencadear dor e alterações posturais [2].

A estrutura anatômica dos pés é complexa e responsável por funções variadas como apoio, equilíbrio, impulsão, absorção de impacto e postura. A capacidade de permanecer em posição estática e desenvolver movimento é decorrente da presença do equilíbrio e da manutenção da base de sustentação fornecida pelos pés. Qualquer que seja a alteração decorrente dos arcos plantares haverá influência direta sobre as forças de pressão plantar [3]. Os mesmos autores afirmam que pés com arcos plantares patológicos parecem influenciar a biomecânica prejudicando a marcha e os apoios.

O pé apresenta três arcos plantares, sendo formado pelos ossos do tarso e metatarso. O arco longitudinal medial e lateral se estende desde o calcâneo até os metatarsos e ossos do tarso e o arco transverso é formado pelas bases dos metatarsos [4]. De acordo com esses arcos e bases de apoio no solo, os pés podem ser classificados em normal quando a largura mínima do istmo não chega à metade da largura máxima do antepé, pé plano caracterizado pelo achatamento das duas abóbodas longitudinais e pé cavo caracterizado pelo aumento do arco longitudinal medial [5].

O método antropométrico é de extrema importância na análise das impressões e distribuição de pressão plantar. Este irá dimensionar as causas e consequências de modificações estruturais dos pés, buscando o entendimento das sobrecargas atuante no aparelho locomotor das bailarinas [6]. A análise dessas pressões desempenha papel importante para uma proposta de prevenção aos transtornos e dores nos membros inferiores, especialmente nos pés.

Existem alguns equipamentos, tal como o plantígrafo, que emitem as impressões plantares, que podem ser analisadas, fornecendo informações para classificar o tipo de pé. A plantigrafia é a impressão grafada em papel das superfícies plantares dos pés com a carga do peso corporal. O mesmo consiste num exame simples, não invasivo, acessível, de baixo custo e viável, e sua realização permite a classificação morfológica dos pés em normal, plano ou cavo, e ainda gera informações sobre pico de pressões [7].

O estudo do ballet clássico é importante, pois esse estilo de dança é muito frequente e praticado desde a infância, podendo produzir alterações morfológicas nos pés, porém há controvérsias sobre esses efeitos. Tendo em vista o que foi exposto e a importância clínica da saúde corporal e dos pés de bailarinas clássicas, o presente estudo foi realizado com o objetivo de analisar as impressões plantares destas por meio de parâmetros plantigráficos, caracterizando os tipos de pés das mesmas e correlacionando possíveis alterações com o tempo de prática do ballet, presença de pontos de hiperpressões plantares e a ocorrência de dores.

 

Material e métodos

 

Foi realizado um estudo descritivo analítico de caráter observacional seccional com abordagem quantitativa. O mesmo foi desenvolvido em três das principais escolas de ballet da cidade de Teresina/PI no período de maio a julho de 2013. Participaram do estudo 66 bailarinas clássicas cujas características estavam de acordo com os critérios de inclusão pré-determinados, tais como: aquelas com idade entre 15 e 25 anos com tempo de prática do ballet maior ou igual a dois anos com assinatura prévia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As bailarinas que apresentaram lesão neuromusculoesquelética recente em membros inferiores, déficits cognitivos comprovados, bem como aquelas que praticavam outro tipo de dança ou que se negaram a assinar o TCLE não participaram do presente estudo.

