ARTIGO
ORIGINAL
Proposta
de utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde na avaliação da disfunção temporomandibular
Proposition for use of the International Classification of Functioning,
Disability and Health for the assessment of temporomandibular disorders
Fernando Virgílio
Albuquerque de Oliveira*, Vicente Conrado da Silva*, Fabiane Elpídio de Sá, M.Sc.**, Ana Cristhina de Oliveira Brasil de Araújo,
M.Sc.***, Gabriel Peixoto Leão Almeida, M.Sc.**, Kátia Virgínia Viana-Cardoso,
D.Sc.**
*Acadêmico
do Curso de Fisioterapia da UFC, **Docente do Curso de Fisioterapia da UFC,
***Docente do Curso de Fisioterapia da Unifor e da Estácio/FIC
Recebido em 27 de junho
de 2016; aceito em 2 de maio de 2017.
Endereço
para correspondência:
Kátia Virginia Viana-Cardoso, Rua Dr. José Lourenço, 3308/1102, 60115-282 Fortaleza
CE, E-mail: kvvc2004@yahoo.com.br; Fernando Virgílio Albuquerque de Oliveira: fernandovirgilioao@gmail.com;
Vicente Conrado da Silva: v.conrado@alu.ufc.br; Fabiane Elpídio de Sá: fabianeelpidio@yahoo.com.br;
Ana Cristhina de Oliveira Brasil de Araújo: cristhinabrasil@gmail.com; Gabriel Peixoto
Leão Almeida: gabriel_alm@hotmail.com
Resumo
Introdução: O Research Diagnostic Criteria for
Temporomandibular Disorders (RDC/TMD) é um instrumento validado para a
língua portuguesa, sendo usado para a padronização das pesquisas acerca das
disfunções temporomandibulares (DTM). A Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) é utilizada na classificação das
mais diversas avaliações funcionais. Objetivo:
Verificar se no RDC há padrões mínimos para o relato de funcionalidade e saúde
através da ligação com a CIF. Material e
métodos: Estudo descritivo realizando-se o linking entre os itens do instrumento de avaliação de critérios
diagnósticos RDC/TMD e os códigos e categorias da CIF. Dois pesquisadores
avaliaram independentes quais os códigos mais adequados para cada item do
instrumento. O linking dos
qualificadores foi realizado de forma cega sendo aplicado o teste estatístico
de Kappa para observar o grau de concordância entre os pesquisadores. Resultados: Foi obtido grau de
concordância completo entre os julgamentos dos pesquisadores (índice de Kappa =
1) para todos os qualificadores. Na ligação, foram utilizados os domínios da
CIF “Funções do Corpo” (b), “Estrutura do Corpo” (s) e “Atividades e
Participação” (d). Conclusão: A CIF
deve ser utilizada para a classificação, mas não para avaliar pacientes com
DTM, e aspectos importantes da funcionalidade destes pacientes devem ser
acrescentados a instrumentos como o RDC.
Palavras-chave: articulação
temporomandibular, transtornos da articulação temporomandibular, Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde.
Abstract
Introduction: The Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders
(RDC/TMD) is an instrument validated for the Portuguese language, which is
receiving great credibility in the literature and is being used for the
standardization of researches about temporomandibular joint dysfunctions (TMD).
Objective: To verify if there are
minimum standards in RDC for the reporting of functionality and health through
the connection with the CIF. Methods:
Descriptive study in which a linking is made between the items of the
diagnostic criteria evaluation instrument RDC/TMD and the ICF codes and
categories. Two researchers independently evaluated which codes were more
appropriate for each item on the instrument, and dissents were mediated by a
third researcher. The linking between the qualifiers was blinded, applying the
Kappa statistical test to evaluate the degree of agreement between the
researchers. Results: A complete
agreement degree was obtained between the judgement of both researchers
(Kappa index = 1) for all the qualifiers. In the linking, ICF domains
"Body Function" (b), "Body Structure" (s) and
"Activity and Participation" (d) were used. Conclusion: The ICF should be used for the TMD classification, but
not for assessing patients with TMD and important aspects of the functionality
of these patients should be added to instruments such as RDC.
Key-words:
temporomandibular joint, temporomandibular joint disorders, International
Classification of Functioning, Disability and Health.
