REVISÃO
Reflexões
sobre o emprego da osteopatia nas políticas públicas de saúde no Brasil
Reflections on the use of osteopathy in public health policies in Brazil
Fábio Firmino de
Albuquerque Gurgel, M.Sc.*, Gislainy Luciana Gomes
Câmara, M.Sc.*, Victor Hugo de Oliveira Segundo*, Maria Irany Knackfuss*,
Eduardo José Guerra Seabra, D.Sc.**, Isabela Pinheiro Cavalcanti Lima, D.Sc.**
*Programa de Pós-Graduação em Saúde e Sociedade da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró/RN, **Docente do Programa de
Pós-Graduação em Saúde e Sociedade da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte, Mossoró/RN
Recebido em 28 de
junho de 2016; aceito em 17 de maio de 2017.
Endereço
para correspondência:
Fábio Firmino de Albuquerque Gurgel, Rua Prudente de Morais, 170/602, Bloco D,
59611-100 Mossoró RN, E-mail: prof.fabiogurgel@gmail.com; Gislainy Luciana
Gomes Câmara: gislainylgc@hotmail.com; Victor Hugo de Oliveira Segundo:
victorhugoef@hotmail.com; Maria Irany Knackfuss: kmariairany@yahoo.com.br;
Eduardo José Guerra Seabra: ejgseabra@yahoo.com.br;
Isabela Pinheiro Cavalcanti Lima: belapcl@yahoo.com.br
Resumo
A Política Nacional
de Práticas Integrativas e Complementares foi regulamentada pelo Ministério da
Saúde em continuidade às mudanças sobre a saúde no Brasil. A esta política
pública se soma o COFFITO ao regulamentar a prática da osteopatia por
fisioterapeutas capacitados. Objetiva-se então fazer uma reflexão sobre a
osteopatia integrada às políticas públicas de saúde. Trata-se de uma revisão a
partir de levantamento literário e em periódicos online com os descritores:
osteopatia, disfunções osteomioarticulares, fisioterapia, terapias holísticas,
terapias complementares e políticas públicas. Concluiu-se que a osteopatia
compõe o quadro de técnicas aplicadas no tratamento de disfunções
musculoesqueléticas e transtornos de ordem ortopédica apresentando efeitos
terapêuticos satisfatórios aos indivíduos. Seus efeitos decorrem sobre aspectos
físicos, sociais e econômicos, justificando a sua participação nas políticas
públicas de saúde no Brasil, uma vez que estes resultados se encontram em
consonância com o conceito de saúde adotado pela OMS, o qual fundamenta a
existência do SUS. A estrutura política da saúde no Brasil parece ser
alternativa interessante para a prática da osteopatia junto à população de
baixa renda, embora haja escassez de conhecimento tanto por parte da população
quanto pelos profissionais de saúde.
Palavras-chave: manipulação
osteopática, fisioterapia, terapias complementares, políticas públicas.
Abstract
The National Policy on Integrative and Complementary Practices was
regulated by the Ministry of Health as a part of health changes in Brazil. The
COFFITO was in charge to regulate the practice of osteopathy by trained
physiotherapists. The aim of this review was a reflection about osteopathy
integrated to public health policies. This is a literature review which the
descriptors: osteopathy, musculoskeletal disorders, physical therapy, holistic
therapies, complementary therapies and public policies. We concluded that
osteopathy added to the techniques applied in the treatment of musculoskeletal
disorders and orthopedic disorders showed satisfactory therapeutic effects to
individuals. Its effects arise on physical, social and economic aspects,
justifying their participation in the public health policies in Brazil, since
these results are in line with the concept of health adopted by WHO, which
substantiates the existence of SUS. The Brazilian political structure of health
seems to be interesting alternative to the practice of osteopathy with the low
income population, although there is lack of knowledge by population and health
professionals.
Key-words: osteopathic
manipulation, physical therapy, complementary therapies, public policies.
Após consideráveis
mudanças de caráter social e político que culminaram na reabertura política no
Brasil e com o reconhecimento da falência do modelo de saúde centrado na
doença, aconteceu em 1986 a VIII Conferência Nacional de
Saúde, evento considerado um marco histórico pela participação popular e
pela quebra de paradigmas sobre políticas públicas no Brasil. A partir deste
evento adotou-se uma nova percepção conceitual sobre saúde, tornando-a mais
abrangente e contemplando aspectos que vão desde a prevenção até a recuperação
da saúde dos indivíduos [1].
