ARTIGO ORIGINAL

Análise cinemática da marcha em pacientes portadores da doença de Alzheimer

Kinematic gait analysis in patients with Alzheimer disease

 

Daniella Demossi Bassani*, Daniela Helena Pasa*, Nicole Menegolla Sacchet*, Laise Trapo Bonella da Silva*, Raquel Saccani, D.Sc.**, Leandro Viçosa Bonetti, D.Sc.**, Patrícia Pereira**, Fernanda Cechetti, D.Sc.***

 

*Graduação em Fisioterapia pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul/RS, **Docente do Curso de Fisioterapia da UCS, ***Docente do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Porto Alegre/RS

 

Recebido em 16 de novembro de 2016; aceito em 25 de maio de 2017.

Endereço para correspondência: Fernanda Cechetti, Rua Sarmento Leite, 245, 90050-170 Porto Alegre RS, E-mail: nandacechetti@gmail.com; Daniela Demossi Bassani: daniella_bassani@hotmail.com; Daniela Helena Pasa: danielahpasa@hotmail.com; Nicole Menegolla Sacchet: nick_sacchet@hotmail.com; Laise Trapo Bonella da Silva: juniorlaize@gmail.com; Raquel Saccani: raquelsaccani@yahoo.com.br; Leandro Viçosa Bonetti: leandrovbonetti@gmail.com

 

Resumo

A doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurodegenerativa progressiva que provoca demência. É decorrente de uma disfunção cerebral, afetando, inicialmente, a formação hipocampal e o centro de memória de curto prazo, ocorrendo perturbação de múltiplas funções cognitivas e motoras. O objetivo deste estudo foi analisar a cinemática da marcha de pacientes portadores de DA, identificando a presença do dano cognitivo por meio de testes como o Mini Exame de Estado Mental e o Clinical Demential Rating. Constituiu-se de uma pesquisa descritiva com delineamento transversal. Foram analisados um grupo controle (GC) composto por 10 idosos sem alterações cognitivas e um grupo Alzheimer (GA) composto por 8 idosos com demência. A coleta de dados foi realizada por meio do Sistema VICON, e marcadores foram fixados em determinados pontos anatômicos dos membros inferiores. Com os resultados obtidos neste estudo, pode-se observar que os indivíduos do GA apresentaram valores significativamente menores quando comparados ao GC na cadência (p = 0,006), velocidade (p = 0,001), comprimento do passo (p = 0,01) e passada (p = 0,005). Portanto, pode-se concluir que os indivíduos com Doença de Alzheimer, além da perda cognitiva, apresentam alterações nas variáveis espaçotemporais estudadas, e que esta perda motora interfere significativamente na cinemática da marcha.

Palavras-chave: doença de Alzheimer, fenômenos biomecânicos, marcha.

 

Abstract

Alzheimer's disease (AD) is a progressive neurodegenerative disease that causes dementia. It is due to a cerebral dysfunction, initially affecting the hippocampal formation and the short-term memory center, with disturbance of multiple cognitive and motor functions. The objective of this study was to analyze the gait kinematics of patients with AD, identifying the presence of cognitive damage through tests such as Mini-Mental State Examination and Clinical Demential Rating. It consisted of descriptive research with a cross-sectional design. A control group (GC) composed of 10 elderly individuals without cognitive alterations and an Alzheimer (GA) group composed of 8 elderly people with dementia were analyzed. The data collection was performed through the VICON System, where markers were fixed in certain anatomical points of the lower limbs. With the results obtained in this study, it can be observed that GA individuals presented significantly lower values when compared to CG in the rate (p = 0.006), velocity (p = 0.001), step (p = 0.01), and stride length (P = 0.005). Therefore, it can be concluded that individuals with Alzheimer's disease, in addition to cognitive loss, present alterations in the spatiotemporal variables studied, and that this motor loss significantly interferes with gait kinematics.

Key-words: Alzheimer’s disease, biomechanical phenomena, gait.