A disfunção
temporomandibular (DTM) é uma disfunção dolorosa associada a sinais e sintomas
envolvendo os músculos mastigatórios, a articulação temporomandibular (ATM) e
outras estruturas associadas, sendo sua etiologia multifatorial. Esses sintomas
podem ser: dores no rosto, na ATM e ou na musculatura orofacial, cefaleias ou
otalgias, zumbidos, sensação de plenitude auricular e vertigem [1,2].
A literatura estima
que 40% a 75% da população apresenta pelo menos um
sinal de DTM e 33% pelo menos um sintoma. Estudos apresentam a presença desta
disfunção em vários grupos populacionais distintos. Temos como exemplos uma
estimativa de 60% de idosos com perda dentária apresentando DTM; estudantes
universitários com 48,2% de DTM leve, 11,3% moderada e 3% grave; além da
presença de DTM em 28% de uma população de professores universitários. Estudo
avaliando a presença de DTM em sujeitos surdos apontou uma alta prevalência de
95,6%. Dessa forma, esses dados mostram a importância do desenvolvimento de
pesquisas sobre essa afecção [1,3-6].
A pesquisa acerca da
DTM utiliza o questionário RDC/TMD, Research
Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders, que foi validado em
várias línguas para facilitar a padronização das pesquisas. Dessa forma, o
RDC/TMD é apontado pela literatura como um dos instrumentos da atualidade que
vêm recebendo mais credibilidade pelos pesquisadores da área [7].
O RDC/TMD apresenta
nível de confiabilidade aceitável, este tem uma abordagem biaxial com a
avaliação de achados físicos no Eixo I e de achados psicossociais envolvido em
perfis de dor crônica no Eixo II. Os diagnósticos para DTM são divididos em
três grupos: grupo I, diagnósticos musculares referentes à dor miofascial e dor
com ou sem abertura limitada; grupo II, diagnósticos referentes a deslocamentos
de disco, falando-se no deslocamento de disco com redução, sem redução com
abertura limitada e sem redução e sem abertura limitada; grupo III, diagnóstico
referente à artralgia, artrite e artrose [8].
Ao tratar da
funcionalidade humana e do instrumento de avaliação como o citado acima,
aborda-se a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF), uma referência comum para o estudo da
funcionalidade humana, que pode contribuir para uma melhor investigação dos
resultados obtidos no estudo do processo saúde doença, considerando uma
abordagem funcional [9].
Nesse contexto, a
Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2001, publicou a CIF, fazendo com que os
seus países membros devam utilizá-la por força da Resolução OMS 54,21/2001
[10]. O Ministério da Saúde resolveu a partir da Resolução Nº 452, de 10 de
maio de 2012, que a CIF deve ser utilizada no Sistema Único de Saúde como
instrumento estatístico na coleta e registro de dados, como ferramenta clínica,
para dar visibilidade e avaliar o processo de trabalho mostrando as
repercussões reais da assistência dos profissionais de saúde que lidam com a
funcionalidade humana, para dimensionar e redimensionar serviços com o intuito
de qualificar e quantificar informações relativas ao tratamento dos sujeitos,
dentre outras atribuições [11].
Como preconizado pela
OMS e resolvido pelo Ministério da Saúde, tem-se um incentivo para a realização
de pesquisas científicas para auxiliar na implementação
dessa classificação. Dessa forma, a literatura aponta que a CIF vem sendo
abordada por diversos estudos no Brasil nos últimos 5
anos [12-14]. Há um predomínio de estudos de abordagem quantitativa e
transversal, além de amostras bem diversificadas no que se refere às disfunções
pesquisadas, quantidade e qualidade de casos envolvidos. Nesse contexto, a
literatura aponta que o componente mais abordado pelos estudos brasileiros é
atividade e participação, a maior parte aplica os componentes da CIF associados
a códigos importantes com uso de qualificadores, alguns utilizam cores sets,
enquanto outros estudos realizam a ligação entre instrumentos de avaliação e a
CIF [12].
