ARTIGO ORIGINAL
Capacidade funcional e qualidade
de vida em idosos
Functional capacity and quality of life in elderly
Jessica Lacerda Pereira*,
Filipe Ferraz de Araujo**, Kleyton
Trindade Santos, Ft., M.Sc.***
*Discente do curso de Fisioterapia
da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR), Vitória da Conquista/BA, **Discente
do curso de Engenharia Elétrica da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR) Vitória
da Conquista/BA, ***Docente da Faculdade Independente do Nordeste-FAINOR em Vitória
da Conquista/BA
Recebido em 7 de novembro
de 2018; aceito em 12 de dezembro de 2019.
Correspondência: Kleyton
Trindade Santos, Rua Edson Porto, 242, 45340-000 Itiruçu BA
Kleyton Trindade Santos: kleyton_santos@hotmail.com
Jessica Lacerda Pereira:
jeulacerda18@gmail.com
Filipe Ferraz de Araujo: filipeferraz18@gmail.com
Resumo
Com o passar dos anos o
corpo vai perdendo a capacidade de realizar atividades diárias, podendo influenciar
na qualidade de vida. O objetivo é analisar a associação entre a capacidade funcional
e a qualidade de vida em idosos. Estudo transversal, analítico, de caráter quantitativo,
realizado no município de Maiquinique/BA, com 121 idosos
cadastrados em dois programas de saúde da família. Foi aplicado um questionário
sociodemográfico, acrescido da Escala de Katz e de Lawton para avaliação da capacidade
funcional, além do Whoqol bref
para avaliação da qualidade de vida. Os dados foram analisados com o pacote estatístico
SPSS 22.0, e a associação entre capacidade funcional e qualidade de vida foi verificada
através do teste U de Mann-Whitney. Foi identificado que 9,9% dos idosos eram dependentes
para Atividade Básica de Vida Diária (ABVD) enquanto 19% para Atividade Instrumental
de Vida Diária (AIVD). Observou-se que as dependências funcionais tanto nas ABVD
quanto nas AIVD estiveram associadas a menor média em todos os domínios da qualidade
de vida (p = 0,001), com exceção para o domínio meio ambiente e a ABVD (p = 0,071).
Conclui-se que existe relação entre dependência funcional e baixa qualidade de vida
em idosos, tanto nos seus aspectos gerais, quanto nos domínios individualizados.
Palavras-chave: envelhecimento, atividades
cotidianas, qualidade de vida.
Abstract
Over
the years, the body loses its ability to perform daily activities, and can influence
the quality of life. The objective is to analyze the association between functional
capacity and quality of life in the elderly. A cross-sectional, analytical, quantitative
study was carried out in the municipality of Maiquinique,
Bahia, with 121 elderly people enrolled in two family health programs. A sociodemographic
questionnaire was applied, plus the Katz and Lawton Scale for functional capacity
assessment, and the Whoqol bref
for quality of life assessment. The data were analyzed with the statistical package
SPSS 22.0, and the association between functional capacity and quality of life was
verified through the Mann-Whitnney U test. 9.9% of the
elderly were dependent for Basic Activity of Daily Living (ADL) while 19% for Instrumental
Activity of Daily Living (IADL). Functional dependencies in both ADL and IADL were
associated with a lower mean in all domains of quality of life (p = 0.001), except
for the environmental domain and ADL (p = 0.071). We concluded that there is a relationship
between functional dependence and low quality of life in the elderly, both in their
general aspects and in the individualized domains.
Keywords: aging, daily activities, quality of life.
O processo de envelhecimento
promove uma série de modificações anatomo-fisiológicas
no corpo humano, ocasionando, por exemplo, perda de massa corporal, diminuição de
mobilidade articular e predisposição a patologias reumatológicas, contribuindo para
redução da capacidade funcional, isolamento social e influenciando diretamente na
queda da qualidade de vida [1].