Dentre outras
determinações desta Conferência, foi deliberada, em seu relatório final, a
introdução de práticas complementares de assistência à saúde no âmbito dos
serviços de saúde, possibilitando ao usuário o acesso democrático para escolher
a terapêutica preferida, dando possibilidades a diferentes abordagens face ao
adoecimento [1,2].
As terapias
complementares, também conhecidas como terapias alternativas, integrativas ou
não convencionais, constituem um grupo de tratamentos e produtos que não são
considerados parte da medicina alopática. Gradativamente as terapias
complementares passaram a englobar diversas práticas de atenção à saúde, tais
como: acupuntura, reeducação postural global (RPG), homeopatia, medicina
ayurvédica, naturopatia, medicina fitoterápica, terapias baseadas em dietas,
quiropraxia, osteopatia, massagem, meditação, hipnose, yoga, orações e cura
pela fé, terapia de cura por Reiki, dentre outras [3,4].
Em relação à
fisioterapia, em meio a outras atribuições do profissional fisioterapeuta, o
Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) regulamenta a
osteopatia como prática do fisioterapeuta dentro das terapias complementares
assistidas pelo SUS [5].
Neste contexto, a
osteopatia apresenta-se como um método aplicável no tratamento fisioterapêutico
de indivíduos que sofrem de distúrbios osteomioarticulares que repercutem em
dor e prejuízo ou perda de funcionalidade. É uma técnica que para ser aplicada
exige bom conhecimento anátomo-fisiológico e biomecânico sobre o corpo humano,
bem como qualificação do profissional fisioterapeuta em nível de pós-graduação
em curso destinado à sua capacitação nesta área [5,6].
A osteopatia é uma
técnica não invasiva, que incide diretamente no sistema musculoesquelético com
o propósito de favorecer uma melhor mecânica articular. O tratamento
osteopático é precedido por uma detalhada avaliação do indivíduo considerando a
globalidade envolvida nos aspectos físicos, psicológicos e sociais que possam
prejudicar a sua saúde. É uma técnica que preconiza o movimento articular, seja
por manobras articulares oscilatórias de baixa velocidade, seja na forma de
manipulação articular com thrust, que consiste de uma mobilização de baixa
amplitude e alta velocidade. As manobras descritas são indicáveis para
segmentos corporais hipomóveis. Também fazem parte da aplicação da osteopatia
as manobras de liberação miofasciais. Por meio de efeitos neurofisiológicos, a
osteopatia influencia o SNA, diminuindo a dor e a hiperatividade gama,
aumentando a mobilidade segmentar e global [6,7].
O conceito de lesão
osteopática constitui-se de uma restrição dos movimentos articulares associada
a disfunções em tecidos como fáscia, músculo ou nervo, prejudicando o
funcionamento dos proprioceptores e provocando alterações do equilíbrio.
Decorrem deste mecanismo patogênico a redução de força muscular, da amplitude
de movimento e o favorecimento de distúrbios sensitivos. Diante desta condição
clínica, a informação proprioceptiva ao SNC será de restrição dos movimentos,
gerando um reflexo de proteção articular, alterando a postura do indivíduo e
gerando segmentos hipomóveis primários ou secundários [8,9].
Quando instaladas, as
disfunções osteomioarticulares apresentam-se como importante problema de saúde
em virtude dos impactos que causam sobre a funcionalidade, qualidade de vida
dos indivíduos e suas repercussões socioeconômicas. Dentre vários destes aspectos,
destacam-se as incapacidades ou limitações relacionadas aos processos laborais,
que incidem diretamente sobre os processos laborais de produtividade e,
consequentemente, suas repercussões sociais e econômicas. De origem
multifatorial, as disfunções osteomioarticulares envolvem dificuldades em
relação ao seu diagnóstico e tratamento [7,9].
