RELATO DE CASO

Alterações no comportamento elétrico cerebral de uma criança com Paralisia Cerebral após atendimento com neurofeedback

Changes in the cerebral electrical behavior of a child with Cerebral Palsy after neurofeedback

 

Paulo Cezar do Nascimento Filho*, Florence Tupinambá Duarte**, Jefferson Pacheco Amaral Fortes**, Francisco Fleury Uchoa Santos Júnior, D.Sc.***

 

*Psicólogo, Brain Trainer Brasil, Instituto Le Santé, **Fisioterapeuta, Instituto Le Santé, ***Fisioterapeuta, Instituto Le Santé, Doutor em Biotecnologia (UECE), Pós-Doutorando em Educação (UFC), Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Estácio do Ceará

 

Recebido 15 de abril de 2017; aceito 15 de maio de 2017.

Endereço para correspondência: Francisco Fleury Uchoa Santos Júnior, Rua Jaime Pinheiro, 36 Guararapes 60810-250 Fortaleza CE, E-mail: drfleuryjr@gmail.com; Paulo Cezar do Nascimento Filho: psicofisio.paulo@gmail.com; Florence Tupinambá Duarte: psicofisio.flora@gmail.com; Jefferson Pacheco Amaral Fortes: pachecojefferson@hotmail.com

 

Resumo

O neurofeedback (NFB) é uma técnica não invasiva, buscando potencializar efeitos eletrofisiológicos através de condicionamento operante. Objetivo: Avaliar as mudanças no comportamento elétrico cerebral de uma criança com paralisia cerebral, após 20 atendimentos com NFB. Métodos: Foram realizadas 20 sessões de tratamento de neurofeeback em um paciente de 4 anos com paralisia cerebral, os dados foram coletados através do eletroencefalograma amplificador Pocket Neurobics modelo Q-wiz juntamente com o software Bio-Explorer e processado em sistema TQ-7. Resultados: Após o treino de NFB as frequências em zona C3 Delta reduziram em 10,6%, Theta aumentou 4,9%, Alfha aumentou 1,5%, Low Beta aumentou 1,1%, Beta aumentou 2,3% e High Beta aumentou 0,6%. E as frequências em zona C4 Delta reduziram 3,8%, Theta aumentou 10,4%, Alpha aumentou 1,8%, Low Beta aumentou 0,4%, Beta reduziu 3,1%, High Beta reduziu 3,9%. Conclusão: O NFB apresentou respostas positivas na melhora da espasticidade no paciente com paralisia cerebral e alterações nos padrões de amplitude das frequências.

Palavras-chave: Fisioterapia, Neurologia, Psicologia

 

Abstract

Neurofeedback (NFB) is a noninvasive technique, seeking to potentiate electrophysiological effects through operant conditioning. Objective: To evaluate the changes in cerebral electrical behavior of a child with cerebral palsy, after 20 visits with NFB. Methods: Twenty neurofeedback treatment sessions were performed on a 4-year-old patient with cerebral palsy. Data were collected through the Q-wiz Pocket Neurobics amplifier electroencephalogram along with the Bio-Explorer software and processed in the TQ-7 system. Results: After NFB training, frequencies in Delta C3 zone decreased by 10.6%, Theta increased 4.9%, Alfha increased 1.5%, Low Beta increased 1.1%, Beta increased 2.3% and High Beta increased by 0.6%. And the frequencies in Delta C4 zone decreased 3.8%, Theta increased 10.4%, Alfha increased 1.8%, Low Beta increased 0.4%, Beta decreased 3.1%, High Beta reduced by 3.9%. Conclusion: The NFB presented positive responses in the improvement of spasticity in the patient with cerebral palsy and changes in frequency amplitude patterns.

Key-words: Physiotherapy, Neurology, Psychology

 

Introdução

 

A paralisia cerebral (PC) é definida como um distúrbio de caráter estacionário, que tem seus fatores causais em eventos pré-natais, perinatais ou pós-natais, cursando com lesão do cérebro imaturo e caracterizando-se por atraso na função motora, alterações da marcha e postura, deficits cognitivos e linguagem no desenvolvimento do cérebro fetal ou infantil. No entanto, tem sido recentemente demonstrado que a PC pode estar associada a alterações somatossensoriais, percepção do tato e sensibilidade à dor [1,2].