 

Introdução

 

A doença de Alzheimer (DA) atingiu proporções epidêmicas tanto nos Estados Unidos como globalmente [1]. Trata-se de uma doença neurodegenerativa que provoca demência, com progressiva perda da memória e outras alterações cognitivas [2]. Em relação à sintomatologia destes indivíduos, as alterações cognitivas são as mais perceptíveis. Déficits na memória são os primeiros sintomas de DA e são também os que causam maior frustração e incapacidade do paciente, comprometendo a realização de suas atividades diárias e consequentemente da sua qualidade de vida [3].

Além da diminuição cognitiva, aparecem também alterações motoras, como, por exemplo, a instabilidade postural, caracterizada pela oscilação excessiva e descontrolada, que se degrada com o envelhecimento e é um fator de risco para a ocorrência de quedas, especialmente em doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer. E este distúrbio postural influencia diretamente a marcha destes indivíduos, o que desencadeia quedas mais graves em comparação com pessoas idosas não degradadas [4]. Somado a isso, em nível musculoesquelético, conforme a patologia progride a hipotrofia muscular ocorre, somando-se às contraturas musculares. Além disso, a força muscular, principalmente em membros inferiores, também é prejudicada com o avanço da doença, ocorrendo uma diminuição no recrutamento e na ativação das unidades motoras [5].

Atualmente, sabe-se que o ato de deambular em ambientes construídos e naturais implica em demandas sobre a interação entre as funções cognitivas (funções de atenção principalmente) e funções motoras [6]. Existe, por exemplo, uma necessidade constante de adaptação dos movimentos do corpo a situações relacionadas com locais lotados e tráfego. Uma boa capacidade de manter, mudar e dividir a atenção entre fatores ambientais e funcionais do corpo é, portanto, essencial para caminhar com segurança na vida cotidiana [7].

Considerando os benefícios de manter a capacidade de caminhar e a independência e bem-estar durante a progressão da DA [8], é importante esclarecer a deterioração da marcha e sua relação com a diminuição da função em pessoas acometidas por esta patologia [7]. Somado a isso, a marcha tem sido foco de interesse ao longo da história [9], pois a análise desse processo, além de possibilitar a compreensão da normalidade, é uma ferramenta poderosa para avaliar as manifestações clínicas e consequências funcionais de muitas doenças. Embora a análise quantitativa da marcha seja, constantemente, realizada em vários países, ainda é pouco difundida no Brasil [10]. Portanto, este trabalho tem como objetivo analisar a cinemática da marcha de indivíduos portadores da doença de Alzheimer, obtendo informações que possam auxiliar os profissionais desta área na amenização da progressão das alterações motoras que possam levar ao declínio precoce da marcha.

 

Material e métodos

 

Esta é uma pesquisa descritiva, observacional com delineamento transversal, aprovada pelo Comitê de Ética (CEP-UFCSPA: 362.784), o qual segue e atende às diretrizes da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

A coleta foi realizada no laboratório de marcha localizado no bloco 70 no Instituto de Medicina do Esporte, da Universidade de Caxias do Sul. O mesmo conta com toda a infraestrutura necessária, sendo um local que presta serviço a pacientes de média complexidade. A coleta de dados iniciou-se após assinatura de termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) contendo explicações detalhadas sobre o estudo proposto e a sua finalidade.

 

Grupos experimentais

 

O estudo foi constituído por indivíduos com mais de 60 anos de idade, indicados por médicos geriatras e neurologistas da cidade de Caxias do Sul. Inicialmente estes idosos foram avaliados pelas pesquisadoras através da aplicação de três questionários: uma ficha de avaliação, Mini Exame de Estado Mental (MEEM), e o Clinical Dementia Rating (CDR).

A ficha de avaliação foi elaborada pelas próprias pesquisadoras para coletar informações básicas a respeito dos sujeitos selecionados, como, por exemplo: data da avaliação, nome completo, data de nascimento, idade, escolaridade, procedência, peso e altura. O Mini Exame de Estado Mental é composto por diversas questões, as quais objetivam avaliar funções cognitivas específicas, tais como: orientação temporal, espacial, capacidade de linguagem, memória, atenção, cálculo e construção visual. O escore pode variar de um mínimo de zero até um total máximo de trinta pontos [11]. Os pontos de corte para o MEEM segundo o nível de escolaridade em nosso meio são: 13 pontos para analfabetos, 18 para escolaridade média (até 8 anos de instrução formal) e 26 para indivíduos de alta escolaridade (mais de 8 anos) [11].