Segundo Paula et al. [2],
capacidade funcional pode ser definida como a mobilidade que o indivíduo tem da
realização de tarefas do seu cotidiano, tomada de decisões sem auxílio e exercer
as atividades instrumentais de vida diária (AIVD) e atividade básica de vida diária
(ABVD) sem dificuldade. De acordo com os dados epidemiológicos em território nacional,
na zona urbana apresenta uma taxa relevante no déficit de funcionalidade entre 13,8%
a 15,31% da população idosa, trazendo consequências para a funcionalidade.
A perda da capacidade funcional
pode provocar sérios riscos para saúde física, mental e social, e consequentemente
ocasionar uma redução no bem-estar do indivíduo provocando dentre outros fatores
o isolamento social, a depressão e demais problemas que poderão aumentar a morbimortalidade
do idoso, e repercutir na qualidade de vida, fazendo com que essa, sofra uma redução
[1]. Para a Organização Mundial da Saúde a qualidade de vida é o entendimento que
o indivíduo tem de sua colocação na vida dentro da situação educacional e do sistema
de valores de onde habita, e em relação a suas metas, probabilidades, padrões e
responsabilidades [3].
A busca para uma qualidade
de vida é uma preocupação constate para o ser humano, que vai desde o nascimento
até a terceira idade, sendo sua avaliação extremamente importante, levando em conta
a fatores sociais, renda, moradia e familiares, gerando um melhor bem-estar. Contudo
é importante a avaliação da capacidade funcional para a prevenção e promoção da
saúde gerando um melhor bem-estar ao indivíduo [4].
Diante dessas alterações
na funcionalidade, entende-se como fundamental o conhecimento da relação entre capacidade
funcional e qualidade de vida na população idosa, a fim de adotar-se medidas de
prevenção e promoção a saúde, evitando esses agravantes. Sendo assim este estudo
tem como objetivo avaliar a capacidade funcional e a qualidade de vida em idosos
da comunidade.
Trata-se de um estudo transversal,
analítico e descritivo, de caráter quantitativo, realizada com idosos cadastrados
no Programa de Saúde da Família (PSF), do município de Maiquinique,
Bahia.
O município estudado, localizado
a 592 km da capital do estado, no sudoeste do estado, possuía no período da coleta
de dados 10.183 habitantes, distribuídos nas zonas urbana e rural. A cidade tem
baixos indicadores sociodemográficos e educacionais, fato que pode ser observado
pela baixa escolaridade e condição socioeconômica da população, que em sua maioria
é composta de trabalhadores rurais e prestadores de serviços.
A amostra do estudo foi
composta por 121 indivíduos com idade acima de 60 anos, abordados em suas residências
(informadas e localizadas através das informações cadastrais dos idosos no PSF),
e que apresentavam o estado cognitivo preservado avaliado através do Mini Mental
[5]. Foram excluídos do estudo indivíduos que não foram capazes de compreender as
perguntas, mesmo com o cognitivo preservado.
Os dados foram coletados
em uma única etapa, sendo utilizado um questionário composto por variáveis sociodemográficas,
acrescida da escala de Katz para avaliação das ABVD, escala de Lawton e Brody para
avaliar as AIVD [6], e o questionário Whoqol-Bref para
avaliação da qualidade de vida.
O índice de Katz ou Índice
de Atividade de Vida Diária foi criado para avaliar a funcionalidade física [7].
É utilizada para graduar a funcionalidade do indivíduo permitindo avaliar a autonomia
do idoso para realizar as atividades básicas e relevantes à vida diária, constituídas
por Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD): banho; vestir; higiene pessoal; transferência;
continência e alimentação, composta por 6 domínios com um escore total de 6 pontos,
no qual o idoso é classificado como dependente (1) ou independente (0).
A
Escala de Lawton [6] tem
como função avaliar a funcionalidade nas atividades
instrumentais de vida diária,
composta por 9 domínios, podendo variar com o escore de 9 a 27
pontos. Permite avaliar
a autonomia do idoso para realizar as atividades necessárias
para viver de forma
independente na comunidade, designadas por Atividades Instrumentais de
Vida Diária
(AIVD): Utilização do telefone, Realização
de compras, Preparação das refeições,
Tarefas domésticas, Lavagem da roupa, Utilização
de meios de transporte, Manejo
da medicação e Responsabilidade de assuntos financeiros,
sendo classificado como
dependente (1) ou independente (0).
