REVISÃO
Efeito da
estimulação elétrica neuromuscular na dor, desempenho funcional e força muscular
em indivíduos com osteoartrite de joelho
Effects of neuromuscular electrical stimulation on pain, function performance
and muscle strength in patients with knee osteoarthritis
Camila Thais Adam, Ft.*,
Eduarda Gomes Ferrarini**, Núbia Carelli Pereira de Avelar, D.Sc.***
*Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação
UFSC, **Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ***Programa de Pós-graduação
em Ciências da Reabilitação UFSC, Professora do curso de Fisioterapia da Universidade
Federal de Santa Catarina
Recebido em 10 de novembro
de 2017; aceito em 3 de agosto de 2018.
Endereço
de correspondência:
Núbia Carelli Pereira de Avelar, Unidade Jardim das Avenidas, Rodovia Governador
Jorge Lacerda, 3201, Jardim das Avenidas, 88906-072 Araranguá SC, E-mail: nubia.carelli@ufsc.br;
Camila Thais Adam: camila.adam@hotmail.com; Eduarda Gomes Ferrarini: duferrarini@gmail.com
Resumo
Introdução: A Eletroestimulação
Neuromuscular (EENM) é uma forma de tratamento utilizada na reabilitação de indivíduos
com osteoartrite de joelhos (OJ). Contudo, ainda há na
literatura científica discordância sobre a efetividade dessa modalidade de tratamento.
Objetivo: Avaliar a efetividade do uso
da EENM na dor, desempenho funcional e força muscular em indivíduos com OJ. Métodos: As bases de dados eletrônicas Pubmed/Medline, Pedro e Scielo foram consultadas retrospectivamente até o ano de 2010.
Os artigos foram selecionados a partir dos seguintes critérios de inclusão: 1) Design:
Estudo Clínico Randomizado; 2) Tipo de intervenção: a) Grupo experimental devendo
utilizar a EENM como parte do programa de reabilitação, b) grupo controle, sem tratamento,
placebo, outra intervenção terapêutica. Os desfechos primários incluídos na presente
revisão foram dor, desempenho funcional e força muscular e como desfecho secundário
a qualidade de vida. Resultados: Após
a triagem, 26 estudos foram recuperados em texto completo e 7
foram inclusos no estudo. Os desfechos primários inclusos na presente revisão foram
dor (7 estudos), desempenho funcional (6 estudos) e força
muscular (5 estudos). O desfecho secundário qualidade de vida foi encontrado somente
em 2 estudos. Conclusão:
Os estudos demonstram efetividade da EENM associada ou não com exercícios físicos
para diminuição da dor em indivíduos com OJ. Porém, outras variáveis avaliadas como
desempenho físico, força muscular e melhora da qualidade de vida mostraram resultados
significativos apenas em comparações intragrupos com o
grupo controle.
Palavras-chave: estimulação elétrica,
modalidades de fisioterapia, doenças reumáticas.
Abstract
Introduction: Neuromuscular electrical stimulation (NMES) is a form of treatment used
in the rehabilitation of individuals with knee osteoarthritis (KO). However, there
is still disagreement in the literature about the effectiveness of this treatment
modality. Objective: To evaluate the effectiveness
of NMES use in pain, functional performance and muscular strength in individuals
with KO. Methods: The electronic databases
Pubmed/Medline, Pedro and Scielo
were retrospectively consulted by the year 2010. The articles were selected from
the following inclusion criteria: 1) Design: randomized clinical study; 2) Type
of intervention: a) Experimental group should use NMES as part of the rehabilitation
program, b) control group, without treatment, placebo, other
therapeutic intervention. The primary outcomes included in the present review were
pain, functional performance and muscle strength and as a secondary outcome to quality
of life. Results: After screening, 26
studies were retrieved in full text and 7 were included in the study. Primary outcomes
included in the present review were pain (7 studies), functional performance (6
studies), and muscle strength (5 studies). The secondary outcome of quality of life
was found only in 2 studies. Conclusion:
The studies demonstrate the effectiveness of NMES associated or not with exercise
to reduce pain in individuals with KO. However, other variables evaluated as physical
performance, muscular strength and improvement of the quality of life showed significant
results only in intragroup comparisons with the control group.