A OMS vem
preconizando a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF), como ferramenta clínica, para proporcionar uma
linguagem comum das condições relacionadas à saúde e que visa introduzir um
novo paradigma para pensar e trabalhar a deficiência e a incapacidade. Não
somente percebidas como consequência das condições do binômio saúde/doença
[15], mas, determinadas também pelo contexto do meio ambiente físico e social,
pelas distintas percepções culturais e posturas diante da deficiência, pela
disponibilidade de serviços e de legislação [16]. Com o intuito de contribuir
cientificamente com a implementação desta
classificação, em uma disfunção prevalente que compromete a qualidade de vida
de muitos pacientes, o presente estudo teve como objetivo vincular o RDC/TMD,
que avalia as disfunções temporomandibulares, aos conceitos abordados na
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, para
verificar se no RDC há padrões mínimos para o relato de funcionalidade e saúde,
ou seja, se este questionário define "o que medir" para a
funcionalidade.
Trata-se de um estudo
descritivo, realizado com a regra de ligação (ou linking) entre a CIF e os
itens do instrumento de classificação diagnóstica de DTM, o RDC/TMD.
Foi utilizada a
versão traduzida para o português brasileiro do Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD).
Esse instrumento apresenta uma 1a sessão com a história clínica do paciente
composta por 31 itens, além de exame clínico com 10 itens, avaliando a
localização da sintomatologia dolorosa, padrão de abertura bucal, amplitude de
movimentos mandibulares, presença de dor ou ruídos articulares ao movimento e
sintomatologia dolorosa à palpação muscular e articular [17].
O RDC/TMD classifica
os sujeitos avaliados em 3 grupos: grupo I– muscular
(dor miofascial com e sem abertura limitada); grupo II– deslocamento de disco
(com redução, sem redução com e sem abertura limitada); grupo III– artralgia,
artrite, artrose da articulação temporomandibular [17].
A CIF é uma
classificação da funcionalidade e dos estados relacionados com a saúde,
apresentando unidades de classificação (as categorias) dentro de domínios. Essa
classificação apresenta 2
partes e cada uma delas
apresenta 2 componentes. Foi abordada no presente estudo a parte 1,
chamada de
“Funcionalidade e Incapacidade”, que apresenta os seguintes
componentes:
“Funções (b) e Estruturas (s) do Corpo” e
“Atividades e Participação (d)”, por
serem os componentes que se relacionam com os itens contidos no
RDC/TMD. Por
sua vez, os domínios desses componentes são intitulados
“Funções do
Corpo/Estruturas do Corpo” e “Áreas Vitais (tarefas,
ações)” [18].
Esta classificação
apresenta um sistema alfanumérico, sendo os componentes representados por
letras minúsculas e os níveis de codificação representados por números [18]. O
número escrito logo após a letra do código representa o capítulo que aborda o
problema em questão, sendo este o 1o nível da codificação. Em seguida, tem-se o
2o nível com 2 dígitos e posteriormente os dígitos
representando o 3º e o 4º níveis, ambos com apenas um dígito. Os 3 últimos níveis representam as categorias e subcategorias
da CIF [18].
O código torna-se com
significado com a presença dos qualificadores ao final, sendo representados por
números após um ponto “separador”. Os qualificadores indicam a magnitude do
problema de saúde. A depender do constructo, esse problema pode representar
deficiência de função e estrutura, limitação de atividade, restrição de
participação ou barreira ambiental [18]. Dados os componentes utilizados nesse
estudo, os qualificadores utilizados representam a extensão ou magnitude de uma
deficiência (para funções e estruturas do corpo) ou um problema do desempenho
humano no ambiente habitual da pessoa (para atividades e participação).
A ligação da CIF com
o RDC/TMD foi realizada seguindo as regras preconizadas por Cieza et al. [20], utilizando-se a versão do instrumento validada
em português. Dois acadêmicos de fisioterapia do último semestre (pesquisador 1 e pesquisador 2), apresentavam experiência na utilização
prática do RDC/TMD e foram previamente calibrados para a utilização da
classificação em questão, através de aula teórica realizada por pesquisadora
com experiência na área, leitura de material disponibilizado pela mesma. Em
seguida estes pesquisadores fizeram a aplicação prática da codificação da CIF,
analisaram de forma independente os itens do RDC/TMD e julgaram os componentes,
categorias e subcategorias mais adequados, formando códigos para cada item [15,16,19,20].