Todas as participantes foram orientadas acerca dos procedimentos realizados para a coleta dos dados. Esta foi dividida em duas fases. Na primeira, as participantes responderam a um questionário informativo elaborado pelos próprios pesquisadores referente ao problema e objetivos abordados pelo estudo (vide apêndice). Na segunda, foi realizada a coleta das impressões plantares das bailarinas por meio de um plantígrafo (PODO Tech; Dimensões: 376 x 189,9 x 10 mm; Peso: 220 g; Composição: acrílico e látex), além de almofada de carimbo, papel sulfite e rolo de pintura. Cada participante foi avaliada individualmente, usando roupas leves e descalças e em posição ortostática. O plantígrafo foi posicionado sobre uma superfície antiderrapante e próximo a uma parede, garantindo assim a segurança necessária as participantes para a avaliação. Para o exame, seguiram-se as seguintes etapas: 1) tingiu-se o rolo de pintura com tinta na almofada de carimbo; 2) passou-se o rolo banhado de tinta na superfície texturizada do plantígrafo; 3) garantiu-se que a tinta envolvesse toda a superfície pintando no sentido horizontal e vertical; 4) colocou-se o papel a ser carimbado em um plano liso e deitou-se o plantígrafo com a superfície pintada na face em contato com o papel; 5) o mesmo foi posicionado na frente da bailarina; 6) pediu-se para a participante da pesquisa pisar com firmeza com um dos pés no centro do plantígrafo descarregando o peso corporal sobre este; 7) repetiu-se o processo avaliando o pé contralateral.

Para análise dos dados utilizou-se uma régua (50 cm) para traçar as linhas entre os arcos plantares. Dividiu-se o pé em três regiões: antepé, médio pé e retropé, traçando-se quatro linhas. A primeira linha traçada correspondeu ao ponto mais extremo do retropé; a segunda linha transversal foi traçada na região do segundo pododáctilo até o extremo do retropé, para ser dividida em centímetros e chegar ao arco plantar; a terceira linha foi traçada na medida do antepé, para obter a largura maior do pé, e dessa forma poder comparar os centímetros do arco plantar; a quarta linha foi traçada no arco plantar, que é encontrado com a primeira e segunda linha, e após foi comparado com a medida do antepé. As medidas obtidas foram registradas em uma ficha de avaliação para classificação de cada pé quanto ao tipo. Nessa abordagem foi utilizada a metodologia proposta por Viladot (1987).

O processamento dos dados e a análise estatística foram realizados através do programa SPSS®, versão 18.0. Primeiramente foi aplicado o teste de Shapiro-Wilk para avaliar a normalidade das variáveis quantitativas, e como as variáveis apresentaram distribuição normal, aplicaram-se testes paramétricos. Para correlacionar as variáveis, foi utilizada a correlação linear de Pearson considerando um nível de significância estatística de 95% (p < 0,05).

O estudo foi realizado de acordo com os preceitos éticos que norteiam a Resolução 466/2012 do CNS, sendo o mesmo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Uninovafapi com o CAAE: 14111413.4.0000.5210.

 

Resultados

 

Este estudo foi realizado por meio da análise das impressões plantares de uma população de praticantes de ballet clássico, utilizando-se como instrumento a plantigrafia, numa amostra constituída por 66 bailarinas.

Observou-se que a média de idade das participantes foi de 17,0 anos com desvio padrão de ± 3,1. Segundo descrito no gráfico 1, houve predominância de pés cavos em bailarinas praticantes de ballet clássico. A classificação morfológica dos pés de acordo com os critérios adotados por Viladot mostrou a ocorrência de 62,1% (n = 41) de pés cavos, 36,4% (n = 24) de pés normais e somente 1,5% (n = 1) de pés planos. Esses dados permitem caracterizar o tipo de pisada do grupo em estudo, pois indivíduos com pés cavos apresentarão propensão em terem uma pisada supinada ou lateral, bem como aqueles com pés classificados como normais ou planos apresentarão tendência a terem uma pisada neutra e medial, respectivamente.

 

 

 

Fonte: Pesquisa direta

Gráfico 1 - Distribuição de frequência dos tipos de pé de bailarinas clássicas de acordo com a classificação de Viladot. Teresina/PI, 2013.

 

Concernente a ocorrência de dores, 69,7% das bailarinas clássicas relataram no mínimo um local em que tal sintoma é frequente, com predominância de dor de intensidade moderada, como mostra o gráfico 2. 65,2% das bailarinas que apresentaram queixas dolorosas indicaram mais de uma região corporal onde a dor aparece, com destaque para as coxas com 54,3%. Em seguida aparecem as pernas 43,5%, coluna 39,1%, joelhos 37,0%, pés 34,8% e quadril 4,3% (Gráfico 3).