Vários são os
sintomas apresentados pelos indivíduos que apresentam distúrbios
osteomioarticulares, tais como: fadiga muscular, cefaleias tensionais, dor, aumento
da tensão dos músculos evidenciada à palpação, alterações do sono e
concentração, dificuldades para funcionamento intestinal, rigidez matinal e
distúrbios psicológicos como ansiedade e depressão, dentre outros. Não
raramente, seus portadores apresentam dificuldades de socialização, autoestima
e afetividade que implicam negativamente na vida familiar e profissional
[8,10-12].
Os
agravos à saúde
relatados incidem não restritamente sobre os seus portadores,
mas também
desencadeiam desordens coletivas nas suas inter-relações
sociais, as quais
requerem ações de intervenção
pública através de programas voltados para estas
necessidades. As políticas públicas consistem no conjunto
de procedimentos
formais e informais que expressam relações de poder e que
se destinam à
resolução pacífica dos conflitos quanto aos bens
públicos. As políticas
públicas são o conjunto das decisões e
ações relativas à alocação seletiva
de
recursos [4,13].
Em função do alto
impacto funcional e prejuízo à qualidade de vida sofridos
pelos portadores de disfunções musculoesqueléticas, surgiu a necessidade de se
realizar um estudo que abordasse o tratamento osteopático como política pública
para intervenção terapêutica nestas patologias. Entende-se que os impactos das
disfunções musculoesqueléticas trazem prejuízos sobre os campos biológicos,
psicológicos, sociais e econômicas dos seus portadores, o que confronta o
conceito de saúde adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Esta reflexão é
relevante, uma vez que, de acordo com esta concepção, entende-se por saúde um
abrangente estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a
inexistência de doença ou enfermidade, portanto, um conceito que transcende a
dimensão biológica do indivíduo e abrange as condições de vida que perpassam
sua existência.
Trata-se de um estudo
caracterizado como revisão bibliográfica, fundamentado a partir de um
levantamento literário e em periódicos online em bases de dados como Lilacs,
Science Direct, Cochrane, Pubmed e Scielo. Durante as buscas utilizaram-se como
descritores: osteopatia, disfunções osteomioarticulares, fisioterapia, terapias
holísticas, terapias complementares e políticas públicas. O material analisado
também foi composto por livros que trazem discussões em relação aos temas da
Osteopatia e das Políticas Públicas. Os idiomas utilizados nas consultas foram
português, inglês e espanhol.
Os critérios de
seleção das fontes utilizadas foram pela apresentação de conteúdos que
abordassem o contexto histórico/político no qual se inseriu a Política Nacional
de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), bem como as perspectivas de
mudanças sobre os paradigmas de um sistema de saúde diferenciado, o SUS, cujo
alcance não se limita apenas a um contexto técnico-científico. A partir de um
espectro mais generalista sobre práticas integrativas e complementares, as
abordagens sobre Osteopatia foram o foco das discussões, sendo estas
alicerçadas por textos que evidenciavam aspectos histórico/culturais, efeitos e
benefícios promovidos pela utilização desta técnica. Pesquisas científicas de
natureza experimental também participaram das análises, muito embora este tipo
de literatura ainda seja escasso, sobretudo na língua portuguesa.
Na pesquisa realizada
nas bases de dados eletrônicas Lilacs, Science Direct, Cochrane, Pubmed e
Scielo, foram identificados, 158 artigos potencialmente relevantes. Após
análise dos títulos e dos resumos foram lidos 26 obras na íntegra que abordavam
o tema proposto.
A osteopatia se
apresenta como alternativa terapêutica contemplando aspectos que estão ganhando
cada vez mais notoriedade e reconhecimento desde sua criação. Este fato se
justifica pelos bons resultados que os Osteopatas vêm obtendo aplicando o
arsenal terapêutico disponível quando da utilização deste tipo de tratamento [8,11,13].
A osteopatia foi
criada oficialmente em 1874, nos Estados Unidos, por Andrew Taylor Still,
médico americano adverso às intervenções terapêuticas praticadas em sua época.
Trata-se de uma técnica na qual a abordagem terapêutica se dá de forma
holística e que preconiza a intervenção no indivíduo através da busca do
equilíbrio biomecânico do sistema osteomioarticular. Esta ideologia
revolucionou o mundo da medicina trazendo à tona a filosofia, os conceitos e os
princípios que alicerçam esta técnica [8,10-12].