Depois os códigos
foram confrontados, e para aqueles itens em que houve divergências uma 3a
pesquisadora, fisioterapeuta com experiência em utilização da CIF, foi
convidada com a finalidade de decidir qual o código mais adequado. No entanto,
não houve dissenso neste estudo entre os julgamentos dos pesquisadores 1 e 2, sendo a reunião com a 3a pesquisadora realizada para
definir questões a serem excluídas da ligação e alguns aspectos conceituais.
Para finalizar a
ligação, os pesquisadores 1 e 2 propuseram os
qualificadores mais adequados a serem utilizados em cada código. Os
pesquisadores relacionaram de forma independente e cega os padrões de
normalidade para os itens obtidos com o RDC/TMD (ou a escala do próprio
instrumento a depender do item em questão) e empregaram o qualificador
correspondente à gravidade da condição clínica apresentada de acordo com o
modelo de escala genérica da CIF disposto no Quadro 1.
Quadro
1 - Escala genérica da Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, onde “xxx” significa o
número de domínio do segundo nível.
Organização Mundial de
Saúde, 2003.
Os pesquisadores
definiram os qualificadores “xxx.0” e “xxx.8” para
ausência e presença de problema, respectivamente. Para os demais itens, foi
definida a utilização dos qualificadores de 0 a 4, e somente estes, foram
utilizados no procedimento estatístico, devido à presença de maiores detalhes a
serem verificados. O grau de concordância entre os 2
pesquisadores referentes aos qualificadores supracitados foi calculado por meio
do método estatístico Kappa. Os valores de Kappa variam entre 0 e 1, onde 1 indica uma concordância perfeita entre os
pesquisadores e 0 concordância alguma.
Na seção história
clínica do RDC/TMD foi estabelecido entre os pesquisadores que os itens 1, 2,
4, 5, 6, 16 e 17 não apresentam códigos da CIF aplicáveis, sendo caracterizados
como itens não cobertos. O item 20 foi excluído por tratar de aspectos
psicossociais que não foram considerados escopo do estudo. As questões 21 a 31
foram excluídas por tratarem de itens não cobertos, ou que tratavam de fatores
pessoais não codificados pela CIF, são exemplos: endereço, aspectos
sociodemográficos, econômicos, étnicos, dentre outros. Dessa forma, as questões
utilizadas para a ligação estão dispostas nos Quadros 2
e 3.
Castaneda e Plácido
[21] estabeleceram a ligação entre o instrumento de avaliação de qualidade de
vida de pessoas com incontinência urinária, King’s
Health com a CIF, este estudo concluiu que das 29 questões do King’s Health, apenas 7
não foram passíveis de ligação com as categorias da CIF, tendo o instrumento um
maior enfoque nas questões relacionadas à atividade e participação [21]. No
entanto, conforme Castro et al. [22] deve ainda ser
evidenciado que a forma como os dados são coletados pode ser determinante no
processo de mensuração das informações relacionadas à prevalência das doenças.
Os itens do RDC/TMD
foram codificados a partir dos componentes “Funções do Corpo” (capítulo Funções
sensoriais e de dor, categorias de segundo nível das Funções das articulações e
dos ossos, das Funções relacionadas com o movimento e das Funções auditivas e
vestibulares) e “Atividades e Participação” (capítulos Tarefas e exigências
gerais e Vida comunitária, social e cívica).
Os itens 7, 8, 9, 11,
12 e 13, com qualificadores definidos como de 0 a 4, foram avaliados para o linking de acordo com as escalas
numéricas apresentadas pelo próprio instrumento. Todos os itens apresentaram
Índice de Concordância Kappa igual a 1, com total
conformidade entre os 2 pesquisadores em todos os julgamentos. Esses
qualificadores foram definidos da seguinte forma: quando a resposta do paciente
fosse 0 na escala do RDC/TMD, o qualificador empregado
no código correspondente também seria 0; quando a resposta fosse os algarismos
1 ou 2, o qualificador seria 1; quando a resposta fosse de 3 a 5, o
qualificador seria 2; quando a resposta fosse de 6 a 9, o qualificador seria 3
e quando a resposta fosse 10, o qualificador utilizado seria 4.
Em estudo abordando a
utilização da CIF [22] durante a avaliação de crianças com paralisia cerebral e
que também utilizou o índice Kappa, observou-se uma concordância de moderada a
completa na maioria dos itens abordados. No entanto, os autores apontaram que,
em alguns itens, houve índices baixos de concordância. Resultados divergentes
dos apresentados no presente estudo, que aponta a importância de treinamentos
acerca da utilização da CIF por profissionais e pesquisadores, a literatura
indica dificuldade de utilização dessa classificação por parte de alguns
avaliadores [23-24].