Para finalizar, o CDR avalia cognição e comportamento, além da influência das perdas cognitivas na capacidade de realizar adequadamente as atividades de vida diária. Esse instrumento está dividido em seis categorias: memória, orientação, julgamento ou solução de problemas, relações comunitárias, atividades no lar ou de lazer e cuidados pessoais, classificadas em: 0 (nenhuma alteração); 0,5 (questionável); 1 (demência leve); 2 (demência moderada); e 3 (demência grave) [12].

Após estas avaliações, os sujeitos foram alocados em um dos grupos experimentais do estudo: GC (grupo controle: critérios de inclusão - indivíduos sem alterações cognitivas - com valores do MEEM e CDR dentro da normalidade), e GA (grupo Alzheimer: critérios de inclusão -indivíduos com diagnóstico de DA, com alterações nos valores de normalidade do MEEM e CDR, classificados nos estágios 1, 2 e 3, segundo Caixeta L [13], que são indivíduos que apresentam danos cognitivos, mas que ainda apresentam marcha independente preservada).

Como principais critérios de exclusão foram indivíduos que apresentaram doenças psiquiátricas ou qualquer patologia osteomuscular em membros inferiores, ou que fossem dependentes para realização da marcha. Particularmente no grupo GA, também não fizeram parte do estudo indivíduos classificados no estágio 4 e 5 segundo Caixeta L[13], no qual apresentam perda cognitiva e consequente perda da marcha.

 

Aquisição dos dados

 

Após esta minuciosa avaliação cognitiva, os sujeitos selecionados foram encaminhados ao laboratório de marcha, para coleta dos dados, a qual foi baseada no protocolo de Laroche et al.[14]. Para adaptação dos participantes ao protocolo, primeiramente foi solicitado aos sujeitos que caminhassem 8 metros em linha reta na velocidade autosselecionada no local destinado à coleta de marcha no laboratório. Os sujeitos memorizavam o número de passos e o ritmo necessário para serem capazes de realizar o contato com a plataforma ora com o pé direito inteiro, ora com o pé esquerdo inteiro.

Após a familiarização, foram afixados marcadores reflexivos nos seguintes pontos anatômicos: crista ilíaca superior anterior, crista ilíaca superior posterior, coxa, joelho, tíbia, tornozelo, calcanhar e primeiro dedo do pé, todos estes em ambos os lados. O protocolo consistiu na realização de passos sobre a plataforma, fazendo em todas as tentativas o mesmo percurso da sessão da familiarização. Tentativas foram realizadas até que oito passos fossem capturados integralmente [14]. Para a captura da trajetória tridimensional dos marcadores posicionados no corpo dos sujeitos, foi utilizado um sistema de cinemetria dotado de 7 câmeras integradas (Vicon MX systems, Oxford Metrics Group, UK). Os dados cinemáticos foram coletados em uma taxa de amostragem de 100Hz. Os dados de força de reação do solo (FRS) foram coletados por meio de duas plataformas de força (50,8 cm × 46,4 cm, OR6-7-1000, AMTI, USA) adaptadas no mesmo plano do solo do laboratório.

 

Análise de dados

 

Os dados coletados foram analisados através do programa estatístico SPSS 17.0 (Statistical Package of Social Sciences for Windows). Para descrição das variáveis cinemáticas da marcha, foi utilizada a estatística descritiva com distribuição de frequência simples e relativa, bem como as medidas de tendência central (média/mediana) e de variabilidade (desvio padrão). Para as comparações dos dados entre os grupos foi utilizado teste t independente, tendo como critério de decisão p < 0,05.

 

Resultados

 

O presente estudo contou inicialmente com 35 idosos, mas, após aplicação dos critérios de inclusão pré-estabelecidos, foram analisados um total de 18 sujeitos, dos quais oito destes se enquadravam no GA e dez que não apresentavam qualquer alteração cognitiva (GC). Na Tabela I abaixo foram demonstrados os dados referentes às características dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

Na tabela II observam-se os resultados da análise das variáveis cinemáticas espaço-temporais da marcha. Os resultados destacam diferenças entre os grupos estudados em todos os aspectos estudados, exceto na largura do passo. Todos os valores foram claramente especificados na Tabela II.

