ARTIGO ORIGINAL

Análise da marcha em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica antes e após programa de reabilitação pulmonar

Chronic obstructive pulmonary disease patients gait analysis before and after a pulmonary rehabilitation program

 

Juliete Palandi*, Patrícia José*, Vinícius Mazzochi Schmitt*, Fernanda Cechetti, D.Sc.**, Raquel Saccani, D.Sc.***, Leandro Viçosa Bonetti, D.Sc.***

 

*Acadêmicos do curso de Fisioterapia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul/ RS, **Professora do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFSPA), Porto Alegre/RS, ***Professor do Curso de Fisioterapia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul/RS

 

Recebido em 16 de maio de 2016; aceito em 5 de julho de 2017.

Endereço para correspondência: Leandro Viçosa Bonetti, Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130, Bloco 70, 95070-560 Caxias do Sul RS, E-mail: leandrovbonetti@gmail.com; Juliete Palandi: juli_palandi@hotmail.com; Patrícia José: patimjose@gmail.com; Vinícius Mazzochi Schmitt; vinicius_m_s@hotmail.com; Fernanda Cechetti: nandacechetti@gmail.com; Raquel Saccani: raquelsaccani@yahoo.com.br

 

Resumo

Introdução: A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma patologia respiratória que está relacionada à diminuição funcional, e pode provocar alterações da marcha em indivíduos com DPOC. Objetivo: Analisar, através de informações de um banco de dados, os parâmetros da cinemática linear e cinemática angular da marcha em pacientes com DPOC antes e após a participação em um Programa de Reabilitação Pulmonar. Métodos: Foram selecionadas avaliações da marcha de 16 sujeitos com DPOC ingressantes no Programa de Reabilitação Pulmonar da Universidade de Caxias do Sul (UCS). A análise cinemática da marcha foi realizada antes e após 12 semanas de participação neste programa. Resultados: Com relação às variáveis lineares da marcha, o comprimento do passo direito (p = 0,003), a cadência (p = 0,003), o tempo da passada direito e esquerdo (p = 0,003 e p = 0,006) e a velocidade (p = 0,013) apresentaram diferenças estatisticamente significativas. Já os aspectos angulares não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre as duas avaliações. Conclusão: O Programa de Reabilitação Pulmonar influenciou positivamente quase todos os parâmetros lineares da marcha, demonstrando a importância da interferência na marcha através de um tratamento adequado para a manutenção ou melhora da qualidade de vida destes indivíduos.

Palavras-chave: marcha, DPOC, tratamento.

 

Abstract

Introduction: The Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD) is a respiratory disease that is related to functional impairment, and can cause gait modifications in these individuals. Objective: Analyze, from a database’s information, the gait linear and angular kinematics parameters in COPD patients before and after participation in a pulmonary rehabilitation program. Methods: We selected gait analyses of 16 patients with COPD entrants in the University of Caxias do Sul Pulmonary Rehabilitation Program. The cinematic gait analysis was made before and after 12 weeks of this program. Results: About the gait linear parameters, the right step length (p = 0.003), the rhythm (p = 0.003, the right and left times length (p = 0.003 and p = 0.006) and the speed (p = 0.013) showed statistically significant differences. However, the angular aspects did not show statistically significant difference among the two evaluations. Conclusion: The pulmonary rehabilitation program positive influenced almost all the gait linear parameters, showing the importance of gait interference through appropriate treatment to maintenance or improvement of quality of life.

Key-words: gait, COPD, treatment.

 

Introdução

 

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma patologia respiratória, associada a uma resposta inflamatória anormal das vias aéreas e do pulmão [1] e é considerada a doença pulmonar mais comum [2]. Apesar de ter sido por muito tempo considerada uma doença que afetava apenas os sistemas respiratório e cardíaco, hoje se sabe que as pessoas com DPOC também sofrem com doenças metabólicas, osteoporose, ansiedade e depressão, doenças gastrointestinais, caquexia, disfunções da musculatura esquelética, entre outras [3]. Então, a DPOC está intimamente relacionada à diminuição funcional do indivíduo por gerar alterações musculares periféricas e consequentemente diferentes graus de dependência para a realização de atividades de vida diária [4,5], além de causar redução funcional, intolerância ao exercício [6-8] e aumentar significativamente o risco de quedas nessa população [9].

