ARTIGO
ORIGINAL
O
berçário da escola pública: aplicação de um programa de intervenção motora
oportuna
The public school nursery: implementation of a timely motor intervention
program
Laís Rodrigues
Gerzson, Ft., M.Sc.*, Kelly Andara de Azevedo**, Paula
Ribeiro Demarco***, Bruna Maciel Catarino****, Míriam Stock Palma, D.Sc.*****, Carla
Skilhan de Almeida, Ft. D.Sc.******
*Mestre
em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS, **Educadora Física e acadêmica do
Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Porto Alegre/RS, ***Graduada em Educação Física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS, ****Acadêmica do Curso de Fisioterapia
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS,
*****Professora de Educação Física, Docente do Curso de Educação Física da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, ******Docente do
Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Porto Alegre/RS
Recebido em 13 de
junho de 2016; aceito em 31 de janeiro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Carla Skilhan de Almeida, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rua
Felizardo, 750, 90620-200 Porto Alegre RS, E-mail: carlaskilhan@gmail.com; Laís
Rodrigues Gerzson: gerzson.lais@yahoo.com.br; Kelly Andara de Azevedo:
kellyandara.a@gmail.com; Paula Ribeiro Demarco: paulardemarco@gmail.com; Bruna
Maciel Catarino: bruna.catarino@hotmail.com; Míriam Stock Palma: miriam.palma@ufrgs.br
Resumo
Introdução: Os programas de
intervenção ofertados aos bebês potencializam o seu desenvolvimento. Objetivo: Melhorar a classificação de
lactentes com atraso ou suspeita de atraso motor para bebês típicos através de
um Programa de Intervenção Motora Precoce (PIMP) durante seis meses. Métodos: Participaram 15 bebês hígidos
das classes B, C e D (11 meninos e 4
meninas),
residentes no sul do Brasil e avaliados em três momentos:
avaliação inicial (1ª
avaliação), três meses (2ª
avaliação) e seis meses (3ª avaliação)
após o início
da intervenção. Tarefas de perseguição
visual, manipulação e controle postural
foram realizadas, totalizando 20 minutos, três vezes
por semana, por seis meses. A Alberta Infant Motor Scale (AIMS), que avalia
posturas, escore total bruto e percentil e classificação de desenvolvimento,
foi utilizada para avaliar as aquisições dos bebês. Foi
adotado 5% para o nível de significância. Resultados:
Houve diferença significativa em relação às posturas, exceto no “supino” (p =
0,428). Para “prono”, “sentado” e “escore total” a diferença foi significativa
da 1ª avaliação para a 2ª e 3ª, (p = 0,004), (p = 0,014), (p = 0,001)
respectivamente. Na postura em pé houve diferença significativa durante o
estudo (p < 0,001). Em relação ao percentil, a 3ª avaliação apresentou
resultados mais significativos (p < 0,001) do que os da 1ª e 2ª avaliações,
que não diferiram entre si. Conclusão:
A classificação do escore AIMS apresentou aumento do percentual de normalidade
nos três momentos. Todos apresentaram normalidade ao final do estudo. O efeito
do programa interventivo em lactentes ao longo do tempo proporciona
impacto positivo nos marcos motores.
Palavras-chave: Fisioterapia,
desenvolvimento infantil, berçários, intervenção precoce.
Abstract
Introduction: Intervention programs offered to babies empower their development. Aim: The goal was to improve the ranking
of babies with suspicion of Delay or Motor Delay of Typical babies through an
Early Motor Intervention Program (EMIP) for six months. Methods: Fifteen healthy babies’ class
B, C and D (11 boys and 4 girls), residents in southern Brazil and evaluated at
three different points: baseline (1 st assessment),
three months (2nd assessment) and six months (3rd assessment) after
starting intervention. Chase visual tasks, handling and postural control were
performed, 20 minutes, three times a week for six months. The Alberta Infant
Motor Scale (AIMS), which evaluates postures, total gross score and percentile
and development of classification, was used to evaluate the acquisitions of
babies. It was adopted for the 5% level of significance. Results: There were significant differences in relation to the
positions except the "supine" (p = 0.428). For "prone
position", "sitting" and "total score" the difference
was significant for the 1st, 2nd and 3rd assessment (p = 0.004) (p = 0.014) (p
= 0.001) respectively. The standing posture significant difference was observed
during the study (p < 0.001). Regarding the 3rd percentile evaluation,
results showed significant (p < 0.001) than the 1st and 2nd ratings that did
not differ from each other. Conclusion:
The classification of AIMS score had increased the normal percentage in three
stages. All had normal at the end of the study. The effect of intervening
program in babies provides positive impact on the motor milestones.