A cada 1000 crianças que nascem no Brasil, 7 são portadoras de PC, seja aproximadamente 17.000 novos casos por ano. Um estudo realizado na cidade de Fortaleza com 200 indivíduos com faixa etária de 1 a 93 anos, identificou a prevalência de patologias neurológicas, sendo observado que a PC fica em terceiro lugar com 8%, sendo menos prevalente que Acidente Vascular Encefálico (33%) e Paralisia Facial (17,5%) [2].

Dentre as várias modalidades de tratamento da PC, Ayres [3] sugere a possibilidade do Neurofeedback (NFB). Trata-se de uma modalidade não invasiva de condicionamento operante que visa o restabelecimento de padrões eletrofisiológicos adequados para o tratamento de determinadas desordens de caráter neurológico, psiquiátrico ou psicológico, promovendo mudanças dos padrões de ondas cerebrais [4]. A escolha do tipo de treinamento realizado com o NFB é feita a partir de uma avaliação, no mesmo aparelho, o eletroencefalograma (EEG). Este é a mensuração das atividades elétricas do córtex cerebral a partir do contato de eletrodos colocado na superfície da cabeça, segundo sistema 10-20. Basicamente, o cérebro trabalha em quatro frequências fundamentais, que podem ser entendidas como velocidade (ou taxa) de transmissão da informação no córtex cerebral. Estas frequências são categorizadas pelas letras Gregas Delta (0,5 Hz a 4 Hz), Teta (4 Hz a 8 Hz), Alpha (8 Hz a 14 Hz) e Beta (14 Hz a 19 Hz) [5].

Em busca recente na literatura, poucas produções científicas foram observadas associando a PC com o NBF, especialmente em crianças com menos de 5 anos de idade. Portanto, o objetivo deste estudo foi relatar as mudanças no comportamento elétrico cerebral de uma criança com PC após 20 atendimentos com NFB.

 

Material e métodos

 

O tratamento foi realizado no ano 2016, com um paciente de 4 anos do sexo feminino, com PC, em uma clínica de Fortaleza/CE. Os dados foram coletados pelo eletroencefalograma amplificador Pocket Neurobics modelo Q-wiz juntamente com o software Bio-Explorer para coleta de dados eletroencefálicas e utilização do sistema TQ-7 para quantificação de dados. A paciente permaneceu sentada em uma cadeira de rodas adaptada. No processo de quantificação dos dados elétricos foi usado filtro de interferências do sistema TQ7, sem alterações na impedância.

Para avaliação de espasticidade foi aplicada a escala modificada de Ashworth. O exame foi realizado com a paciente em decúbito dorsal, sendo avaliado de forma manual o movimento das articulações de punho, cotovelo, quadril, joelho [6], onde foi observado os seguintes resultados antes e após o treino de neurofeedback.

 

Treinamento de Neurofeedback

 

Foram realizados vinte atendimentos de NFB, três vezes por semana com duração de 45 minutos cada. Em cada atendimento, foram realizados três treinamentos específicos. O treinamento teve como foco as áreas que estão ligadas à motricidade e controle motor C3; C4, segundo o sistema 10-20. Para montagem do protocolo foi realizada testagem direta que na qual identificou a banda 7,5-10,5 Hz, como melhor área de equilibrio corporal, sugerindo esta faixa como o ritmo sensoriomotor da paciente. O treinamento foi efetivado com reforço nas frequências de 7,5-10,5 Hz e inibição das ondas High Beta (19-38 Hz).

 

Resultados

 

Os resultados obtidos das frequências em zonas C3 antes dos treinamentos de NFB foram de Delta 27,8% , Theta 24,3 %, Alpha 12,6%, Low Beta 6%, Beta 12,8%, High Beta 10,9%. E os resultados de C4 antes do treinamento de NFB foram de Delta 22,5% , Theta 25,4 %, Alpha 12,3%, Low Beta 6,3%, Beta 14,8%, High Beta 12,7% (Tabela I).

