ARTIGO ORIGINAL

Desempenho motor de recém-nascidos prematuros: Alberta Infant Motor Scale

Premature newborn motor performance: Alberta Infant Motor Scale

 

Diana Teixeira Rebouças*, Laisla Pires Dutra, Ft., M.Sc.**, Isnanda Taciara da Silva, Ft., M.Sc.**, Jacielle Brito Alves*, Daiane Porto Nery*, Jéssica Matos Veiga*

 

*Discente do curso de Fisioterapia da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR) em Vitória da Conquista/BA, **Docente da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR) em Vitória da Conquista/BA

 

Recebido em 13 de novembro de 2017; aceito em 7 de agosto de 2018.

Endereço para correspondência: Laisla Pires Dutra, Av. Luís Eduardo Magalhães, 1035 Candeias, 45055-420 Vitória da Conquista BA, E-mail: laysla19@hotmail.com; Diana Teixeira Rebouças: reboucasdiana@gmail.com; Isnanda Taciara da Silva: isnanda@fainor.com; Jacielle Brito Alves: jaciellebrito@gmail.com; Daiane Porto Nery: portodaiane.dpn@gmail.com; Jéssica Matos Veiga: jessica.mveiga@gmail.com.

 

Resumo

Prematuros podem apresentar suscetíveis atrasos no desenvolvimento motor, tornando-se necessário o seu acompanhamento. O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho motor de prematuros nascidos em município baiano, segundo a Alberta Infant Motor Scale (AIMS). Trata-se de um estudo observacional longitudinal prospectivo com caráter quantitativo. A amostra foi composta por 42 lactentes nascidos com idade gestacional < 37 semanas e idade corrigida de 40 semanas, residentes em Vitória da Conquista ou proximidades, que passaram por cuidados intensivos neonatais. Observou-se a prevalência de mães que realizaram ≤ 6 consultas pré-natal, sendo o parto cesária o mais prevalente. Houve predomínio de lactentes do sexo feminino, com Idade Gestacional (IG) moderada e média de Apgar de 6,3 (±1,9) no 1º e 7,9 (±1,2) no 5º minuto. Evidenciou-se que quanto maior a IG, menor é o tempo de internamento em igual proporção. Na avaliação da escala, predominou o desenvolvimento motor normal, com apresentação de desenvolvimento atípico na 3ª avaliação. Longos períodos de internamento podem repercutir negativamente no desenvolvimento neuropsicomotor do lactente, podendo apresentar atraso nas habilidades motoras futuras, sendo a AIMS eficaz no acompanhamento de prematuros.

Palavras-chave: desenvolvimento infantil, prematuro, saúde pública.

 

Abstract

Premature infants may be susceptible to delay in motor development requiring follow-up. The aim of this study was to evaluate the motor performance of premature infants born in a city of Bahia, according to the Alberta Infant Motor Scale (AIMS). This is a prospective longitudinal observational study with quantitative character. The sample consisted of 42 infants born with <37 weeks of gestational age and corrected age of 40 weeks, residents in Vitória da Conquista or nearby and submitted to intensive neonatal care. We observed the prevalence of mothers who underwent ≤ 6 prenatal consultations, with prevalent cesarean delivery, mostly female infants, with moderate Gestational Age (GA) and average Apgar score at 6.3 (± 1.9), at 1st and 7.9 (± 1.2) at 5th minute. We observed that the higher the GA, the shorter is the hospitalization time in the same proportion. In the scale of evaluation, the normal motor development predominated, with atypical development in the 3rd evaluation. Long-term hospitalization may negatively effects on the infant's neuropsychomotor development, which can lead to future delay on motor skills, thus AIMS is effective in the follow-up of newborns.

Key-words: child development, premature, public health.