 

 

Fonte: Pesquisa direta

Gráfico 2 - Distribuição de frequência segundo o relato de presença de dor em bailarinas clássicas. Teresina/PI, 2013.

 

 

 

Fonte: Pesquisa direta

Gráfico 3 - Distribuição de frequência segundo a localização da dor através do relato de bailarinas clássicas. Teresina/PI, 2013.

 

 

Ao relacionar o tempo de prática do ballet clássico com o tipo de pé (Tabela I), o teste de Pearson não encontrou relação estatisticamente significativa com r = 0,227 e p = 0,067 (correlação de Pearson fraca e não significativa).

 

Tabela I - Correlação entre tipo de pé e tempo de prática do ballet clássico. Teresina/PI, 2013.

 

O estudo ainda mostrou que 53,0% (n = 35) das bailarinas apresentaram pontos de hiperpressões plantares. Ao verificar a relação entre o tipo de pé e a presença desses pontos, a correlação de Pearson foi fraca, porém significativa com r = 0,253 e p = 0,040 (Tabela II), onde 63,4% daquelas que tiveram pé cavo apresentaram pontos de hiperpressões plantares.

 

Tabela II - Correlação entre o tipo de pé e a presença de pontos de hiperpressões em bailarinas clássicas. Teresina/PI, 2013.

 

Por fim, a tabela III mostra que na análise da relação entre tipo de pé e a presença de dor em bailarinas clássicas, os resultados evidenciam que a correlação de Pearson foi moderada e significativa com r = 0,331 e p = 0,007, observando que 83,0% das bailarinas que tinham pé cavo relataram dor, independente do grau de intensidade.

 

Tabela III - Correlação entre tipo de pé e a presença de dor em bailarinas clássicas. Teresina/PI, 2013.

 

 

Discussão

 

O presente estudo caracteriza-se pela análise plantigráfica com o intuito de classificar os tipos de pé e fazer algumas correlações em uma população de praticantes de ballet clássico, sendo todas do gênero feminino com média de idade de 17,0 ± 3,1 anos.

Embora não haja um consenso sobre o método ideal para classificação dos tipos de pé, sabe-se que a plantigrafia é um método fidedigno e popular para registrar e analisar a área e a forma do contato do pé no chão, o que a faz ser utilizada em diversos estudos e, além disso, Filoni et al. [8] descrevem-na como um método simples, de baixo custo e de fácil acesso.

Os resultados demonstraram predominância significativa de pés cavos (62,1%). Esta prevalência nesse grupo populacional pode ser explicada pela tendência que as bailarinas têm em rotacionar os pés para fora deslocando o peso corporal para a borda externa do pé quando na posição en pointe, estimulando a formação do pé cavo. Esse tipo de pé leva a pessoa a ter uma pisada mais lateral ou supinada. Em contrapartida, indivíduos com pés planos terão uma pisada mais medial com tendência a pronação. Aqueles com pés normais apresentarão uma pisada neutra, onde o arco plantar estará compreendido entre 1/3 e 1/2 do antepé. Todavia, é importante compreender que a caracterização do tipo de pisada no estudo em questão foi realizada de forma indireta, desprezando-se outras alterações posturais. O estudo ainda mostrou que não foram encontradas diferenças consistentes entre os índices dos arcos plantares do pé direito e esquerdo das bailarinas.

Ao se comparar esses resultados com os encontrados no estudo de Minghelli et al. [9] pode haver algumas interrogações no que diz respeito a classificação morfológica dos pés. Este avaliou um grupo de escolares com idade entre 2 e 18 anos que não praticavam ballet clássico, ou seja, diferindo da presente pesquisa que avaliou bailarinas clássicas de 15 a 25 anos. Os resultados de Minghelli [9] mostraram que foi verificado pé cavo apenas em indivíduos com 17 e 18 anos, predominando nas outras faixas etárias o pé plano ou normal. Dessa forma, mesmo sabendo da prevalência de pés cavos entre as bailarinas clássicas, haveria a necessidade de se investigar se o pé cavo foi induzido pela prática do ballet ou fruto do desenvolvimento musculoesquelético com o avançar da idade. Respondendo a essa questão, Sá [10] afirmou que o arco longitudinal plantar sofre pouca modificação com a evolução da idade, e tem total dependência dos estímulos a que os pés são submetidos. Depreende-se disso que a prática do ballet clássico influencia na arquitetura morfológica dos pés de seus praticantes, pois sucessivamente são aplicados estímulos em flexão plantar que acabam promovendo alguns graus de modelação óssea.

