RELATO
DE CASO
Avaliação
da eficácia da terapia de espelho na Síndrome de Pusher e da heminegligência em
pacientes pós-acidente vascular encefálico
Evaluation of the effectiveness of mirror therapy in Pusher Syndrome and
hemineglect in post-stroke patients
Ana Clara Medeiros
Freitas, Ft.*, Luana Augusta Pimenta Bezerra, Ft.*, Paloma Cristina Alves de
Oliveira, Ft.*, Lucivânia Medeiros Freitas, Ft.*, Sayonara Rodrigues da Silva, Ft.*, Gabriele
Natane de Medeiros Cirne, Ft.**, Roberta de Oliveira Cacho, Ft., D.Sc.***
*Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (FACISA/UFRN), **Mestranda em Ciências da Reabilitação pela (FACISA/UFRN), ***Docente do curso de Fisioterapia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, Professora do curso de Fisioterapia e do Mestrado em Ciências da Reabilitação da Facisa/UFRN
Recebido em 30 de
agosto de 2016; aceito em 25 de janeiro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Roberta de Oliveira Cacho, Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, Rua Vila
Trairi, s/n, 59200-000 Santa Cruz/RN, E-mail: roberta@facisa.ufrn.br; Ana Clara
Medeiros Freitas: clarareitas@hotmail.com, Luana Augusta Pimenta Bezerra:
luana_augustarn@hotmail.com; Paloma Cristina Alves de Oliveira:
palomavcs@hotmail.com, Lucivânia Medeiros Freitas: luhdlm@hotmail.com; Sayonara Rodrigues da
Silva: sayorodrigues@hotmail.com; Gabriele Natane de Medeiros Cirne:
gabriele_cirne@hotmail.com
Resumo
Introdução: Em pacientes com
Acidente Vascular Cerebral (AVC) agudo, que experimentam déficits acentuados de
equilíbrio, pode-se suspeitar da Síndrome de Pusher. Objetivo: Analisar
eficácia do tratamento da Síndrome de Pusher (SP) e heminegligência através da
Terapia de Espelho (TE). Material e
métodos: Relata-se o caso de um paciente com 6
meses pós-AVC, 55 anos, do sexo masculino, com heminegligência e SP associadas
ao quadro clínico de hemiplegia proporcionada à esquerda. O paciente foi
avaliado pelas escalas: Escala de Equilíbrio de Berg (EEB), Escala de
Fulg-Meyer (FM), Medida de Independência Funcional (MIF), Contraversive Pushing Scale (CPS) e teste do desenho para
heminegligência (TDH). Foi realizada a TE de modo que todo o hemicorpo saudável
ficava refletido na imagem. Foram realizadas 15 sessões de exercícios, com 50
minutos de duração. Resultados:
Observa-se uma melhora considerável nas pontuações da FM - função sensorial e
na MIF. A melhora da heminegligência e da SP também foi observada pelos testes
aplicados. As pontuações da EEB e FM, seção membro superior e membro inferior
obtiveram diferenças mínimas na comparação antes e após o tratamento. Conclusão: A TE aplicada sobre todo o
hemicorpo afetado foi capaz de promover melhora na heminegligência e SP de
paciente agudo pós-AVE.
Palavras-chave: acidente vascular
cerebral, equilíbrio postural, fisioterapia.
Abstract
Introduction: In patients with acute stroke, experiencing sharp balance deficits, can be suspected of Pusher syndrome. Objective: To
evaluate the efficacy of treatment on Pusher Syndrome (PS) and hemineglect through mirror therapy (MT). Methods: A case report of six months
post-stroke patient, 55 years-old, male, with hemineglect
and PS in the hemiplegic left side. The patient was evaluated by Berg Balance
Scale (BBS), Fulg-Meyer Scale (FM), the Functional
Independence Measure (FIM), Contraversive Pushing
Scale (CPS) and Heminegligence Drawing test (HDT).
Fifteen mirror therapy sessions, with 50 minutes, were performed. Results: We observed a great improvement
in the FM-sensorial section and FIM scores. Hemineglect
and PS were also improved after MT training sessions. The scores of EEB and FM,
upper limb and lower limb sections, had a minimal change in the comparison before
and after the treatment. Conclusion:
MT applied in the whole affected side was able to produce an improvement in the
hemineglect and PS in acute post-stroke patient.
Key-words: stroke,
postural balance, physical therapy.