O Whoqol-Bref
que é composto por vinte e seis questões, sendo definida por 4 domínios, físico,
psicológico, relações sociais e meio ambiente, e duas questões gerais. O instrumento
contém escores que podem ser transformados em uma escala de 1 a 5, e quanto maior
a média, melhor a qualidade de vida naquele aspecto avaliado [8].
Todas as etapas da pesquisa
seguiram rigorosamente os princípios éticos da resolução 466/12 do Conselho Nacional
de Saúde. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), comprovando sua participação voluntária nesta pesquisa. Este estudo foi
submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade Independente
do Nordeste (FAINOR), conforme protocolo CAAE: 69698317.8.0000.5578, e número de
aprovação: 2.132.331.
A apreciação estatística
desta pesquisa foi realizada pelo pacote estatístico SPSS (Statistical
Package for Social Sciences)
versão 22.0. Foram calculadas as frequências relativas e
absolutas de todas as variáveis
de interesse. A estatística inferencial utilizada foi o teste do
U Mann-Whitney,
para verificação da associação entre as
variáveis. O nível de significância adotado
em todas as análises foi de 5% (α = 0,05).
Participaram da pesquisa
121 idosos, com idade variando de 60 a 87 anos. Foi possível observar que 66 (54,5%)
são do sexo feminino, e a maioria (63,6%) considera a saúde como boa. As demais
características são apresentadas na tabela I.
Tabela I - Características sociodemográficas
e comportamentais da população. Maiquinique, Bahia, Brasil,
2017.
Fonte: Dados da pesquisa.
A tabela II apresenta informações
referente a capacidade funcional dos idosos. Nota-se que aproximadamente 10% dos
idosos foram classificados como dependentes nas ABVD e 19% foram dependentes na
AIVD.
Tabela II - Capacidade funcional
de idosos para AIVDs e ABVDs.
Maiquinique , Bahia, Brasil, 2017.
Fonte: Dados da pesquisa.
Abaixo são apresentadas
as médias dos domínios de qualidade de vida, para os idosos dependentes e independentes
na AIVD e ABVD. Foi possível verificar que as médias foram inferiores em todos os
domínios para os idosos dependentes, apresentando associação positiva em todas as
variáveis, exceto na dependência para as ABVD (p = 0,071).
Tabela III - Associação entre os
valores médios dos domínios da qualidade de vida dos idosos e capacidade funcional
nas AIVD e ABVD. Maiquinique, Bahia, Brasil, 2017.
Fonte: Dados da pesquisa.
Foi possível identificar
que a maioria dos idosos entrevistados (54,5%) foi do sexo feminino. Esses resultados
corroboram as projeções do IBGE que afirma que a população idosa feminina é de 2,15%
da população total de brasileiros, enquanto a masculina é de 1,90%. Esse aumento
do quantitativo do sexo feminino se deve a vários fatores [9], e segundo Campos
e Fernandes [10] aborda que no seu estudo pode ser explicado devido aos homens procurarem
menos os serviços de saúde pelo fato de não reconhecer o adoecer, ou por medo de
ficarem afastados por recomendação médica de suas atividades diárias, principalmente
aqueles de baixa renda que necessitam do serviço para sustento.
Quando analisamos a prática
de exercício físico, nota-se que apenas 30,6% dos idosos estudados realizam alguma
atividade física, demonstrando um dado preocupante, pois nota-se que embora estejam
ocorrendo mudanças nas práticas de atividade física de maneira geral, o idoso ainda
se encontra afastado, por diversos motivos, que vão desde a sensação de incapacidade
até a falta de orientação para realização, que é mais evidenciado em cidades de
menor porte [11]. Essa prática de atividade deve ser estimulada na população idosa,
gerando diversos benefícios que vão desde o retardo da perda da massa óssea até
um estado físico e mental melhorado [12].