Estabeleceu-se concordância com a pesquisa de Thiesen e Sumiya [3], assim como a de Militão [2] que objetivou verificar a ocorrência dos tipos de pés em bailarinas clássicas. Este avaliou 23 bailarinas com média de idade de 19,0 anos, tempo médio de prática de 7,1 anos com frequência média de 1,4 horas/dia, encontrando prevalência de 56,6% de pés cavos, 34,8% de pés normais e 8,6% de pés planos.

Já no estudo de Picon e Franchi [6] houve predominância de pé normal em 73,3% dos indivíduos. No estudo de Ratzlaff [11] realizado com 16 bailarinas clássicas com média de idade de 25,13 anos e média de tempo de prática do ballet de 64,88 meses, um fato importante de ser destacado é que nenhuma das colaboradoras avaliadas na sua pesquisa apresentou o pé do tipo plano, sendo este dado confirmado por Picon e Franchi [6] que afirmaram não haver resultados de queda do arco longitudinal medial em bailarinas que treinam em pontas, devido aos estímulos de flexão plantar que ocorrem para o alcance da posição en pointe. Assim sendo, o presente estudo ratifica tais achados, uma vez que somente 1,5% das bailarinas tiveram pé do tipo plano.

É importante compreender que a utilização de critérios metodológicos diferentes podem ocasionar disparidades nos resultados finais e produzirem falsas conclusões. Cantalino e Mattos [7] verificaram em seu estudo comparativo entre a plantigrafia e a baropodometria para classificação do tipo de pé uma concordância estatisticamente não significativa. Estudos descreveram a baropodometria como um equipamento para avaliar a pressão plantar. Assim, é necessário atenção na escolha do método mais adequado para cada objetivo [12].

Os achados referentes à relação entre o tipo de pé e o tempo de prática do ballet não foram significativos. Deduz-se, assim, que o tempo de prática de no mínimo dois anos pode não ser suficiente para a indução de um pé cavo em bailarinas. Todavia, as conclusões frente a ocorrência de pés cavos em bailarinas clássicas não pode levar em conta apenas o fator tempo, visto que o mesmo não é absoluto, tornando-se necessário a observância de características individuais e questões adaptativas no que se refere a prática da dança. Mesmo verificando proporção maior de pé cavo entre aquelas que praticavam a dança há mais de cinco anos, observou-se também que a maior ocorrência de pé normal e plano aconteceu nesse mesmo tempo de prática, o que explica os achados estatísticos. Tais resultados concordam com os de Figueirêdo [13] e Simas e Melo [14]. Em contrapartida, estudos de Grego [15], Guimarães e Simas [16] encontraram resultados diferentes.

A presença de pontos de hiperpressões plantares pode ser esclarecida devido ao treinamento em pontas, o que acaba dissipando o peso corporal para o antepé, da mesma forma que acontece durante o sauté, momento em que o pico de pressão sobre a região do retropé é menor. Fisiologicamente, o calcâneo recebe 60% das cargas do pé, o médio pé recebe 8% e o antepé recebe 32%. Pelos pontos de hiperpressões, observa-se que houve inversão destas forças, onde o antepé configurou-se como a região que sofre maior sobrecarga, destacando-se o hálux, 1º e 5º metatarsos. Apesar de utilizarem instrumentos avaliativos distintos, esses dados corroboram os de Menz e Morris [17] quando observaram que a pressão exercida sobre o hálux está associada com sua força flexora, bem como os de Amaral, Higashiama e Oliveira [18] que também encontraram resultados semelhantes. Ressalta-se, porém, que a plantigrafia não permite quantificar os valores reais destas pressões.