Key-words: Physical
therapy, child development, day care center, early intervention
É sobejamente
documentado na literatura atual [1-3] que o desenvolvimento motor do indivíduo
permite conquistar o autocontrole, de modo a se tornar capaz de explorar todas
as suas possibilidades de ação. Este desenvolvimento acontece pela função motora
e cognitiva, que consiste nos movimentos que visam as diferentes relações entre
o indivíduo e o mundo. Assim, o desenvolvimento das habilidades dos bebês
desempenha um papel essencial no processo de movimentos básicos para a melhor
coordenação de grandes grupos musculares nos mecanismos do controle postural,
equilíbrio e movimento [4].
Os movimentos dos bebês nos primeiros
meses de vida são basicamente reflexos, os quais auxiliam o sujeito a
adaptar-se à transição da vida uterina para o mundo externo, onde há constantes
mudanças [3]. O desenvolvimento no primeiro ano de vida pode ser dividido em
trimestres, no qual, cada trimestre apresenta características específicas [5].
No primeiro, o bebê desenvolverá a capacidade de levantar e girar a cabeça de um
lado para o outro. Na posição prono, ocorrerá a
extensão corporal com a melhora do controle cefálico e, mais tarde, a rotação
do corpo. O bebê apresentará o tônus mais extensor gradativamente, podendo,
assim, manter os braços estendidos e elevar o tronco da superfície, além de
permanecer com cabeça acima de 45º [5]. No segundo trimestre, começará a se
mostrar mais estável, tanto na postura supina como em prono, podendo manter
melhor equilíbrio nestas posições. Podem-se observar os ganhos na qualidade dos
movimentos de alcance, além da aquisição da postura sentada com apoio,
iniciando movimentos de extensão de membros superiores à frente para se puxar,
enquanto os membros inferiores estendem e se elevam [6].
No terceiro
trimestre, o bebê já será capaz de sentar sem suporte. O mesmo exibirá
movimentos anteriores e laterais de tronco, o que favorece a manipulação e
exploração de objetos nesta posição. Ele começará a engatinhar, o que
proporciona à criança maior noção de tamanho, distância, profundidade, formas,
cores e localização de objetos e pessoas no ambiente. O bebê realizará a
locomoção com apoio, mas necessitará ainda usar os membros superiores para
manter o equilíbrio. Conseguirá levantar apoiando-se em objetos de forma
estável [5].
Com a conquista da
postura em pé no quarto trimestre, iniciará o andar lateral com apoio em
mobílias (com uma base alargada, braços elevados e membros superiores abduzidos
para facilitar a estabilidade, pés virados para fora, contato íntegro da planta
dos pés no chão) e, posteriormente, poderá alcançar e controlar objetos durante
a marcha [7].
As características
individuais do bebê, o ambiente, a tarefa e a intenção são elementos que
exercem influência no desenvolvimento infantil e, por isso, a estimulação torna-se
tão importante desde tenra idade. Caso um ou vários desses elementos não sejam
considerados, podem ser constatados atrasos nas aquisições do bebê. O
diagnóstico precoce do atraso no desenvolvimento favorece que a intervenção
seja iniciada o quanto antes. Há uma maior reorganização e aumento neuronal com
ampliação das redes sinápticas nesse período, permitindo novas aquisições [8] e
atenuando as implicações das desordens motoras [9] a curto, médio e longo
prazo.
Uma estimulação
adequada oportuniza experiências e potencializa o desenvolvimento das crianças
no que se refere à capacidade cognitiva, motora, social [10,11]. O envolvimento
dos cuidadores e dos educadores se faz necessário para favorecer as
intervenções [12]. Sabemos e entendemos que a as crianças se desenvolvem
naturalmente à medida que se tornam mais velhas, mas acreditamos que, aliados a
esta maturação natural, uma intervenção a longo prazo
potencializa e direciona os ganhos no desenvolvimento global do bebê, fazendo
emergir os ganhos nas habilidades requisitadas no seu cotidiano [3,13-17].
