REVISÃO
Estimulação
precoce em crianças com síndrome de Down
Early stimulation in children with Down syndrome
Irwina Karen da Frota
Gois*, Francisco Fleury Uchoa Santos Junior, D.Sc.**
*Discente
do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Estácio do Ceará, **Docente do
Centro Universitário Estácio do Ceará
Recebido em 29 de
novembro de 2017; aceito em 20 de setembro de 2018.
Endereço
de correspondência:
Francisco Fleury Uchoa Santos Junior, Rua Eliseu Uchôa Beco, 600 Água Fria
60810-270 Fortaleza, E-mail: drfleuryjr@gmail.com; Irwina
Karen da Frota Gois: irwinakarengois@outlook.com
Resumo
Introdução: A Síndrome de Down
(SD) é o resultado do aumento de material genético do cromossomo 21, que
resulta em implicações relacionadas ao desenvolvimento psicomotor,
características físicas e deficiência intelectual de seus portadores. Objetivo: Traçar os resultados da
aplicação de estimulação precoce em crianças com SD. Material e métodos: Trata-se de uma revisão sistemática de estudos
publicados entre os anos de 2006 e 2016. Foram encontrados 7.044 artigos nas
bases de dados Google acadêmico (n = 7000), Scientific Electronic Library Online (Scielo) (n = 4) e Pedro (n = 40). Logo após leitura
minuciosa dos estudos e análise da tabela PEDro,
7.036 foram excluídos por não contemplarem os critérios metodológicos da tabela
e não serem ensaios clínicos randomizados, somente 8 artigos foram incluídos.
Nos estudos analisados participaram crianças de 0 a 13 anos, de ambos os sexos,
que receberam estimulação precoce, trabalhando a motricidade fina e global,
equilíbrio, esquema corporal, organização espacial, temporal, marcha e o
sentar. Resultados: De acordo com a
análise dos estudos, resultou-se que a estimulação precoce é de extrema
importância desde os primeiros dias de vida para garantir um melhor
desenvolvimento da criança e qualidade de vida. Os descritores usados foram
síndrome de Down, fisioterapia na síndrome de Down e estimulação precoce. Conclusão: Aplicação da estimulação
precoce obteve resultados positivos para o desenvolvimento global da criança
com síndrome de Down.
Palavras-chave: síndrome de Down,
estimulação precoce, desenvolvimento motor.
Abstract
Introduction: Down Syndrome (DS) is the result of an
increase in the genetic material of chromosome 21, which results in
implications related to the psychomotor development, physical characteristics
and intellectual disability of these patients. Aim: To outline the results of
the application of early stimulation in children with DS. Methods: This is a systematic review of studies published between
2006 and 2016. A total of 7,044 articles were found in the databases Google
academic (n = 7000), Scientific Electronic Library Online (Scielo
n = 4) and PEDro (N = 40), after close reading of the
studies and analysis of the PEDro table, 7,036 were
excluded because they did not meet the methodological criteria of the table and
were not randomized clinical trials, only 8 articles were included. In the
analyzed studies, children from 0 to 13 years of age, of both sexes, who
received early stimulation, working with fine and global motor skills, balance,
body schema, spatial organization, time, gait and sitting participated. Results: According to the analysis of
the studies, the early stimulation is of extreme importance from the first days
of life to guarantee a better development and quality of life of the child. The
descriptors used were Down syndrome, Down syndrome physiotherapy and early
stimulation. Conclusion: The
application of early stimulation obtained positive results for the overall
development of children with Down syndrome.
Key-words: Down
syndrome, early stimulation, motor development.
A Síndrome de Down (SD)
é o resultado do aumento de material genético do cromossomo 21, que resulta em
implicações relacionadas ao desenvolvimento psicomotor, características físicas
e deficiência intelectual de seus portadores. Sabe-se que a SD pode ocorrer de
três modos diferentes: o primeiro é devido a uma não disjunção cromossômica
total. Dessa maneira, na medida em que o feto se desenvolve, todas as células
acabariam por adquirir um cromossomo 21 extra. Uma segunda forma de alteração
acontece quando a trissomia não afeta todas as
células e, por isso, ganhou a denominação de forma “mosaica” da síndrome. A
terceira forma que pode vir a acometer os indivíduos seria por translocação
gênica, onde todo, ou um componente do cromossomo extra
encontra-se ligado ao cromossomo [1,2].