Key-words: electrical stimulation,
physical therapy modalities, rheumatic diseases.
A osteoartrite
é uma doença osteoarticular, progressiva e de etiologia
multifatorial que se manifesta por dor, rigidez e limitação na funcionalidade. A
osteoartrite de joelhos (OJ) é a forma mais comum em adultos
e idosos e ocorre pela perda da homeostasia na unidade funcional menisco-cartilagem-osso
subcondral, levando a degradação de cartilagem e mais
tardiamente de tecido ósseo. Entre as doenças reumáticas é a mais frequente em toda
a população mundial [1].
A OJ traz diversos prejuízos
à saúde e qualidade de vida [2]. Dentre seus limitantes, está a perda de força dos músculos extensores do joelho, que parece
ser um determinante importante da mobilidade, independente da gravidade radiográfica.
As razões para a fraqueza muscular nos extensores de joelho incluem atrofia, redução
do número de fibras musculares e alterações na ativação muscular [3].
A OJ não tem cura e o
seu tratamento tem a função de aliviar os sinais e sintomas e, quando possível,
retardar sua evolução. Os tratamentos descritos na literatura evidenciam a redução
do peso corporal [4], ultrassom [5], estimulação elétrica nervosa transcutânea – TENS [5], laserterapia
[6], bem como treinamento de força [7] e resistência muscular [4,8,9] e estimulação elétrica neuromuscular [2].
Recentes estudos demonstram
evidências inconsistentes do efeito da EENM em indivíduos com OJ nas variáveis desempenho funcional, dor e força extensora de joelho
aplicada como intervenção única ou como terapia complementar [10,11]. Bruce-Brand
et al. [12] avaliaram a eficácia da EENM (onda quadrada,
corrente de 18 mA, frequência de 50 Hz, largura de pulso
dinâmica variando de 100-400 µs) e dos exercícios contrarresistência
em indivíduos com OJ, não relatando melhora significativa para as variáveis dor,
desempenho funcional e força muscular de quadríceps. Já Laufer,
Shtraker [13] e Elboim-Gabyzon
[14] encontraram melhora significativa da dor em indivíduos com OJ em indivíduos
submetidos a um protocolo de EENM.
Dessa forma, verifica-se
que os métodos e os resultados dos estudos sobre a eficácia da EENM na OJ diferem
na modulação das correntes de média frequência [15]. Assim, observa-se uma falta
de consenso sobre a inclusão de EENM em protocolos de reabilitação [2]. Portanto,
o objetivo deste estudo foi avaliar a efetividade do uso da EENM na dor, desempenho
funcional e força muscular em indivíduos com OJ.
As bases de dados eletrônicas
Pubmed/Medline, Pedro e Scielo foram consultadas retrospectivamente até o ano de 2010,
usando as seguintes palavras-chave: neuromuscular
electrical stimulation (ou
russian current, ou medium frequency current, ou high frequency current, ou low frequency current, ou NMES)
and knee osteoarthritis. Foram incluídos no estudo, artigos nas línguas
inglesas e portuguesa.
Artigos identificados
pela estratégia de busca inicial foram avaliados de forma independente por dois
autores. Inicialmente, os artigos foram selecionados através da leitura dos títulos.
Entre as referências selecionadas como possivelmente elegíveis, os resumos foram
lidos. Com base nos resumos selecionados, foi realizada uma pesquisa de texto completo
de cada artigo para avaliar se os artigos preenchiam os seguintes critérios de inclusão:
1) Design: estudo clínico randomizado; 2) tipo de intervenção: a) Grupo experimental
devendo utilizar a EENM como parte do programa de reabilitação, b) grupo controle,
ou sem tratamento, ou placebo, ou outra intervenção terapêutica, ou exercícios voluntários
ou outras intervenções utilizando a estimulação elétrica. O presente estudo incluiu
estudos realizados com indivíduos do sexo masculino e feminino, não restringindo
quanto ao gênero ou quanto à idade amostral. Os desfechos primários avaliados pelos
estudos e inclusos na presente revisão sistemática foram dor, desempenho funcional
e força muscular e como desfecho secundário a qualidade de vida.