Na escola de educação
infantil pública em que este programa é realizado, observamos na classificação
Atraso ou Suspeita de Atraso Motor em alguns bebês. Problematizamos a situação,
questionando se conseguiríamos tornar estes bebês Típicos em uma intervenção
longitudinal de seis meses.
Assim, o presente
estudo teve como objetivo melhorar a classificação de bebês com Atraso ou
Suspeita de Atraso Motor para bebês Típicos através de um Programa de
Intervenção Motora Precoce (PIMP) durante seis meses.
Delineamento
e participantes
Este estudo se
caracteriza como longitudinal, com abordagem quantitativa e correlacional [18],
aplicado às condições reais dos bebês em escola pública de educação infantil. O
cálculo do tamanho da amostra foi realizado no Programs for Epidemiologists (PEPI), versão 4.0. Para um nível de
significância de 5%, um poder de 90% e um tamanho de efeito padronizado regular
(TEP ≥ 1)
[19], da intervenção nas diferentes
escalas, devido à escassez de dados na literatura, obteve-se um
total mínimo de
13 bebês. Participaram do estudo todos os bebês
pertencentes ao berçário (total
de 15), os quais foram avaliados em três momentos: 1ª
Avaliação; 2ª Avaliação
(três meses após o início da
intervenção) e 3ª Avaliação (seis
meses após o
início da intervenção). Estes bebês eram
todos saudáveis (sem deficiência e a
termo no seu nascimento), provenientes de classe social B, C e D
segundo
classificação da Associação Brasileira de
Empresa de Pesquisa [20]. Os dados
foram coletados através do histórico da criança na
própria escola, onde, no seu
ingresso, os pais preenchem uma ficha. Ali constam dados referentes ao
nascimento, tipo de parto, apgar, testes neonatais, entre outras
informações.
Foram dois avaliadores cegados e diferentes do grupo que realizou a
intervenção. Com relação à
fidedignidade entre os avaliadores, os resultados do
coeficiente de KAPPA, evidenciaram valores entre 0,75 e 0,95 nas
diferentes
variáveis, revelando boa concordância entre os avaliadores
[21].
Os
critérios de
inclusão estabelecidos foram: a) lactentes saudáveis, sem
qualquer tipo de
doença crônica ou grave diagnosticada na
gestação, ao nascimento ou até o
presente momento da pesquisa; b) faixa etária de no
máximo doze meses de idade
para não ultrapassar os 18 meses até o final do programa;
c) de ambos os
gêneros (feminino e masculino); d) estar regularmente matriculado
e adaptado ao
berçário de uma escola pública por mais de duas
semanas [22]; d) não participar
de qualquer outro programa de intervenção motora ou
cognitiva; e) retornar o
termo de consentimento informado, assinado pelos responsáveis
legais do bebê
antes do início da intervenção; f) não ter
histórico de internação no período
interventivo.
Os critérios de
exclusão estabelecidos foram: a) o lactente que não aceitasse o programa,
demonstrando desconforto como o choro e a fuga; b) lactentes que apresentasse
mais de três faltas no programa; solicitação espontânea, para a retirada do
lactente da pesquisa, por seus pais ou responsável legal.
Este estudo teve a
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), sob número 20854, atendendo à
resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Implementação da
intervenção e procedimentos
O PIMP foi realizado
por três fisioterapeutas, uma professora de educação física e duas acadêmicas
(uma do curso de Fisioterapia e outra do curso de Educação Física). Houve um
treinamento prévio de duas semanas para padronização do PIMP com professor
doutor na área.
Um protocolo
individualizado baseado em estudo prévio [14] e adequado à rotina de dois
berçários foi implementado durante seis meses de
intervenção. Esse protocolo era composto por três minutos de perseguição
postural, sete de manipulação e cinco de controle postural (15 minutos ao
todo), três vezes por semana, garantindo a validade ecológica da investigação
[23]. Para o presente estudo, foram acrescidos mais cinco minutos de controle
postural, ou seja, 20 minutos ao todo. Obteve-se uma média de 70 intervenções
por criança. O PIMP não interferia na rotina do sono e na alimentação dos
bebês, ou seja, quando o bebê estivesse com fome, com sono ou indisposto, a
intervenção não era realizada e esperava-se um momento mais oportuno. Embora
individualizado, o protocolo foi o mesmo utilizado para todos os bebês. As
tarefas foram controladas e descritas em uma ficha geral e para cada criança.
