ARTIGO ORIGINAL

Aplicabilidade de novos parâmetros anatômicos para a avaliação postural em cadeirantes por meio da biofotogrametria computadorizada

Applicability of new anatomical parameters for postural assessment in wheelchair users by means of computerized biophotogrammetry

 

Simone de Paula, D.Sc.*, Kétlin Caroline Griebeler**, Egon Acelido Dörr Neto**, Eliane Fátima Manfio, D.Sc.***

 

*Docente e pesquisadora do Curso de Fisioterapia da Universidade Feevale, **Acadêmicos de Fisioterapia da Universidade Feevale, ***Docente e pesquisadora dos Cursos de Educação Física, Fisioterapia e Quiropraxia da Universidade Feevale

 

Recebido em 20 de agosto de 2017; aceito em 25 de abril de 2018.

Endereço de correspondência: Simone de Paula, ERS-239, 2755, 93525-075 Novo Hamburgo RS, E-mail: sdpaula@feevale.br; Kétlin Caroline Griebeler: ketlincg@gmail.com; Egon Acelido Dörr Neto: egonfisio@gmail.com; Eliane Fátima Manfio: elianef@feevale.br

 

Resumo

Introdução: A biofotogrametria computadorizada apresenta níveis satisfatórios de confiabilidade na avaliação postural de indivíduos na posição em pé. No entanto, há poucos estudos sobre análises posturais em cadeirantes. Objetivo: Verificar a aplicabilidade de novos parâmetros anatômicos para a avaliação postural em cadeirantes por meio da biofotogrametria computadorizada. Material e métodos: Estudo observacional descritivo, com abordagem quantitativa. A amostra do estudo foi composta por sete crianças e adolescentes cadeirantes. O registro fotográfico para a avaliação postural foi realizado no plano frontal, com o paciente sentado sobre um assento de madeira. Posteriormente, as imagens foram analisadas através do Software de Avaliação Postural. Com o auxílio de um fio de prumo, as imagens foram calibradas. Os pontos anatômicos foram demarcados com bolas de isopor em regiões corporais específicas. Os ângulos selecionados para a análise foram: o alinhamento horizontal da cabeça e vertical do tronco. Também se determinou um novo parâmetro anatômico definido pelo ângulo entre os pontos médio-axilares da última costela e da crista ilíaca. Os dados foram analisados através da análise estatística descritiva e as correlações foram determinadas pelo Coeficiente de Pearson. Resultados: Os resultados do estudo mostraram que os pacientes avaliados apresentaram desvios posturais no plano frontal com ângulos médios de 3,9°±1,9° para o alinhamento horizontal da cabeça, 2,0°±0,6º para o horizontal dos acrômios, 2,2°±1,1° para o dos trocânters e 2,8°±1,6° para o vertical do tronco. Os valores obtidos para o lado direito e esquerdo entre os pontos médio-axilares da última costela, crista ilíaca e cicatriz umbilical foram 19,0°±5,7° e 14,9°±6,0°, respectivamente. O valor médio da diferença do ângulo iliocostal entre os lados direito e esquerdo foi de 4,1±2,9. Também se observou uma forte correlação entre a diferença do ângulo iliocostal e o alinhamento vertical do tronco (r=0,75; p<0,05), assim como uma forte correlação entre os ângulos horizontais das últimas costelas e das cristas ilíacas (r=0,80; p<0,05). Conclusão: Sugere-se que a avaliação postural por meio de novos parâmetros anatômicos, tais como o ângulo iliocostal, obtido pela biofotogrametria digital, pode se configurar em recursos relevantes para o acompanhamento de alterações posturais em cadeirantes, permitindo o seu uso na prática clínica através da capacitação de profissionais da área da reabilitação.

Palavras-chave: cadeiras de rodas, avaliação, postura, escoliose.

 

