REVISÃO
Efeitos
do exercício de alongamento em pessoas com síndrome de Down
Effects of stretching exercise in people with Down syndrome
Letícia Furman Bacil*, Taina Christinelli*, Gabriela Barbosa Carneiro e Silva*, Talita Gianello Gnoato Zotz, Ft. D.Sc.**
*Estudante
do Curso de Fisioterapia da UFPR, **Docente do Curso de Fisioterapia,
Departamento de Prevenção e Reabilitação em Fisioterapia da UFPR
Recebido em 5 de outubro de 2017; aceito em 18 de dezembro de 2017.
Endereço
de correspondência:
Talita Gianello Gnoato Zotz, Rua Odete Laura Foggiato,
733B Atuba 82630-040 Curitiba PR, E-mail:
talita.gnoato@gmail.com; Letícia Furman Bacil: leticiafurman17@gmail.com; Taina Christinelli:
tainachristinelli@gmail.com; Gabriela Barbosa Carneiro e Silva: gabrielabarbosafisio2017@gmail.com
Resumo
Introdução: Estratégias de
esquema corporal são comumente utilizadas para minimizar disfunções
musculoesqueléticas decorrentes da Síndrome de Down (SD). Dessa forma, posturas
adotadas nessas estratégias promovem o alongamento muscular, entretanto não são
claros os efeitos do exercício de alongamento neste público. Objetivo:
Verificar as evidências a respeito dos efeitos dos exercícios de alongamento
muscular em pessoas com SD. Material e
métodos: Foi realizada revisão sistemática com 3
avaliadores independentes, nas bases de dados: Bireme,
Pubmed, Pedro e Cinahl. Com
os descritores: “alongamento”, “exercício de alongamento”, “Síndrome de Down”,
“flexibilidade” e “amplitude de movimento” combinados, e em inglês e português.
Os critérios de inclusão foram a presença dos
descritores no título e a relação com o tema, artigos publicados até julho de
2017. Foram excluídos títulos repetidos, títulos cujo resumo não se relacionava
com a SD e artigos que não tratavam sobre flexibilidade ou alongamento na SD. Resultados: Foram encontrados 372
artigos, sendo selecionados 9 artigos de acordo com o
título para leitura dos resumos. Após leitura dos resumos, apenas 5 artigos foram selecionados para análise na íntegra. Conclusão: Não há evidências suficientes
na literatura que indiquem os efeitos do exercício de alongamento muscular em
pessoas com SD.
Palavras-chave: Síndrome de Down,
flexibilidade, amplitude de movimento, exercício de alongamento muscular.
Abstract
Introduction: Body scoring strategies are commonly used to minimize musculoskeletal
dysfunctions resulting from Down Syndrome (DS). Thus, postures adopted in these
strategies promote muscle stretching; however, the effects of the stretching
exercise in this public are not clear. Objective:
To verify the evidence regarding the effects of muscle stretching exercises in
people with DS. Methods: A systematic review was carried out with 3 independent
evaluators, in the databases: Bireme, Pubmed, Pedro
and Cinahl. With the descriptors:
"stretching", "stretching exercise", "down
syndrome", "flexibility", "range of motion" combined,
in English and Portuguese. The inclusion criteria were the presence of the
descriptors in the title and the relation with the theme, articles published
until July 2017. We excluded repeated titles, titles whose summary was not
related to DS, and articles that did not relate
flexibility or stretching in DS. Results:
A total of 372 articles were found, and 9 articles were selected according to
the title for the reading of the abstracts. After reading the abstracts, only 5
articles were selected for analysis in their entirety. Conclusion: There is insufficient evidence in the literature to
indicate the effects of muscle stretching exercise in people with DS.
Key-words: Down
syndrome, flexibility, range of motion, muscle stretching exercise.