Pacientes com
distúrbios neurológicos estão sujeitos a perdas funcionais, cognitivas,
sensoriais e neuromusculares além do comprometimento emocional [1]. Nos
pacientes com Acidente Vascular Cerebral (AVC) agudo, que experimentam déficits
acentuados de equilíbrio, pode-se suspeitar da Síndrome de Pusher, presente em
aproximadamente 10% dos pacientes após o AVC. Esta síndrome caracteriza-se por
um comportamento que faz com que os pacientes tendam a inclinar-se quando estão
sentados para o lado hemiplégico, estando também presente durante transferência
e a marcha, acompanhado por uma grande resistência a
tentativas de correção de suas posturas e correlacionadas a um alto
risco de quedas [2-4]. Alguns autores consideram que a presença da Síndrome de
Pusher pode estar associada à heminegligência, que é caracterizada por uma
dificuldade na exploração espacial da metade contralesional do mundo do
paciente, podendo abranger todas as modalidades sensoriais [5-6].
No que diz respeito
ao tratamento, a maioria dos artigos estudados aponta que além da fisioterapia
motora convencional, o tratamento da Síndrome de Pusher deve enfatizar a
descarga de peso do lado parético, a autocorreção postural, o uso do sistema e
das informações visuais e as terapias de estimulação e integração sensorial
[7-9]. No entanto, apesar das terapias anteriormente citadas serem amplamente
utilizadas, apresentam testes científicos inadequados levando a controvérsias
consideráveis sobre sua efetividade [8]. Dessa forma, torna-se necessário o
estudo da aplicabilidade e eficácia de técnicas terapêuticas baseadas em
evidências, cujo objetivo está no aperfeiçoamento do aprendizado motor.
A Terapia de Espelho
(TE) surgiu em 1992 para o tratamento da dor fantasma e atualmente é utilizada
para outros tipos de tratamentos pós-AVE [10-11]. Foi introduzida pela primeira
vez por Ramachandran e Rogers em 1992, na tentativa de atenuar os déficits sensório-motores e acelerar o processo de
recuperação funcional no tratamento de pacientes com dor fantasma [12]. Apesar
de o AVE ser uma das doenças vasculares mais frequentes do mundo, a Síndrome de
Pusher, acometimento proveniente do AVE, não é comum
[2-4]. Assim, o estudo trata de uma intervenção de baixo custo e fácil
aplicabilidade com a intenção de reeducar o cérebro e promover uma ilusão
visual e cinestésica, baseada nos princípios de ativação do Sistema Neurônios
Espelhos (SNE) [13-14].
Diante do exposto, o
objetivo deste estudo é propor o tratamento da Síndrome de Pusher e da
heminegligência através da Terapia de Espelho e analisar sua eficácia.
O estudo relata o
caso de um paciente com 6 meses pós-AVC hemorrágico em
hemisfério cerebral direito, 55 anos, sexo masculino e apresentando
heminegligência e Síndrome de Pusher associadas ao quadro clínico de hemiplegia
proporcionada à esquerda. O paciente deambulava com o auxílio de cadeira de
rodas. A pesquisa foi desenvolvida na Clínica Escola de Fisioterapia da
Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA/UFRN), aprovada no Comitê de
Ética em Pesquisa da mesma instituição, sob o protocolo nº 764.195/2014 e CAAE
27604514.2.0000.5568. Após concordar em participar do estudo e assinar o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o paciente foi avaliado antes e
depois pelos seguintes instrumentos:
1) Escala de
Equilíbrio de Berg (EEB): avalia o equilíbrio estático, antecipatório e
dinâmico e compreende o desempenho de tarefas como alcance funcional e
transferências. A escala é constituída por 14 itens pontuados numa escala de 0 (incapaz de realizar) a 4 (completa a tarefa) com o valor
máximo de 56 pontos, 0 a 20 são considerados indivíduos com equilíbrio pobre e
de 40 a 56, com um bom equilíbrio [15].
2) Protocolo de
Desempenho Físico de Fulg-Meyer (FM): classifica o comportamento sensório-motor
do paciente pós-AVC através de seis dimensões: amplitude de movimento, dor,
sensibilidade, função motora da extremidade superior e inferior e equilíbrio,
totalizando 226 pontos. Uma escala ordinal de três pontos é aplicada em cada
item: 0 (não pode ser realizado), 1 (realizado
parcialmente) e 2 (realizado completamente). Relatar as faixas de pontuação
para leve, moderado e grave [16-18].
