ARTIGO
ORIGINAL
Características
clínicas e epidemiológicas das malformações congênitas do sistema nervoso
central em recém-nascidos
Clinical and epidemiological characteristics of congenital abnormalities
of the central nervous system in newborns
Laisla Pires Dutra*,
Andréia Ribeiro de Oliveira Lima**, Elzo Pereira Pinto Junior, M.Sc.***, Leandro Alves da Luz, M.Sc.****
*Fisioterapeuta,
Especialista em Saúde Pública, Professora da FAINOR, **Fisioterapeuta, FAINOR,
***Fisioterapeuta, Mestre em Saúde Coletiva, Professor Substituto do Instituto
de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, ****Sanitarista, Mestre em
Saúde Comunitária, Doutorando em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia
Endereço
para correspondência:
Elzo Pereira Pinto Junior, Rua Oito de Dezembro, 808/103 Graça 40150-000
Salvador BA E-mail: elzojr@hotmail.com; Laisla Pires Dutra:
laysla19@hotmail.com; Andréia Ribeiro de Oliveira Lima:
andreia.evaldo@hotmail.com; Leandro Alves da Luz: leojluz@gmail.com.
Resumo
As malformações
congênitas representam importante problema de saúde pública, tendo em vista
suas repercussões no crescimento e desenvolvimento infantil e a demanda por uma
complexa rede de serviços de saúde. O presente estudo objetivou identificar as
características das malformação congênita do sistema
nervoso central (SNC) na rede pública de saúde de um município do interior do
Nordeste Brasileiro. Trata-se de um estudo epidemiológico, de corte
transversal. Foram utilizadas informações das Declarações de Nascidos Vivos de
bebês nascidos com algum tipo de malformação do SNC, no período de junho de
2015 a junho de 2016. Os dados foram analisados a partir da estatística
descritiva. Entre os 8188 nascimentos, a incidência de malformações do SNC foi
1,34/1000 nascidos vivos. Observou-se que 90,9% dos nascimentos foram de partos
cesáreos, 54,5% não tinham registro de idade gestacional, 90,9% das mães
tiveram acompanhamento pré-natal e 54,5% das genitoras realizaram sete ou mais
consultas de pré-natal. A principal causa de malformação congênita foi a hidrocefalia (45,5%) e a letalidade por malformações do
SNC foi 18,1%. As informações sobre a incidência de malformações do SNC são
essenciais para o planejamento da oferta de serviços de saúde aos
recém-nascidos e de suporte psicossocial às suas famílias.
Palavras-chave: anormalidades
congênitas, sistema nervoso central, recém-nascido, epidemiologia.
Abstract
Congenital abnormalities are an important public health problem, due to
its repercussions on child growth and development and the demand for a complex
network of health services. The present study aimed to identify the
characteristics of the congenital malformation of the central nervous system
(CNS) in two public hospitals in a municipality of Northeast Brazil. This is an
epidemiological cross-sectional study. We used information from the Live Birth
Declarations of babies born with some type of CNS malformation, from June 2015
to June 2016. Data were analyzed based on descriptive statistics. Among the
8,188 births, the incidence of CNS malformations was 1.34/1,000 live births. It
was observed that 90.9% of the births were of cesarean deliveries, 54.5% had no
gestational age records, 90.9% of the mothers had prenatal care, and 54.5% of
the mothers had seven or more prenatal. The main cause of congenital
malformation was hydrocephalus (45.5%) and the lethality due to CNS
malformations was 18.1%. Information on the incidence of CNS malformations is
essential for planning the delivery of health services to newborns and providing
psychosocial support to their families.
Key-words: congenital
abnormalities, central nervous system, newborn, epidemiology.
As malformações
congênitas são definidas como anomalias funcionais ou estruturais no
desenvolvimento do feto, decorrentes de fatores socioeconômicos, genéticos,
infecções, fatores nutricionais, materno e ambientais
e ainda as causas desconhecidas [1]. Anomalias resultam de alterações
funcionais ou estruturais tanto nos componentes celulares quanto nos órgãos,
surgem em qualquer momento da gestação, podendo ser identificado durante a
gravidez ou após o nascimento da criança [2,3].
A incidência de
anomalias congênitas no mundo está estimada em 3% e esses agravos são
responsáveis por cerca de 280 mil de mortes de crianças no período neonatal
[1,4]. Em algumas regiões do mundo as anomalias congênitas constituem a
primeira causa de óbitos neonatais, sendo que, cerca de 20% das gestações com
fetos malformados resultam em abortamento espontâneo. No Brasil, as malformações
congênitas constituem a segunda causa de mortalidade infantil, determinando
11,2% dessas mortes [3].