 

Introdução

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a prematuridade como a concepção abaixo de 37 semanas de Idade Gestacional (IG), está associada a altos índices de mortalidade neonatal e sua incidência tem aumentado, mesmo em países desenvolvidos e independe de condutas preventivas planejadas, sendo sua etiologia não totalmente conhecida e multifatorial. Machado e Rodrigues revelaram em seu estudo que aproximadamente 10% dos partos no mundo acontecem antes de completarem 37 semanas de idade gestacional, o que pode chegar a 15 milhões de nascimentos prematuros; desses, um milhão entram para as estatísticas de mortalidade, correspondendo 40% do total de mortes no período neonatal e infantil (até cinco anos de idade) [1].

Os avanços tecnológicos e científicos têm permitido aos profissionais da saúde uma ampla assistência neonatal, que resultam na diminuição da mortalidade de recém-nascidos pré-termo. No entanto, é impossível prever os desfechos resultantes da prematuridade, que podem advir de fatores genéticos, ambientais, nutricionais, hormonais e ocorrências clínicas adversas à própria condição de maturação dos sistemas dos nascidos pré-termo [2].

O desenvolvimento infantil é um processo continuado de ganhos de habilidades motoras que tornam a criança gradativamente independente, sendo os primeiros anos de vida o período de maior adaptação e aquisição destas habilidades, configurando-se o Desenvolvimento Neuropsicomotor (DNPM) típico [3].

O DNPM é uma das maiores transformações sofridas nos diversos sistemas do corpo humano. Contudo, os aprimoramentos de movimentos autônomos e voluntários ocorrem nos anos iniciais, que individualmente sofrem influência biológica, social e ambiental de experiências vividas pela criança, além dos estímulos recebidos durante seu desenvolvimento. Ainda, observa-se que durante os primeiros anos de vida ocorre maior plasticidade neural, conexões neuronais que potencializam o aprendizado nesse período [4].

Estudos mostram que crianças nascidas prematuramente podem apresentar atrasos no desenvolvimento de habilidades cognitivas e neurológicas, distúrbios de comportamento, baixa interação social, e ainda baixos níveis nutricionais e distúrbios de sono. Estudo realizado por Pessoa et al. [5] diz que, quando o RN pré-termo não apresenta sequelas permanentes pós-natal, apresenta déficit de crescimento e baixa massa corpórea, destacando-se também importante déficit motor, cognitivo e social [5,6].

Para garantir a avaliação de possíveis distúrbios que afetam o DNPM de lactentes pré-termo, acompanhá-los em sua trajetória de aquisições motoras e promover os estímulos eficazes em casos de Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor (ADNPM) são otimizados os serviços de acompanhamento multidisciplinar dessa população – os chamados Follow-up – que tem como principal objetivo o processo de avaliação e acompanhamento desse desenvolvimento de forma ampla, eficiente e relevante. Portanto, é possível, através de testes e escalas, identificar precocemente, desvios no comportamento motor, identificando possíveis atrasos no DNPM normal [3,7,8].

Visto que a escala Alberta Infant Motor Scale (AIMS) tem sido um sensível e importante instrumento para o acompanhamento do desenvolvimento motor de crianças prematuras, o objetivo deste estudo é avaliar o desempenho motor de recém-nascidos prematuros nascidos em município baiano, segundo a AIMS.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo de observação longitudinal prospectivo com caráter quantitativo. A pesquisa foi realizada no núcleo de estudos em fisioterapia de uma faculdade privada do interior da Bahia, com sede na cidade de Vitória da Conquista. Na cidade existem três hospitais que prestam serviços de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) em parceria com a faculdade onde ocorreu o estudo e que encaminham os recém-nascidos de alto risco após alta hospitalar do bloco neonatal.

A população do estudo contou com 42 lactentes nascidos com IG inferior a 37 semanas, que apresentaram no momento da admissão do serviço idade gestacional corrigida de 40 semanas, residentes em Vitória da Conquista ou proximidades - zona rural do município - atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) - que passaram por cuidados intensivos neonatais nas UTIN dos hospitais conveniados e que foram regularmente cadastradas no Projeto de Extensão “Acompanhamento do desenvolvimento motor de recém-nascidos de alto risco (Follow-up)”, atuante desde outubro de 2016. A apresentação do relatório de alta hospitalar, bem como encaminhamento da fisioterapia hospitalar da unidade neonatal de origem foi obrigatória.