A Síndrome de Down
(SD) é uma desordem genética na qual ocorre desequilíbrio cromossômico,
caracterizada pela trissomia do cromossomo 21 [1]. O
acometimento da síndrome provoca atrasos na aquisição de marcos do
desenvolvimento motor [2] relacionando este atraso a características observadas
nesta população como a obesidade, fraqueza articular e hipotonia [3]. Esta
patologia também é causadora de envelhecimento prematuro, levando à senescência
de órgãos, da imunidade, da força e da capacidade funcional [4].
Ainda em relação às
características da SD, a hipermobilidade e hiperflexibilidade articular são típicos em pessoas com tal
síndrome [5]. Um fator importante que pode contribuir para flexibilidade
articular excessiva é a hipotonia em crianças com tal síndrome, entretanto, com
o avançar da idade a hipotonia vai reduzindo, mas não desaparece [5]. Há
relatos de que a hipotonia reduz cerca de 25% em
adolescentes e adultos com SD quando comparados com crianças com a mesma
síndrome [6].
Além disso, a
hipotonia característica da SD deve-se a mutações no colágeno, mais
especificamente no COL6A3, o qual é componente essencial para manutenção da
integridade muscular, isto é, a mutação deste colágeno pode ser considerada
importante fator de risco para hipotonia em pessoas com SD [7].
Uma vez que a
hipotonia está presente em pacientes com SD e esta é determinante para o
desenvolvimento motor, há importância da estimulação precoce em indivíduos com
esta síndrome [8]. Assim, tendo em vista a hipotonia nessa população,
encontramos a prescrição de exercícios que visam o fortalecimento muscular [9].
Dessa maneira,
estudos comprovaram o aumento da força com a realização de exercícios
resistidos [10,11], já que o exercício resistido para força muscular mostra uma
melhora na performance e nos músculos dos membros
trabalhados, além de ser uma atividade recreativa e de interação social para
jovens e consequente aquisição de marcos motores [12].
O controle
sensório-motor no músculo hipotônico é alterado [13] e sabe-se que o aumento da
amplitude de movimento articular (ADM) é característica de pessoas com SD.
Entretanto, com o processo de envelhecimento ocorre diminuição da ADM em
indivíduos com SD em cerca de 40% [14], nesse sentido, estratégias que
minimizem tais alterações na ADM, decorrentes do envelhecimento, são
necessárias para manutenção desta, do comprimento músculo-tendíneo
e consequentemente da flexibilidade.
Dessa forma, o
objetivo desta revisão sistemática foi verificar as evidências a respeito dos
efeitos dos exercícios de alongamento muscular em pessoas com SD.
Trata-se de uma
revisão sistemática na qual foram incluídos ensaios clínicos randomizados e não-randomizados, que apresentavam os descritores “Down syndrome”
combinado com “range of
motion” ou “muscle streching exercises”
ou “bone lengthening”
ou “flexibility”.
Os critérios de
exclusão foram: 1) artigos de revisão sistemática, 2) títulos não coerentes com
o tema, 3) resumo não apresentando relação com o tema, 4) comparação da
Síndrome de Down com outras patologias, 5) títulos repetidos.
A busca foi realizada
por três avaliadores independentes, nas seguintes bases de dados eletrônicas: Bireme, Pubmed, Pedro e Cinahl; no período de 1967 a julho de 2017.
Foram utilizadas as
seguintes palavras-chave: Down sindrome, flexibility, range of motion articular, muscle streching exercises, bone lengthening, agrupados de modo que todas as combinações
contavam com o descritor “Down sindrome”. Foram considerados todos os estudos nos
idiomas português e inglês.
Todos os títulos e
resumos foram analisados independentemente pelos 3
avaliadores. A revisão sistemática foi realizada por fases. Inicialmente
buscou-se o total de publicações disponíveis nas bases de dados selecionados de
acordo com cada descritor. Já na segunda fase houve uma análise mais
criteriosa, na qual foram selecionados apenas os títulos. Depois de excluídos
todos os artigos que não se enquadravam nos critérios
do estudo, uma nova investigação foi realizada com base no resumo dos artigos
selecionados. Todos os resumos que não forneciam informações suficientes sobre
os critérios de inclusão e exclusão foram selecionados
para avaliação do texto completo. Ambos os pesquisadores compararam os artigos
identificados e por consenso definiram os que seriam lidos na íntegra. Quando
não havia consenso, uma quarta pessoa era consultada.