O portador da SD
apresenta algumas características bastante evidentes, tais como: hiperflexibilidade das articulações, dificuldades na fala,
hipotonia generalizada, pregas epicantais nos olhos,
mãos com pregas simiescas, língua protusa e atraso no
desenvolvimento motor. Sendo assim, essas crianças possuem atraso nos
principais marcos do desenvolvimento motor, e estes problemas podem ser
minimizados através da intervenção fisioterapêutica precoce [3,16,21].
A estimulação precoce
com fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional proporciona uma
contribuição inequívoca para o melhor desenvolvimento e desempenho social
possível. A ausência demora ou inadequação da estimulação, porém podem limitar
o desenvolvimento do indivíduo. Os pacientes com SD comumente são encaminhados
muito tarde para estimulação, quando já apresentam prejuízos do desenvolvimento
neuropsicomotor [4,15,18].
Tal quadro poderia
ser prevenido com uma orientação correta das mães e cuidadores com relação aos
estímulos precoces necessários para suas crianças [19]. Com a Fisioterapia
sendo aplicada precocemente, é possível trabalhar esse processo de
ensino-aprendizagem, fazendo com que a criança com atraso motor se torne apta a
responder às suas necessidades e às do seu meio de acordo com o seu contexto de
vida. Uma boa estimulação realizada nos primeiros anos de vida pode ser
determinante para a aquisição de capacidades em diversos aspectos, como
desenvolvimento motor, comunicação e cognição [4,5].
Para
favorecer o
aprendizado motor, o trabalho de reabilitação deve ser
intenso e ininterrupto
e, se necessário, diário. A repetição
é aconselhável até que haja fixação
de
processos de aprendizagem, que se dão pela prática
estruturada e reprodução da
atividade em um contexto funcional [17]. O tratamento individual e com
maior
frequência semanal possível seriam alguns dos
princípios de um bom programa de
estimulação precoce. Os programas de
estimulação devem ser individualizados a
fim de suprir as necessidades individuais da criança.
Porém, devem-se levar em
consideração as diferenças individuais, como os
fatores genéticos e as
experiências pessoais da criança, pois estes interferem
nos efeitos da prática
[6]. O objetivo deste estudo é traçar os resultados da
aplicação de estimulação
precoce em crianças com SD.
Critérios
de elegibilidade
Foram incluídos na
pesquisa os artigos que abordaram estimulação precoce em síndrome de Down,
intervenção da fisioterapia na síndrome de Down, a importância da estimulação
precoce para a melhora do desenvolvimento global da criança, ensaios clínicos randomizados
e estudos que estavam completos na íntegra. Foram excluídos do estudo ensaios
clínicos que não fossem randomizados, não abordassem o tema estimulação precoce
em crianças com SD.
Estratégias
de buscas
Foram pesquisados
artigos publicados entre os anos de 2006 a 2016, nas seguintes bases de dados
eletrônicos: Biblioteca Virtual Scientific Electronic Library Online (Scielo),
Google Acadêmico (G.A.) e PEDro.
A pesquisa foi realizada em outubro a dezembro de 2016 e compreendeu os
seguintes termos: fisioterapia (physiotherapy),
síndrome de Down (Down syndrome), fisioterapia na
síndrome de Down (Physiotherapy in Down syndrome), estimulação precoce (early
stimulation). Os artigos foram recuperados somente na
língua portuguesa.
Extração
de dados
Inicialmente, ao
colocar os descritores nas bases de dados foram achados 7.044 artigos [G. A. (n
= 7.000); Scielo (n = 4); PEDro (n = 40)], logo após uma leitura minuciosa dos
estudos e análise da tabela PEDro, 7.036 foram
excluídos por não contemplarem os critérios metodológicos solicitados pela
tabela, excluídos por não abranger o tema estimulação precoce e intervenção
fisioterapêutica, ausência de ensaios clínicos randomizados, restando apenas 8
estudos que contemplavam todos os critérios de inclusão. A Figura 1 mostra o
fluxograma da extração dos estudos incluídos na pesquisa.