 

Tabela I - Características e cognitivas biológicas dos participantes do estudo.

 

GC = grupo controle; GA = grupo Alzheimer; n = número amostral; % = percentagem; F = feminino; M = masculino; IMC = índice de massa corporal; MEEM = Mini Exame do Estado Mental; CDR = Clinical Dementia Rating; *valores estatisticamente diferentes entre os grupos Controle e Alzheimer através do teste t independente (p = 0,001).

 

Tabela II - Descrição das variáveis cinemáticas da marcha dos Grupos Controle (GC) e Alzheimer (GA).

 

Md = média; DP = desvio-padrão; D = Direita; E = Esquerda; m = metros; s = segundos; m/s = metros/segundo; p/s = passos por minuto; *valores estatisticamente diferentes entre os grupos Controle e Alzheimer através do teste t independente.

 

Discussão

 

O principal objetivo deste estudo foi analisar a cinemática espaçotemporal da marcha de pacientes portadores de DA, comparados a um grupo de idosos sem alterações cognitivas. Através dos resultados, fica bastante evidente a diferença existente entre os grupos em relação às variáveis estudadas. Os sujeitos do Grupo Alzheimer apresentaram valores bastante diminuídos quando comparados ao grupo controle, exceto na largura do passo.

Através da Tabela I, percebemos que os sujeitos entre os grupos analisados apresentam uma regularidade nos itens que poderiam causar algum viés de interpretação, como, por exemplo, a idade e biotipo corporal. Corroborando este achado, Neumann [15] enfatiza que todas as variáveis espaciais e temporais obtidas na análise da marcha podem variar de acordo com fatores biológicos, como idade e características físicas (por exemplo, altura e peso). Em relação às avaliações cognitivas, além do diagnóstico médico fechado de DA, dois testes ajudaram a reforçar tal achado. Atualmente o MEEM e CDR são testes rápidos, de fácil aplicação e muito utilizados na detecção de alterações cognitivas [11-12].

Em relação à prevalência de gênero em nosso estudo, principalmente no GA, a mesma foi de pacientes do sexo feminino, corroborando dados da literatura que demonstram uma frequência de desordens neurodegenerativas ligeiramente maior em mulheres, em parte porque as mesmas geralmente vivem mais que os homens. Além disso, a incidência de DA aumenta aproximadamente exponencialmente com a idade até que um ponto de inflexão é atingido aos 85 anos [16,17].

Ainda na Tabela I, os sujeitos do GA apresentaram um valor bastante baixo em relação ao MEEM, demonstrando uma perda cognitiva acentuada. Segundo Teixeira [18], as perdas na memória já são evidentes nos estágios iniciais da doença, e esta perda se acentua conforme a patologia progride [19]. Algumas respostas emocionais também são comuns, como o aumento apatia, ansiedade ou depressão. Conforme a doença progride, o que se pode perceber é que, além das perdas associadas à cognição, surge uma diminuição significativa das habilidades funcionais [18,20]. Aspectos como atividades domésticas, cuidado pessoal e locomoção também são afetados. Segundo a literatura, o grau de incapacidade aumenta com o avanço do déficit cognitivo [21].

Em relação à Tabela II, pode-se verificar que ao realizar a comparação entre os grupos, os danos motores dos pacientes com Alzheimer seguem uma mesma evolução que o comportamento cognitivo, ou seja, decrescem. Ficou evidente que tanto a cadência, comprimento do passo, passada e velocidade diminuem seus valores de maneira expressiva. Christofoletti et al. [22] evidenciaram que idosos com DA apresentam comprometimento na agilidade/mobilidade, quando comparados a idosos sem demência, seguindo a progressão da doença. Outro estudo feito por Carvalho et al. [23] afirma que a fraqueza muscular de membros inferiores e a diminuição da sensibilidade periférica são agravadas em pacientes portadores de DA, estes têm dificuldade de regulação das respostas relacionadas à velocidade e à precisão, afetando diretamente a locomoção.