Estudo realizou a
relação do instrumento de mensuração de qualidade de vida 36-Item Short-Form Survey (SF-36) com a CIF. Os autores empregaram
uma metodologia semelhante e não obtiveram divergência em nenhum domínio entre
as codificações realizadas por cada pesquisador [14].
Quadro
2 - Ligação das questões selecionadas dos itens
3 a 19 do questionário de história clínica do RDC/TMD com os códigos da CIF.
Fonte: Elaborado pelos
próprios autores
No Quadro 3, encontram-se os códigos para os subitens da questão 19 do
RDC/TMD, pode-se observar a utilização dos capítulos dos componentes
“Atividades e participação” (Autocuidados, Interações e relacionamentos
interpessoais e Comunicação), Funções do Corpo (Funções do aparelho digestivo e
dos sistemas metabólicos e endócrinos e Funções do aparelho cardiovascular, dos
sistemas hematológicos e imunológicos e do aparelho respiratório) e “Estruturas
do corpo” (Estruturas relacionadas com o movimento).
A literatura descreve
a utilização dos componentes “funções do aparelho cardiovascular, dos sistemas
hematológicos e imunológicos e do aparelho respiratório relacionado com as
funções respiratórias adicionais” (b450), assim como se apresenta nos
resultados da ligação do presente estudo. Esta categoria é referente à função
de bocejar, considerada função relacionada à respiração (manobra
antiatelectásica). Outra categoria elencada e que pode ser observada no Quadro 2 são as funções de ingestão (b510)[18].
Quadro
3 - Ligação da questão 19 e seus subitens do
questionário de história clínica do RDC/TMD com os códigos da CIF.
Fonte: Elaborado pelos
próprios autores.
Na seção exame
clínico, foi realizada a ligação dos itens, excetuando-se o 4d
(transpasse incisal vertical) e 6d (desvio de linha média). Essa decisão foi tomada
porque a classificação desses itens implicaria na avaliação da oclusão e não da
amplitude de movimento mandibular, já que esta mensuração é feita para definir
e complementar a avaliação da amplitude de abertura bucal e de excursão
lateral, respectivamente, de acordo com o manual do RDC/TMD [25]. Carneiro et al. [18] também apontaram as categorias referentes às
funções da mobilidade das articulações (b710) e funções da estabilidade das
articulações (b715) como presentes DTM, além do componente Estruturas do Corpo
com a categoria estruturas da região da cabeça e do pescoço (s710).
No Quadro 4 foram utilizados códigos do componente “Funções do Corpo”,
sendo contemplados 2 capítulos desse componente: Funções sensoriais e dor e
Funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas com o movimento.
Os itens definidos
como com qualificadores de 0 a 4 foram aqueles
referentes à amplitude de movimento da articulação temporomandibular, à
sintomatologia dolorosa e à palpação. Todos os itens apresentaram Kappa = 1. O
item 4b foi escolhido para realizar a ligação referente à amplitude de
movimento de abertura bucal, o valor de normalidade da perimetria desse
movimento está entre 40 e 50 mm [25-27]. Dessa forma, o qualificador 0 deve ser atribuído a amplitude de depressão máxima entre
40 e 50 mm. O qualificador 1: 30 a 39,9 mm; qualificador 2: 20 a 29,9 mm;
qualificador 3: 2 a 19,9 mm e qualificador 4: 0 a 1,9 mm.
Para a excursão
lateral tanto direita quanto esquerda foi considerado o valor de normalidade de
8 a 10 mm [25-28]. Assim, valor de excursão dentro dessa faixa, dever-se-á
atribuir o qualificador 0 ao código. Já para os demais
qualificadores, temos que o qualificador 1 deve ser
entre 6 e 7,9 mm; qualificador 2: 4 e 5,9 mm; qualificador 3: 0,4 e 3,9 mm;
qualificador 4: 0 e 0,3 mm. Para a avaliação da amplitude de movimento de
protrusão, foram considerados como normalidade, valores entre 6 e 8 mm (qualificador 0 ) [24-26]. O qualificador 1: entre 4,5 e 5,9 mm; qualificador 2: entre 3 e 4,4 mm;
qualificador 3: entre 0,3 e 2,9 mm e qualificador 4: entre 0 e 0,2 mm.