Na estratégia de
busca elaborada foi possível encontrar um total de 372 artigos identificados
por meio das bases de dados. Após a triagem pela leitura dos títulos, foram
excluídos 356 artigos. Posteriormente, foram excluídos 16 (6
por duplicidade e 10 por ser uma revisão sistemática), restando 9 para leitura
dos resumos, que foram excluídos, totalizando 0 artigos. (Figura 1).
Figura
1
A presente revisão
sistemática demonstrou que não há evidências sobre os efeitos do exercício de
alongamento em pessoas com SD.
A Fisioterapia motora
na estimulação da criança com SD tem como objetivo potencializar o
desenvolvimento sensório-motor [15]. Além de auxiliar a criança a alcançar as
etapas de seu desenvolvimento da forma mais adequada possível, buscando a
funcionalidade na realização das atividades diárias e na resolução de problemas
[15].
Pessoas com SD
geralmente participam de atividades físicas de baixa intensidade [16]. De
acordo com Shields et al. [16], a prescrição de exercícios
para reduzir o estresse oxidativo e minimizar os
efeitos deste no processo de envelhecimento é amplamente utilizada para
população em geral. A população com SD apresenta as seguintes respostas
decorrentes da prática de atividade física: redução da disfunção autonômica,
melhora da capacidade aeróbica e melhora da performance.
Apesar dos benefícios da atividade física para pessoas com SD, não há relatos
dos efeitos da prática de exercícios de flexibilidade e alongamento muscular
para este público, embora já tenha sido reportado que o processo de
envelhecimento na SD acarreta em redução da ADM e flexibilidade.
Sabe-se que a
arquitetura muscular influencia a capacidade de adaptação muscular mediante
estímulo mecânico, nesse sentido, entender as peculiaridades do músculo
hipotônico na SD é importante para prescrever exercícios de forma adequada e,
assim, prevenir lesões.
O ângulo de penação
do músculo quadríceps de pessoas adultas com SD comparado a pessoas hígidas na
mesma faixa etária é semelhante, o que indica que a organização espacial e
orientação das fibras musculares não são diferentes nesses dois públicos [17].
Ainda no que diz respeito à arquitetura muscular, a espessura do músculo
hipotônico na SD é significativamente menor quando comparada a espessura
muscular de indivíduos hígidos [17], tal redução na espessura muscular é
compatível com fraqueza muscular. Neste sentido, pode-se inferir que a
prescrição de exercícios físicos, por exemplo, o exercício de alongamento para
esse público pode ser semelhante à prescrição realizada para indivíduos hígidos
na mesma faixa etária, entretanto, não há relatos a respeitos dos efeitos do
exercício de alongamento em pessoas com SD.
No que diz respeito
aos efeitos da prática da atividade física no tecido muscular, o processo de mecanotransdução é de suma importância, este é o processo
pelo qual o corpo converte um estímulo mecânico em resposta celular [18,19].
Esta resposta celular promove mudanças estruturais no músculo. O exercício
físico atua como estímulo mecânico, o qual promove perturbação física para as
células, que é transformada em variedade de sinais químicos intra
e extracelulares [18]. Apesar do conhecimento do processo de mecanotransdução, não se sabe quais são os efeitos da
prática do exercício de alongamento no músculo hipotônico na SD.
Segundo Salvini et al. [20], é
pelo mecanismo de mecanotransdução que um estímulo
mecânico causa uma série de alterações intracelulares, como o aumento da
síntese proteica e, consequentemente, da força muscular e da amplitude
articular, tanto a força muscular quanto a amplitude articular são importantes
para a SD, visto que com o processo de envelhecimento desta população ocorre redução
da amplitude de movimento articular e estratégias para minimizar estes efeitos
são necessárias.