Após a leitura na íntegra
dos artigos, os mesmo foram classificados através da Escala de Pedro. Os artigos
com pontuação igual ou acima de 5 pontos foram considerados
de boa qualidade e elegíveis para o estudo[16]. Em caso de discordância, um terceiro
avaliador foi contatado para analisar os pontos discordantes e auxiliar na definição
da pontuação a ser efetuada.
A pesquisa bibliográfica
identificou 198 registros (123 na Pubmed/Medline, 41 na Pedro e 34 na Scielo).
Após a triagem dos resumos, 26 estudos foram recuperados em texto completo e 7 foram inclusos no estudo. As razões para a exclusão dos artigos
foram: duplicidade (n = 18), não serem estudos clínicos randomizados (nº = 120),
data de publicação superior há 5 anos (nº = 23), restrição
de idioma (nº = 2), não possuírem tema relacionado à EENM e OA de joelho (nº = 3)
e avaliação na Escala de Pedro inferior à 5 pontos (nº = 1). O processo de seleção
dos artigos, bem como as características dos resultados são apresentados no quadro
1 e na tabela I, respectivamente.
Tabela I
– Características e resultados dos estudos inclusos.
Os desfechos primários
avaliados pelos estudos e inclusos na presente revisão sistemática foram dor (7 estudos) desempenho funcional (6 estudos) e força muscular
(5 estudos). O desfecho secundário qualidade de vida foi encontrado somente em 2 estudos.
Elboim-Gabyzon, Rozen
e Laufer [14], Imoto et al. [2] e Laufer,
Shtraker e Elboim-Gabyzon [13]
compararam a utilização da EENM (50-75 Hz, 250 µs entre 12 e 16 sessões) aplicada
no músculo quadríceps femoral juntamente com um programa de exercícios e grupo controle
(os mesmos exercícios sem EENM) em pacientes com OJ. Os achados demonstraram que
a EENM melhorou o desempenho funcional, porém os resultados não foram estatisticamente
significativos quando comparados com o grupo controle. Dados similares foram obtidos
por Palmieri-Smith et al. [17] que analisaram o desempenho
funcional de um grupo com utilização da EENM, não encontrando melhora estatisticamente
significativa em ambos os grupos, porém melhora clínica do grupo EENM (pré e pós-intervenção).
Bruce-Brand et al. [12] compararam as seguintes modalidades
de tratamento: EENM (onda quadrada, corrente de 18 mA,
frequência de 50 Hz, largura de pulso dinâmica variando de 100-400 µs), exercícios
contrarresistência (ECR) e controle. Os achados demonstraram
que o desempenho funcional avaliado por meio dos testes de caminhada de 25 metros,
subir escadas e sentar na cadeira melhorou estatisticamente somente nos resultados
intragrupos do grupo EENM e do ECR na 8ª semana em relação
com a 1ª semana (p < 0,001) e em comparação com o grupo controle (p < 0,005).
Elboim-Gabyzon, Rozen
e Laufer [14] inferem que a melhora clínica do desempenho
funcional sem diferença significativa entre os grupos, deve-se ao efeito do programa
de exercícios com fortalecimento muscular. Outra hipótese para a falta de diferenças
nos resultados entre os grupos de tratamento pode ser atribuída ao fato de que os
participantes não tinham prejuízos funcionais significativos [2].
