ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da qualidade de vida em mulheres com câncer de mama submetidas à intervenção cirúrgica

Assessment of quality of life in women with breast cancer subject to surgical intervention

 

Fernanda Cristina Silva*, Letícia Júnia Ferreira*, Camila Medeiros Costa**, Andrei Pereira Pernambuco, Ft. D.Sc.***

 

*Graduanda em Fisioterapia do Centro Universitário de Formiga (UNIFOR/MG), bolsista no Programa de Iniciação Científica do UNIFOR/MG, **Graduanda em Biomedicina do Centro Universitário de Formiga, UNIFOR-MG, voluntária no Programa de Iniciação Científica do UNIFOR/MG, ***Professor do Centro Universitário de Formiga, UNIFOR-MG, Orientador do Programa de Iniciação Científica do UNIFOR/MG

 

Recebido em 11 de novembro de 2017; aceito em 04 de agosto de 2018.

Endereço de correspondência: Andrei Pereira Pernambuco, Rua Araxá, 206, Residencial Morro do Sol 35680-284 Itaúna MG, E-mail: pernambucoap@ymail.com; Fernanda Cristina Silva: fernandapains93@hotmail.com; Letícia Júnia Ferreira: letciaferreira@hotmail.com; Camila Medeiros Costa: camilamcosta2009@gmail.com

 

Resumo

Introdução: O câncer de mama é a neoplasia mais frequente entre as mulheres. Com a evolução dos tratamentos disponíveis, houve um aumento da sobrevida das pessoas com diagnóstico de câncer de mama. Contudo, a maior sobrevida quase sempre é acompanhada de comorbidades físicas e ou psicológicas que podem impactar na qualidade de vida destas mulheres. Objetivo: Avaliar a qualidade de vida de mulheres com câncer de mama que foram submetidas a tratamento por meio de intervenção cirúrgica. Material e métodos: Participaram do estudo 87 mulheres diagnosticadas com câncer de mama e que foram submetidas à intervenção cirúrgica. A qualidade de vida foi avaliada pelo questionário QLQ-C30 e QLQ-BR23. A análise estatística descritiva foi realizada no software GraphPad Prism v.5. Resultados: No QLQ-C30 foram observados bons níveis de qualidade de vida, entretanto no QLQ-BR23, questionário específico para o câncer de mama, observou-se que a qualidade de vida desses indivíduos estava prejudicada. Conclusão: Os resultados demonstram que a qualidade de vida de pacientes que passaram por tratamento cirúrgico de câncer de mama está comprometida. Deste modo, é necessário que as equipes multidisciplinares de saúde ajam na tentativa de promover a saúde e a qualidade de vida destas pessoas.

Palavras-chave: qualidade de vida, câncer de mama, mastectomia.

 

Abstract

Introduction: Breast cancer is the most common neoplasm among women. With the evolution of available treatments, the life expectancy of people diagnosed with breast cancer increased. However, the greater survival is almost always accompanied by physical and/or psychological comorbidities that may impact the quality of life. Objective: To evaluate the quality of life of women with breast cancer submitted to treatment by means of surgical intervention. Methods: Thirty-eight women diagnosed with breast cancer participated in the study and underwent surgical intervention. Quality of life was assessed using the QLQ-C30 and QLQ-BR23 questionnaires. The descriptive statistical analysis was performed in GraphPad Prism v.5 software. Results: Good quality of life was observed in the QLQ-C30; however, in QLQ-BR23, a specific questionnaire for breast cancer, it was observed that the quality of life of these individuals was impaired. Conclusion: The results demonstrate that the quality of life of patients who undergo surgical treatment of breast cancer is compromised. Thus, it is necessary to promote the health and quality of life of these patients with multidisciplinary health teams.

Key-words: quality of life, breast neoplasms, mastectomy.