Abstract

Introduction: Photogrammetric analysis presents satisfactory levels of reliability in postural evaluation in standing position. However, there are few studies on postural analyzes in wheelchair users. Objective: To verify the applicability of new anatomical parameters for postural evaluation in wheelchair users by means of photogrammetric analysis. Methods: Descriptive observational study, with quantitative approach. The study sample consisted of seven wheelchair-bound children and adolescents. The photographic record for the postural evaluation was performed in the frontal plane, with the patient sitting on a wooden seat. Subsequently, the images were analyzed through the Postural Evaluation Software. A plumb line fixed to the ceiling, served as reference for calibration of the images obtained. The anatomical points were marked with styrofoam balls in specific body regions. The angles selected for the analysis were: horizontal alignment of the head, and vertical alignment of trunk. We also determined a new anatomical parameter defined by the angle between the mid-axillary points of the last rib and the iliac crest. Data were analyzed through descriptive statistical analysis and correlations were determined by the Pearson Coefficient. Results: The patients presented frontal deviations in frontal plan with mean angles of 3.9° ± 1.9° for horizontal head alignment, 2.0°± 0.6° for horizontal alignment of the acromion, 2.2° ± 1.1° for the alignment of the trochanters, and 2.8° ± 1.6° for vertical alignment of the trunk. The values obtained for the right and left sides between the mid-axillary points of the last rib, iliac crest and umbilical scar were 19.0° ± 5.7° and 14.9° ± 6.0°, respectively. The mean value of the iliocostal angle difference between the right and left sides was 4.1 ± 2.9. There was also a strong correlation between the iliocostal angle difference and vertical trunk alignment (r = 0.75; p <0.05), as well as a strong correlation between the horizontal angles of the last ribs and iliac crests (r = 0.80, p <0.05). Conclusion: The postural evaluation through new anatomical parameters, such as the iliocostal angle obtained by means of digital photogrammetry, can be a relevant tool for the follow-up of postural changes in wheelchair users, allowing their use in clinical practice through training of rehabilitation professionals.

Key-words: wheelchairs, evaluation, posture, scoliosis.

 

Introdução

 

Crianças e adolescentes cadeirantes com disfunções neuromotoras apresentam significativos déficits no controle postural e pélvico na posição sentada. Além disso, em virtude dos desequilíbrios musculares e tônicos, essa população frequentemente exibe alterações estruturais da coluna vertebral e deformidades osteomusculares fixas. Dentre estas disfunções, destacam-se o desenvolvimento de escolioses e cifoses, a luxação de quadril, a obliquidade pélvica e as contraturas musculares. Todos esses aspectos acentuam a pressão nos tecidos moles e dificultam a estabilidade postural sentada, fazendo-se necessária a elaboração de suportes corporais adequados para que as estruturas corporais permaneçam num adequado alinhamento [1].

Alguns estudos [1-3] têm demonstrado que recursos da adequação postural podem melhorar o posicionamento do corpo na posição sentada e podem garantir o adequado alinhamento biomecânico em indivíduos com deficiências motoras, proporcionando conforto e prevenindo o estresse tecidual e articular. No entanto, apesar da relevância clínica do controle postural para a prevenção de deformidades osteomusculares e de úlceras de pressão, estudos sobre o uso de ferramentas precisas de avaliação da postura sentada em cadeirantes ainda são limitados, especialmente na área da infância e da adolescência [4,5].

No Canadá, país de referência na área de adequação postural, estudos [5-7] têm utilizado escalas descritivas para avaliar o alinhamento postural de cadeirantes pediátricos e adultos. Estas ferramentas utilizam itens que avaliam os desvios posturais de diferentes segmentos corporais (cabeça, tronco, pelve e membros inferiores) na posição estática do paciente na cadeira de rodas ou em um assento especial. Com base em referências anatômicas e nos ângulos mensurados através da goniometria, os escores finais de cada critério corporal são interpretados, variando de normal a severo. Apesar da proximidade destes instrumentos com o uso clínico diário de profissionais da reabilitação, estes recursos apresentam limitações metodológicas ainda não validadas cientificamente e não traduzidas para o Português.

Especialmente em estudos brasileiros [8-12], algumas evidências têm demonstrado que a biofotogrametria computadorizada pode ser considerada uma ferramenta quantitativa com níveis satisfatórios de confiabilidade na avaliação da postura ortostática. Este recurso possibilita a obtenção de ângulos e distâncias corporais a partir de processos de aquisição, medição e interpretação de imagens fotográficas analisadas por softwares específicos. Além da reprodutibilidade dos resultados, da sua fácil aplicabilidade e do seu baixo custo, a biofotogrametria digital permite o arquivamento dos registros, vantagens que tem justificado a ampla utilização desta ferramenta na detecção e no acompanhamento de pacientes com desvios posturais [4,8,12].

Em virtude da dificuldade de identificação precisa das referências anatômicas em indivíduos cadeirantes e da falta de protocolos validados, os estudos sobre o uso da biofotogrametria em indivíduos cadeirantes são escassos [13]. Neste contexto, faz-se necessário o estabelecimento de critérios quantitativos específicos para o acompanhamento de alterações posturais e o desenvolvimento de estratégias preventivas nesta faixa etária. Com base nestes aspectos, o objetivo geral do presente estudo foi verificar a aplicabilidade de novos parâmetros anatômicos para a avaliação postural em cadeirantes por meio da biofotogrametria computadorizada.