O principal fator na independência do ser humano é sua capacidade de deambular, deste modo, realizar a análise detalhada da marcha e identificar possíveis alterações biomecânicas em função de patologias ou da eficácia de métodos de tratamento é de extrema importância [10-12]. A análise tridimensional da marcha permite uma avaliação mais precisa de possíveis alterações quando comparada aos parâmetros normais, muito mais precisa que a avaliação visual da marcha [13]. Este tipo de análise é empregado para a avaliação de um segmento ou do paciente como um todo [14] e as principais variáveis analisadas estão relacionadas à cinemática linear e cinemática angular da marcha [15]. Enquanto a cinemática linear analisa as variáveis espaciais, temporais e espaços temporais [16], a cinemática angular analisa o comportamento das principais articulações em função da amplitude de movimento destas durante a realização da marcha [12].

Na revisão de literatura de Wren et al. [17], os autores são enfáticos ao reafirmar que resultados de uma análise de marcha devem ser seriamente considerados no processo de tomada de decisão sobre o tratamento de pacientes com alguma patologia, assim como na avaliação da efetividade de um determinado programa de reabilitação [14]. Doenças como a DPOC, assim como o envelhecimento, influenciam diretamente na marcha normal desses indivíduos [18,19]. Desta forma, o objetivo deste estudo foi analisar, através de informações de um banco de dados, os parâmetros da cinemática linear e cinemática angular da marcha em pacientes com DPOC antes e após 12 semanas de um Programa de Reabilitação Pulmonar.

 

Material e métodos

 

A presente pesquisa caracteriza-se por ser um estudo de caráter descritivo observacional e com delineamento transversal retrospectivo [20]. Fizeram parte da amostra deste estudo avaliações da cinemática da marcha de 16 pacientes (entre 40 e 75 anos, de ambos os sexos) portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e que ingressaram no Programa de Reabilitação Pulmonar do IME-UCS (Instituto de Medicina do Esporte e Ciências Aplicadas ao Movimento Humano da Universidade de Caxias do Sul, na cidade de Caxias do Sul/RS, Brasil) entre março e agosto de 2014. As avaliações foram realizadas no laboratório de Análise Biomecânica do Movimento do IME-UCS e as informações desta amostra foram coletadas através do banco de dados desse instituto. Foram selecionadas 2 avaliações de cada paciente, a primeira realizada no momento em que o indivíduo ingressou no grupo de Reabilitação Pulmonar do IME-UCS e a segunda realizada 12 semanas após a primeira avaliação, que é no momento em que o Programa de Reabilitação Pulmonar se encerra. O número amostral foi estabelecido por conveniência, determinado de forma intencional e não probabilística [20] de acordo com o número de avaliações encontradas no banco de dados do IME-UCS e que preencheram os critérios de inclusão e exclusão. Foram incluídos no estudo avaliações de: a) pacientes com diagnóstico clínico de DPOC em grau moderado [1]; b) pacientes ingressantes no Programa de Reabilitação Pulmonar do IME-UCS. Foram excluídos do estudo avaliações de: a) pacientes com diagnóstico clínico de DPOC em grau leve ou grave; b) pacientes hipoxêmicos que estão em tratamento de oxigenoterapia domiciliar; c) pacientes que tiveram frequência inferior a 85% no Programa de Reabilitação Pulmonar; d) pacientes com idade acima de 75 anos; e) excesso de peso segundo o índice de massa corporal (IMC > 27); g) dor aguda.