 

Introdução

 

O câncer de mama (CM) é uma doença multifatorial e sua etiopatogenia não foi totalmente esclarecida. Acredita-se na existência de uma interação entre fatores genéticos e ambientais que cria condições propícias ao surgimento e desenvolvimento do câncer [1]. Esse tipo de neoplasia é mais frequente em mulheres, e representa cerca de 30% das neoplasias encontradas nessa população [2]. Somente no Brasil, 596 mil mulheres receberam o diagnóstico de CM no ano de 2016, o que torna essa condição uma das principais responsáveis pela morbimortalidade dessa população [3].

Diversas técnicas são utilizadas para o tratamento do CM, dentre as principais destacam-se: quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e as cirurgias como, por exemplo, a mastectomia [4]. Essa última, apesar dos avanços, continua sendo um procedimento bastante agressivo e mutilador [5]. O aprimoramento das técnicas terapêuticas para o CM reduziu o índice de mortalidade dos pacientes e aumentou consideravelmente a sobrevida das mulheres que foram diagnosticadas com esta condição [5,6]. Entretanto, o aumento da sobrevida está quase sempre acompanhado de um aumento significativo no número de comorbidades decorrentes da terapêutica do câncer [6].

As principais comorbidades encontradas em pessoas com câncer de mama submetidas ao tratamento são: alterações posturais, linfedema, algias, alterações na sensibilidade, diminuição ou perda total da amplitude de movimento (ADM), da força muscular do membro superior ipsilateral a cirurgia e comprometimento da capacidade respiratória [7]. Ademais, podem ser evidenciadas repercussões no aspecto emocional como ansiedade, dificuldades no trabalho e depressão. Todas estas complicações isoladas ou em conjunto podem impactar negativamente na qualidade de vida (QV) das mulheres submetidas ao tratamento de CM [8].

A QV é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a autopercepção de um indivíduo sobre sua vida. Considera-se sua cultura e sistema de valores próprios nos quais ele está inserido, seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. É um conceito de alcance bastante abrangente, subjetivo e que é afetado de forma complexa pela saúde física, estado psicológico, nível de independência, relações sociais e relações com as características do meio ambiente do indivíduo [9]. Ainda de acordo com a OMS, funcionalidade refere-se a um termo amplo que engloba a integridade das funções e estruturas corporais, somada a capacidade preservada de realizar atividades da rotina diária ou participar ativamente da sociedade [10].

Importante mencionar que as alterações das funções emocionais e físicas e, principalmente, da capacidade funcional, decorrentes do tratamento do câncer podem impactar a QV das pacientes. Afinal, a capacidade funcional é caracterizada pela habilidade em realizar as tarefas cotidianas, e esta depende da preservação de habilidades cognitivas e motoras, que também estão diretamente ligadas à QV [5]. Neste contexto, o objetivo do estudo foi avaliar a qualidade de vida de mulheres com diagnóstico de CM que foram tratadas por meio de intervenção cirúrgica.

 

Material e métodos

 

Cuidados éticos

 

Este estudo foi realizado mediante a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos do Centro Universitário de Formiga (CEPH/UNIFOR-MG), através do parecer número 1.251.833 e do Comitê de Ética do Hospital São João de Deus, através do parecer número 1.549.175. Importante ressaltar que todas as etapas da pesquisa obedeceram às recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Para a participação do estudo, todas as voluntárias assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias.

 

Participantes

 

Participaram do presente estudo 87 mulheres neste studo observacional, transversal e quantitativo. O recrutamento das voluntárias foi realizado por meio de busca ativa em consultórios médicos, diretamente com pacientes e/ou serviços especializados em atendimento ou apoio às pessoas com câncer, nos municípios de Formiga/MG, Pains/MG, Arcos/MG e Divinópolis/MG. A priori, foi feito um cálculo amostral que determinou que o número mínimo de participantes do estudo deveria ser de 84 mulheres. Para o cálculo amostral, foi considerada a prevalência de câncer de mama de 2% na população [11]. Admitiu-se um intervalo de confiança de 95% e um erro amostral de 3%. Para este cálculo foi utilizado o software Epilnfo 3.5.2®. Para a participação no estudo, foi necessário que a voluntária atendesse a todos os critérios de inclusão e exclusão listados abaixo.