Como critérios de exclusão do estudo, os bebês que apresentaram durante o período pré, peri e pós-natal complicações neurológicas e malformações osteomusculares, ou ainda riscos neonatais como: parada cardiorrespiratória (PCR), convulsões, insuficiências respiratórias graves (DBP), diagnósticos por imagem com história neurológica (anóxia, hemorragia peri-intraventricular, microcefalia, atresia de esôfago, traqueostomia e gastrectomia, cardiopatias congênitas, dentre outros) não foram inclusos.

O presente estudo obedece à resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que rege os aspectos éticos inerentes ao desenvolvimento de pesquisas científicas envolvendo seres humanos. O trabalho foi submetido, apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Independente do Nordeste, com número de parecer: 1.825.545 e CAAE: 61855216.0.0000.5578.

A coleta de dados foi realizada através de três etapas: a primeira consistiu na seleção dos participantes do estudo (análise do relatório de alta hospitalar e fisioterapêutico das instituições egressas) e assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), após serem informadas sobre todas as etapas e procedimentos de coleta; a segunda, constituiu-se da aplicação do formulário construído pelas pesquisadoras do projeto de extensão, contendo 2 blocos: Bloco A – História Obstétrica (Número de gestações, partos, abortos e antecedentes natimortos, duração e tipo de gestação, tipo de parto, número total de consultas pré-natais e patologias na gravidez); Bloco B – Caracterização do Lactente (Nome, sexo, etnia, instituição egressa, índice de Apgar, peso ao nascer, data de nascimento, idade cronológica, idade corrigida, suporte ventilatório, diagnóstico ao nascer e reflexos primitivos); e a terceira e última etapa foi executada através da aplicação mensal do instrumento validado Alberta Infant Motor Scale (AIMS).

Durante a aplicação da escala, foi solicitado à mãe, pai ou responsável pelo bebê que o colocasse nas posturas indicadas pela escala em um tatame acolchoado padrão de 1,20 x 1,20 m (fazendo uso apenas de fralda para facilitar a visualização e sem apresentar desconforto físico). Um avaliador fazia os estímulos sonoros e visuais – utilizando chocalhos de diferentes marcas, sons e cores - enquanto outro avaliador fazia as imagens em vídeo, posicionando o dispositivo de filmagem da melhor maneira para captura das imagens de acordo com as posturas. As avaliações não excederam 20 minutos cada. Caso o lactente apresentasse irritabilidade ou choro, era permitido o colo do genitor para acalmá-lo. Todos os vídeos foram armazenados em um dispositivo digital à parte e todos os arquivos em papel foram devidamente organizados em pastas por nomes dos prematuros.

 

Alberta Infant Motor Scale (AIMS)

 

A AIMS é um protocolo avaliativo observacional de baixo custo e simples aplicabilidade, que objetiva qualificar o DNPM de bebês desde o nascimento até um ano e meio de vida e demonstra a relevância de componentes neurológicos no DNPM sobre as aquisições motoras, seguindo o DNPM, nas quatro posições possíveis no teste: Prono, supino, sentado e em pé, dando ao avaliador a possibilidade de verificar processos antigravitacionais na realização das tarefas motoras. No total são 58 itens rateados em 3 critérios: Alinhamento postural, movimentos antigravitacionais e descarga de peso. Diversos itens são observados passivamente (sem intervenções – os movimentos são livres e não deve haver manuseios, correções, facilitações ou interferências) em cada posição: prono (21), supino (9), sentado (12) e em pé (16) e comparados às ilustrações da escala [7,9-11].