Base de
dados
Figura
1 - Fluxograma dos estudos incluídos.
Classificação
de acordo com a escala Physiotherapy evidence database (PEDro)
Para melhor
classificação dos artigos foi aplicada a tabela PEDro, a qual é composta por 11 itens de avaliação
dos quais foram contabilizados conforme os critérios a seguir: 1) Os critérios
de elegibilidade foram especificados; 2) Os sujeitos foram aleatoriamente
distribuídos por grupos (em um estudo cruzado, os sujeitos foram colocados em
grupos de forma aleatória de acordo com o tratamento recebido); 3) A alocação
dos sujeitos foi secreta; 4) Inicialmente, os grupos eram semelhantes no que
diz respeito aos indicadores de prognóstico mais importante; 5) Todos os
sujeitos participaram de forma cega no estudo; 6) Todos os terapeutas que
administraram a terapia fizeram-no de forma cega; 7) Todos os avaliadores que
mediram pelo menos um resultado-chave, fizeram-no de forma cega; 8) Mensurações
de pelo menos um resultado-chave foram obtidas em mais de 85% dos sujeitos
inicialmente distribuídos pelos grupos; 9) Todos os sujeitos a partir dos quais
se apresentaram mensurações de resultados receberam o tratamento ou a condição
de controle conforme a alocação ou, quando não foi esse o caso, fez-se a
análise dos dados para pelo menos um dos resultados chave por “intenção de
tratamento”; 10) Os resultados das comparações estatísticas intergrupos foram
descritos para pelo menos um resultado-chave; 11) O estudo apresenta tanto
medidas de precisão como medidas de variabilidade para pelo menos um resultado
chave.
Após a análise
realizada, incluíram-se 8 artigos que contemplaram os
critérios metodológicos estipulados. Os artigos analisados nesta pesquisa
mostram a estimulação precoce aplicada nas crianças com SD, através da
avaliação do desenvolvimento, motricidade, cognitivo, sendo desenvolvidos
programas de estimulação precoce, nos quais se trabalharam as áreas da
motricidade fina e global, equilíbrio, esquema corporal, organização espacial,
temporal, a marcha e o sentar.
A tabela I apresenta
informações a respeito dos escores obtidos pelos estudos aleatórios na escala PEDro. A escala é composta por 11
itens de avaliação, em que estudos com pontuação menor que 5
são classificados de baixa qualidade e maior que 5 são classificados de alta
qualidade metodológica. Observou-se que a maioria dos estudos compostos na
tabela apresentaram critérios de alta qualidade.
Tabela
I - Análise dos artigos de acordo com os
critérios da escala PEDro.
A tabela II resume as
características dos estudos selecionados ilustrando com as seguintes
informações: autor, ano, objetivo, metodologia, resultados e conclusão. Nos
estudos participaram crianças de idades variando entre 0
e 13 anos de ambos os sexos, o tamanho amostral variou entre 3 e 33 sujeitos. A
maioria dos estudos utilizou a Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) para
avaliar a motricidade global, o equilíbrio estático e o dinâmico, e outros a
escala de Avaliação Pediátrica de Inventário Incapacidade (PEDI) para avaliar
as capacidades funcionais das crianças com síndrome de Down.
Tabela
II -
Análise descritiva das características
dos ensaios clínicos selecionados, publicados entre 2006 e 2016, abordando
estimulação precoce em crianças com síndrome de Down. (ver tabela em anexo em
PDF)
A estimulação precoce
é definida como uma técnica terapêutica que aborda, de forma elaborada,
diversos estímulos que podem intervir na maturação da criança, com a finalidade
de estimular e facilitar posturas que favoreçam o desenvolvimento motor e
cognitivo de crianças com alguma deficiência [14,20]. O desenvolvimento motor
da criança com SD apresenta um atraso nas aquisições de marcos motores básicos,
e isto seria atribuído às alterações do sistema nervoso decorrentes da
síndrome, dificultando a produção e o controle de ativações musculares
apropriadas. É importante salientar que além do atraso nas questões motoras, a
criança com SD apresenta dificuldades de adaptação social, de integração
perceptiva, cognitiva e proprioceptiva [15].