Esses intervalos para
protrusão podem ser difíceis de mensurar com exatidão devido aos valores
menores que 1 mm e isso interfere na decisão do
qualificador a ser utilizado. No entanto, o valor de normalidade representa
números pequenos que deixam uma margem para definição dos problemas segundo à CIF também pequena, sendo os valores apresentados pelos
autores como os mais adequados possíveis.
Os qualificadores
atribuídos aos movimentos mandibulares receberam enfoque no problema da
restrição de movimento. Valores que podem indicar questões de hipermobilidade
não são considerados e o sistema de qualificadores adotado não é aplicável
nesses casos, havendo a necessidade da ligação estipulando qualificadores
distintos para a avaliação da amplitude de movimento nessa perspectiva.
Quadro
4 – Ligação CIF com a seção de Exame Clínico do
RDC/TMD com os códigos da CIF.
Fonte: Elaborado pelos
próprios autores.
Com o linking do exame clínico, pode-se
observar o quanto a CIF apresenta-se limitada para codificar os componentes da
avaliação da DTM.
As categorias e
subcategorias hoje existentes podem ser usadas para informar que o paciente
apresenta dores, limitações de movimento ou disfunções de estabilidade
articular no sistema estomatognático relacionadas ao desenvolvimento da
disfunção temporomandibular. No entanto, não é sensível para indicar o local
exato em que essas afecções ocorrem, visto o número baixo de categorias diferentes
elencadas para realizar a ligação de diversos itens distintos. A literatura
aponta que isso pode se dar pelo fato de a CIF apresentar categorias mais
específicas em determinadas áreas do que outras [28].
Outros autores também
apresentaram dificuldade semelhante durante a ligação com seu objeto de estudo.
Sabino et al. [25] estudaram a funcionalidade de
sujeitos com afecções musculoesqueléticas nos membros inferiores e na região
lombar e concluíram que a CIF pode ser utilizada, porém sugere seu aperfeiçoamento
pelo fato de alguns códigos apresentarem certa multiplicidade para uma mesma
condição e outros apresentarem-se imprecisos ou abrangentes.
Além disso, a
utilização da CIF em sua forma completa - para levantamento de dados de
prevalência de funcionalidade e incapacidade tem como principal obstáculo a quantidade de códigos que poderiam ser atribuídos aos
sujeitos entrevistados, os quais elevam o tempo gasto para a coleta dos dados.
Por conta da necessidade de rapidez no processo de levantamento de dados, essa
barreira torna inviável a aplicação da CIF em sua forma completa em inquéritos
de saúde [28].
Para a ligação da
classificação diagnóstica do RDC/TMD, onde no grupo I o paciente apresenta dor
miofascial com ou sem abertura limitada, sendo utilizadas as categorias dor na
cabeça ou no pescoço e mobilidade de uma única articulação. Para o grupo II, podem ser dados os diagnósticos deslocamento do disco com
redução, deslocamento do disco sem redução com abertura limitada e deslocamento
do disco sem redução sem abertura limitada, podendo ser atribuídos códigos das
categorias Mobilidade de uma única articulação e Estabilidade de uma única
articulação. No entanto, os códigos estipulados precisam ser complementados
pelo detalhamento do achado clínico. Já em relação ao grupo III, onde os
diagnósticos são artralgia, osteoartrite ou osteoartrose da ATM, foram
atribuídos códigos referentes às categorias Dor na cabeça ou no pescoço ou
Estrutura da região da cabeça e pescoço.
Não houve a presença
de categorias do componente “Fatores Ambientais” ao longo do linking do RDC/TMD com a CIF, isso
também foi observado no estudo de Campos et al. [30], que
realizou linking de instrumentos de
avaliação do sono, cognição e função no acidente vascular encefálico com as
categorias da CIF. No entanto, esses autores apontaram para a importância da
relação entre os diferentes componentes da CIF para se seguir uma abordagem
biopsicossocial na atenção ao paciente [29].