Ainda corroborando nossos achados que demonstraram claramente alterações importantes nas variáveis espaçotemporais, Eggermont et al. [24], em um estudo comparando a função de membros inferiores em pacientes que apresentavam e não apresentavam alterações cognitivas, através de testes funcionais como o Time Up and Go e Sit to Stand Test, comprovaram que pacientes com DA demonstravam alterações significativas em membros inferiores, comprometendo diretamente a velocidade da marcha e a mobilidade funcional destes indivíduos quando comparados a idosos sem demência. Tais achados estão ainda de acordo com o estudo de Marquet [25], no qual foram analisados pacientes dementes com o objetivo de estudar mudanças longitudinais na função da marcha. Observou-se que durante a execução da mesma, houve uma diminuição da velocidade, do comprimento da passada e uma assimetria dos passos. Somado a isso, ocorre uma diminuição da magnitude das acelerações do tronco [26]. Estes autores sugerem que estas alterações encontradas na marcha destes indivíduos, também encontradas no presente estudo, podem estar diretamente relacionadas com mudanças no fluxo sanguíneo na região frontal do córtex cerebral, a qual é responsável pela atenção e função executiva que estão deficitárias em pacientes portadores de DA.

Alguns estudos relatam que distúrbio da marcha é um sintoma mais aparente em estágios avançados da Doença de Alzheimer [27]. Há, no entanto, crescentes evidências de que os distúrbios da extremidade inferior também estão presentes nas fases mais leves da doença e pode estar relacionada com o nível de déficit cognitivo [28]. Cedervall et al. [29] relatam em um estudo longitudinal com esta população que a velocidade da marcha e o comprimento do passo durante atividades de dupla-tarefa deteriorizaram à medida que avançava a DA. Em pessoas idosas, a função das extremidades inferiores, por exemplo, o andar, envolve a intenção e a integração de informações corticais sensoriais e, portanto, o déficit cognitivo também pode prejudicar a deambulação [6,30]. Alternativamente, deficiências de função na extremidade inferior como, por exemplo, deficiências de marcha, podem mesmo prever o futuro declínio cognitivo e a demência [31].

Tem sido sugerido que as diferenças na função das extremidades inferiores em todo o envelhecimento cognitivo podem ser explicadas pela atrofia de uma rede, incluindo o córtex pré-frontal dorsolateral, giro do cíngulo, áreas de associação parietal, gânglios da base e lobos temporais, particularmente o hipocampo [32], além de mudanças na morfologia sulcal e reduções significativas na espessura cortical e volume da substância branca dos giros [33]. Vários estudos de imagem cerebral encontraram apoio para tal rede envolvida em ambas as funções: cognição e função dos membros inferiores. Por exemplo, um estudo demonstrou através de um sistema informatizado por tomografia computadorizada que o desempenho da função motora foi associado à atrofia dos lobos temporais [32]. Além disso, outro estudo de imagem mostrou uma associação entre maior atividade em regiões do cérebro que estão envolvidos em funções cognitivas complexas (área do córtex pré-frontal e hipocampo), e aumento da complexidade da marcha humana [34].

Outro detalhe importante de ser salientado através destes dados é que além da diminuição dos valores cinemáticos do GA, o Grupo Controle também apresenta números abaixo da normalidade quando comparados com a literatura científica [15]. Essas diferenças foram evidentes para cadência, velocidade, comprimento do passo e passada, cujos valores considerados como normais são, respectivamente, 140 p/min, 1,37 m/s, 0,72 m e 1,44 m [15]. Tal achado pode ser justificado pelo fator idade, diretamente relacionado com as alterações corporais provocadas pelo envelhecimento. Com o aumento desta, é comum se detectar uma diminuição da massa muscular, força e flexibilidade, assim como um acréscimo na perda de habilidades e funções. Essas alterações podem resultar em dificuldades em algumas atividades de vida diária, inclusive no que condiz a respeito da marcha [35]. Novaes, Mirando e Dourado sugerem que a velocidade da marcha e, consequentemente, a cadência declinam com a idade em indivíduos com idade superior ou igual a 70 anos quando comparados com indivíduos com idades entre 40-59 anos [36] e que estes parâmetros podem representar um marcador sensível para o declínio cognitivo em idosos [37].