As intervenções foram
realizadas na própria sala de berçário, no solo em tapetes emborrachados de
E.V.A., cujo espaço favorecia esta intervenção. Neste período de seis meses,
foram sempre os mesmos interventores. O bebê ficava com o mínimo de roupa
possível para facilitar os movimentos. O protocolo consistia em: 1) tarefas de
perseguição visual (três minutos) as quais se caracterizavam pelo acompanhamento
visual do bebê de objetos em movimento a uma distância de aproximadamente 40 cm
[14]; 2) manipulação de objetos variados (sete minutos) em função, forma,
textura e peso [15]; 3) força, mobilidade e estabilização (dez minutos), com
atividades de controle cefálico, controle de tronco, sentar, rolar, arrastar-se
ou engatinhar e trocas de decúbito (eram realizados exercícios em que os bebês
rolavam, passavam para sentar, passavam para postura de gatas, para joelhos,
semiajoelhados, para ortostase e deambulavam); cada bebê realizava as
atividades, respeitando-se suas possibilidades, sempre com o brinquedo
associado [24,25]. Tanto as tarefas de perseguição visual quanto as de
manipulação poderiam ser realizadas em supino e/ou sentados. Se naquele dia a tarefa
de perseguição visual e manipulação eram feitas com eles em sedestação, todos
fariam da mesma forma. Caso o bebê ainda não conseguisse sentar sem apoio, era
oferecido este apoio para ele. As tarefas de perseguição visual tinham a
pretensão de melhorar a atenção do bebê ao ambiente e estimulá-lo a pegar o
brinquedo para manipular. As atividades foram realizadas por vinte minutos, e
na mesma sequência, ou seja, perseguição visual, manipulação com auxílio de uma
variedade de brinquedos e controle postural [13]. Após a estimulação, o bebê
retornava para o berço, para a cadeirinha ou para o solo, conforme a rotina do
berçário. É importante destacar que, mesmo tendo um protocolo fixo e igual para
todos os bebês, as intervenções motoras globais e finas foram oportunizadas aos
bebês de acordo com as especificidades do desenvolvimento de cada criança, de
tal forma a contemplar as necessidades individuais.
Ao final do estudo,
pais, mães e cuidadores foram estimulados a dar continuidade aos estímulos
interventivos. Foi realizada uma palestra na própria escola para os
responsáveis legais pelos lactentes onde se relatou o que havia acontecido
durante os seis meses de intervenção e realizamos um fechamento, explicando o
término do estudo. Foi marcada também uma palestra para os responsáveis legais
do bebê de forma individualizada, onde relatávamos o histórico do bebê, seus
progressos e como os responsáveis poderiam ajudá-lo na continuidade do seu
desenvolvimento. Foram entregues folders
explicativos quanto ao desenvolvimento. Quanto à equipe pedagógica, foi
realizada uma palestra inicial, antes do início do estudo explicando tudo o que
aconteceria e explicando o desenvolvimento do bebê nos primeiros dezoito meses
de vida.
Instrumento
Foi utilizada a Alberta Infant Motor Scale (AIMS) [26]
para avaliar o desenvolvimento motor global dos bebês até 18 meses. A AIMS é
uma escala observacional de fácil aplicação, que foi traduzida e validada para
a população brasileira [27] e serve para qualificar o movimento. Essa escala
foi gentilmente cedida pelo grupo: “Avaliação e Intervenção Motora – Escola de
Educação Física – Universidade Federal do Rio Grande do Sul”. A escala
refere-se ao desempenho motor infantil e aborda conceitos de desenvolvimento
motor amplo, como: neuromaturação; avaliação da sequência do desenvolvimento
motor; desenvolvimento progressivo; e a integração do controle da musculatura
antigravitacional nas quatro posturas: prono, supino, sentado e de pé,
totalizando 58 itens. Cada postura possui posições que o bebê assume e
atribui-se um ponto, o que gera um escore final. O escore das quatro posturas é
somado e, dessa forma, origina-se um escore total bruto obtido pelo teste, o
qual é convertido em níveis percentuais motores, comparando-os com níveis de
indivíduos com idades equivalentes em amostras padronizadas em uma tabela, que
vai de 0 a 100%. Com estes níveis percentuais motores, os bebês podem ser
categorizados como: Típico (normal), com Suspeita de Atraso (suspeita) e com
Atraso [25]. Típico, se o nível percentual for acima de 25%; suspeita de atraso
se o nível percentual ficar entre 5 e 25% e, por fim,
atraso se o nível percentual ficar abaixo de 5%. As habilidades de explorar as
características físicas dos brinquedos não foram avaliadas neste estudo.