Cada item realizado pelo bebê recebe pontuação/escore 1 e cada item não observado, o escore corresponde a 0 (zero). Ao final, somam-se os pontos para obter o escore final, que, por sua vez, é convertido em percentil, através de um gráfico também disponível na escala. Este último, apresenta-se no gráfico em números que vão de 5 a 90%, correspondendo ao desempenho do bebê avaliado [12].

O resultado final da avaliação identifica, através de um gráfico padronizado, o percentil motor de desenvolvimento da criança, que pode variar em: 5%, 10%, 25%, 50%, 75% e 90%. Segundo a classificação, a criança pode ser categorizada em três parâmetros: desenvolvimento normal/típico (percentil > 25%), desenvolvimento suspeito com necessidade de acompanhamento (percentil entre 25% e 5%) e desenvolvimento anormal/atípico com necessidade de intervenção fisioterapêutica (percentil < 5%) [13].

Os dados coletados foram tabulados por meio de planilha do programa Excel 2015. Os resultados foram apresentados em frequências relativas e absolutas, médias e desvio padrão, obedecendo às características inatas de cada uma das variáveis. Para fins de avaliar a relação entre as variáveis o desfecho (i.e. tempo de internamento), a variável independente principal (i.e. idade gestacional) e possíveis variáveis de ajuste, foi realizada uma regressão linear múltipla, com as variáveis que se apresentaram correlacionadas por meio do r de Pearson. As análises foram realizadas no software SPSS versão 21 com nível de significância de 5%.

 

Resultados

 

Com a finalidade de responder os objetivos deste estudo, quanto aos antecedentes obstétricos, foi possível verificar que o número de gestações variou entre o mínimo de 1 e o máximo de 3 e os casos de aborto não excederam a 1. Prevaleceram mulheres sem antecedente natimorto em 92,9%, apresentaram gestação única 90,4%, predominou no estudo 61,9% para tipos de parto cesáreo e 59,5% das mães relataram realizar 6 ou menos consultas de pré-natal (Tabela I).

 

Tabela I - Características pré-natais e obstétricas das mães de lactentes prematuros. Vitória da Conquista/BA, 2017.

 

 

Ao avaliar o perfil dos recém-nascidos prematuros, constatou-se que 57,1% (24) eram do sexo feminino, 42,9% (18) sexo masculino, segundo a classificação da prematuridade 73,8% (31) era de idade gestacional moderada, 16,7% (7) limítrofes e 9,5% (4) extremos, com uma média de APGAR no primeiro e quinto minuto, respectivamente de 6,3 (±1,9) e 7,9 (±1,2).

A análise de correlação evidenciou que apenas o peso ao nascer (r = -0,516) e a idade gestacional (r = -0,738) estavam estatisticamente correlacionados negativamente com o tempo de internamento. As figuras a seguir ilustram o comportamento linear das referidas variáveis.

 

 

 

Figura 1 - Relação entre idade gestacional (A) e peso ao nascer (B) e o tempo de internamento. Vitória da Conquista, 2017.

 

Ao inserir as variáveis correlacionadas em um modelo de regressão linear múltiplo, apenas a idade gestacional manteve-se associada ao tempo de internamento, com os parâmetros descritos na tabela abaixo (tabela II), e mostrando-se um modelo adequado para os dados através do teste de normalidade dos resíduos. A interpretação do modelo proposto permite evidenciar que quanto maior a idade gestacional em uma semana, menor é o tempo de internamento em igual proporção (uma semana).

 

Tabela II - Parâmetros da regressão linear múltipla entre o tempo de internamento, idade gestacional e peso ao nascer. Vitória da Conquista, 2017.