Os principais fatores
etiológicos associados às anomalias congênitas são as condições hereditárias
(genéticas), exposição a substâncias (medicamentos, álcool e drogas ilícitas),
infecções (citomegalovirose, rubéola e toxoplasmose) e radiações. A etiologia
genética representa a causa de aproximadamente 30% dos defeitos congênitos e
aproximadamente 60% destes eventos permanecem com etiologia desconhecida. Além
do componente genético, características biológicas, como desnutrição materna ou
outras doenças maternas pré-existentes, e determinantes sociais da saúde
relacionados à dificuldade no acesso a serviços de saúde (ausência de
acompanhamento pré-natal) e baixo nível de escolaridade podem aumentar o risco
de malformações congênitas [5-7]. Além dessas características, o uso de drogas
ilícitas, o tabagismo e o alcoolismo são hábitos que provocam efeitos
deletérios ao feto durante a gravidez e favorecem o nascimento de bebês com
malformações [8].
As malformações
congênitas do sistema nervoso central (SNC) representam importante problema na
saúde infantil e sobre a carga das malformações congênitas [9]. Além disso,
envolve um conjunto de anormalidades morfológicas do SNC, como os frequentes
defeitos do tubo neural e outras desordens de diferentes origens [10]. Dentre
as malformações do SNC, a microcefalia, no Brasil, apresenta-se como problema
de saúde pública, haja vista a sua associação com a recente epidemia de Zika
Vírus e o alto número de casos registrados [11,12], com maior incidência na
região Nordeste [13].
No Brasil, o
monitoramento das malformações congênitas é realizado a partir da consulta ao
Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). O SINASC é alimentado
pelas Declarações de Nascidos Vivos (DNV), sendo um dos seus campos de
preenchimento a informação sobre a presença e qual o tipo de malformação
congênita nos recém-nascidos [14,15].
Crianças com
malformações congênitas representam um perfil específico de usuários dos
serviços de saúde, com necessidades e demandas próprias, que requerem atenção
especializada num ambiente multiprofissional e interdisciplinar [5]. Diante
deste contexto, considerando a expansão dos casos de microcefalia no segundo
semestre de 2015 na região Nordeste do país, este
estudo objetivou identificar as características de malformação congênita do
Sistema Nervoso Central na rede pública de saúde de um município do interior do
Nordeste Brasileiro.
Trata-se de um estudo
transversal, descritivo, com base em dados secundários. O estudo foi realizado
em duas unidades hospitalares na cidade de Vitória da Conquista/BA, a saber:
Hospital Esaú Matos, atual Fundação de Saúde de Vitória da Conquista, que
atende apenas pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS); Hospital Santa Casa de
Misericórdia, que atende ao SUS e particular, do qual só foram avaliados os
prontuários do nascimento do SUS.
O Município de
Vitória da Conquista, localizado a 503 km de Salvador, é considerado a terceira
maior cidade do Estado da Bahia, com população estimada em 343.230 habitantes,
distribuído em uma área de unidade territorial de 3.704,018 km² (IBGE 2014).
Neste estudo, a fonte
dos dados foram as Declarações de Nascidos Vivos. A coleta de dados foi
realizada nos prontuários arquivados no SAME (Serviço de Arquivamento Médico e Estatística) das unidades de estudo no período de
junho de 2015 a junho de 2016.
Foram incluídas para
a análise todas as Declarações de Nascidos Vivos referentes aos meses de junho
de 2015 a junho de 2016, que indicavam a presença de alguma malformação do
Sistema Nervoso Central, representados pelos códigos Q00-Q07 (Malformações
congênitas do sistema nervoso), da Classificação Internacional de Doenças – 10
revisão (CID-10). Na sequência, foram excluídas as Declarações de Nascidos
Vivos que não estavam devidamente preenchidas ou que foram violadas, sem
possibilidade de coleta de dados.
Para este estudo,
foram coletadas das DNV informações maternas (idade, escolaridade, raça,
profissão, naturalidade, tipo de residência), história do parto (tipo de parto,
idade gestacional, número de consultas pré-natais, mês de gestação em que se
iniciou o pré-natal) e dados sobre o recém-nascido (sexo, evolução hospitalar,
tipo de malformação congênita, e se houve óbito).
A pesquisa foi
submetida à análise do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade
Independente do Nordeste (FAINOR), e a coleta de dados foi iniciada após a
aprovação no CEP, conforme parecer número 1769345. Foram
apresentadas às unidades participantes da pesquisa o Termo de Autorização de
Consentimento de Pesquisa em Prontuários/Arquivos e Documentos, respeitando os
princípios éticos estabelecidos pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de
Saúde.