Este trabalho foi aprovado (protocolo 362.784) Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil) e conduzido de acordo com as disposições legais da resolução Nº 466 do ano de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, que aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

Para a avaliação da cinemática da marcha, primeiramente os pacientes receberam os esclarecimentos acerca da coleta de dados. Após, os pacientes tiveram mensuradas sua massa corporal e a estatura utilizando uma balança com estadiômetro (110 CH, Welmy, Santa Bárbara d’Oeste, São Paulo, Brasil). A partir desses dados, foram calculados o índice de massa corpórea (IMC) de cada sujeito, sendo possível diagnosticar sobrepeso, peso alterado ou desnutrição. Em seguida, os pacientes foram encaminhados ao laboratório de Análise Biomecânica do Movimento do IME-UCS, onde foram submetidos a um protocolo de mensurações antropométricas requeridas pelo sistema Vicon MX. O sistema Vicon MX de captura 3D de movimento é composto por sete (7) câmeras (Vicon MX Systems, Oxford Metrics Group, Reino Unido) que capturam a trajetória tridimensional dos marcadores posicionados no corpo dos sujeitos durante a marcha. Os dados cinemáticos foram coletados em uma taxa de amostragem de 100 Hz. Os procedimentos para a coleta de dados seguiram o protocolo de Laroche et al. [21] Então, após o preparo do paciente, ocorreu a calibração do sistema de análise. Para adaptação dos participantes ao protocolo de avaliação de marcha, primeiramente foi solicitado aos sujeitos que caminhassem 8 metros em linha reta na velocidade autosselecionada no local destinado à coleta de marcha no laboratório. Os sujeitos memorizaram o número de passos e o ritmo necessário. Após a familiarização, foram afixados marcadores reflexivos nos seguintes pontos anatômicos: crista ilíaca superior anterior direita e esquerda, crista ilíaca posterior direita e esquerda, coxa direita e esquerda, joelho direito e esquerdo, tíbia direita e esquerda, tornozelo direito e esquerdo, calcanhar direito e esquerdo e entre o segundo e terceiro dedos do pé direito e esquerdo. Quatro tentativas foram realizadas até que 8 passos foram capturados integralmente [21]. Cada indivíduo realizou duas avaliações, a primeira realizada ao ingressarem no grupo de Reabilitação Pulmonar e a segunda 12 semanas após a primeira avaliação.

Com relação ao Programa de Reabilitação Pulmonar, este tem duração de 12 semanas, sendo realizado 3 dias por semana durante 1 hora por dia. As atividades são programadas de maneira individual (de acordo com a avaliação inicial de ingresso ao Programa de Reabilitação Pulmonar) e são supervisionadas por Educadores Físicos, Fisioterapeutas e acadêmicos de Educação Física e Fisioterapia. As atividades realizadas abrangem: treinamento de força administrado em academia de musculação (com exercícios de intensidade e volume progressivos para membros superiores e inferiores e com ênfase no fortalecimento de músculos estabilizadores do quadril e coxa), condicionamento cardiovascular com caminhada em esteira ou bicicleta ergométrica (com volume e intensidade progressivos), alongamentos ativos (mantidos por 30 segundos de membros superiores e inferiores, mas com ênfase na musculatura de membros inferiores que influenciam diretamente a mobilidade do indivíduo), treinamento de equilíbrio e coordenação (através da realização de circuitos específicos que incluíam exercícios estáticos, de transição, dinâmicos, de locomoção e exercícios funcionais), treinamento de padrões ventilatórios (treinamentos respiratórios, alongamento de grupos musculares acessórios e treinamento muscular diafragmático), além de orientações aos pacientes sobre a evolução da patologia e sobre a realização das atividades de vida diária. Semanalmente são efetuadas revisões das atividades, sendo realizadas progressões nas atividades desse programa.