Desta maneira, a CIF
considera não apenas as disfunções e incapacidades da pessoa, mas também o
impacto desses fatores nas atividades sociais, bem como a influência do meio
ambiente, como facilitador ou barreira à independência funcional, o que leva à
necessidade desses instrumentos abrangerem estas categorias [30].
Cardoso et al. [13] associaram as subcategorias da
CIF aos itens da Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (Acoordem), tendo
os autores concluído que este instrumento é compatível com a abordagem
biopsicossocial da OMS. No entanto, a maioria dos instrumentos de avaliação
desenvolvidos nas diversas áreas, sejam quantitativos ou qualitativos, não
apresentam o perfil da Acoordem. Isso porque as pesquisas seguem os modelos
biomédicos e não considerarem o paciente sob uma visão integral e
biopsicossocial. Assim, apesar da CIF ter uma abordagem que vai além das
capacidades do indivíduo, observando também seus desempenhos dentro de
contextos ambientais, os estudos brasileiros que a utilizam apresentam pouco
desses aspectos, exatamente por fazerem a ligação com instrumentos que avaliam
os sujeitos pelo que são capazes de desempenhar apenas em um ambiente padrão
[12].
Dessa forma,
ressalta-se a importância de acrescentar à história dos pacientes com DTM
perguntas para investigar os fatores ambientais envolvidos e que podem
funcionar como mecanismos facilitadores ou de barreira no contexto do processo
saúde doença desses pacientes. A literatura apresenta uma escassez de estudos
abordando a CIF na classificação da DTM.
Até os dias atuais,
não foi desenvolvida nenhuma proposta que tentasse unificar os termos
relacionados às disfunções da DTM e suas correlações com a CIF tendo como
impacto o meio ambiente, a participação social do indivíduo, bem como o
contexto pessoal.
Esse sistema de
classificação é útil para identificar que aspectos da funcionalidade do
indivíduo com DTM estão sendo abordados por instrumentos de avaliação desta
disfunção, como o RDC. Dentro de programas de reabilitação dessas disfunções
aplicam-se testes que avaliam determinadas variáveis funcionais. Esse estudo
apresentou alguns testes que são passíveis de codificação pela CIF tornando a
comunicação universal e capaz de ser alimentada num sistema de informação [32].
O presente estudo
apresentou limitações como as dificuldades de interpretação de categorias da
CIF e sua interface com os itens do RDC/TMD. Houve, portanto, a necessidade de
estabelecer momentos de discussão e buscas de cunho conceitual, assim, foi necessário definir entre as categorias, qual seria a mais
adequada para avaliação qualitativa do padrão de movimento de abertura bucal. A
CIF apresenta algumas imprecisões conceituais quando da codificação dos itens
do RDC/TMD, sugerindo-se um aperfeiçoamento desse sistema para que haja
categorias mais específicas no contexto da avaliação da DTM.
O presente estudo
atenta-se, ainda, para a importância da capacitação de profissionais formados e
em formação para a correta utilização da CIF, a fim de que as dúvidas durante
sua aplicação sejam mínimas. No entanto, é preciso que haja um comprometimento
com a mudança de paradigmas dentro dos currículos de graduação dos cursos da área
da saúde. Esse instrumento preconizado pela OMS deve ser abordado a fundo nas
disciplinas dos diversos cursos e suas bases teóricas devem contribuir para uma
formação acadêmica voltada para abordagem dos sujeitos sob uma visão ecológica
tratando-o como um ser biopsicossocial. A CIF pode, inclusive, ser utilizada
dentro dos processos avaliativos dos discentes dentro das disciplinas de
formação em serviço para um maior enraizamento desses conceitos [31-33].
O
RDC objetiva
fornecer diagnóstico das DTM, a CIF classifica as repercussões de deficiência
de funções e estruturas e o impacto que as mais diversas alterações trazem à
funcionalidade na vida do indivíduo. Nesse sentido, a CIF não deve substituir
instrumentos diagnósticos, mas que os complemente, de modo a descrevê-los, já
que não mensura, apenas classifica função e incapacidade.
A CIF não deve ser
utilizada para avaliar pacientes com DTM, mas aspectos importantes que poderão
caracterizar a funcionalidade destes pacientes devem ser acrescentados a
instrumentos importantes de diagnóstico como o RDC, buscando uma abordagem dos
sujeitos sob uma visão ecológica tratando-o como um ser biopsicossocial.