Após o treinamento as frequências em zonas C3 apresentaram Delta 17,2%, Theta 29,2%, Alpha 14,1 %, Low Beta 7,1%, Beta 15,1%, High Beta 11,5%. E C4 apresentaram Delta 18,7%, Theta 35,8%, Alpha 14,1%, Low Beta 6,7%, Beta 11,7%, High Beta 8,8% (Tabela I).

As diferenças obtidas das frequências em zonas C3 antes e depois de NFB encontradas foram: redução de Delta em 10,6%, aumento de Theta em 4,9%, aumento de Alpha em 1,5%, aumento Low Beta de 1,1%, aumento de Beta de 2,3% e aumento de High Beta de 0,6%. E as diferenças obtidas em zonas C4 antes e depois de NFB foram: redução de Delta em 3,8%, aumento de Theta em 10,4%, aumento de Alpha em 1,8%, aumento Low Beta de 0,4%, redução de Beta de 3,1% e redução de High Beta de 3,9%.

 

Tabela I - Frequência pré e pós-treinamento de neurofeedback, das áreas cerebrais C3 e C4.

 

Figura 1 - Mapa de frequências cerebrais antes e depois do treino de neurofeedback.

 

 

Tabela II - Escala Modificada de Ashworth. Classificação da espasticidade.

 

 

Após o tratamento com NFB, houve uma redução da espasticidade para grau 1 para os flexores de punho, cotovelo, quadril e joelhos (tabela II).

 

Discussão

 

Após o tratamento com NF, houve uma redução da espasticidade visualmente observavel, a paciente apresentou melhor controle de tronco e equilíbrio mantendo a posição sentada, com pernas e pés em extensão adequada. Braços apresentaram melhora em sua espasticidade conseguindo manter braços relaxados e mãos em contato com as pernas em posição sentada sem o auxílio do examinador. Os treinos nas áreas Sensório-Motoras tinham como finalidade equilibrar as bandas de ondas cerebrais, fortalecendo as sinapses e reduzindo as frequências hi-beta que estão ligadas a excitação encefálica e assim gerando tensão muscular. As frequências de 7, 5 Hz até 10,5 Hz se apresentaram como frequência de relaxamento corporal mais adequado para esta cliente, tendo estas bandas de frequências reforçadas durante os treinamentos.

A infância é o período de maior comunicação sináptica, reestruturação e remodelação cerebral, ou seja, período de maior plasticidade cerebral, ocorrendo tanto em um hemisfério intacto como em um lesionado [7]. As áreas motoras situadas nos pontos cerebrais C3 e C4, quando estimuladas e reorganizadas em um cérebro com lesão apresentam mudanças significativas em suas ondas.

A frequência em Delta esta ligada a o estado de sonolência, lesões e patologia neurológicas [8,5], nesse estudo o paciente apresentou uma redução na amplitude dessa onda. A redução dessa frequência proporciona um melhor funcionamento encefálico com olhos abertos [9].

Nos resultados deste estudo foram encontrados um aumento das frequências teta, consequentemente houve um aumento na habilidade de aprendizado motor e cognitivo. Oscilações teta têm baixa frequência (4-8 Hz), o aumento da amplitude desta onda está diretamenta ligada com a capacidade de aprendizagem [10].

O Alfa é importante no aprendizado motor, e pode indicar se as habilidades de aprendizagem estão preservadas [11]. O aumento da amplitude de alfa durante o treinamento de NFB pode gerar nos indivíduos pensamentos positivos [12]. Nesse prisma observamos que o aumento da amplitude dessas frequências em C3 e C4 gera no individuo pesquisado uma melhor capacidade de aprender e condicionar as suas funções motoras, assim com o aumento no nível de motivação para o desenvolvimento de suas habilidades motoras e de vida diária.