3) Medida de
Independência Funcional (MIF): avalia a dependência funcional na realização de
18 tarefas, representando o domínio motor (MIFm), cognitivo (MIFc) e total (MIFt).
Cada item avaliado pode ser classificado em uma escala de graus de dependência
de sete níveis, sendo o valor 1 correspondente à
dependência total e o valor de 7 corresponde à normalidade na realização de
tarefas de forma independente. A pontuação total varia de 18 a 126 [19].
4) Escala de
Contraversive Pushing: Avalia a presença da síndrome de pushing pontuando de
zero a um os três principais sinais clínicos da Síndrome: assimetria postural
espontânea de tronco, o uso do membro não afetado para empurrar-se em direção
ao lado parético e a resistência passiva à correção postural. Para a
confirmação diagnóstica pela escala, é necessário que
estejam presentes os três achados, e que a pontuação seja no mínimo de um para
cada item [20].
5) Teste do Desenho
para Heminegligência: consiste em um teste simples em que foi solicitado ao
paciente que repetisse o desenho de alguns objetos como relógios, casa e flor.
Na presença da heminegligência o paciente irá fazer a omissão de detalhes de um
dos lados das figuras, ou seja, negligenciará o lado contralateral da sua
lesão, isso se deve a uma dificuldade na exploração espacial da metade
contralesional do mundo do paciente [21].
Foram realizadas 15
sessões de Terapia de Espelho, com duração de 50 minutos (3x/semana). O espelho
(1,40 m altura x 0,53 cm largura) foi posicionado sagitalmente ao tronco do
paciente, de forma que a imagem refletida era de todo o hemicorpo menos afetado
(o hemicorpo afetado ficava posicionado atrás do espelho). O paciente permaneceu
sentado sobre o tablado terapêutico durante a sessão terapêutica (Figura 1).
A sessão foi dividida
em três etapas, a primeira consistia em mobilizações articulares das
articulações do ombro, cotovelo, punho, joelho e tornozelo, totalizando seis
minutos. A segunda etapa foi realizada em frente ao espelho, o paciente
realizava exercícios-tarefas específicas por 40 minutos:
1) Treino de equilíbrio antecipatório por meio de alcance a diferentes figuras,
letras ou números coladas no espelho, em associação ao treino cognitivo
(memória e reconhecimento de figuras); 2) Treino de equilíbrio sentado em
diferentes estruturas (colchonete, prancha proprioceptiva) associado ao treino
de alcance; 3) Treino de alcance objetivando coordenação e velocidade. Na terceira
e última etapa (5 minutos), foram aplicadas técnicas de relaxamento e
alongamentos globais. Os dados coletados foram analisados descritivamente em
planilha de Excel®.
Figura
1 - Representação da terapia de espelho.
Os dados iniciais
correspondentes ao quadro clínico de Heminegligência e Pusher apontam que a
lesão está associada ao hemisfério direito. De acordo com as escalas avaliadas,
observa-se um aumento de 52,7% nas pontuações da Escala de Fugl-Meyer, nos
quesitos ADM, dor, sensibilidade superficial e profunda. Para a MIF, houve um
aumento de 17,25% na função cognitiva. A melhora da heminegligência e da Escala
de Contraversive Pushing foi observada pelos testes aplicados. As pontuações da
EEB e FM, seção membro superior e membro inferior, obtiveram diferenças mínimas
na comparação antes e após o tratamento (Tabela I).
Tabela
I - Dados correspondentes aos resultados
apresentados.
ADM = amplitude de
movimento; MS = membro superior; MI = membro inferior.
Após o AVE, aproximadamente 80% dos sobreviventes apresentam como
principal deficiência motora a hemiparesia contralateral à lesão encefálica,
que poderá gerar uma postura inadequada com inclinação anterior e contralateral
ao comprometimento [22-23].
No presente estudo a
Heminegligência e Pusher apontam que a lesão está associada ao hemisfério
direito. Estudos posteriores demonstraram que, frequentemente, o quadro está
associado a outras alterações visuo-espaciais e a lesões de hemisfério direito,
e que uma lesão à direita está associada à perda na atenção espacial e no
controle postural [24-25]. A melhora da ADM, sensibilidade e dor, poderá estar
associada aos efeitos da terapia de espelho integrada a mobilizações
articulares e relaxamento. A ilusão visual promovida pela MT gera uma resposta
positiva para a área motora do córtex e pode remodelar mecanismos corticais de
sensação e movimento, o que explicaria o ganho da ADM. Além disso, essa ilusão
poderia fornecer informações sensórias que remodelariam a área somato-sensorial
do córtex, contribuindo para a recuperação na percepção da sensibilidade e dor
[26].
