RELATO DE CASO
Alterações no
comportamento elétrico cerebral de uma criança com Paralisia Cerebral após
atendimento com neurofeedback
Changes in the cerebral electrical behavior of a child
with Cerebral Palsy after neurofeedback
Paulo
Cezar do Nascimento Filho*, Florence Tupinambá Duarte**, Jefferson Pacheco
Amaral Fortes**, Francisco Fleury Uchoa Santos Júnior, D.Sc.***
*Psicólogo, Brain Trainer Brasil, Instituto
Le Santé, **Fisioterapeuta, Instituto Le Santé, ***Fisioterapeuta, Instituto Le Santé,
Doutor em Biotecnologia (UECE), Pós-Doutorando em
Educação (UFC), Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário
Estácio do Ceará
Endereço para
correspondência:
Francisco Fleury Uchoa Santos Júnior, Rua Jaime Pinheiro, 36 Guararapes
60810-250 Fortaleza CE, E-mail: drfleuryjr@gmail.com;
Paulo Cezar do Nascimento Filho: psicofisio.paulo@gmail.com; Florence Tupinambá
Duarte: psicofisio.flora@gmail.com; Jefferson Pacheco Amaral Fortes: pachecojefferson@hotmail.com
Resumo
O
neurofeedback (NFB) é uma técnica não invasiva,
buscando potencializar efeitos eletrofisiológicos através de condicionamento
operante. Objetivo: Avaliar as mudanças no comportamento elétrico cerebral de
uma criança com paralisia cerebral, após 20 atendimentos com NFB. Métodos:
Foram realizadas 20 sessões de tratamento de neurofeeback
em um paciente de 4 anos com paralisia cerebral, os
dados foram coletados através do eletroencefalograma amplificador Pocket Neurobics modelo Q-wiz juntamente com o software Bio-Explorer
e processado em sistema TQ-7. Resultados: Após o treino de NFB as frequências
em zona C3 Delta reduziram em 10,6%, Theta aumentou
4,9%, Alfha aumentou 1,5%, Low
Beta aumentou 1,1%, Beta aumentou 2,3% e High Beta aumentou 0,6%. E as
frequências em zona C4 Delta reduziram 3,8%, Theta
aumentou 10,4%, Alpha aumentou 1,8%, Low Beta
aumentou 0,4%, Beta reduziu 3,1%, High Beta reduziu 3,9%. Conclusão: O NFB
apresentou respostas positivas na melhora da espasticidade no paciente com
paralisia cerebral e alterações nos padrões de amplitude das frequências.
Palavras-chave: Fisioterapia,
Neurologia, Psicologia
Abstract
Neurofeedback (NFB) is a noninvasive technique, seeking to potentiate electrophysiological effects through operant conditioning. Objective: To evaluate
the changes in cerebral electrical behavior of a child with
cerebral palsy, after 20 visits with NFB. Methods: Twenty neurofeedback treatment sessions were performed
on a 4-year-old patient with cerebral palsy. Data were collected through the Q-wiz
Pocket Neurobics amplifier electroencephalogram along with the
Bio-Explorer software and processed in the TQ-7 system. Results: After NFB training, frequencies in Delta C3 zone decreased
by 10.6%, Theta increased 4.9%, Alfha increased 1.5%, Low Beta increased 1.1%, Beta increased
2.3% and High Beta increased
by 0.6%. And the frequencies in Delta C4 zone decreased 3.8%, Theta increased 10.4%, Alfha increased 1.8%, Low Beta increased 0.4%, Beta decreased
3.1%, High Beta reduced by
3.9%. Conclusion: The NFB presented
positive responses in the improvement
of spasticity in the patient with
cerebral palsy and changes in frequency amplitude patterns.
Key-words: Physiotherapy, Neurology, Psychology
A paralisia cerebral (PC) é definida como um
distúrbio de caráter estacionário, que tem seus fatores causais em eventos
pré-natais, perinatais ou pós-natais, cursando com lesão do cérebro imaturo e
caracterizando-se por atraso na função motora, alterações da marcha e postura, deficits cognitivos e linguagem no desenvolvimento do
cérebro fetal ou infantil. No entanto, tem sido recentemente demonstrado que a
PC pode estar associada a alterações somatossensoriais,
percepção do tato e sensibilidade à dor [1,2].
A cada 1000 crianças que nascem no Brasil, 7 são portadoras de PC, seja aproximadamente 17.000 novos casos
por ano. Um estudo realizado na cidade de Fortaleza com 200 indivíduos com
faixa etária de 1 a 93 anos, identificou a prevalência de patologias
neurológicas, sendo observado que a PC fica em terceiro lugar com 8%, sendo
menos prevalente que Acidente Vascular Encefálico (33%) e Paralisia Facial
(17,5%) [2].
