COMUNICAÇÃO
BREVE
O
quanto podemos exigir das unidades motoras nas doenças neuromusculares?
Marco Orsini*,
Mauricio de Sant’Anna Jr**, Marcos RG de Freitas***, Eduardo Trajano*, Viviane
Marques****, Adriana Leico Oda*****, Acary Bulle Oliveira*****, Silmar
Teixeira******, Victor Hugo Bastos******, Caroline Lourenco de Medeiros*******
*Programa
de Mestrado em Ciências Aplicadas à Saúde, Universidade Severino Sombra,
Vassouras/RJ e Ciências da Reabilitação, UNISUAM/RJ, **Instituto Federal do Rio
de Janeiro, IFRJ, ***Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, ****Universidade do Rio de Janeiro UNIRIO, *****Departamento de
Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo,
******Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal do Piaui, *******Departamento de Neurologia da Universidade Federal Fluminense
Recebido 18 de junho
de 2017; aceito 15 de agosto de 2017.
Endereço
para correspondência:
Marco Orsini, Rua Professor Miguel Couto 322, 1001 Jardim Icarai Niterói RJ,
E-mail: orsinimarco@hotmail.com
Frequentemente
discutimos sobre qual seria a melhor estratégia para a prescrição de exercícios
terapêuticos em pacientes com doenças neuromusculares, quanto ao tipo,
frequência e intensidade. Partindo do principio que a contração muscular é
dependente da informação de vias descendentes até a musculatura estriada
esquelética, podemos concluir que sejam as doenças da medula espinhal, dos
nervos periféricos, da junção mio-neural e\ou exclusiva dos músculos, todo um
circuito é ativado, sendo por vezes sobrecarregado [1].
O grande
questionamento é a busca de um programa de reabilitação que promova benefícios
sem a realização de overtraining
(desencadeamento de efeitos deletérios em um sistema já combalido). São muitos
os efeitos da neurotransmissão, como, por exemplo: 1 - Chegada do PA (potencial de Ação) nos
terminais, 2 - Liberação de acetilcolina (Ach), 3 - Complexo receptor Ach, 4 -
Abertura de canais de Na e NT (neurotransmissores) dependentes; 5 -
Potencial pós- sináptico = Potencial de Placa; 6 - Abertura de Canais Na e K
voltagem dependentes, fora da placa motora; 7 - geração e propagação do PA pelo
sarcolema [2].
É imperioso citar
também a cascata de transdução eletro-mecânica, que culmina com a condução do
PA pelo sarcolema até o inicio da contração muscular. Fato que merece destaque
é o “ciclo das pontes cruzadas” – “Quanto mais tempo dura o PA no sarcolema,
mais tempo dura o Ca++ no mioplasma”.
“Quanto mais vezes o ciclo se repete, maior será o grau de deslizamento” [2].
Sempre que traçamos
metas e objetivos terapêuticos, devemos repensar seus efeitos nas doenças
neuromusculares. Por vezes, os exercícios provocam intolerância, com queixas
relacionadas à fadiga central e\ou periférica, exaustão, cansaço e dores
mio-articulares. Alterações nas respostas cardiopulmonares ao exercício podem ocorrer em
algumas miopatias mitocondriais, além de outras patologias em discussão [3].
Nossas deduções,
muitas baseadas em princípios neuroquímicos e neurofisiológicos, são
literalmente colocadas em “xeque” pelas particularidades dos pacientes:
críticos ou ambulatoriais, dependentes ou independentes, no status
metabólico\nutricional, em questões hemodinâmicas, em doenças pré-existentes,
nos medicamentos utilizados e, principalmente, no espectro de apresentação das
doenças. Médicos e Fisioterapeutas devem compreender que para um programa de
reabilitação ser implementado com prudência, são
necessários conhecimentos sobre metabolismo basal, efeito térmico de ingesta
alimentar e gasto energético (agudo e crônico) [4].
Muitas vezes nos
esquecemos do principal: do dinamismo e do presente. Pacientes que respondem de
forma favorável a exercícios terapêuticos recém-empregados,
podem apresentar repercussões secundárias deletérias e declinarem
durante o processo de recuperação (quando as doenças não possuem caráter
progressivo). A discussão é realmente provocativa, pois são essas variações que
nos intrigam na prática clinica diária. Infelizmente não temos resposta para a
maioria dos questionamentos levantados. Passemos a traçar e correlacionar o
perfil clinico e funcional de nossos pacientes de acordo com suas
particularidades? Esqueçamos um pouco a história natural das doenças e vamos
apostar com prudência no potencial funcional.