 

Material e métodos

 

O presente estudo caracteriza-se por uma metodologia observacional descritiva, com abordagem quantitativa. Os critérios de inclusão para a seleção da amostra foram: 1) crianças e adolescentes na faixa etária dos 4 aos 17 anos; 2) dependentes da cadeira de rodas; 3) presença de disfunções neuromotoras; 4) bom nível de compreensão de ordens simples; e 5) assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais ou responsáveis. Os pacientes que atenderam a estes critérios foram contatados por telefone e convidados a participar da pesquisa. O estudo foi realizado na clínica-escola de Fisioterapia da Universidade Feevale e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição (CAAE 52077315.8.0000.5348). A amostra final do estudo foi composta por sete (n=7) crianças e adolescentes com idade média de 12,4 anos ± 4,6 anos, com alterações neuromotoras variadas, incluindo doenças neuromusculares, mielomeningocele e paralisia cerebral.

A avaliação postural foi realizada em uma sala iluminada e privativa e consistiu na demarcação prévia de pontos anatômicos utilizando bolas de isopor com 5 mm de diâmetro colocadas diretamente na pele do paciente. Os pontos anatômicos de referência utilizados foram: tragus, acrômio, incisura jugular, cicatriz umbilical, ponto médio da última costela, ponto médio da crista ilíaca e trocânter maior. O registro fotográfico foi realizado no plano frontal, com o paciente na posição sentada sobre um assento de madeira padronizado. A câmera fotográfica (Canon® SX400IS) foi posicionada paralela ao chão, sobre o tripé a uma altura de 83 cm e a uma distância de 3 m do paciente (Figura 1). A demarcação dos pontos anatômicos e a obtenção das imagens foram realizadas sempre pelo mesmo examinador.

 

 

Figura 1Posicionamento da câmera fotográfica digital e do paciente durante a aquisição das imagens da avaliação postural.

 

 

Com o auxílio de um fio de prumo preso ao teto e um nível a laser, todas as imagens foram calibradas para a análise [8]. A posição do fio de prumo e da câmera foi a mesma para todos os pacientes. Posteriormente, as imagens foram analisadas através do Software de Avaliação Postural (SAPO). Para a análise das alterações posturais do tronco, os ângulos selecionados foram: o alinhamento horizontal da cabeça, o horizontal dos acrômios, o horizontal do tronco (costela, crista ilíaca e trocânter) e o vertical do tronco (incisura jugular, processo xifóide e linha supraumbilical). Além destas variáveis, obteve-se a diferença iliocostal, determinada pela subtração dos ângulos de três pontos entre os pontos médio-axilares da última costela, crista ilíaca e cicatriz umbilical, nos lados direito e esquerdo (Figura 2). Os resultados obtidos apresentaram distribuição normal e foram analisados através da análise estatística descritiva, e as correlações foram determinadas pelo Coeficiente de Pearson, considerando p ≤ 0,05.

 

 

Figura 2Registro fotográfico extraído do Software SAPO, identificando o ângulo íliocostal, determinado pelo ponto médio-axilar da última costela e da crista ilíaca em relação à cicatriz umbilical.

 

Resultados

 

Em relação ao perfil clínico, observou-se que 57,1% das crianças participantes do estudo apresentaram o diagnóstico de doença neuromuscular, incluindo a Ataxia de Friedrich, a Distrofia Muscular de Duchenne e a Atrofia Espinhal Progressiva do Tipo III. Também participaram do estudo, crianças com diagnóstico de mielomeningocele (28,6%) e lesão medular traumática (14,3%).

A análise da avaliação postural, através do SAPO, mostrou que os valores médios obtidos para os ângulos determinados no plano frontal foram: 3,9° ± 1,9° para o alinhamento horizontal da cabeça, 2,0°± 0,6º para o horizontal dos acrômios, 2,2° ± 1,1° para o pélvico e 2,8° ± 1,6° para o vertical do tronco. Adicionalmente, os valores obtidos para o lado direito e esquerdo entre os pontos médio-axilares da última costela, crista ilíaca e cicatriz umbilical foram 19,0° ± 5,7° e 14,9° ± 6,0°, respectivamente (Figura 3).

 

Figura 3Valores médios dos ângulos obtidos no plano frontal para a determinação do alinhamento horizontal e vertical dos cadeirantes.