Os dados coletados em
fichas impressas foram tabulados em planilhas de texto e analisados
descritivamente, com cálculo de proporções, com auxílio do software Statistical
Package for Social Science (SPSS) versão 20.0. Os dados foram apresentados sob
a forma de tabelas e gráficos.
De junho de 2015 a
junho de 2016 foram registrados 8.188 nascimentos nos dois hospitais estudados.
Desse total, 11 recém-nascidos apresentaram algum tipo de malformação congênita
do Sistema Nervoso Central, o que indica uma incidência de 1,34 casos/1.000
nascidos vivos.
A média de idade das
genitoras dos recém-nascidos com diagnóstico de anomalias congênitas foi de
25,6 ± 6,3 anos, variando de 16 a 37 anos. Em relação às características
maternas, todas as parturientes eram da raça/cor parda (100%), 63,6% tinham
ensino médio completo, 54,5% eram donas de casa, 54,5% residiam em outros
municípios e 72,7% moravam em zona urbana (Tabela I).
Tabela
I - Descrição das características
sociodemográficas das mães de recém-nascidos com malformações congênitas do
Sistema Nervoso Central em maternidades públicas de Vitória da Conquista/BA,
2015-2016.
Fonte: Dados da pesquisa
(2016).
As características
pré-natais e perinatais dos recém-nascidos com malformações congênitas do SNC
evidenciaram que 90,9% dos nascimentos foram de partos cesáreos, 54,5% não
tinham registro de idade gestacional, 90,9% das mães tiveram acompanhamento
pré-natal e 54,5% das genitoras realizaram sete ou mais consultas de pré-natal
(Tabela II).
Tabela
II -
Características pré-natais e perinatais
de recém-nascidos com malformações congênitas do Sistema Nervoso Central em
maternidades públicas de Vitória da Conquista/BA, 2015-2016.
Fonte: Dados da
pesquisa (2016).
A análise dos tipos
de anomalias do Sistema Nervoso Central demonstrou que a hidrocefalia (45,5%)
foi a malformação mais prevalente, seguida de espinha
bífida (27,3%), microcefalia (18,2%) e anencefalia (9,1%) (Figura 1).
Figura
1 - Distribuição percentual dos tipos de
malformações em recém-nascidos com malformações congênitas do Sistema Nervoso
Central em maternidades públicas de Vitória da Conquista/BA 2015-2016.
Fonte: Dados da
pesquisa.
A análise dos óbitos
ocorridos revelou dois casos, sendo um neonatal e um pós-natal, evidenciando
que nascimentos com malformações do SNC apresentam letalidade de 18,1%.
O presente estudo
analisou as características clínicas e epidemiológicas de malformações
congênitas do SNC na rede pública de saúde e encontrou baixa incidência de
malformação congênita do SNC em nascidos vídeos, maior frequência de
hidrocefalia, e letalidade considerável para o agravo investigado. Embora as
anomalias congênitas do SNC apresentem variação entre 1
a 10/1.000 dos nascidos vivos [3], os estudos internacionais apresentam
incidência inferior [9,16], e estudo local da região Sul incidência superior
[17] à encontrada no presente estudo. Acredita-se que as diferenças encontradas
nesse indicador podem ser explicadas, em parte, pela qualidade do registro das
anomalias e no preenchimento das DNV no SINASC, bem como a subnotificações dos
casos [18]. Além disso, em hospitais de referência para gestação de alto risco espera-se maiores incidências de malformações congênitas ou
outros desfechos adversos em recém-nascidos.
Alguns estudos
evidenciam a idade avançada da gestante, acima de 35 anos, como fator de risco
para a presença de anomalia congênita em recém-nascidos [18,19], bem como o
risco aumentado de mortalidade materna e infantil devido a complicações da
gravidez em adolescentes [20]. Contrariando o que se esperava, no presente
estudo, a média de idade das genitoras não faz parte da faixa etária
habitualmente considerada de alto risco. Sendo assim, a ocorrência de
malformações do SNC pode ter etiologia relacionada a fatores genéticos,
ambientais e hábitos de vida [5-8].
Ao se analisar as
principais causas de anomalias congênitas do SNC, percebe-se que as maiores
frequências foram para hidrocefalia, seguida da espinha bífida, corroborando
com os estudos de Barros [3] e Méndez et al. [21].
Todavia, na Região Sul do Brasil, observou-se frequência inversa [17]. Essa
diferença pode ser explicada pelas divergências em relação à metodologia
utilizada por esses últimos autores, que observaram casos não apenas no momento
do nascimento, mas também no período de internação dos bebês, ou seja, diagnósticos
pós-natal.