As ideias de Still se
contrapunham aos princípios ideológicos do modelo assistencial à saúde que mais
ganhava notoriedade na época, o modelo biologicista. Este modelo ganhou força
com o vínculo criado entre a descoberta dos microrganismos e o aparecimento de
doenças em detrimento de uma visão sanitarista sobre o processo saúde-doença, a
qual pautava as condições coletivas sociais, ambientais, política e econômicas
como elementos de relação direta com o aparecimento de agravos a saúde [1,4,7,13].
A visão biologicista,
flexneriana, sobre a saúde resume-se a unicausalidade biológica para os agravos
à saúde, requerendo investimentos de elevado custo financeiro na produção de
medicamentos, tecnologias, serviços e hospitais para o restabelecimento da
saúde. No modelo biologicista, considera-se o indivíduo como um elemento
compartimentalizado que precisa de um profissional especialista para cada fragmento
de sua constituição biológica [1,2,14].
A VIII Conferência
Nacional de Saúde em 1986 representa um importante marco histórico sobre a
falência do modelo biologicista de saúde centrado na doença. Registra-se este
evento na história da Saúde Pública brasileira com a peculiaridade de contar
com massiva participação popular em caráter democrático, resultante de mudanças
de caráter social e político que culminaram em novas perspectivas políticas no
Brasil [2,3,14].
Fundamentando-se nos
preceitos adotados pela OMS, a VIII Conferência Nacional de Saúde favoreceu
outra percepção sobre o conceito de saúde, tornando-o mais abrangente e visando
a prevenção, promoção, proteção e recuperação, sendo essa, a principal
referência na construção do Sistema Único de Saúde (SUS). Nessa conferência,
foi deliberada em seu relatório final, a introdução de práticas alternativas de
assistência à saúde no âmbito dos serviços de saúde, possibilitando ao usuário
o acesso democrático para escolher a terapêutica preferida, dando
possibilidades a diferentes abordagens face ao adoecimento [2,3,14].
Neste contexto, o
Ministério da Saúde criou, através da portaria 971, a Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) em 1999, a qual regulamenta a
homeopatia e a acupuntura como técnicas terapêuticas assistidas pelo SUS, sendo
estas inclusas na tabela de procedimentos do Sistema de Informação Ambulatorial
do SUS (SIA/SUS) [3,4].
As terapias
complementares ou alternativas parecem ocupar as lacunas deixadas pela
racionalidade biomédica, estimulam a relação profissional de saúde-doente, sem
necessitar do uso de fármacos e máquinas e/ou tecnologias de custo econômico
inviável. Elas oferecem outras possibilidades de atuação do profissional de
saúde em um momento no qual se discute o modelo de racionalidade empregada como
sendo deveras favorável ao emprego de outros conhecimentos [2].
Em consonância a
estes pensamentos, Lima et al. [4] afirmam ainda que
as terapias complementares constituem um grupo de tratamentos e produtos que
não são considerados parte da medicina alopática. Gradativamente, as terapias
complementares passaram a englobar diversas práticas de atenção à saúde, tais
como: acupuntura, reeducação postural global (RPG), homeopatia, medicina
ayurvédica, naturopatia, medicina fitoterápica, terapias baseadas em dietas,
quiropraxia, osteopatia, massagem, meditação, hipnose, yoga, orações e cura
pela fé, terapia de cura por Reiki, dentre outras, de modo a
comtemplar uma oferta de serviços de saúde mais diversificada para atender às
necessidades sociais e biológicas em saúde.
Entretanto, o
desconhecimento dos profissionais da saúde sobre as terapias complementares
pode ser responsável por conceitos equivocados, o que pode gerar dificuldades
na relação médico-paciente e com colegas praticantes dessas especialidades
[15].
Reside nas
racionalidades, saberes e técnicas das práticas complementares de saúde a sua
potencialidade enquanto elemento de promoção da saúde, muito embora, alguns créditos
de suas ações sejam questionados pela ciência. Neste sentido, existe uma
resistência ambígua que perpassa a natureza da epistemologia e da política. A
dicotomia clássica entre ciência e senso comum induz a desqualificação de
outras verdades que não sejam cientificamente comprovadas. O desmerecimento destes saberes, muitas vezes, encontra-se associado aos
conflitos de interesses políticos e econômicos, principalmente, relacionados à
supremacia científica e ao monopólio institucional da verdade adquirido pela
ciência na saúde, estando ligada a grupos sociais, corporações e relações de
poder [14,16].