 

 

A fim de conhecer o desempenho motor dos lactentes prematuros, através da escala Alberta Infant Motor Scale (AIMS), os resultados encontrados foram: a primeira avaliação foi composta por 42 lactentes, 90,5% (38) apresentaram desenvolvimento motor normal e 9,5% (4) apresentaram desenvolvimento suspeito; na segunda avaliação, a amostra totalizou 23 lactentes, onde 73,9% (17) apresentavam desenvolvimento normal e 26,1% (6) desenvolvimento suspeito; na terceira avaliação, dos 16 lactentes avaliados 62,5% (10) tinham desenvolvimento normal e 31,2% (5) desenvolvimento suspeito e aparece pela primeira vez a presença de lactentes com desenvolvimento atípico, representando 6,3% (1); na quarta avaliação, com total de 12 lactentes, observaram que 58,3% (7) apresentava desenvolvimento normal, 25% (3) desenvolvimento suspeito e 16,7% (2) desenvolvimento atípico.

 

 

Figura 2 - Primeira avaliação do desenvolvimento motor de lactentes prematuros, segundo avalição AIMS. Vitória da Conquista, 2017.

 

 

Figura 3 - Segunda avaliação do desenvolvimento motor de lactentes prematuros, segundo avalição AIMS. Vitória da Conquista, 2017.

 

 

Figura 4 - Terceira avaliação do desenvolvimento motor de lactentes prematuros, segundo avalição AIMS. Vitória da Conquista, 2017.

 

 

Figura 5 - Quarta avaliação do desenvolvimento motor de lactentes prematuros, segundo avalição AIMS. Vitória da Conquista, 2017.

 

Discussão

 

No estudo, 61,9% dos partos ocorreram por via cirúrgica, corroborando Tabile et al. [15] que teve como objetivo do estudo caracterizar partos prematuros em um hospital de ensino do interior do Sul do Brasil, com uma amostra de 1.133 partos prematuros estudados, do qual apresentou em seus resultados que 69,8% ocorreram de parto abdominal. Os partos cirúrgico-abdominais correspondem a números preocupantes para a Saúde Pública, estando intimamente ligados à prematuridade e devem permanecer nas ações preventivas e de atenção pré-natal durante a gestação, como preconizado pelo Ministério da Saúde. Partos antecipados podem decorrer ou não de fatores de risco associados, bem como iatrogenia, que podem ocorrer por falha no cálculo temporal ou intervenção técnica inadequada [14,15].

Quanto às consultas de pré-natal realizadas pelas mães do presente estudo, constatou-se que a maioria de 59,5% realizou 6 ou menos consultas durante a gestação. Este dado corrobora o estudo de Silva, que objetivou avaliar o ganho de peso de prematuros em uma maternidade do Rio Grande do Norte. Sua amostra foi de 39 lactentes, onde 59% de suas genitoras realizaram 6 ou menos consultas [16]. Nicoletti aponta a importância de realizar as consultas pré-natais como uma variável de proteção ao risco de prematuridade, bem como suas complicações e redução no risco de morbimortalidade materno infantil [17]. Carvalho e Freitas afirmam ainda que um pré-natal inadequado pode repercutir diretamente sobre o feto, servindo como fator de risco baixo peso ao nascer e desfechos gestacionais adversos [18].

Diante do perfil dos lactentes, no que tange ao sexo do bebê, a maior frequência encontrada no estudo foi para o sexo feminino com 57,1% da amostra total, corroborando o estudo de Menezes et al. [19], que em uma amostra de 137 lactentes prematuros estudados em uma maternidade do Nordeste brasileiro, houve uma maior predisposição para o sexo feminino em 62,8%. Muitos estudos evidenciam maior prevalência do sexo masculino em partos prematuros, associando a uma maior suscetibilidade a atrasos no desenvolvimento motor e uma maior necessidade de cuidados intensivos neonatais [15,19,20].

Sobre a classificação dos lactentes deste estudo, foi possível identificar que em sua maioria de 73,8% eram prematuros moderados, ou seja, nasceram entre 28 e 31 semanas de Idade Gestacional (IG). Ao recém-nascido pré-termo, a IG é um fator agravante para sua sobrevivência em ambiente extrauterino, ou seja, quanto menor a IG, menos maduro encontra-se o seu organismo, sendo de grande relevância compreender as maiores complicações clínicas, complexidade do atendimento e o risco de comprometimentos permanentes, resultando em complicações neonatais que podem surgir e permanecer por sua vida infantil e adulta [21-23].