Análise
dos dados
Os dados coletados de
todas as avaliações foram armazenados em um banco de dados do Software Statistical Package for the Social Sciences
(SPSS), versão 21.0. Foram utilizados os valores de média e desvio padrão ou
mediana e percentis 25 e 75 para as variáveis quantitativas; para as variáveis
categóricas, as frequências absolutas e relativas. Os dados foram submetidos à
análise exploratória, para ser verificada a normalidade de sua distribuição,
por meio do Teste de Shapiro-Wilk. Se
distribuição simétrica, os dados foram avaliados pela Análise de Variância
(ANOVA) para medidas repetidas, complementada pela correção de Bonferroni. Em
caso de distribuição assimétrica ou ordinal, os testes de Friedman e Wilcoxon
foram aplicados para avaliar a classificação dos bebês, par a par. O nível de
significância adotado foi de 5% (p ≤ 0,05).
As características
referentes ao gênero e idades das avaliações dos bebês estudados encontram-se
na Tabela I.
Tabela
I - Características referentes ao gênero e às
idades das avaliações dos bebês.
Houve
diferença
significativa entre os momentos em relação a todos os
domínios, exceto no
“supino”. Para “prono”, “sentado” e
escore total, a diferença foi significativa
da 1ª avaliação para a 2ª e 3ª
avaliação, as duas últimas
avaliações não
diferiram entre si. Em relação à escala “Em
pé”, houve diferença em todos os
momentos, sendo crescente a melhora. No que diz respeito ao percentil,
a 3ª
avaliação apresentou resultados significativamente
melhores do que os da 1ª e
2ª avaliações, que não diferiram entre si. A
classificação do escore AIMS
também apresentou um aumento do percentual de normalidade ao
longo dos três
momentos (Tabela II), objetivo principal deste estudo.
Tabela II – Comparação do Alberta Infant Motor Scale
(AIMS) entre os momentos.
*Variáveis descritas
por média ± desvio padrão ou mediana (percentis 25 – 75); a, b, cLetras iguais não diferem pelos testes de Bonferroni ou
Wilcoxon a 5% de significância; ***Testes de Wilcoxon.
Os resultados de
nosso estudo vêm ao encontro de outras investigações [13,14,28,29],
que constataram a importância de programas de intervenção motora para o
desenvolvimento de crianças ainda em tenra idade. Nesse sentido, as ideias
defendidas pelo senso comum, e mesmo no meio acadêmico, de que as crianças se desenvolvem naturalmente à
medida que se tornam mais velhas são verdadeiras, mas a qualidade do
movimento e da cognição melhora com a intervenção.
Para autores como
Barela [2], Haywood e Getchell [3], aliada à maturação, a intervenção adequada
ao longo dos primeiros anos poderá maximizar o potencial para o desenvolvimento
infantil ideal, fazendo emergir ou, pelo menos, facilitando habilidades
requisitadas no cotidiano das crianças, seja quanto às diferentes formas de se
equilibrar, de se deslocar ou, ainda, de manipular objetos. Em outras palavras,
à medida que elas vão dominando seus corpos, tornam-se cada vez mais capazes de
interagir ativamente com o ambiente que as rodeia, ampliando sua visão de
mundo. É importante destacar que, ao nos referirmos ao ambiente, não limitamos
o bebê ao espaço físico, mas aos objetos com que ele entra em contato, a tarefa
e as pessoas com quem o mesmo convive, sejam seus pares ou os adultos próximos.