As variáveis cinemáticas lineares analisadas foram: a) variáveis espaciais da marcha: comprimento do passo, largura do passo; b) variáveis temporais da marcha: cadência e tempo do passo; c) variável espaçotemporal: velocidade da marcha. Para a análise da cinemática angular, as variáveis angulares de quadril e joelho no plano sagital foram selecionadas. Para as comparações com a normalidade, foram considerados os valores descritos por Neumann e Werneck [16]. Inicialmente, os dados antropométricos (massa corporal, estatura e IMC) passaram por análise descritiva. Os valores médios das variáveis lineares a angulares da marcha foram analisados estatisticamente no software Statistical Package to Social Sciences for Windows (SPSS) 17.0, sendo esses valores médios da primeira avaliação e da segunda avaliação, submetidos ao teste T de Student e comparados, considerado o nível de significância de 0,05.

 

Resultados

 

Foram analisadas 32 avaliações cinemáticas da marcha, 16 realizadas no período Pré e 16 realizadas no período Pós-Programa de Reabilitação (de 7 pacientes do sexo masculino e 9 do sexo feminino) portadores de DPOC moderada, com idades entre 43 e 75 anos e média de idade 61,25 ± 9,72 anos. Com relação à massa corporal dos pacientes, a amostra apresentou média de 72,78 ± 12,68 kg, estatura média de 1,65 ± 0,06 m e a média do índice de massa corpórea (IMC) foi de 26,64 ± 4,76 kg/m2. Os resultados referentes à avaliação cinemática linear da marcha estão descritos na Tabela I. Entre estas, destacamos alguns itens que obtiveram diferenças estatisticamente significativas entre a avaliação Pré e Pós-Programa de Reabilitação Pulmonar, como o comprimento de passo do membro direito, cadência, tempo de passada de ambos os membros e velocidade.

 

Tabela I - Média das variáveis cinemáticas lineares, Pré e Pós-Programa de Reabilitação Pulmonar, assim como os valores de normalidade.

 

Md = média; DP = desvio padrão; m = metros; passos/min = passos por minuto; s = segundos; m/s = metros por segundo; t = t teste Student; p = valor de significância estatística menor que 0,05, * = estatisticamente significativo; ** = normalidade segundo Neumann e Werneck [16].

 

Os resultados referentes à avaliação cinemática angular da marcha estão descritos na Tabela II. Os dados obtidos não apresentaram diferença significativa Pré e Pós Programa de Reabilitação.

 

Tabela II - Média das variáveis cinemáticas angulares, Pré e Pós-Programa de Reabilitação Pulmonar, assim como os valores de normalidade.

 

Md = média; DP = desvio padrão; D = direito; E = esquerdo; º = graus; t = teste Student; p = valor de significância estatística menor que 0,05, * = estatisticamente significativo; ** = normalidade segundo Neumann e Werneck [16].

 

Discussão

 

O objetivo desta pesquisa foi avaliar os parâmetros da cinemática linear e cinemática angular da marcha em pacientes com DPOC antes e após doze semanas de um Programa de Reabilitação Pulmonar.

Com relação às variáveis cinemáticas lineares da marcha, o comprimento do passo direito e esquerdo apresentaram valores médios abaixo dos valores de normalidade, tanto na avaliação Pré como na avaliação Pós-Programa de Reabilitação Pulmonar. No estudo com delineamento transversal de Ribeiro et al. [19], no qual foi avaliada a marcha de pacientes com DPOC do sexo masculino com média de idade de 64 anos, o comprimento do passo também apresentou valores médios abaixo dos valores da normalidade. Porém, o presente estudo demonstrou melhora estatisticamente significativa no comprimento do passo direito após o Programa de Reabilitação, diferente do estudo de Facco et al. [22] com 14 indivíduos com DPOC e de ambos os sexos (entre 52 e 78 anos) que após a utilização de um teste incremental de caminhada de forma terapêutica verificou que o comprimento do passo não obteve alteração. Por outro lado, o parâmetro largura do passo apresentou valores acima dos normativos [16], tanto no período Pré como Pós-reabilitação. Ribeiro et al. [19] esclarecem que indivíduos com DPOC tendem a realizar uma marcha errônea, com passos mais largos a fim de obter maior estabilidade, menor tempo de esforço e menor sobrecarga ventilatória.