 

Conclusão

 

Portanto, fica bastante evidente neste estudo que a Doença de Alzheimer afeta diretamente tanto a parte cognitiva como motora, causando uma diminuição nos valores espaçotemporais da marcha como a cadência, velocidade, comprimento do passo e passada, interferindo diretamente na locomoção do indivíduo que apresenta esta patologia. Como principal limitação deste estudo, sugere-se o baixo número amostral, tornado a análise estatística limitada na sua avaliação.

 

Referências

 

  1. Alzheimer's Association. 2015 Alzheimer's disease facts and figures. Alzheimers Dement 2015;11(3):332-84.
  2. Yulli N, Hollis V. A systematic review of cognitive stimulation therapy for older adults with mild to moderate dementia: an occupational therapy perspective. Occup Ther Int 2010;18:163-86.
  3. Lindeboom J, Weinstein H. Neuropsychology of cognitive ageing, minimal cognitive impairment, Alzheimer’s disease, and vascular cognitive impairment. Eur J Pharmacol 2004; 490:83-6.
  4. Costa L, Gago MF, Yelshyna D, Ferreira J, David Silva H, Rocha L, Sousa N, Bicho E. Application of machine learning in postural control kinematics for the diagnosis of Alzheimer's disease. Comput Intell Neurosci 2016;2016:3891253.
  5. Coelho F, Santos-Galduroz RF, Gobbi S, Stella F. Atividade física sistematizada e desempenho cognitivo em idosos com demência de Alzheimer: uma revisão sistemática. Rev Bras Psiquiatr 2009;31(2):163-70.
  6. Brorsson A, Ohman A, Lundberg S, Nygard L. Accessibility in public space as perceived by people with Alzheimer’s disease. Dementia 2011;10:587-602.
  7. Ylva Cedervall Y, Halvorsen K, Aberg AC. A longitudinal study of gait function and characteristics of gait disturbance in individuals with Alzheimer’s disease. Gait & Posture 2014; 39(1):1022-7.
  8. Cedervall Y, Aberg AC. Physical activity and implications on well-being in mild Alzheimer’s disease: a qualitative case study on two men with dementia and their spouses. Physiother Theory Pract 2010;26(1):226-39.
  9. Hausdorff JM. Gait variability: methods, modeling and meaning. J Neuroeng Rehabil 2005;20(1):2-19.
  10. Chester VL, Biden EN, Tingley M. Gait Analysis. Biomed Instr & Techn 2005;39(1):64-74.
  11. Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O Mini Exame do Estado Mental em uma populacão geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiq 1994;52:1-7.
  12. Bertolucci PHF, Okamoto IH, Brucki SM, Siviero MO, Toniolo Neto J, Ramos LR. Applicability of the CERAD neuropsychological battery to Brazilian elderly. Arq Neuropsiq 2001;59(3):532-6.
  13. Caixeta L. Demênia: Abordagem multidisciplinar. 1 ed. São Paulo: Atheneu; 2006.
  14. Laroche D, Duval A, Morisset C, Beis JN, D'athis P, Maillefert JF, et al. Test-retest reliability of 3D kinematic gait variables in hip osteoarthritis patients. Osteoarthritis and Cartilage 2011;19(2):194-9.
  15. Neumann DA. Cinesiologia do aparelho musculoesquelético: fundamentos para a reabilitação física. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
  16. Qiu C, Kivipelto M, von Strauss E. Epidemiology of Alzheimer's disease: occurrence, determinants, and strategies toward intervention. Dialogues Clin Neurosci 2009;1:111-28.
  17. Robinson M, Lee BY, Hane FT. Recent progress in Alzheimer's disease research, Part 2: Genetics and Epidemiology. J Alzheimers Dis 2017 Feb 16. doi: 10.3233/JAD-161149. [Epub ahead of print].
  18. Teixeira AL, Caramelli P. Apatia na doença de Alzheimer. Rev Bras Psiquiatr 2006;28(3):238-41.