O atual estudo encontrou uma média de Apgar no primeiro minuto de 6,3 (±1,9) e no quinto minuto, média de 7,9 (±1,2). O sistema de pontuação Apgar, descrito na década de 50, é uma ferramenta de avaliação antiga e mais utilizada em recém-nascido, resultando na condição do neonato ao nascer e na necessidade ou não de intervenções ainda na sala de parto. Além disso, alguns estudos utilizam o escore de Apgar para identificar possíveis asfixia e utilizada para predição de resultados neonatais adversos [24].

Para avaliar o desenvolvimento motor dos lactentes prematuros do presente estudo, foi utilizada a AIMS, com objetivo de avaliar a motricidade axial do recém-nascido deste seu nascimento até a marcha independente, com base principalmente no DNPM. Cada item da escala descreve três aspectos do desempenho do motor: descarga de peso, postura e movimentos antigravitacionais [9,11,25].

Considerando a idade corrigida de 40 semanas para cálculo do escore percentil da AIMS, os principais dados coletados corresponderam:

 

1) Na primeira avaliação com uma amostra de 42 lactentes, 90,5% apresentaram desenvolvimento motor normal e 9,5% (4) apresentaram desenvolvimento suspeito. Ou seja, com 40 semanas o lactente realiza em prono: flexão fisiológica das pernas e braços, com antebraços em flexão próximos ao tronco, apoio gravitacional em cabeça que se encontra em rotação lateral. Em supino, liberdade de movimentos dos membros e leva as mãos à boca. Em sedestação (sustentada com apoio da genitora) apresenta postura flexora e breve sustentação da cabeça. Em ortostase (também com apoio) apresenta cabeça anteriorizada em relação ao quadril.

 

2) Na segunda avaliação, a amostra totalizou 23 lactentes, onde 73,9% apresentavam desenvolvimento normal e 26,1% apresentaram desenvolvimento suspeito. Nesse período, é possível predizer, segundo a escala, que o lactente apresente breve controle de cervical com elevação da cabeça em 45º, sem mantê-la em linha média.

 

3) Na terceira avaliação, dos 16 lactentes avaliados identificou-se que 62,5% possuíam desenvolvimento normal, 31,2% desenvolvimento suspeito e aparece pela primeira vez presença de lactentes com desenvolvimento atípico, representando 6,3%. Este resultado obtido corrobora o estudo de Darrah et al. [26] que sugere que os lactentes pré-termo ou a termo em desenvolvimento normalmente não seguem um padrão cronológico exato durante as aquisições das habilidades motoras axiais, esta instabilidade pode subestimar o lactente durante uma triagem infantil e enfatiza a importância das avaliações em série para identificar com precisão aqueles lactentes com atraso motor.

 

4) Na quarta avaliação, com total de 12 lactentes, observaram que 58,3% apresentavam desenvolvimento normal, 25% desenvolvimento suspeito e 16,7% desenvolvimento atípico. Em um estudo com 561 lactentes com objetivo de avaliar o seu desenvolvimento de 0 a 1 ano e 6 meses com a escala AIMS, considerou-se fatores como a idade, controle postural individual e o objeto de avaliação em questão (AIMS) como influenciadores do desenvolvimento motor, sendo o ritmo de ganhos motores instáveis e por vezes negligenciados pela escala, principalmente no primeiro trimestre de vida do lactente e em aquisições posturais com maior arranjo muscular e antigravitacional. Porém, o mesmo estudo evidenciou que, de fato, há uma sequência cronológica linear do desenvolvimento do lactente, mesmo exposto a influências externas [13].