 

De forma complementar aos ângulos padronizados pelos estudos prévios [8], o presente estudo obteve a diferença iliocostal, com base no ângulo entre os pontos médio-axilares da última costela, crista ilíaca e cicatriz umbilical. Os resultados desta variável mostraram que o valor médio da diferença do ângulo iliocostal entre os lados direito e esquerdo foi de 4,1 ± 2,9. Além disso, através da análise do Coeficiente de Pearson pode-se observar que houve uma forte correlação positiva entre a diferença iliocostal e o alinhamento vertical do tronco (Figura 4) (r=0,75; p<0,05), assim como uma forte correlação positiva entre os ângulos horizontais das últimas costelas e das cristas ilíacas em relação ao alinhamento vertical do tronco (Figura 5) (r=0,80; p<0,05).

 

Figura 4Correlação positiva entre a diferença iliocostal e o alinhamento vertical do tronco.

 

Figura 5Correlação entre os ângulos horizontais das últimas costelas e das cristas ilíacas em relação ao alinhamento vertical do tronco.

 

Discussão

 

Os resultados do presente estudo mostraram que os pacientes avaliados apresentaram desvios posturais no plano frontal, tendo em vista que de acordo com a literatura, os valores de referência para o alinhamento horizontal e vertical simétrico do tronco são próximo a zero [4,5]. Crianças e adolescentes com deficiências neuromotoras desenvolvem deformidades na coluna espinhal devido à combinação de alterações no tônus com o inadequado controle muscular no tronco e na pelve. Em virtude dessas características, observa-se uma elevada prevalência de desvios posturais na população de cadeirantes com doenças neurológicas. Especialmente na fase da infância e da adolescência, a curvatura anormal da coluna se desenvolve como consequência do efeito da gravidade sobre a coluna vertebral, que é inadequadamente suportada pela presença de fraqueza dos músculos abdominais e posteriores da coluna durante a fase de crescimento. De forma ainda mais acentuada e com rápida progressão, essas alterações podem ser vistas em pacientes dependentes de cadeiras de rodas [13-15].

O perfil clínico das crianças avaliadas neste estudo caracterizou-se, principalmente, por pacientes com doenças neuromusculares diversas. As doenças neuromusculares são deficiências motoras mais raras e se constituem em um grupo de desordens, hereditárias ou adquiridas, que afetam não somente a unidade motora, mas também o trato córticoespinhal, o cerebelo e as vias espinocerebelares [16]. Nesta população, a flacidez de tronco, o envolvimento assimétrico dos segmentos corporais e o desequilíbrio muscular contribuem para a elevada prevalência de escoliose neuromuscular, especialmente na fase do estirão puberal [17]. Através da avaliação postural por biofotogrametria digital, autores realizaram uma comparação entre os pacientes cadeirantes e não-cadeirantes e concluíram que houve uma alta correlação entre o uso da cadeira de rodas e a presença de significativas alterações posturais no plano frontal em pacientes portadores de distrofia muscular de Duchenne e de Becker [18].

Os resultados dos ângulos do plano frontal obtidos neste estudo sugerem uma elevada incidência de escoliose nas crianças e adolescentes participantes do estudo. A escoliose é um desvio postural tridimensional que atinge a coluna vertebral e pode ter seu início na infância, agravando-se na adolescência. Nos pacientes com disfunções neuromotoras, as alterações de tônus, o desequilíbrio muscular e o posicionamento sentado são fatores importantes no desenvolvimento de comprometimentos posturais. Além disso, estes componentes são determinantes para o aparecimento de compensações biomecânicas relacionadas, tais como a obliquidade pélvica e as deformidades de quadril [19]. É importante considerar que, quando estas deformidades atingem indivíduos cadeirantes, os segmentos corporais e as referências anatômicas sofrem alterações estruturais significativas [13], o que dificulta ainda mais a palpação e localização com precisão das estruturas ósseas e a obtenção de imagens por meio da biofotogrametria.

O método da biofotogrametria está cada vez mais sendo utilizado como alternativa à radiografia, protegendo o paciente contra os efeitos da radiação e reduzindo o risco de fadiga muscular, sintoma comum em pacientes neurológicos devido à diminuição do controle muscular voluntário [8,13]. A validade deste recurso na postura sentada já foi testada em indivíduos assintomáticos, sugerindo que as medidas quantitativas analisadas podem fornecer resultados confiáveis e compatíveis com os achados radiológicos [20]. No entanto, apesar das vantagens em relação a outros métodos, ainda são poucos os estudos sobre avaliação postural utilizando a biofotogrametria na população cadeirante [13].