Dentre as várias modalidades de tratamento da
PC, Ayres [3] sugere a possibilidade do Neurofeedback
(NFB). Trata-se de uma modalidade não invasiva de condicionamento operante que
visa o restabelecimento de padrões eletrofisiológicos adequados para o
tratamento de determinadas desordens de caráter neurológico, psiquiátrico ou
psicológico, promovendo mudanças dos padrões de ondas cerebrais [4]. A escolha
do tipo de treinamento realizado com o NFB é feita a partir de uma avaliação,
no mesmo aparelho, o eletroencefalograma (EEG). Este é a mensuração das
atividades elétricas do córtex cerebral a partir do contato de eletrodos
colocado na superfície da cabeça, segundo sistema 10-20. Basicamente, o cérebro
trabalha em quatro frequências fundamentais, que podem ser entendidas como
velocidade (ou taxa) de transmissão da informação no córtex cerebral. Estas
frequências são categorizadas pelas letras Gregas Delta (0,5 Hz a 4 Hz), Teta (4 Hz a 8 Hz), Alpha (8 Hz a 14 Hz) e Beta (14
Hz a 19 Hz) [5].
Em busca recente na literatura, poucas
produções científicas foram observadas associando a PC com o NBF, especialmente
em crianças com menos de 5 anos de idade. Portanto, o
objetivo deste estudo foi relatar as mudanças no comportamento elétrico
cerebral de uma criança com PC após 20 atendimentos com NFB.
O tratamento foi realizado no ano 2016, com
um paciente de 4 anos do sexo feminino, com PC, em uma
clínica de Fortaleza/CE. Os dados foram coletados pelo eletroencefalograma
amplificador Pocket Neurobics
modelo Q-wiz juntamente com o software Bio-Explorer para coleta de dados eletroencefálicas
e utilização do sistema TQ-7 para quantificação de dados. A paciente permaneceu
sentada em uma cadeira de rodas adaptada. No processo de quantificação dos
dados elétricos foi usado filtro de interferências do sistema TQ7, sem
alterações na impedância.
Para avaliação de espasticidade foi aplicada
a escala modificada de Ashworth. O exame foi
realizado com a paciente em decúbito dorsal, sendo avaliado de forma manual o
movimento das articulações de punho, cotovelo, quadril, joelho [6], onde foi observado os seguintes resultados antes e após o treino
de neurofeedback.
Treinamento de Neurofeedback
Foram realizados vinte atendimentos de NFB,
três vezes por semana com duração de 45 minutos cada. Em cada atendimento, foram realizados três treinamentos específicos. O treinamento
teve como foco as áreas que estão ligadas à motricidade e controle motor C3;
C4, segundo o sistema 10-20. Para montagem do protocolo foi realizada testagem
direta que na qual identificou a banda 7,5-10,5 Hz, como melhor área de equilibrio corporal, sugerindo esta faixa como o ritmo sensoriomotor da paciente. O treinamento foi efetivado com
reforço nas frequências de 7,5-10,5 Hz e inibição das ondas High Beta (19-38
Hz).
Os resultados obtidos das frequências em
zonas C3 antes dos treinamentos de NFB foram de Delta 27,8% ,
Theta 24,3 %, Alpha 12,6%, Low
Beta 6%, Beta 12,8%, High Beta 10,9%. E os resultados de C4 antes do
treinamento de NFB foram de Delta 22,5% , Theta 25,4 %, Alpha 12,3%, Low
Beta 6,3%, Beta 14,8%, High Beta 12,7% (Tabela I).
Após o treinamento as frequências em zonas C3
apresentaram Delta 17,2%, Theta 29,2%, Alpha 14,1 %, Low Beta 7,1%, Beta 15,1%, High Beta 11,5%. E C4
apresentaram Delta 18,7%, Theta 35,8%, Alpha 14,1%, Low Beta 6,7%, Beta 11,7%, High Beta 8,8% (Tabela I).
As diferenças obtidas das frequências em
zonas C3 antes e depois de NFB encontradas foram: redução de Delta em 10,6%, aumento de Theta em 4,9%,
aumento de Alpha em 1,5%, aumento Low Beta de 1,1%,
aumento de Beta de 2,3% e aumento de High Beta de 0,6%. E as diferenças obtidas
em zonas C4 antes e depois de NFB foram: redução de
Delta em 3,8%, aumento de Theta
em 10,4%, aumento de Alpha em 1,8%, aumento Low Beta
de 0,4%, redução de Beta de 3,1% e redução de High Beta de 3,9%.