Com relação à cadência, esperava-se que na avaliação no período Pré-reabilitação os valores médios fossem superiores aos valores normativos, apresentando uma maior frequência de passos por minuto para consequentemente tentar realizar uma marcha mais segura. Entretanto, os sujeitos avaliados no presente estudo apresentaram valores médios de cadência abaixo da normalidade [16], assim como no estudo de Ribeiro et al. [19]. Já o estudo de Lahouse et al. [23], com 196 pacientes, com média de idade de 75,5 anos e de ambos os sexos, indicou valores médios da cadência maiores nos pacientes com DPOC e proporcionalmente maiores de acordo com a severidade da doença. Ainda referente à cadência, os valores médios da segunda avaliação apresentaram-se estatisticamente superiores quando comparados à primeira, mas acima dos valores normativos [16]. Já os parâmetros tempo de passada direita e esquerda apresentaram valores acima da normalidade nas duas avaliações, contudo, apresentou redução estatisticamente significativa quando comparada a avaliação Pós-Programa de Reabilitação com a avaliação Pré. O tempo de passada é definido como o tempo gasto para que ajam contatos sucessivos do calcanhar do mesmo pé [16], podendo influenciar diretamente na velocidade da marcha.

No que se refere à velocidade da marcha, parâmetro mais comumente estudado e está relacionado ao resultado do comprimento da passada e da cadência (frequência), os valores médios obtidos nas duas avaliações estão abaixo do valor de normalidade sugerido por Neumann e Werneck [16], embora este parâmetro tenha obtido melhora estatisticamente significativa após o Programa de Reabilitação. Na avaliação de pacientes com DPOC moderado a severo (130 indivíduos com média de idade de 68 anos), Karpman et al. [24] também obtiveram valores médios de velocidade abaixo dos padrões de normalidade independentemente do sexo, da idade, da severidade da doença ou do nível de atividade física dos sujeitos. Ribeiro et al. [19] também verificaram valores médios da velocidade da marcha abaixo da normalidade na análise de 6 pacientes com DPOC do sexo masculino com idade média de 64 anos. Karpman et al. [24] relatam que as variáveis determinantes e que influenciam a velocidade da marcha seriam a capacidade de difusão pulmonar, os níveis de fadiga e dispneia e a idade avançada, sendo estas características comumente alteradas em indivíduos com DPOC. Com relação ao aumento da velocidade da marcha após a realização de exercícios terapêuticos, Facco et al. [22] também verificaram uma melhora na velocidade média da marcha de pacientes com DPOC.

O estudo de McClellan et al. [25] também demonstrou que um programa de reabilitação pulmonar individualizado de 4 semanas com 40 minutos diários de exercícios de condicionamento foi eficiente para a melhora na velocidade média da marcha de 119 pacientes com DPOC (homens e mulheres, com idade média de 68,8 anos). Entretanto, McClellan et al. [25] ressaltam a importância da utilização da reabilitação pulmonar de maneira precoce, visto que os pacientes com menor comprometimento pulmonar demonstraram um acréscimo mais significativo na velocidade da marcha.