Dois estudos [6,9]
utilizaram a Avaliação Pediátrica de Inventário Incapacidade (PEDI) para
avaliar as capacidades funcionais das crianças com SD. Chegando à conclusão que
as alterações presentes na SD podem levar estas crianças a terem atraso do
desenvolvimento, reduzindo a capacidade de aquisição da independência em suas
funções. Um tratamento de estimulação precoce fazendo com que estas crianças
sejam estimuladas a realizar suas habilidades diárias com a menor ajuda
possível de seus cuidadores proporciona-lhes mais independência [6].
No estudo realizado
por Godzicki et al. [12] foi
utilizado um balanço para estimular a aquisição do sentar independente em
crianças com SD que não tinham controle de tronco para a sedestação
sem apoio. Na pesquisa participaram três crianças com idade entre 6 e 7 meses, as quais ficavam em torno de 30 minutos
sentadas no balanço. A média foi de 15 sessões, quando as crianças conseguiram
sentar sozinhas, com retificação de coluna e manipulando brinquedos sem
oscilações de tronco, quadril com menor abdução e desaparecimento do reflexo de
preensão palmar. Concluíram que quando estimuladas precocemente por meio do
balanço, essas crianças adquiriram o sentar antes do tempo descrito pela literatura.
Estudo realizado por
Torquato et al. [9] que avaliou crianças com SD com o
objetivo de verificar a aquisição de marcos motores em crianças portadoras de
SD que realizam a equoterapia ou fisioterapia
convencional. Participaram crianças de ambos os sexos, com idade entre 4 e 13 anos. Foram selecionadas 33 crianças que já faziam o
tratamento fisioterapêutico convencional ou equoterapia
desde 1 ano de idade, no mesmo local com, no mínimo, 3
anos de acompanhamento. A motricidade global, o equilíbrio estático e o
dinâmico foram avaliados com uso da Escala de Desenvolvimento Motor (EDM).
Efetivou-se análise descritiva das aquisições motoras controle cervical,
rolamento, transição deitado para sentado, ortostatismo
e marcha. Nos resultados observou-se que as crianças que realizam fisioterapia
apresentam melhor equilíbrio estático e dinâmico do que indivíduos que realizam
equoterapia.
No estudo feito por
Silva et al. [13] com crianças com SD entre quatro
meses e quatro anos de idade, que participaram de programas de estimulação
precoce, trabalharam as áreas da motricidade fina e global, equilíbrio, esquema
corporal, organização espacial e temporal, bem como a lateralidade. Buscando
analisar as construções cognitivas no período sensório-motor, evidenciaram um
atraso de um ano a um ano e meio nas crianças, mesmo em estimulação.
Entretanto, apontam uma criança até os quatro anos de idade que não havia sido
estimulada e observaram que essa criança ainda não andava e apresentava idade
cognitiva de cinco meses. As conclusões enfatizam que uma estimulação bem
estruturada pode gerar o desenvolvimento da criança com SD, minimizando suas
dificuldades e comprovando a possibilidade de plasticidade.
Pode-se observar que
o estudo partiu de uma base de dados grande, porém poucos estudos foram
incluídos. Sugere-se que as universidades invistam na formação de profissionais
e fomentem pesquisas relacionadas à estimulação precoce em crianças com SD,
principalmente na área da Fisioterapia.
A análise
metodológica realizada neste estudo mostra que a estimulação precoce obteve
resultados positivos para o desenvolvimento global nas crianças com Síndrome de
Down, trabalhando nas suas principais limitações e melhorando equilíbrio,
marcha, esquema corporal, organização espacial, temporal e motricidade,
garantindo assim uma melhor qualidade de vida para essas crianças.