 

Em lactentes prematuros, os desvios ou anormalidades motoras são facilmente detectados nos primeiros 12 meses de vida. A aplicação da escala AIMS para preditivos das habilidades motoras deve ser incluída na avaliação do fisioterapeuta como pré-requisito básico do planejamento à assistência desta população, visto que vários estudos, dentre eles, Almeida et al. confirmaram a confiabilidade da sua aplicação [9,27].

Em casos de apresentação do desenvolvimento suspeito ou atípico, os serviços multidisciplinares oferecidos pelo Follow-up, em especial a fisioterapia, devem ser sistematicamente direcionados por meio da estimulação precoce, após uma triagem pré-definida, a fim de não somente entender esse fenômeno como também intervir de forma crucial sobre os fatores limitantes do desenvolvimento motor típico [4].

No quesito Tempo de Internação, a análise das variáveis encontrou correlação estatisticamente negativa apenas quando relacionadas ao peso ao nascer e à IG, no entanto, ao inserir as variáveis correlacionadas em um modelo de regressão linear múltiplo, apenas a idade gestacional manteve-se associada ao tempo de internamento, sendo assim, é possível evidenciar que quanto maior a idade gestacional em uma semana, menor é o tempo de internamento em igual proporção (uma semana).

Este resultado vai ao encontro do estudo de Gomes et al. [28] com objetivo de identificar possíveis fatores de risco associados ao DNPM de lactentes pré-termo atendidos em um serviço de Follow-up, segundo avaliação da AIMS, onde se concluiu que lactentes prematuros podem apresentar ADNPM, baixo desenvolvimento pôndero-estatural, longo tempo de internamento e maior necessidade de aporte ventilatório. Também alega que quanto menor o perímetro cefálico ao nascimento e se este permanecer abaixo do percentil 5 após o sexto mês, provavelmente o ADNPM estará presente no primeiro ano de vida.

O Peso Gestacional pode ser classificado, de acordo com Santos em: baixo peso com menos de 2500 g, muito baixo peso, com menos de 1500 g e extremo baixo peso com menos de 1000 g. O peso e a idade gestacional são parâmetros de medidas e devem ser aplicadas de forma associada, visto que são considerados indicadores fidedignos para definição da prematuridade [21,23].

Os avanços da tecnologia aplicada à neonatologia têm aumentado significativamente a expectativa de sobrevida de recém-nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer, no entanto, os processos invasivos ou mesmo o tempo de hospitalização principalmente em UTIN são fortes fatores de risco para a manifestação de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor [27,9].

Guimarães [29], em seu estudo sobre a influência da prematuridade no desenvolvimento motor e na função respiratória, afirma que a liberação do hormônio cortisol pela glândula suprarrenal, em resposta aos eventos de estresse durante o tempo de internamento, pode ocasionar lesões no tecido neuronal, resultando em atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor, sendo este atraso mais perceptível nos lactentes de baixo peso ao nascer e que apresente afecções do trato respiratório. Afirma ainda que estas lesões podem ser diretamente proporcionais ao tempo de internamento.

Em outro estudo sobre a aplicabilidade da AIMS publicado em 2016, também descreveu quanto maior o tempo de confinamento ao ambiente hospitalar do prematuro, maior atraso nas aquisições motoras durante seu desenvolvimento.

 

Conclusão

 

Foi possível perceber com os resultados deste estudo que longos períodos de internamento podem apresentar repercussões negativas no DNPM do lactente, podendo apresentar atrasos nas habilidades motoras futuras. Sendo assim é necessário realizar o acompanhamento dos lactentes prematuros por tempo longitudinal a fim de observar o desempenho motor dos mesmos. Sendo assim, a AIMS é considerada uma escala de confiabilidade em predição do desenvolvimento motor em prematuros, principalmente na 4ª avaliação, do qual é possível identificar desenvolvimento motor suspeito e atípico devido à complexidade dos movimentos esperados nesta idade, considerada ainda uma norteadora nas condutas de estimulação precoce, realizada pelos profissionais da fisioterapia.

 

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