Quanto às atividades
propostas pelo estudo, na perseguição visual, estimulamos a
pró-atividade e a autonomia dos bebês para a próxima etapa do desenvolvimento,
que é a manipulação dos objetos, pois a mesma favorece as habilidades de
motricidade fina e a cognição [14]. Aliado a isso, quando o bebê aprende a
vencer a gravidade e a locomover-se, vai adquirindo força muscular, equilíbrio
e coordenação motora ampla. A AIMS avalia o bebê de forma global e o programa
realizava tarefas de perseguição visual e manipulação que, teoricamente, não
avaliaria nem pares cranianos nem motricidade fina. No entanto, acredita-se que
tanto a perseguição visual quanto a manipulação contribuem para o ganho global
do bebê e para a sua melhora nas posturas [14]. Até onde se sabe, ainda são
poucos os estudos realizados com intervenção motora precoce no universo de
berçários de escola pública; entretanto, ela vem mostrando resultados
positivos. Na atual pesquisa, 80% dos bebês se classificaram como bebês Típicos
em três meses de intervenção e 100% no final de seis meses de intervenção. Em
um estudo [30] de protocolo de intervenção, tipo de público e média de idade
semelhante a este, porém com dois meses de intervenção, foram comparados bebês
de creches de grupo interventivo e controle. Para o grupo interventivo (n =
25), 84% dos bebês apresentaram-se com a classificação Típica no final de
intervenção e 75% dos bebês do grupo controle (n = 16). Neste mesmo estudo, nas
quatro posições da escala, o grupo interventivo obteve um Delta (Δ)
(diferença entre os resultados das pontuações) maior que o grupo controle,
mostrando que o bebê se desenvolve naturalmente sim, mas com a intervenção, os
ganhos são potencializados. Infelizmente, não temos dados de outros estudos com
seis meses de intervenção, o que sugere estudos mais prolongados com esta mesma
temática.
Comparando os bebês
com eles mesmos, em relação às posições: prono, sentado e escore total, os
bebês melhoraram suas pontuações de forma significativa, conforme o esperado.
Mas foi na postura em pé e no percentil onde mais melhoraram (p<0,001). Mas
são evidentes as melhoras qualitativas da ação do movimento dos bebês, o que
não pode ser mensurada pela escala.
É na faixa etária dos
6 aos 18 meses que o bebê tende a criar estratégias
para identificar novas possibilidades de uso dos objetos e de seu corpo. A
posição prona e sentada desenvolvem-se com maestria,
se possibilitado pelas affordances
(possibilidades oferecidas pelo ambiente que permite ao bebê interagir com o
meio) [31,32]. Saccani e Valentini [33], que realizaram uma análise de
desenvolvimento com bebês de zero a dezoito meses, relataram que, no terceiro
trimestre de vida, os bebês já pontuavam todos os itens referentes às posturas
supina e sentada. Neste estudo, a posição supina vai ao encontro da pesquisa
citada. Na posição prona e sentada, os bebês iniciaram
aquém da pontuação do estudo de Saccani e Valentini [33], porém, com a
intervenção, apresentaram uma melhora significativa nesta fase do terceiro
trimestre. A intervenção favorece estas posturas, porque são trabalhados o
deslocamento e o manuseio de objetos em prono, assim como proporciona a
passagem para a postura sentada. O bebê obtém força antigravitária, rotações
entre as cinturas e coordenação entre os movimentos [5,6].
A intervenção instigava que o bebê passasse
de uma postura mais baixa para uma postura mais alta. O auxílio de bancos,
bolas, caixas e paredes, incentivavam os bebês a escalarem com apoio e passarem
para em pé. Com isso, eles foram ganhando força em membros inferiores e foram
encorajados a se deslocarem, explorando o ambiente. Em estudo semelhante, com
bebês de ambos os sexos entre um e dezoito meses, com baixo poder aquisitivo e
de diferentes ambientes, na análise do pré para o pós-intervenção intragrupo
nas posturas, a posição em pé apresentou melhora significativa para os bebês do
grupo interventivo, não acontecendo com o grupo controle [16].
Um dos achados
interessantes neste estudo foi um aumento maior da pontuação da primeira para a
segunda avaliação (do terceiro para o quarto trimestre) e menor na fase da 3ª
avaliação (quarto para o quinto trimestre). Em um estudo [30], esta observação
também é evidente para uma população que não realiza intervenção. No entanto, a
média das pontuações é maior em todas as posturas neste grupo interventivo [8].