 

Critérios de inclusão e exclusão

 

Para participarem do estudo as voluntárias deveriam ter passado por intervenção cirúrgica para tratamento de CM há no mínimo seis meses, terem idade entre 30 a 70 anos e terem assinado o TCLE. Foram excluídas do estudo as mulheres com CM bilateral, doença ativa loco regional ou à distância, intervenção cirúrgica realizada no período inferior a seis meses da data do estudo, alterações funcionais já existentes antes do CM, ausência de intervenção cirúrgica axilar (linfadenectomia axilar parcial ou total /ou biópsia do linfonodo sentinela).

 

Instrumento de coleta de dados

 

1) European Organization for Research and Treatment of Cancer 30-Item Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30) versão 3.0

 

Questionário composto por 30 questões, específico e validado para a avaliação da qualidade de vida de pacientes com câncer. Aborda os seguintes domínios: físico, psicológico, nível de independência, aspecto social e o ambiente circundante (recursos financeiros e vivência no lar). Encontra-se dividido em três escalas e 15 subescalas: 1) o estado global de saúde (EG) e qualidade de vida (QV); 2) a escala funcional (EF) composta pela função física, limitações funcionais, função emocional, função cognitiva e função social; 3) a escala sintomática (ES) composta pelas subescalas: fadiga, náuseas e vômitos, dor, falta de ar, insônia, falta de apetite, obstipação, diarreia e dificuldades financeiras. Os constructos são apresentados em uma escala Likert com variação de quatro níveis: 1 - não, 2 - pouco, 3 -moderadamente e 4 - muito. Com exceção da EG composta por duas perguntas que classificam a saúde geral e QV na última semana, através de uma nota de um a sete, sendo um péssima e sete ótima, cada uma das escalas pode ser pontuada de zero a 100 e quanto mais próximo de 100, melhor é o estado do paciente. Em relação aos sintomas, pontuações mais elevadas demonstram pior estado do paciente.

Para o cálculo de cada escala, primeiramente é feita a média de pontuação para cada uma delas. A partir desta média retira-se um ponto do total e divide-se o resultado pela amplitude máxima da pontuação. No caso da escala funcional, para ter a direção positiva, antes de multiplicar por 100, a escala é revertida (um menos a escala). Assim, após os cálculos, quanto maior a escala funcional melhor é a qualidade de vida [12].

 

2) Quality of Life Questionnaire Breast Cancer-23 (QLQ-BR23).

 

O QLQ–BR23 é um questionário relativo à qualidade de vida, específico para pacientes com CM. Ele possui 23 questões (31 a 53) e trata-se de um complemento ao questionário QLQ-C30. O QLQ-BR23 é composto de duas escalas: 1) EF: aborda a imagem corporal e a função sexual; 2) ES: enfoca sintomas no braço, na mama e os efeitos do tratamento sistêmico. As respostas são também apresentadas em uma escala Likert. Os escores são calculados separadamente para cada escala, todos variando de 0 a 100. O cálculo de cada escala é feito separadamente e procede conforme o efetuado para o QLQ-C30 [12]. Ambos os instrumentos utilizados neste estudo possuem validade e confiabilidade asseguradas na população brasileira [13]. É recomendável que o questionário específico QLQ-BR 23 seja aplicado conjuntamente com o QLQ-C30 [6].

 

Análise estatística dos dados

 

Foi realizada uma análise descritiva das variáveis ordinais a fim de se determinar as medidas de tendência central (média) e as medidas de dispersão (desvio padrão). Os dados foram apresentados em números absolutos (n) e relativos (%). A análise descritiva foi realizada no software GraphPad Prism v.5.0.