Em relação à
fisioterapia neste contexto, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia
Ocupacional (COFFITO), dentre outras atribuições do profissional
fisioterapeuta, regulamentou a osteopatia como prática do fisioterapeuta dentro
das terapias complementares, haja vista o fato de os benefícios promovidos por
tratamentos osteopáticos estarem presentes em vários estudos [5].
Dentre alguns
exemplos de estudos sobre osteopatia, é possível citar pesquisas que divulgaram
pontos favoráveis a esta técnica, uma vez que a mesma apresentou fortes
evidências para uma analgesia induzida logo após as manipulações, havendo
efeito cumulativo com a repetição do tratamento. A interação entre a percepção
da dor e a função autonômica oferece uma confirmação indireta de que a
osteopatia promove o estímulo adequado para se ativar os sistemas inibitórios
de dor descendentes que se projetam do mesencéfalo [6-8,11].
As causas frequentes
de disfunções musculoesqueléticas estão relacionadas a transtornos biomecânicos
e viscerais. Como exemplo, citam-se como causas musculares para lombalgia as
dores isquêmicas apresentadas nos músculos espinhais lombares, psoas, quadrado
lombar, piramidal e íleocostal. Como causas ligamentares aponta-se o aumento da
tensão sobre os ligamentos sacroilíacos, interespinhosos e iliolombares,
situações em que estas dores podem se relacionar com dermátomos correspondentes.
Como causas articulares, destacam-se as dores advindas do mecanismo
fixação-hipermobilidade reacional, disfunções sacroilíacas e iliosacrais,
lesões articulares posteriores lombares, lesões discais e disfunções
toracolombares. Finalmente, como causas viscerais (problemas de funcionamento
nos rins, cólon sigmoide, bexiga e/ou útero, por exemplo), apontam-se as dores
relacionadas ao aparelho locomotor sem fixação vertebral, ou reflexos
víscero-somáticos com função vertebral secundária [6,8,12,17].
Nesta perspectiva,
Rocha Júnior et al. [18] dividiram 30 pacientes em 2
grupos de 15 sujeitos, experimental e controle, sendo o primeiro submetido a
tratamento osteopático e o segundo a fisioterapia convencional. Todos os
sujeitos apresentavam lombalgia aguda. Os resultados comparados entre os grupos
foram em relação a sintomatologia dolorosa e
flexibilidade da coluna lombar destes indivíduos. Em ambos os grupos ocorreu
redução da dor lombar, sendo esta mais evidente no grupo experimental. Os
pacientes do grupo controle apresentaram menor tolerância à dor na flexão
anterior de tronco, enquanto as do grupo experimental obtiveram maior
tolerância à dor sob as mesmas condições. De acordo com este estudo a
fisioterapia convencional melhora a dor durante a flexibilização
das estruturas musculares, mas a osteopatia apresenta maior contribuição
terapêutica quando aplicada a lombalgias agudas.
Outro estudo
relacionado à osteopatia foi realizada por Cuccia et al. [19] abordando novamente a comparação entre tratamentos da
osteopatia e fisioterapia convencional. Foram realizadas intervenções
terapêuticas por 6 meses em dois grupos, sendo o Grupo
Osteopatia com 25 indivíduos e Grupo convencional também com 25 indivíduos,
todos portadores de Disfunção Temporomandibular. Foram analisados aspectos
subjetivos da dor, funcionalidade e amplitude para movimentos
craniomandibulares. Foram constatados ganhos semelhantes entre as variáveis
analisadas, porém o grupo submetido ao tratamento por osteopatia reduziu o
consumo de medicamentos não esteroides e apresentou maior manutenção dos
benefícios, bem como maior efetividade e em menor tempo.
Corroborando este
entendimento, é possível afirmar que a osteopatia promove benefícios a partir
de uma avaliação física minuciosa, acompanhada por exame palpatório e que
agrega dados clínicos para caracterizar as disfunções do sistema
musculoesquelético. Desta forma, a técnica aspira averiguar a intensidade,
duração, origem, os efeitos locais e a distância desencadeados por estas disfunções.