O estudo mostrou
pouca melhora no equilíbrio devido ao aumento não significante na EEB. Memória et al. [27], em seu estudo de revisão, afirma
que dificilmente a EEB quantifica precisamente o equilíbrio postural humano,
pois há uma rede de interações complexas com vários sistemas responsáveis pelo
equilíbrio postural (visual, vestibular e proprioceptivo) [28]. Porém, a EBB
pode ser apontador de desordens do equilíbrio postural e indicar o risco de
quedas [27].
A melhora nos valores
da MIF, principalmente na parte cognitiva, pode ser explicada devido ao treino
estar associado ao trabalho cognitivo e a cognição ter sido melhorada por meio
da prática de exercício físico proposta no tratamento. Em uma revisão
sistemática, observou-se que vários mecanismos potencializam o desempenho
cognitivo de pacientes pós-AVC quando esses são submetidos a essa prática,
como, por exemplo, a melhora do sono e aumento da densidade cerebral [29].
Os achados não
repercutem com mudanças na independência funcional motora, pois houve pouca
melhora no comprometimento motor e sensorial visto pela Fugl-Meyer. Há forte
correlação entre o comprometimento motor e a funcionalidade em indivíduos
pós-AVC, sendo observado que dois fatores contribuem para sua recuperação
funcional: a recuperação neurológica e a capacidade do paciente em transportar
e adaptar as habilidades funcionais adquiridas para seu próprio ambiente,
pontos que não foram notados no nosso caso [30].
Os dados
correspondentes à Escala de Contraversive
Pushing indicaram uma redução das pontuações que foram de 5,25 para 0,25. O
mesmo ocorreu quando se analisou os resultados obtidos no teste do desenho para
Heminegligência no qual o valor inicial de acertos para o teste era de zero e
ao fim das terapias foi para 3 (Tabela I). Essa
melhora poderá ser explicada por meio do despertar de novas conexões para
orientação espacial, através de estímulo visual apropriado oferecido pela
terapia de espelho que irá auxiliar na descarga de peso sobre o lado afetado
[31].
Nas demais escalas,
houve mudanças mínimas ou manutenções nas pontuações. Esse resultado pode ser
atribuído à extensão da lesão; o impacto da gravidade do acidente vascular
cerebral sobre a aprendizagem motora tem sido discutido pela literatura em
geral. As investigações consideraram que em indivíduos com traços mais graves,
a resposta para a prática de habilidades motoras será mais pobre. Além disso, o
paciente apresentava um quadro de SP associado à Heminegligência que, apesar de
ser normalmente associados, segundo dados da literatura, tem recuperação mais
lenta e pior prognóstico funcional [32].
As melhoras
encontradas poderiam ser atribuídas ao processo de recuperação espontânea do paciente,
o que não deve ter ocorrido no caso estudado, pois, de forma geral, a
literatura preconiza que o processo de recuperação neurológica apresenta uma
fase inicial de melhora espontânea, de forma rápida durante os primeiros 3 meses, e especialmente, durante as primeiras semanas,
embora alguns pacientes possam demonstrar uma recuperação considerável em fases
tardias. O paciente apresentava-se com tempo de lesão igual a 6 meses, o que sugere ser resultado do tratamento [33],
demonstrando plasticidade neural com terapia de espelho mesmo em pacientes
crônicos [34].
É importante
ressaltar que o início tardio da fisioterapia muitas vezes não é intencional,
mas devido às dificuldades encontradas por alguns pacientes em iniciá-lo, essas
ocasionadas por limitações no sistema público de saúde no Brasil, tais como
filas de espera, este acaba ocorrendo tardiamente. Novas pesquisas serão
necessárias para a sistematização de condutas cada vez mais adequadas para
indivíduos com SP, a fim de que as disfunções sejam menores ao final do
processo de reabilitação.
Embora tenha sido
discreta a melhora no comprometimento motor do paciente relatado, o estudo sugere que a Terapia de Espelho associada a
mobilizações articulares e relaxamento, aplicada em todo o hemicorpo afetado do
paciente agudo pós-AVE, pode ser eficaz para auxiliar na recuperação da SP e
heminegligência, além de proporcionar ganhos na independência funcional.