Ao avaliar a capacidade
funcional dos idosos, foi possível verificar que aproximadamente 10% da amostra
teve dependência nas ABVD. Esses resultados assemelham-se aos estudos de Calha [13]
e Paula et al. [2], que encontrou prevalência de dependentes nas ABVD de
6,7% e 10%, respectivamente. Segundo Dias et al.
[14], a dependência nas
ABVD pode ocasionar um grau de comprometimento nas atividades de
higiene pessoal,
transferências e alimentação, trazendo
sérios prejuízos na condição de
saúde do
idoso.
Quando investigadas as AIVD,
observou-se um grau de dependência maior na amostra se comparado às ABVD, ficando
em 19%. Essa maior prevalência é algo esperado, pois se sabe que as AIVD são atividades
mais complexas e que necessitam de um cognitivo preservado, uma força muscular maior
e uma mobilidade mais ativa desses idosos [15].
Avançando com as análises
do estudo, foi possível identificar que a qualidade de vida geral e seus domínios
específicos estiveram associados ao nível de dependência funcional dos idosos, tanto
para ABVD como para AIVD. Santos e Junior [16] estudaram 225 idosos e observaram
que dentre os requisitos que pode ocasionar a baixa qualidade de vida destaca-se
a dependência funcional que, caso esteja presente, resulta em uma saúde prejudicada,
influenciando na qualidade de vida geral.
No estudo foi possível notar
que os idosos classificados como dependentes nas ABVD e/ou nas AIVD tiveram uma
menor média no domínio físico em relação aos idosos independentes (p = 0,001 em
ambas as análises). É sabido que esse domínio remete a questões que exige desempenho
e condição física dos idosos, e caso essas estejam ineficazes resultam em uma qualidade
de vida deteriorada [17,13]. Esses achados se mostram de extrema relevância, pois
entende-se que um envelhecimento com esgotamento das reservas físicas pode proporcionar
diversas complicações que vão desde a perda da autonomia até o isolamento social
[18].
Em relação aos domínios
psicológicos e relações sociais, também foi verificado que, para ambos, os idosos
que tinham dependência apresentando uma média inferior (p = 0,001 em todas as análises).
Gomes, Mendes e Fracolli [15] afirmam que a capacidade
funcional, influencia e é influenciada por um estado de desamino por parte do idoso,
que muitas vezes por perceber o déficit físico e perda da autonomia tende a alavancar
seus pensamentos negativos, não aproveitar o tempo para realização de tarefas, e
desenvolver uma baixa autoestima.
Essa associação entre capacidade
funcional e queda nos domínios psicológicos e relações sociais se mostram ainda
mais importantes, pois se entende que os relacionamentos sociais são fatores importantes
para o bem-estar físico e mental na vida dos idosos, fazendo com que tenham uma
melhor saúde e aumento da longevidade, garantidos por uma melhor qualidade de vida
[19].
Em relação ao domínio meio
ambiente, notou-se que embora as médias para ambas as atividades fossem menores
nos idosos dependentes, a associação só foi encontrada para as AIVD. Almeida [20]
explica que o domínio meio ambiente por estar relacionado ao acesso aos serviços
gerais na comunidade, como saúde, segurança, habitação e lazer, acaba fazendo com
que a interferência na qualidade de vida não seja sentida em atividades mais básicas.
Entende-se através dos resultados
apresentados neste estudo que é de extrema importância avaliar a capacidade funcional,
e buscar preservá-la a fim de evitar uma queda na qualidade de vida da população
idosa.
Este estudo apresenta como
limitação o seu caráter transversal que impede de realizar as inferências de causalidade,
entretanto esses efeitos são minimizados, pois percebe-se que através de uma amostra
representativa, e do autopoder de associação encontrado, seus dados podem ser extrapolados
para diferentes populações de idosos, servindo de estratégia de rastreio e prevenção.
Conclui-se que existe relação
entre dependência funcional e baixa qualidade de vida em idosos, tanto nos seus
aspectos gerais, quanto nos domínios individualizados.