No que tange à análise da cinemática angular da marcha, os resultados do presente estudo não demonstraram nenhuma diferença estatisticamente significativa entre a avaliação Pré e Pós-Programa de Reabilitação Pulmonar em nenhuma variável angular analisada tanto da articulação do quadril como do joelho. Além disso, mesmo após a segunda avaliação, os valores médios de extensão e flexão de quadril e extensão de joelho de ambos os membros se mantiveram muito aquém dos valores normativos [16]. Revisões sistemáticas e triagens clínicas agrupadas por Roing et al. [9] e por Kim, Mofarrahi e Hussain [26] demonstram que a força e resistência muscular de indivíduos com DPOC é menor quando comparada a pessoas saudáveis, principalmente dos músculos da coxa, e este fato está relacionado diretamente as articulações do quadril e do joelho. Esses fatores acabam interferindo na mobilidade desses indivíduos, de acordo com os dados obtidos no estudo de Yentes et al. [27], no qual analisaram os efeitos de um treinamento de seis semanas de duração, de duas a três vezes por semana, com meia hora de exercícios cardiorrespiratórios e meia hora de exercícios de força para os principais grupos musculares na marcha de pacientes DPOC (n = 14) com média de idade de 62,75 anos. Esta análise da marcha demonstrou resultados similares ao presente estudo quanto aos dados angulares das articulações do quadril e joelho, com valores próximos para flexão de quadril e extensão de joelho. As alterações nos aspectos angulares da marcha dos indivíduos com DPOC e idosos é comum, como citado por Kerrigan et al. [28] e Callisaya et al. [29], que verificaram que a articulação do joelho e do quadril tem alteração, tanto em mulheres quanto em homens idosos, quando comparados aos padrões de normalidade de adultos sadios. Barak et al. [30] compararam ângulos do quadril na marcha de idosos que sofriam quedas (n = 21) com idosos que não sofriam quedas (n = 27) e verificaram que uma maior extensão de quadril está relacionada a menor risco de quedas e uma maior flexão de quadril ocorre para transferir a energia para a parte superior do corpo.

De acordo com Roing et al. [9], Beauchamp, Brooks & Goldstein [18] e Yentes et al. [27], a avaliação da marcha de indivíduos com patologias crônicas, como a DPOC, e idosos é de extrema importância na clínica destes pacientes, pois o grande número de quedas desta população está relacionado a déficits na marcha e a diminuição da força muscular em membros inferiores. Em um estudo realizado por Pitta et al. [8], observou-se que indivíduos com DPOC passam a maior parte de seu tempo nas posições sentado ou deitados, devido a fatores como, por exemplo, a redução de força muscular, do consumo de oxigênio e dos volumes pulmonares. Karpman e Benzo [31] citam, em sua revisão de literatura, a velocidade da marcha como um predito do bem-estar e do estado clínico do indivíduo com DPOC, e com a alteração desta de forma positiva, evitar recidivas, internações hospitalares e um maior índice de mortalidade. Dessa forma, o Programa de Reabilitação Pulmonar deve ocorrer de forma progressiva, como sugere Facco et al. [22], influenciando na eficiência do posicionamento do centro de gravidade, aumentando a velocidade da marcha, diminuindo o risco de quedas, incluindo estratégias de manutenção de força muscular e mobilidade [9,27,31].

 

Conclusão

 

O presente estudo confirmou que as alterações dos parâmetros lineares e angulares da marcha são uma constante em indivíduos com DPOC. Entretanto, a realização da análise de marcha nesta população permite identificar as principais alterações presentes em cada indivíduo, podendo traçar um plano terapêutico direcionado às principais necessidades individuais identificadas. Dessa forma, podemos afirmar que Programa de Reabilitação Pulmonar proposto como tratamento aos pacientes com DPOC no IME-UCS influenciou positivamente em quase todos os parâmetros lineares da marcha avaliados (com exceção da cadência) e alguns de maneira estatisticamente significativa (comprimento do passo D, tempo da passada de ambos os membros e velocidade) quando comparada a avaliação Pós com a avaliação Pré-Programa de Reabilitação Pulmonar. Já com relação aos parâmetros angulares da marcha, este programa de reabilitação não foi capaz de influenciar os valores angulares de flexão e extensão da articulação do quadril e joelho. Sendo assim, é de fundamental importância a avaliação e a interferência na capacidade funcional da marcha através de um tratamento adequado para a manutenção ou melhora da qualidade de vida destes indivíduos.

 

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