A
relação (anabolismo
x catabolismo) também é tema de ampla discussão.
Será que estamos realmente
trabalhando em limites mínimos, submáximos,
máximos? Estaríamos “desobedecendo”
um período de repouso necessário para restabelecimento de
um sistema deficiente
com exercícios que induziriam ainda mais o catabolismo?
Será que estamos
contribuindo efetivamente para oferecer o que de mais precioso existe
para
nossos pacientes? Não podemos nos esquecer da
“função”, objetivo crucial da
reabilitação
[5].
Após o término das
práticas terapêuticas, o consumo de oxigênio (VO2) não retorna aos valores de
repouso de forma instantânea. Os pacientes e, principalmente os que lidam com o
tratamento clinico e de reabilitação (equipe transdisciplinar), devem
conscientizar-se que durante as atividades uma “divida metabólica” é assumida.
Podemos caracterizar esse débito como um consumo excessivo de oxigênio
pós-exercício ou consumo excessivo de oxigênio após exercício (EPOC) [6,7].
Doenças
Neuromusculares
nos alertam para desequilibrio metabólico e, principalmente,
sinalizam para
cautela. Ser cauteloso não é sinômino de não
apostar. Ser cauteloso é ter
consciência que existem processos ainda não compreendidos
no que tange exercicios terapêuticos x doenças
neuromusculares. Perguntamos, ainda sem
critérios definidos de resposta: As atividades prescritas
não produziriam um
efeito EPOC, acelerando o processo de determinadas doenças
neuromusculares?
Essa tal "dívida metabólica" seria realmente sanada com o
repouso?
Seria o tempo de repouso variável entre o espectro de
apresentação das doenças
e das particularidades dos pacientes?
Cabe ressaltar que
para a prescrição dos exercícios terapêuticos utilizamos estratégias
consagradas na literatura, principalmente para determinação da intensidade das
atividades, tais como frequencia cardíaca e a sensação subjetiva de esforço. A
análise de gases através da ergoespirometria (considerado padrão-ouro) tem sido
pouco utilizada em função de questões como: alto custo do equipamento, mão de
obra capacitada para interpretação dos resultados e dificuldade de acesso
[8,9].
Apesar da grande
influencia sofrida pela modulação autonômica cardiovascular, a frequencia
cardíaca ainda é um importante marcador para a prescrição do exercício físico,
sem esquecer da sensação subjetiva de esforço descrita por Borg [9],
devidamente validada e que apresenta correlação com a frequencia cardíaca.
Outra preocupação nas
doenças neuromusculares faz referência à disfagia, desde ao gerenciamento de
saliva à ingestão oral de qualquer consistência, o que podem ocasionar
desnutrição, desidratação, aspiração, desconforto, desprazer e isolamento
social, além de complicações mais graves como a pneumonia aspirativa e o óbito.
A deglutição envolve mais de 30 músculos esqueléticos. O controle de eficácia
dos exercícios está relacionada à utilização de
diferentes técnicas terapêuticas fonoaudiológicas para o tratamento da disfagia
orofaríngea em populações que ainda não esclareceram a casuística estudada
[10,11]. A aplicação de estímulos táteis, térmicos e gustativos demonstram
resultados positivos especialmente nas disfagias neurogênicas, visto que
estimulam principalmente a propriocepção das estruturas relacionadas com o
processo de deglutição sem promoverem esforço [12,13].
Faz-se necessário a
busca por informações mais robustas no que tange a prescrição de exercícios
terapêuticos para portadores de doenças neuromusculares, afim de que sejam
respeitados os limites impostos pela doença, mas que também não ocorra uma
subestimação da real capacidade do indivíduo. Partindo dessa premissa estudos
têm sido conduzidos com o objetivo de elucidar essas questões para portadores
de ELA [14,15], Síndrome de Guillain-Barré, Polineuropatias [16],
distrofinopatias [17], dentre outras. Emergem também pesquisas que consideram a
utilização de suplementação específica e suporte nutricional adjuvante às
atividades terapêuticas [1]. Medicar e Reabilitar pacientes com doenças
neuromusculares, indubitavelmente, ainda é um campo extenso de especulações.