 

Resultados

 

As participantes apresentaram média de idade 54,71 ± 10,23 anos. Quanto à faixa etária, 18,39% das pacientes tinham idade entre 30 e 45 anos; 47,12% tinham idade entre 46 e 60 anos; e 34,48% das pacientes tinham idade acima de 60 anos. Em relação à profissão/ocupação, 59 (67,82%) eram do lar, aposentadas e/ou empregadas domésticas, 28 (32,18%) estavam atuando em ocupações diversas. Quanto ao estado civil, 50 (57,47%) eram casadas, 11 (12,64%) divorciadas, 14 (16,09%) solteiras e 12 (13,79%) viúvas. Quanto à procedência, seis (6,90%) eram da cidade Arcos/MG, 33 (37,93%) de Divinópolis/MG, 36 (41,38%) de Formiga/MG e 12 (13,79%) de Pains/MG (Tabela I).

      Em relação ao tratamento cirúrgico, 39,09% das mulheres foram submetidas à intervenção cirúrgica não conservadora e, 60,91% foram submetidas à intervenção cirúrgica conservadora. Em relação ao tratamento sistêmico, 60,91% das mulheres realizaram hormonioterapia. Quanto ao tempo de cirurgia, encontrou-se média de 4,28 ± 3,71 anos, 6 (6,7%) realizaram cirurgia com menos de um ano, 42 (48,28%) realizaram entre um ano e três anos, 14 (16,09%) entre quatro e seis anos e 25 (28,74%) acima de seis anos. Vale ressaltar que é possível a mesma mulher ter sido submetida a mais de um tratamento (Tabela I).

 

Tabela ICaracterísticas sociodemográficas da amostra.

 

As características sociodemográficas e clínicas das participantes do estudo estão categorizadas e os resultados estão expressos em número absoluto (n) e relativo (%).

 

A qualidade de vida para a população total do estudo foi avaliada pela relação dos valores médios encontrados em cada domínio do questionário QLQ-C30, desenvolvido para pacientes com câncer. Observou-se um escore na EG de 76,92 ± 18,92 pontos, na EF de 75,73 ± 15,82 pontos e, na ES a pontuação média foi de 18,10 ± 14,65 pontos (FIG. 1).

 

 

Figura 1 - Pontuação obtida nas escalas do questionário QLQ-C30. Os dados estão apresentados em média ± desvio padrão.

 

No questionário específico para câncer de mama (QLQ-BR23), observaram-se escores na EF de 27,23 ± 16,11 pontos e na ES o escore médio foi de 24,47 ± 14,87 (fig.2).

 

 

Figura 2 - Pontuação obtida nas escalas do questionário QLQ-BR23. Os dados estão apresentados em média ± desvio padrão.

 

Discussão

 

Segundo o Ministério da Saúde (2009), a partir dos 35 anos de idade o número de novos casos de CM aumenta progressiva e rapidamente [14]. No presente estudo, a maior parte das participantes possuía idade entre 46 e 60 anos. De acordo com Silva e Simões (2008) na faixa etária dos 30 anos ocorre um caso de CM para cada 2.200 mulheres, já na faixa etária dos 80 anos, essa proporção pode ser de um caso para cada oito mulheres [15]. Esses dados reforçam a importância da adoção de medidas preventivas e que promovam a saúde em mulheres com idade acima dos 30 anos. Além disso, sugerem que tais medidas devam ser reforçadas à medida que ocorre o avanço da idade.

O tipo de procedimento cirúrgico a ser adotado caso necessário é determinado pelo estadiamento clínico e pelo tipo histológico da lesão, podendo ser conservadora ou não conservadora (mastectomia). Atualmente ambos os tipos são associados à linfadenectomia axilar total ou parcial [6]. Nos estágios iniciais do câncer é indicada a cirurgia conservadora, que consiste na retirada do tumor com uma margem de segurança, acompanhada de realização de radioterapia e esvaziamento axilar, e outro tratamento complementar para impedir a recorrência da doença [16]. Dentre as técnicas cirúrgicas não conservadoras são incluídas a mastectomia simples ou total que consiste na retirada da mama com pele e complexo aréolo-papilar com conservação do músculo peitoral, a mastectomia radical preserva de um ou dois músculos peitorais e mastectomia radical consiste na retirada do músculo peitoral e acompanhada pela linfadenectomia axilar [6]. Nesse estudo, cerca de 40% das participantes haviam sido submetidas ao tratamento cirúrgico não conservador.