Não obtínhamos grupo controle, o que nos dificulta dizer que foi o PIMP que
auxiliou na evolução do desempenho dos bebês, o que podemos afirmar com certeza
é que o PIMP oportunizou experiências sensório-motoras para
os bebês. Pensamos que a regularidade (três vezes por semana, por
exemplo) com que os estímulos são propiciados às crianças - ainda nos primeiros
meses de vida – pode se configurar um fator importante no processo de
desenvolvimento infantil [19]. Em estudos futuros, o grupo controle será
incluso. Na mesma linha deste trabalho, Almeida et al. [30] com 94 bebês, entre um e dezoito meses, de ambos os
sexos, provenientes de três contextos diferentes de baixa renda mostraram que
os grupos interventivos e controle eram semelhantes na categorização da AIMS na
pré-intervenção. O grupo interventivo diminuiu seu percentual de atraso de 50%
para 16,7%. O grupo controle aumentou seu percentual de atraso de 8,3% para
25%. O atual estudo corrobora os resultados, mostrando que a intervenção motora
precoce em bebês em berçários proporciona a redução do percentual de atraso
motor (20% para 0%) e aumentou o percentual de normalidade (de 60% para 100%).
Uma pesquisa [16]
desenvolvida no sul do país implementou um programa de
intervenção motora para bebês de zero a dezoito meses com a participação de
pais e/ou cuidadores. O protocolo e o público eram semelhantes ao deste estudo.
Os cuidadores do grupo interventivo recebiam orientações de atividades motoras
para bebês e de mudanças no contexto a cada semana durante um período de oito
semanas. Os resultados observados demonstraram importantes mudanças no
desempenho motor dos bebês do grupo interventivo. Nesse sentido, é possível
inferir que bebês, quando estimulados de maneira correta em ambiente familiar,
podem desenvolver maior qualidade e controle de movimentos, o que poderá
repercutir em benefícios motores em longo prazo. Neste estudo, os cuidadores
acompanharam todo o processo interventivo, sendo um convite para a continuidade
após o término deste estudo. Ao final também, pais e mães foram chamados para
conhecerem todos os resultados desse estudo e receberem orientações de
continuidade.
O estudo de Muller
[17], com uma amostra de 96 bebês entre 06 e 18 meses de idade, de ambos os
sexos residentes em bairros da periferia do município de Porto Alegre/RS,
assistidas por unidades básicas de saúde vinculadas a um hospital e amparadas
por creches comunitárias conveniadas com a prefeitura, nas comparações
intragrupo, encontrou resultados semelhantes ao atual estudo, visto que os três
grupos apresentaram diferença estatisticamente significativa do pré para o
pós-intervenção, o que comprova mais uma vez que um programa de intervenção
motora em crianças com atraso motor traz benefícios no incremento do desempenho
motor [27].
A limitação deste
estudo foi a
ausência do grupo controle e não de haver
estudos com os mesmos objetivos longitudinais de
intervenção com escola de
educação infantil. Mas sua potencialidade é que
todos os bebês do berçário da
escola foram inseridos na intervenção. Outra
limitação é a não descrição
neste
estudo das características de saúde e/ou sociais das
crianças, bem como não ter
um instrumento que avaliasse de forma qualitativa o movimento.
Também, os dados
aqui mostrados ainda não utilizaram os dados normativos da AIMS
para a
população brasileira.
Fica um convite para
novas pesquisas, utilizando estudos com mais de seis meses, grupo controle e
dados brasileiros da AIMS. Sugere-se, também, que as escolas de educação infantil
possam realizar intervenções como novas experiências para seus bebês. Deixa-se
para a literatura dados que possam ser futuramente comparados, tanto para
grupos controles como para interventivos em seis meses de intervenção.
Os resultados da pesquisa
sugerem que o efeito de um programa de intervenção motora precoce de forma
longitudinal influencia positivamente no desenvolvimento motor em bebês de
berçários de uma escola pública de educação infantil, pois melhora a
classificação de bebês com Atraso ou Suspeita de Atraso Motor para bebês
Típicos através de um Programa de Intervenção Motora Precoce (PIMP) durante
seis meses.
A construção de um
ambiente lúdico, em berçários, torna-se essencial na busca por oferecer um
contexto adequado ao desenvolvimento saudável do lactente. Os programas de
intervenção motora são potencializados quando oferecidos dentro de um espaço
lúdico por meio do brincar. Porém, estes ambientes necessitam de um
profissional especializado, com conhecimento científico sobre as fases do
desenvolvimento motor infantil, para que a intervenção seja eficiente.
Ao olhar da saúde
pública, cabe apontar a importância da atuação da equipe da saúde (terapeutas
ocupacionais; fisioterapeutas; fonoaudiólogos; psicólogos; nutricionistas,
etc.) atuando de forma a promover a saúde e a prevenção de doenças.