Estudos indicam que
exercícios de alongamento podem incrementar o rendimento em práticas esportivas
em adultos jovens [21,22]; melhorar a dor musculoesquelética relacionada ao
trabalho em adulto [23]; aumentar a flexibilidade e o torque em idosas da
comunidade [24]; incrementar o comprimento músculo-tendíneo,
flexibilidade e prevenir perda de torque em idosas institucionalizadas [25].
Apesar dos efeitos comprovados do exercício de alongamento, ainda não há
evidências a respeito dos efeitos desse exercício no músculo hipotônico em
pessoas com SD.
Em relação aos
efeitos promovidos pelo exercício de alongamento muscular, estes podem ser
divididos em agudos e crônicos. Considera-se efeito agudo do alongamento
muscular resultados imediatos e em curto prazo, ou seja, quando promove
alongamento do componente viscoelástico da unidade
músculo-tendínea, o que por sua vez aumenta a ADM e a
tolerância ao alongamento [22,26]. Ainda em relação aos efeitos agudos do
exercício de alongamento, são considerados agudos os efeitos que duram por
segundos, minutos e horas após a intervenção [27,28] ou até uma semana [29].
Já os efeitos
crônicos representam os resultados tardios do alongamento e podem levar ao
aumento do comprimento muscular por adaptação mecânica [22,26], o que pode
induzir ao aumento do número de sarcômeros em série,
área de secção transversa das fibras musculares, deformação viscoelástica
e alteração da relação comprimento-tensão, tais efeitos podem durar dias,
semanas e meses [28].
Quando se prescrevem
exercícios, deve-se considerar o tipo de exercício, tempo de manutenção do
estímulo, o intervalo entre as repetições, o número de repetições, a frequência
diária e semanal e a faixa etária, pois esses parâmetros influenciam nos
efeitos do programa de alongamento, sejam agudos ou crônicos [30].
Williams et al. [31] avaliaram os efeitos do
alongamento no músculo sóleo de ratos, imobilizado na
posição de encurtamento, por um período de 10 dias. A cada dois dias, a
imobilização era removida e o músculo era alongado por um período de 15
minutos. Neste estudo foi encontrado que o alongamento passivo mantido, foi
suficiente para manter a ADM da articulação bem como prevenir a proliferação de
tecido conjuntivo. Coutinho et al. [32]
compararam 2 protocolos de alongamento, isto é, um realizado diariamente sendo
1 série de 10 repetições com duração de 60 segundos cada, e outro com
alongamentos realizados três vezes por semana utilizando os mesmos parâmetros
de prescrição, após imobilização na posição de encurtamento. Estes autores
verificaram que a melhor reorganização do tecido conjuntivo foi encontrada nos
músculos submetidos ao alongamento diário, demonstrando que a frequência do
alongamento também interfere na adaptação do tecido conjuntivo muscular.
Entretanto, não há evidências a respeito dos efeitos agudos e crônicos do
exercício de alongamento na SD.
A SD tem como
consequências mais comuns o envelhecimento prematuro, a tendência ao sobrepeso
e a capacidade funcional reduzida [4], assim levando em conta a flexibilidade
como fator importante à capacidade funcional. Estudo aponta que dos 5 aos 15 anos de idade há redução da amplitude de movimento
articular das pessoas com SD, em 40% para extensão da articulação do joelho,
60% para dorsiflexão do tornozelo e na flexibilidade,
respectivamente [14]. Apesar de serem amplamente apresentados na literatura os
efeitos do exercício de alongamento em diferentes públicos, os efeitos na
população com SD ainda são desconhecidos, mesmo com a evidência de redução da
flexibilidade decorrente do processo de envelhecimento nesta população.
As lacunas na
literatura a respeito da temática da presente revisão sistemática são
evidentes, sugere-se a realização de novas pesquisas que investiguem os efeitos
dos parâmetros de prescrição do exercício de alongamento em pessoas com SD.
Conclui-se com esta
revisão sistemática que não há evidência suficiente para prescrever exercício
de alongamento para pessoas com SD, embora seja comprovado que o processo de
envelhecimento nesta população acarrete em redução da amplitude de movimento
articular.