Com relação à prevalência de dor, os resultados vão ao encontro do que diz a literatura acerca dessa questão, diferindo somente no que diz respeito às principais regiões acometidas. Como verificado no gráfico 3, as coxas foram a região mais citada pelas bailarinas (54,3%), seguida das pernas (43,5%) e coluna (39,1%). Este fato pode ser justificado pelo uso exaustivo da musculatura nesses segmentos corporais, seja por contrações mantidas ou estiramentos excessivos, principalmente durante a execução de movimentos com maior grau de exigência como flexão plantar de tornozelos associado com extensão extrema dos joelhos e acentuação da lordose lombar, fatores estes preponderantes para a perfeita execução da técnica.

No estudo de Ratzlaff [11], as coxas foram a quarta região mais acometida segundo relato das bailarinas. Nos estudos de Grego [15], Menezes [19] e Batista e Martins [20] encontraram prevalência de dor nos joelhos das bailarinas, sendo relatada como de grau moderado. Já nesta pesquisa, os joelhos apareceram somente como a quarta região mais indicada (37,0%). Porém, ao analisar a intensidade das dores, os resultados obtidos coincidem com tais achados. A proporção de relatos de dor na coluna não é um dado comum, pois esta é mais frequente em indivíduos na fase adulta que realizam performances com maior grau de dificuldade e apresentam maior nível técnico. Isso ganha apoio no estudo realizado por Dore e Guerra [21] que, ao analisar 141 bailarinos profissionais de ambos os gêneros, encontraram relato de dor lombar em 85,8% destes.

Foi encontrada correlação moderada e significativa no que diz respeito ao tipo de pé das bailarinas e a presença de dor, 83,0% das bailarinas que apresentaram pé cavo tiveram relato de dor, sendo predominante a dor de intensidade moderada. Por outro lado, apenas 17,1% das que tinham pé cavo não relataram dor. Assim, foi visto que o pé cavo predispõe a ocorrência de dores em alguns segmentos corporais.

Verifica-se então que a presença de dor em bailarinas clássicas pode ser decorrente da biomecânica corporal que a dança exige, bem como tão somente de alterações morfológicas nos pés ou da associação de ambas. Contudo, cabe ressaltar que o relato de dor é subjetivo e, em alguns momentos no ballet clássico, esta é ignorada em nome da técnica [22].

 

Conclusão

 

A avaliação antropométrica de bailarinas clássicas permitiu caracterizar parâmetros fundamentais para a classificação do tipo de pé e pisada do grupo em análise. Foi possível confirmar a hipótese de que a prática do ballet clássico induz a mudanças morfo-estruturais nos pés contribuindo para a formação de um pé cavo como verificado na presente pesquisa com prevalência de 62,1% dos casos. Este dado permitiu a caracterização do tipo de pisada, mesmo que de forma indireta, com predominância de uma pisada mais lateral. A dor, por sua vez, é um sintoma predominante nos relatos das bailarinas, estando, neste estudo, relacionada com o tipo de pé, porém com uma distribuição bastante variada no que se refere à localização. Assim, novas tecnologias em equipamentos e materiais precisam ser desenvolvidas com o intuito de minimizar as dores na prática do ballet clássico.

Verificou-se também a presença de pontos de hiperpressões nos pés das bailarinas quando realizam a descarga de peso, havendo certa ligação entre o tipo de pé e a ocorrência de tais pontos. Todavia, a correlação encontrada foi fraca, porém, significativa. Já na relação entre o tipo de pé e o tempo de prática do ballet a correlação foi fraca e não significativa. Através desta análise plantigráfica, compreende-se a importância na forma de repensar a biomecânica no ballet clássico, levando em conta princípios fisiológicos na execução da técnica, sem prejuízo na função.

Admitindo-se as limitações deste estudo e a pequena abordagem científica sobre o tema discutido, propõe-se a realização de estudos longitudinais com delineamentos prospectivos.

 

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