Ainda que a mastectomia radical seja eficiente para controle loco regional da doença, as técnicas radicais modificadas são mais recomendas assegurando resultados semelhantes a radical, obtendo melhor aspecto funcional e estético e possibilitando a realização da reconstrução plástica da mama e diminuir as morbidades associadas [15, 16].

Em relação às características sociodemográficas, observou-se neste estudo que o perfil das participantes foi de mulheres com idade entre 46 e 60 anos, casadas e do lar. Tais características corroboram um estudo que caracteriza o perfil sociodemográfico de usuárias do SUS [17]. De acordo com o estudo mencionado, o perfil dessa população exige do profissional da saúde maior atenção nos processos educativos, e esses precisam ser ajustados ao nível de entendimento das pacientes. Nesse sentido, o principal enfoque dos profissionais de saúde deve estar na orientação sobre medidas preventivas e na detecção precoce das recidivas.

No presente estudo foram utilizados dois questionários para avaliar a QV de mulheres com diagnóstico de CM [12]. O QLQ-C30, apontou para melhores níveis de qualidade de vida nas voluntárias com CM do que o QLQ-BR23. Essa contradição pode ser explicada pelo fato de um dos questionários, o QLQ-C30, ter sido validado para a mensuração da qualidade de vida de pessoas que apresentam qualquer tipo câncer [12,13]. Ao passo que o QLQ-BR23 foi desenvolvido, testado e validado para uso em pessoas com câncer de mama [13]. É necessário destacar que o QLQ-23 trata-se de um complemento do QLQ-C30 e a aplicação conjunta dos questionários é recomendada [6]. A utilização dos dois questionários é necessária principalmente pelo fato de que eles abordam questões distintas e complementares, além disso, o QLQ-23 não apresenta a escala geral de saúde tal como o QLQ-C30.

Nesse sentido, é provável que os sintomas manifestados especificamente por pessoas com CM não possam ser tão bem avaliados pelo QLQ-C30, já que este não possui sensibilidade ajustada para a mensuração de sintomas específicos do CM como, por exemplo: efeitos colaterais da terapia sistêmica, sintomas da mama, do braço e queda de cabelo. Entretanto, apesar desta ressalva, o uso de ambos os questionários atende de forma ampla às demandas dos pacientes com CM e está adequada às principais diretrizes internacionais.

      Um estudo de Hopwood et al. [18] apontou um déficit considerável na QV geral e suas múltiplas dimensões em pacientes com CM, avaliados pelo questionário QLQ-C30. Esses achados não corroboram os do presente estudo e nem os de Bezerra et al. [19]. Uma hipótese que pode justificar a diferença de dados entre os estudos, é que o Hopwood et al. [18] conduziram seus estudos em 2007, já Bezerra et al. [19] o fizeram em 2013 e o presente estudo foi conduzido em 2016. Acredita-se que a evolução terapêutica ocorrida de 2007 até o ano de 2013 possa justificar a melhor qualidade de vida encontrada em participantes dos dois estudos mais recentes.

No QLQ-BR23 observaram-se alterações mais significativas na EF. Neste questionário, a EF engloba principalmente a imagem corporal e a função sexual. É sabido que grande parte das mulheres com CM submetidas à mastectomia desenvolve uma determinada resistência em relação a sua imagem corporal e em consequência disto, diminuem a sua função sexual [20]. Cerca de 30% das mulheres com CM evoluem com disfunções sexuais além de dispareunia, incapacidade ou dificuldade de excitação e de orgasmo, prejudicando seriamente a função sexual e a imagem corporal das vítimas do CM [21].