Esta ciência abrange amplo leque de diagnósticos diferenciais e vasto
repertório terapêutico direcionado para os segmentos afetados, gerando assim,
um bom suporte para o tratamento do indivíduo analisado sob uma ótica holística
[6,7,20].
As premissas básicas
da osteopatia, descritas em 1899 e em 1901 por Andrew Taylor Still são as
seguintes: A primeira é “A Estrutura Determina a Função”, que determina o corpo
humano como uma unidade integrada, na qual a estrutura e a função são
interdependentes e atuam em sistema de reciprocidade; A segunda é “A Unidade do
Corpo”, considera que o corpo humano possui a capacidade de adaptação; A
terceira é “A Autocura”, princípio condizente com o conceito de que o corpo
possui propriedades que lhe permitem eliminar ou evitar doenças, desde que haja
subsídios para isso. Isto implica que para haver autocura é necessário que não
existam obstáculos nos condutos nervosos, linfáticos, vasculares e que a
nutrição celular e eliminação de catabólitos sejam realizadas de forma eficaz,
a fim de reaver a homeostasia prévia à exposição frente a
iniquidade de saúde; A quarta e última, “A Lei da Artéria”, afirma que a
perturbação do fluxo arterial desencadeará um retorno venoso mais lento,
provocando paralisações venosas e acúmulo de toxinas. Isto favorecerá uma
dificuldade para estrutura executar sua função e a tornará vulnerável a
processos de alterações no estado de higidez do indivíduo [8,17,21,
22].
Para entender a
osteopatia é necessário definir duas linhas de pensamento que se expressam
antagonicamente a respeito da disfunção articular. O primeiro conceito, oriundo
da ortopedia, define que disfunções são afecções provocadas por processos
degenerativos, traumáticos, inflamatórios e infecciosos, tais como artrite, entorse,
estiramento dos ligamentos e instabilidade articular. A segunda corrente
ideológica, a osteopática, apresenta o conceito de que disfunção articular é
uma restrição de movimento articular em função da falta de mobilidade de um
elemento conjuntivo, tratando-se, portanto, de restrições de movimentos
acessórios ou micromovimentos dentro dos limites articulares e não de luxação
ou sub-luxação articular, uma vez que seus elementos
ligamentares não sofrem solução de continuidade. Tal restrição de mobilidade poderá
desencadear processos dolorosos devido à tensão imposta aos ligamentos,
estimulando seus mecarreceptores e produzindo dor [20,21].
Os
mecanismos de ação
das manobras osteopáticas compreendem ações
mecânicas, ações reflexas e ações
sobre a dor [6-8].
As ações mecânicas
estão relacionadas ao ganho de espaço entre estruturas anteriormente aderidas
(articulações imbricadas). No caso da coluna vertebral, por exemplo,
destacam-se modificações no posicionamento do núcleo pulposo e as liberações de
pressão exercidas sobre as raízes nervosas. Existem quatro objetivos
biomecânicos principais em osteopatia, os quais são aumentar a flexibilidade de
tecidos conjuntivos (músculo, cápsula articular, ligamentos, tendões, etc.);
prevenir depósitos fibroadiposos geradores de aderências intrarticulares,
favorecer a lubrificação intrarticular e reposicionar corpos estranhos
intrarticulares, inclusive tecido fibrocartilaginoso e membrana sinovial [6,7,19].
As ações reflexas
resultam na diminuição significativa ou desaparecimento das contraturas
musculares locais detectadas ao exame palpatório pré-manipulativo. Tal fenômeno
se explica pelo reflexo miotático de estiramento e pelo estiramento dos fusos
neuromusculares durante o gesto manipulativo. Isso se deve à intervenção das
fibras mielinizadas de grande calibre “Ia” para a transmissão das mensagens à
medula e à influência dos motoneurônios alfa e gama no retorno. Na região das
fibras extrafusais, a hiperatividade constatada nas fibras alfa facilitaria o relaxamento
do músculo. Esse reflexo de estiramento monossimpático não é o único envolvido
neste processo. É necessário considerar igualmente os reflexos de inibição
muscular recíproca polissimpática. Eles explicam a perfeita coordenação entre
os músculos agonistas e antagonistas. Nas manobras manipulativas, os
mecanorreceptores situados nos tendões também são solicitados gerando o
controle do músculo correspondente pelas fibras motoras alfa e gama [ 6,8,12,23].