A efetividade de um tratamento
de oito semanas de EENM (pulso bifásico, 50 Hz e 250 µs) combinado com exercícios
físicos na melhora da dor foi analisada por Imoto et al. [2]. Por meio da análise por intenção de tratar, na comparação
entre grupos, o grupo EENM apresentou melhora estatisticamente significativa em
comparação ao grupo controle na redução da dor (P = 0,01). Laufer,
Shtraker [13] e Elboim-Gabyzon
[14] em estudo similar de 12 semanas também encontraram diminuição da dor (P = 0,02)
em indivíduos com OJ após o uso da EENM. Similarmente, Dadalto,
Souza e Silva [10] encontraram diferença significativa (P <0.05) somente nas
comparações intragrupos para dor nos grupos EENM (2500
Hz com frequência de tratamento de 100 Hz, modulada a 50%, 1s/10s/1s/10s nos tempos
rise/on/decay/off, com intensidade máxima
suportada pelo paciente por 20 minutos) e ECR. Os autores justificam que essa diferença
pode estar relacionada à heterogeneidade dos pacientes para a variável, ao tamanho
pequeno da amostra e a falta de regularidade entre as sessões.
Dadalto, Souza e Silva [10] ao
submeterem os pacientes com OA a 24 sessões de fortalecimento muscular por meio
de EENM, ECR ou nenhuma forma de tratamento, não encontrou diferença significativa
para força extensora do joelho entre os grupos pós-tratamento, contrariando a hipótese
esperada de EENM ou ECR apresentarem diferenças estatisticamente significativas
em relação ao controle. Os autores acreditam que isso pode ter ocorrido devido à
heterogeneidade amostral. Entretanto, intergrupos este estudo aceitou a hipótese
nula, intragrupos o resultado foi diferente. A força extensora
do joelho foi significativamente maior no grupo tratado com EENM.
Não houve diferenças no
torque de quadríceps intragrupos ou intergrupos após terapia
de 14 semanas com EENM. Houve, no entanto, uma tendência para um aumento na força
isocinética e isométrica para ambos os grupos de treinamento
na semana 8 em relação a semana 1 [12].
Um significativo tempo
de efeito, indicando melhora global, foi demonstrado para a contração isométrica
de quadríceps (P < 0.01), com a exceção de ativação voluntária (P = 0,1) [13,14].
Foi observada melhora significativa na contração isométrica voluntária máxima (P
= 0,0003), após ambos os tratamentos, sem efeito de grupo ou interação. Em contraste,
tanto um efeito de tratamento (P = 0,045) e um efeito de tempo (P = 0,02), sem efeito
de interação foram notados para a ativação voluntária, que demonstrou uma melhoria
média de 22,2% no grupo de estimulação elétrica e apenas um 9,6% de melhora no grupo
exercício [13,14]. Palmieri-Smith et al. [17] avaliaram
os efeitos da EENM e não encontraram aumento da força do quadríceps com quatro semanas
de tratamento por 30 mulheres com evidência radiográfica de OA leve ou moderada.
A qualidade de vida foi
mensurada no estudo de Imoto et
al. [2] de oito semanas e encontrou melhora estatisticamente significativa no grupo
EENM, parâmetros de pulso bifásico, 50Hz e 250 µs, através do índice de Lequesne e da Escala de Atividades de Vida Diária (EAVD). Bruce-Brand
et al. [12] relataram melhora da pontuação do Questionário
SF-36 para o domínio saúde física no grupo EENM na semana 8 em relação à semana
1.
As
principais limitações
encontradas neste estudo consistem em falhas metodológicas
encontradas nos estudos
inclusos, como a ausência de especificidade dos protocolos e
parâmetros. Outra limitação
pode ter ocorrido devido à restrição do
período de busca e seleção dos estudos
retrospectivamente
até o ano de 2010, o que pode ter causado perda de estudos.
Entretanto, o objetivo
foi realizar uma revisão sistemática atualizada. Estudos
mais delineados quanto
às metodologias são necessários, descrevendo os
protocolos de tratamentos, exercícios
realizados e parâmetros utilizados, facilitando assim a
reprodutibilidade e a comparação
entre os estudos.
Este estudo demonstrou
que a Eletroestimulação Neuromuscular associada ou não a exercícios é uma alternativa
eficaz para a reabilitação de pacientes com OA, atuando efetivamente na diminuição
da dor e por isso pode ser englobada aos protocolos fisioterapêuticos.