Pesquisas na área de semiologia ortopédica utilizam a distância iliocostal como medida para avaliação de desvios posturais no plano frontal, sugerindo que a redução deste parâmetro relaciona-se com o lado côncavo da escoliose e com o desalinhamento pélvico [21,22]. Com base na literatura e na dificuldade da localização precisa dos pontos anatômicos em cadeirantes, no presente estudo, o ângulo iliocostal foi determinado como uma nova referência para avaliação postural, definido como a angulação entre os pontos médio-axilares da última costela, crista ilíaca e cicatriz umbilical. Os resultados do presente estudo indicaram que houve uma correlação positiva entre as diferenças entre os ângulos iliocostais direito e esquerdo, e o alinhamento vertical do tronco, sugerindo que quanto maior a diferença na angulação iliocostal, maior a assimetria vertical do tronco. Da mesma forma, o desalinhamento do ângulo horizontal da última costela foi acompanhado pela assimetria horizontal das cristas ilíacas e pelo desalinhamento vertical do tronco, também sugerindo que os padrões posturais entre os cadeirantes tendem a ser semelhantes. Similarmente ao presente estudo, Okama et al. [18] observaram que os pacientes cadeirantes com doenças neuromusculares apresentaram uma alta correlação em diversas variáveis da biofotogrametria digital, incluindo diferenças entre as distâncias de pontos anatômicos mensuradas do lado esquerdo e comparadas com o lado contralateral. Cabe ressaltar que a presente investigação optou pela medida de ângulos e não de distâncias, com o objetivo de determinar parâmetros avaliativos mais precisos, tendo em vista que o software utilizado apresenta maior precisão para as medidas angulares quando comparadas com as medidas lineares [23].

Em um estudo radiológico, realizado por Patel e Shapiro [24], com 116 pacientes com desordens neuromotoras, foi observado que 98% das escolioses lombares e toraco-lombares estiveram associadas com graus de obliquidade pélvica maiores que 2 graus. A posição estável da pelve na linha mediana, isto é, evitando a rotação e a inclinação, acompanhada de uma distribuição equitativa do peso sobre as tuberosidades isquiáticas, são fatores que constituem a base neutra, a partir da qual podem ocorrer os movimentos da cabeça, do tronco e dos membros [25].

O posicionamento neutro da pelve é considerado o elemento chave para a postura sentada, uma vez que corresponde ao pilar de sustentação corporal e influencia na indução das curvaturas fisiológicas da coluna vertebral [26]. Especialmente em indivíduos não-deambulantes com comprometimentos neurológicos, a escoliose é frequentemente acompanhada de obliquidade pélvica e assimetrias do tronco. Estima-se que, aproximadamente, 98% dos pacientes com doenças neuromusculares apresentem alterações no alinhamento pélvico resultando na rápida progressão dos desvios posturais [24,27]. Além de acentuar a pressão nos tecidos moles e favorecer o aparecimento de feridas cutâneas [1], escolioses progressivas acompanhadas pela obliquidade pélvica põem em risco as atividades de vida diária destes pacientes e podem comprometer o funcionamento dos sistemas cardíaco e respiratório [28].

A adequação postural em cadeira de rodas é um importante recurso preventivo de tecnologia assistiva que objetiva o alívio da pressão, proporciona o conforto e facilita o desenvolvimento de habilidades funcionais [2,3,22]. Através de parâmetros posturais adequados, precisos e factíveis, o sentar ergonômico em cadeira de rodas determinado por capacitados profissionais da reabilitação, pode possibilitar o correto posicionamento dos segmentos corporais, além de reduzir o gasto energético, prevenir o aparecimento de deformidades e melhorar a qualidade de vida dos cadeirantes [2]. Por fim, ressalta-se que, apesar das limitações apresentadas neste estudo, tais como, o pequeno número amostral e o uso de técnicas bidimensionais de avaliação postural, os resultados apresentados nesta investigação, complementados com avaliações nos demais planos anatômicos, podem fornecer subsídios para o estabelecimento de estratégias de prevenção e adequação postural de indivíduos cadeirantes portadores de deficiências neuromotoras, através de parâmetros quantitativos e específicos para esta população.

 

Conclusão

 

A partir dos resultados obtidos neste estudo sugere-se que a avaliação e validação postural de novos parâmetros anatômicos, tais como, o ângulo iliocostal, obtido por meio da biofotogrametria digital podem se configurar em recursos relevantes para o acompanhamento de alterações posturais em cadeirantes, permitindo o seu uso na prática clínica, por meio da capacitação de profissionais da área da reabilitação. Por fim, estudos mais abrangentes sobre a validade e a confiabilidade de critérios anatômicos específicos para a avaliação postural computadorizada na posição sentada devem ser realizados para facilitar a identificação de compensações posturais e aprimorar o estabelecimento de técnicas de adequação postural em cadeira de rodas.

 

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