  19. Noroozian M. Alzheimer's disease: prototype of cognitive deterioration, valuable lessons to understand human cognition. Neurologic Clinics 2016;34(1):69-131.
  20. Kallio EL, Öhman H, Kautiainen H, Hietanen M, Pitkälä K. cognitive training interventions for patients with Alzheimer's disease: A systematic review. J Alzheimers Dis 2017 Feb 7. doi: 10.3233/JAD-160810. [Epub ahead of print]
  21. Neptume CP, Berg L, Danziger WL, Coben LA, Martin RL. A new clinical scale for the staging of dementia. Br J Psychiatry 2004;140:566-72.
  22. Chistofoletti G, Oliani MM, Gobbi LTB, Gobbi S, Stella F. Risco de quedas em idosos com Doença de Parkinson e demência de Alzheimer: um estudo transversal. Rev Bras Fisioter 2006;10(4):429-33.
  23. Carvalho AM, Coutinho ESF. Demência como fator de risco para fraturas graves em idosos. Rev Saúde Pública 2002;36(4):448-54.
  24. Eggermont LH et al. Lower-extremity function in cognitively healthy aging, mild cognitive impairment, and Alzheimer’s disease. Arch Phys Med Rehabil 2010;91(4):584-8.
  25. Marquet T, Hill JL, Melow AM, Lawlor BA, Gundersheimer J, Newhouse PA, et al. Clock drawing in Alzheimer’s disease: a novel measure of dementia severity. Department of Public Health and Caring Science/Geriatrics, Uppsala University 2011;37:725-9.
  26. IJmker T, Lamoth CJC. Gait and cognition: The relationship between gait stability and variability with executive function in persons with and without dementia. Gait & Posture 2012;1:126-30.
  27. Scherder E, Eggermont L, Swaab D, van Heuvelen M, Kamsma Y, Greef M et al. Gait in ageing and associated dementias; its relationship with cognition. Neurosci Biobehav Rev 2007;31:485-97.
  28. Aggarwal NT, Wilson RS, Beck TL, Bienias JL, Bennett DA. Motor dysfunction in mild cognitive impairment and the risk of incident Alzheimer disease. Arch Neurol 2006;63:1763-9.
  29. Cedervall Y, Halvorsen K, Berg AC. A longitudinal study of gait function and characteristics of gait disturbance in individuals with Alzheimer’s disease. Gait & Posture 2014;39:1022-27.
  30. Sheridan PL, Hausdorff JM. The role of higher-level cognitive function in gait: executive dysfunction contributes to fall risk in Alzheimer’s disease. Dement Geriatr Cogn Disord 2007;24:125-37.
  31. Verghese J, Wang C, Lipton RB, Holtzer R, Xue X. Quantitative gait dysfunction and risk of cognitive decline and dementia. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2007;78:929-35.
  32. Guo X, Steen B, Matousek M, Andreasson LA, Larsson L, Palsson S, et al. A population-based study on brain atrophy and motor performance in elderly women. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001;56:M633-7.
  33. Im K, Lee JM, Seo SW, Kim SH, Kim SI. Sulcal morphology changes and their relationship with cortical thickness and gyral white matter volume in mild cognitive impairment and Alzheimer's disease. NeuroImage 2008;43:103-13.
  34. Malouin F, Richards CL, Jackson PL, Dumas F, Doyon J. Brain activations during motor imagery of locomotor-related tasks: a PET study. Hum Brain Mapping 2003;19:47-62.
  35. Asano M, Rushton P, Miller WC, Deathe BA. Predictors of quality of life among individuals who have a lower limb amputation. Prost Ortot Internat 2008; 32(2):231-43.
  36. Novaes RD, Mirando AS, Dourado VZ. Velocidade usual da marcha em brasileiros de meia idade e idosos. Rev Bras Fisioter 2011;15(2):117-22.
  37. Ojagbemi A, D’Este C, Verdes E, Chatterji S, Gureje O. Gait speed and cognitive decline over 2 years in the Ibadan study of aging. Gait & Posture 2015;41(2):736-40.