Tabela I - Frequência pré e
pós-treinamento de neurofeedback, das áreas cerebrais
C3 e C4.
Figura 1 - Mapa de frequências cerebrais antes e depois
do treino de neurofeedback.
Tabela II - Escala Modificada de Ashworth.
Classificação da espasticidade.
Após o tratamento com NFB, houve uma redução
da espasticidade para grau 1
para os flexores de punho, cotovelo, quadril e joelhos (tabela II).
Após o tratamento com NF, houve uma redução
da espasticidade visualmente observavel, a paciente
apresentou melhor controle de tronco e equilíbrio mantendo a posição sentada,
com pernas e pés em extensão adequada. Braços apresentaram melhora em sua
espasticidade conseguindo manter braços relaxados e mãos em contato com as
pernas em posição sentada sem o auxílio do examinador. Os
treinos nas áreas Sensório-Motoras tinham como finalidade equilibrar as
bandas de ondas cerebrais, fortalecendo as sinapses e reduzindo as frequências hi-beta que estão ligadas a excitação encefálica e assim
gerando tensão muscular. As frequências de 7, 5 Hz até 10,5 Hz se apresentaram
como frequência de relaxamento corporal mais adequado para esta cliente, tendo
estas bandas de frequências reforçadas durante os treinamentos.
A infância é o período de maior comunicação
sináptica, reestruturação e remodelação cerebral, ou seja, período de maior
plasticidade cerebral, ocorrendo tanto em um hemisfério intacto como em um
lesionado [7]. As áreas motoras situadas nos pontos cerebrais C3 e C4, quando
estimuladas e reorganizadas em um cérebro com lesão apresentam mudanças
significativas em suas ondas.
A frequência em Delta esta ligada a o estado
de sonolência, lesões e patologia neurológicas [8,5], nesse estudo o paciente
apresentou uma redução na amplitude dessa onda. A redução dessa frequência
proporciona um melhor funcionamento encefálico com olhos abertos [9].
Nos resultados deste estudo foram encontrados um aumento das frequências teta,
consequentemente houve um aumento na habilidade de aprendizado motor e
cognitivo. Oscilações teta têm baixa frequência (4-8 Hz), o aumento da
amplitude desta onda está diretamenta ligada com a
capacidade de aprendizagem [10].
O Alfa é importante no aprendizado motor, e
pode indicar se as habilidades de aprendizagem estão preservadas [11]. O
aumento da amplitude de alfa durante o treinamento de NFB pode gerar nos
indivíduos pensamentos positivos [12]. Nesse prisma observamos que o aumento da
amplitude dessas frequências em C3 e C4 gera no individuo pesquisado uma melhor
capacidade de aprender e condicionar as suas funções motoras, assim com o
aumento no nível de motivação para o desenvolvimento de suas habilidades
motoras e de vida diária.
O treinamento de low
beta é descrito como a melhora no padrão de hiperatividade física, apresentando
uma melhora no quadro hiperativo e sono em indivíduos pesquisados, também e
descrito que o potencial atencional é maximizado
através do treinamento de amplitude desta frequência [13]. No presente estudo
de pesquisa houve uma melhora significativa na capacidade de sustentação atencional durante as sessões, na qual houve uma aumento da amplitude de Low
Beta. O estudo de caso também apresentou redução no tônus
muscular proporcionando assim, com uma redução da espasticidade, melhor
qualidade no controle de movimento.
Beta 2 e hi-beta são descritas como frequências localizadas com maior
amplitude nas regiões fronto-centrais, estando
ligadas à função de maior atenção e concentração. Estas frequências com
amplitude podem gerar no individuo estados de hiper-vigilancia
[9]. Nesse estudo foi observado que em C3 houve um aumento da amplitude das
frequências beta e hi beta e C4 apresentou uma
redução da amplitude de beta e hi-beta, o que descreve
uma melhor dominância do hemisfério esquerdo. A dominância do hemisferio esquerdo está associada a um melhor quadro de
humor [14]. Caso haja uma dominancia do hemisfério direito, segundo o sistema TQ7 caracteriza-se
por uma inversão, podendo causar sintomas negativos de ansiedade e humor [15].
Conclui-se que o treinamento de NF nas áreas
motoras apresenta respostas positivas na melhora da espasticidade no estudo de
caso com paralisia cerebral, podendo assim ser considerada uma terapêutica
complementar eficaz.