O baixo custo
logístico para realização dos tratamentos osteopáticos difere das atuais formas
de assistência à saúde que custam caro, nem sempre tratam bem e raramente
curam. Isto é atribuído ao fato de estes tratamentos serem voltados,
basicamente, à sintomatologia apresentada pelo paciente. Em diferentes
manifestações, que variam desde a artrose à escoliose passando por hérnias discais, o componente biomecânico raramente é levado em
consideração e, no entanto, ele é fundamental [ 1,2,9,21,24].
Além disso, ainda
existem barreiras importantes que perpassam o desconhecimento sobre a
osteopatia e a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
(PNPIC), tanto por parte da população como pelos próprios profissionais. Neste
sentido, Arcanjo et al. [4] realizaram uma pesquisa
com o intuito de avaliar o conhecimento de fisioterapeutas sobre a
regulamentação e a utilização das terapias complementares pelos mesmos. Após
entrevistas com 30 fisioterapeutas em atividade em clínicas, hospitais,
faculdades, concluiu-se que os fisioterapeutas consideram a utilização das
terapias complementares importante em seu plano de tratamento (87%), porém
ainda são poucos os que utilizam essas terapias em suas condutas (43%). Uma
considerável quantidade de profissionais que fazem uso das terapias complementares
não conhece a regulamentação das terapias complementares (67%). Em virtude
disto, constatou-se a importância que as terapias complementares vêm
conquistando na área da Fisioterapia, entretanto, se faz necessário maior
utilização das mesmas pelos profissionais, bem como a ampliação do conhecimento
destes sobre as regulamentações que regem essas terapias.
Neste contexto, a
osteopatia apresenta-se como uma ferramenta alternativa para a saúde pública,
dentre outros benefícios, pelo baixo custo envolvido na sua aplicação, uma vez
que para o seu exercício não se exigem muitos equipamentos e/ou insumos
medicamentosos, bem como pelas repercussões clínicas e benefícios biológicos e
psicossociais que ela proporciona. Contudo, há a necessidade de direcionamento
para investimentos na formação/capacitação do profissional fisioterapeuta para
que este possa utilizar a osteopatia e tenha condições de trabalho para
realizá-lo de forma eficiente junto à população [2,24-26].
Tendo em vista o que
foi discutido, entende-se que, dentre o arsenal terapêutico disponível ao
fisioterapeuta, a osteopatia se soma às técnicas terapêuticas aplicadas no
tratamento de disfunções musculoesqueléticas e transtornos de ordem ortopédica
apresentando efeitos terapêuticos satisfatórios aos seus usuários.
Na visão da
osteopatia, o indivíduo é visto como um todo e é tratado individualmente,
entretanto as repercussões do tratamento se dão também em âmbito social e
econômico em uma percepção mais abrangente. Nesta perspectiva, se o indivíduo
passa a apresentar menos dor e limitação funcional para relações sociais e
laborais, ele passa a ter mais capacidade para o trabalho e, consequentemente,
torna-se cada vez mais economicamente ativo, melhorando sua renda e as
condições de vida de sua família. É necessário investir neste tipo de abordagem
terapêutica com um caráter também preventivo e integrado às políticas públicas
de saúde.
Muito embora a
estrutura política da saúde no Brasil pareça ser uma alternativa interessante
para a prática da osteopatia junto à população de baixa renda, ainda há uma
grande lacuna no tocante ao conhecimento desta acerca da Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares, sendo este desconhecimento também
extensivo aos profissionais de saúde.
Em virtude disto, a
participação da osteopatia nas políticas públicas de saúde no Brasil é
imprescindível, haja vista seus resultados serem clinicamente satisfatórios e
não restritos aos aspectos biológicos do indivíduo, colaborando para as
relações sócio-afetivas, políticas e econômicas. Estes aspectos encontram-se em consonância com o conceito de saúde adotado
pela OMS os quais fundamentam a existência do SUS.