Além disso, deformidades da mama, queda de cabelos e perda da simetria corporal são comumente relatados nessas mulheres implicando negativamente na percepção da imagem corporal [22]. Estudos realizados por Rebelo et al. [23] confirmam que a imagem corporal esta positivamente relacionada a satisfação sexual. No presente estudo, não se buscou por uma associação entre os determinantes da qualidade de vida das participantes. Mas é possível pressupor que a função sexual esteja realmente interferindo nos níveis de QV. Essa hipótese é apoiada pelo fato de que não foram evidenciadas alterações na QV quando se utilizou um instrumento de abordagem generalista, mas quando se utilizou do QLQ-BR23, que possui vários domínios relacionados à função sexual, observaram-se níveis baixos de QV.

Alguns sintomas reportados com frequência por mulheres com CM, como: sensação de peso, restrição da amplitude de movimento do ombro e dor no braço estão fortemente relacionados à presença de linfedema decorrente do ato cirúrgico [24]. Apesar da avaliação de sinais e sintomas não ser objeto do presente estudo, por diversas vezes as participantes apresentaram queixas semelhantes às mencionadas acima. Segundo Faria, o tratamento fisioterapêutico é indispensável para qualquer indivíduo submetido à cirurgia oncológica [25]. Afinal, contribui para a redução de quadros álgicos e evita complicações pós-cirúrgicas, principalmente as associadas aos longos períodos de imobilização. Sendo assim, o tratamento oncológico precoce pode desempenhar um papel importante na prevenção e redução dos efeitos adversos causados pelo tratamento do CM. A fisioterapia oncológica pode minimizar os riscos de complicações e favorecer a recuperação da integridade cinético-funcional de órgãos e sistemas [7,25]. De acordo com o mencionado, seria importante que as participantes do estudo fossem submetidas ao tratamento fisioterapêutico precoce e contínuo, não só com o objetivo de recuperar a saúde, mas, sobretudo, a fim de se prevenir e promover a saúde.

 

Conclusão

 

A QV em mulheres que realizaram tratamento para o CM demonstrou-se prejudicada, quando avaliada por um questionário específico para esta doença. Apesar de se tratar de um estudo descritivo e transversal, este permitiu a análise de fatores determinantes da qualidade de vida de mulheres que tiveram CM. Todos os fatores aqui discutidos poderão ser considerados durante o processo de pensamento e tomada de decisão clínica, a fim de se realizar uma conduta terapêutica baseada nas reais necessidades do paciente, conforme determina a OMS.

 

Referências

 