Apesar da alta
incidência de microcefalia em decorrência de epidemia de Zika Vírus,
especialmente no Nordeste do Brasil [13], o presente estudo apresentou baixa
frequência de casos de microcefalia. As características do município estudado,
marcado por uma localização em região de planalto, numa elevada altitude em
relação ao nível do mar, e com clima mais frio, podem ajudar a explicar esse
cenário. Além disso, o presente estudo não avaliou notificações de Zika Vírus
no período que antecedeu a coleta dos dados, de modo que não é possível
garantir que a baixa incidência dessa arbovirose
determinou a ocorrência de poucos casos de microcefalia.
Em relação ao tipo de
parto, observou-se elevado percentual de parto cesáreo, sendo a via
determinante para a as gestações com diagnósticos de anomalias fetais,
corroborando com Pante [17]. A despeito da controvérsia sobre os benefícios do
parto cesáreo ao RN [17,22], a alta taxa de partos cesáreos em RN com anomalias
pode estar relacionada a indicação médica, haja vista
a necessidade de cuidados mais especializados para prevenção de problemas no
momento do parto, como a presença de leitos de UTI neonatal de retaguarda e
equipe capacitada para atenção ao RN de alto risco [23].
A idade gestacional
tem sido considerada como um indicador fundamental para compreensão da relação
da malformação e prematuridade [24]. Estudo realizado em Fortaleza encontrou
associação positiva entre idade gestacional e malformação congênita do SNC [7].
No presente estudo, devido ao alto percentual de informação ignorada sobre a
idade gestacional, não foi possível precisá-la. Apesar disso, verificou-se
considerável presença de anomalias em recém-nascidos prematuros, achado que tem
sido descrito com frequência na literatura científica [7,17,24].
Assim como nos
diferentes estudos que descreveram a associação de malformações congênitas e o
número de consultas de pré-natal [7,25], observou-se maior percentual de
mulheres que realizaram mais de 7 consultas de pré-natal
durante o período gestacional, o que pode estar relacionado a maior adesão das
gestantes ao pré-natal devido ao diagnóstico precoce de malformação congênita e
a possibilidade de desfechos positivos no acompanhamento do feto, bem como ao
seu papel preventivo de complicações no período gestacional [26,27]. Além
disso, maior número de mulheres com ensino médio o que pode contribuir na maior
adesão ao acompanhamento pré-natal e nos cuidados após o nascimento [7].
Finalmente, cabe
destacar que as malformações congênitas do SNC constituem-se como desafio para
sociedade em geral, em especial pelo alto custo de tratamento e as complicações
associadas [28], sendo fundamental a realização do planejamento familiar e a
adequada assistência pré-natal e a suplementação com ácido fólico, em período
recomendado, para a prevenção de malformação congênita e outros agravos na
gestação [29].
O presente estudo
apresenta como limitações o uso exclusivo de informações das Declarações de
Nascidos Vivos, haja vista que ainda são comuns problemas de subregistro,
diagnósticos equivocados e incompletude das informações preenchidas. Pesquisas
realizadas diretamente com as genitoras após o parto permitem identificar
outros aspectos que podem ajudar na compreensão do fenômeno das anomalias, como
hábitos de vida materno. Ainda assim, estudos têm
demonstrado a melhoria na qualidade do preenchimento do Sistema de Informações
sobre Nascidos Vivos (SINASC) [30]. Apesar dessas limitações, surge como
potencialidade do estudo, apresentar características dos recém-nascidos com
malformações do SNC em maternidades públicas de um município do interior do
Nordeste brasileiro, especialmente numa época em que essa região vivenciou uma
epidemia de malformações por conta de uma epidemia de Zika Vírus.
As informações sobre
a incidência de malformações do Sistema Nervoso Central são essenciais para o
planejamento da oferta de serviços de saúde aos recém-nascidos e de suporte
social e psicológico às suas famílias. Além disso, destaca-se ainda a
importância do preenchimento correto e completo das Declarações de Nascidos
Vivos, haja vista sua utilidade para fins acadêmicos e burocráticos. Nesse
sentido, esta pesquisa pode contribuir com a gestão da rede de saúde ao
identificar a magnitude desse problema, apontando a necessidade de atenção
integral às crianças e suas famílias.
A investigação das
anomalias congênitas em recém-nascidos deve ser encarada como elemento
importante na agenda das pesquisas em saúde no Brasil, haja vista o impacto
social e econômico desse problema para o Sistema Único de Saúde. Desse modo,
estudos de coorte que avaliem aspectos relacionados à gestação, parto,
puerpério e desenvolvimento na primeira infância devem ser incentivados para
auxiliar na compreensão mais aprofundada da incidência e dos fatores de risco
para malformações congênitas do Sistema Nervoso Central.