O treinamento de low beta é descrito como a melhora no padrão de hiperatividade física, apresentando uma melhora no quadro hiperativo e sono em indivíduos pesquisados, também e descrito que o potencial atencional é maximizado através do treinamento de amplitude desta frequência [13]. No presente estudo de pesquisa houve uma melhora significativa na capacidade de sustentação atencional durante as sessões, na qual houve uma aumento da amplitude de Low Beta. O estudo de caso também apresentou redução no tônus muscular proporcionando assim, com uma redução da espasticidade, melhor qualidade no controle de movimento.

Beta 2 e hi-beta são descritas como frequências localizadas com maior amplitude nas regiões fronto-centrais, estando ligadas à função de maior atenção e concentração. Estas frequências com amplitude podem gerar no individuo estados de hiper-vigilancia [9]. Nesse estudo foi observado que em C3 houve um aumento da amplitude das frequências beta e hi beta e C4 apresentou uma redução da amplitude de beta e hi-beta, o que descreve uma melhor dominância do hemisfério esquerdo. A dominância do hemisferio esquerdo está associada a um melhor quadro de humor [14]. Caso haja uma dominancia do hemisfério direito, segundo o sistema TQ7 caracteriza-se por uma inversão, podendo causar sintomas negativos de ansiedade e humor [15].

 

Conclusão

Conclui-se que o treinamento de NF nas áreas motoras apresenta respostas positivas na melhora da espasticidade no estudo de caso com paralisia cerebral, podendo assim ser considerada uma terapêutica complementar eficaz.

 

Referências

 

  1. Riquelme I, Padrón I, Cifre I, González-Roldán AM, Montoya P. Differences in somatosensory processing due to dominant hemispheric motor impairment in cerebral palsy. BMC Neuroscience 2014;15(1):10.
  2. da Silva Camêlo HK, Santos Júnior FFU. Perfil de Indivíduos com Acidente Vascular Encefálico Atendidos em uma Clínica de Fisioterapia de Fortaleza. CORPVS 2015;1(22):33-8.
  3. Ayers ME. Neurofeedback for cerebral palsy. J Neurother 2004; 8(2):93-94.
  4. Ribas VR, Ribas RMV, Oliveira DCL, Regis CLS, Nascimento Filho PC, Sales TSR, Martins HAL et al. The functioning of the brain trained through neurofeedback with behavioral techniques from a learning curve perspective. Journal of Psychology and Psychotherapy Research 2016;3:12-9.
  5. Mascaro L. Para que medicação? Rio de janeiro: Elsevier; 2012.
  6. Bohannon RW, Smith MB. A confiabilidade interavaliadores do Modified Ashworth Scale, de espasticidade muscular. Phys Ther 1987;67:207.
  7. de Pinho Borella M, Sacchelli T. Os efeitos da prática de atividades motoras sobre a neuroplasticidade. Rev Neurocienc 2009;17(2):161-9.
  8. Douglas CR. Tratado de fisiologia aplicada à fisioterapia. 2° ed. Tecmed; 2004:cap 20.
  9. Gonçalves OF, Boggio PS. Neuromodulação autorregulatória: príncipios e prática. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2016.
  10. Kendrick KM, Zhan Y, Fischer H, Nicol AU, Zhang X, Feng J. Learning alters theta amplitude, theta-gamma coupling and neuronal synchronization in inferotemporal cortex. BMC Neuroscience 2011;12(1):55.
  11. Luft C, Andrade A. (2006). A pesquisa com EEG aplicada à área de aprendizagem motora. Rev Port Ciênc Desporto 2006;6(1):106-15.
  12. Kober SE, Witte M, Ninaus M, Neuper C, Wood G. Learning to modulate one’s own brain activity: the effect of spontaneous mental strategies. Front Hum Neurosci 2013;695(7):20-9.
  13. Arns M, Feddema I, Kenemans JL. Differential effects of theta/beta and SMR neurofeedback in ADHD on sleep onset latency. Front Hum Neurosci 2014;8:1019.
  14. Davidson RJ. O estilo emocional do cérebro. Rio de Janeiro: Sextante; 2013.
  15. Ribas VR, Ribas RMG, Martins HADL. The learning curve in neurofeedback of Peter Van Deusen: a review article. Dement Neuropsychol 2016;10(2):98-103.