  1. Menke CH, Biazús JV, Xavier NL, Cavalheiro JA, Rabin EG, Bittellbrunn A, editores. Rotinas em mastologia. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.
  2. Gebrim L. Câncer de mama. In: Camano L, org. Guia de Medicina Ambulatorial e Hospitalar. São Paulo: Escola Paulista de Medicina; 2003. p. 673-7.
  3. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativas da Incidência de Câncer no Brasil, 2016. Rio de Janeiro: INCA; 2016.
  4. Yurek D, Farrar W, Andersen BL. Breast cancer surgery: comparing surgical groups and determining individual differences in postoperative sexuality and body change stress. J Consult Clin Psychol 2000;68:697-709.
  5. Lahoz MA, Nyssen SM, Correia GN, Garcia AP, Driusso P. Functional capacity and quality of life in women after mastectomy. Rev Bras Cancerol 2010;56(4):423-30.
  6. Barbosa PA. Avaliação da qualidade de vida e impacto funcional em mulheres com câncer de mama pós-intervenção cirúrgica na cidade de juiz de fora [Dissertação]. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora; 2014.
  7. Ferro ADM, Gontijo AD, Bottaro M, Viana J. O efeito do tratamento fisioterapêutico na biomecânica morfofuncional no pós-operatório do câncer de mama [Dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho; 2003.
  8. Bertan FC, Castro EK. Qualidade de vida e câncer: revisão sistemática da literatura. Revista Psico 2009;(40):366-37.
  9. WHOQOL Group. The development of the World Health Organization quality of life assessment instrument (the WHOQOL). In: Orley J, Kuyken W. (Eds.). Quality of life assessment: international perspectives. Heidelberg: Springer; 1994. p.41-60.
  10. OMS. Organização Mundial Da Saúde. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade E Saúde / [Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a família de Classificações Internacionais em Português, Org.: Coordenação da Tradução Cássia Mari]. 1ed. Edusp: São Paulo; 2003.
  11. Lacey J, Devesa S, Brinton I. Recent trends in breast cancer incidence and mortality. Environ Mol Mutagen 2002;39:82-8.
  12. Aaronson NK, Ahmedzai S, Bergman B, Bullinger M, Cull A, Duez NJ et al. The European organization for research and treatment of cancer QLQ-C30: a quality-of-life instrument for use in international clinical trials in oncology. J Natl Cancer Inst 1993;85(5):365-76.
  13. Michels FAS, Latorre MRDO, Maciel MS. Validity, reliability and understanding of the EORTC-C30 and EORTC-BR23, quality of life questionnaires specific for breast cancer. Rev Bras Epidemiol 2013;16(2):52-63.
  14. Ministério da Saúde (BR), Instituto Nacional de Câncer. Tipos de câncer: mama [Internet]. 2010. Disponível em: http://www2.inca.gov. br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/ mama.
  15. Silva LN, Simões JC. Câncer de mama. In: Simões JC, Gama RR, Winheski MR. Câncer: estadiamento e tratamento. São Paulo: Lemar; 2008. p.45-82.
  16. Marta GN, Hanna SA, Martella E, Silva JLF, Carvalho HA. Câncer de mama estádio inicial e radioterapia: atualização. Rev Assoc Med Bras 2011; 57(4):468-74.
  17. Nicolussi AC, Sawada NO. Qualidade de vida de pacientes com câncer de mama em terapia adjuvante. Rev Gaúcha Enferm 2011;32(4):759-66.
  18. Hopwood P, Haviland J, Mills J, Sumo G, Bliss Jm. The impact of age and clinical factors on quality of life in early breast cancer: an analysis of 2208 women recruited to the uk start trial (standardisation of breast radiotherapy trial). Breast 2007;16(3):241-51.
  19. Bezerra KB, Silva DSM, Chein MBC, Ferreira PR, Maranhão JKP, Ribeiro NL et al. Qualidade de vida de mulheres tratadas de câncer de mama em uma cidade do nordeste do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013;18(7):1933-41.
  20. Montazeri A. Health-related quality of life in breast cancer patients: a bibliographic review of the literature from 1974 to 2007. J Exp Clin Cancer Res 2008;29:27-32.
  21. Kornblith AB, Ligibel J. Psychosocial and sexual functioning of survivors of breast cancer. Semin Oncol 2003;30(6):799-813.
  22. Remondes-Costa R, Jimenéz F, Pais-Ribeiro JL. Imagem corporal, sexualidade e qualidade de vida no cancro da mama. Psicologia, Saúde & Doenças 2012;13(2):327-39.
  23. Rebelo V, Rolim L, Carqueja E, Ferreira S. Avaliação da qualidade de vida em mulheres com cancro da mama: um estudo exploratório com 60 mulheres portuguesas. Psicologia, Saúde & Doenças 2007;8(1):13-32.
  24. Degnim AC, Miller J, Hoskin TL, Boughey JC, Loprinzi M, Thomsen K et al. A prospective study of breast lymphedema: frequency, symptoms, and quality of life. Breast Cancer Research and Treatment 2012;134:915-22.
  25. Faria L. As práticas do cuidar na oncologia: a experiência da fisioterapia em pacientes com câncer de mama. Hist Cienc Saúde - Manguinhos 2010;17(1):69-87.