EDITORIAL
O
sistema de movimento humano: identidade da Fisioterapia
Rafael de Oliveira
Reis
Graduando
em Fisioterapia, Universidade Federal do Espírito Santo
Correspondência:
rafael_oliveirareis@hotmail.com
“O que vocês fazem?”
Essa pergunta é comumente feita a nós estudantes de fisioterapia. E não é fácil
respondê-la, principalmente devido a nossa inexperiência. Contudo, é visível
que a fisioterapia tem um déficit nesse aspecto “o que faz”, pois é uma profissão
que por muito tempo foi dependente da medicina, não desenvolvendo sua
identidade própria.
Muitas profissões são
bem estabelecidas quanto ao seu objeto de trabalho: o dentista, a boca; o
anestesiologista, a anestesia; o médico neurologista, o sistema nervoso; o
médico cardiologista, o sistema cardiovascular. Apesar de algumas profissões
serem definidas de acordo com um sistema fisiológico do corpo humano, isso não
se aplica adequadamente à fisioterapia. Não é comum ouvir falar em fisioterapeuta
neurológico, nem tampouco em fisioterapeuta cardiovascular. Nesse sentido,
Sahrmann discute a identidade da fisioterapia, estimulando o desenvolvimento de
uma concepção de “sistema de movimento humano”, o qual seria “um sistema
fisiológico que funciona para produzir movimento do corpo como um todo ou de
suas partes componentes. A interação funcional das estruturas que contribuem
para o ato de mover-se” [1].
Sahrmann afirma que
essa definição é valiosa, pois a) descreve um sistema fisiológico do corpo
humano; b) aplica o movimento a todos os níveis de função corporal –
subcelular, celular e sistêmico – como também as interações dos humanos com seu
ambiente; c) aplica à disfunção e prejuízo em todos os sistemas que contribuem
para o movimento (p. e. insuficiência do ligamento cruzado anterior, disfunção
pulmonar); e, mais importante, o conceito enfatiza a “expertise” de todos fisioterapeutas.
Segundo o modelo
proposto, um sistema de movimento humano que descreva a interação entre órgãos
e sistemas responsáveis pelo movimento, incluiria como efetores primários os
sistema musculoesquelético e nervoso. Os sistemas de suporte primários
incluiriam o respiratório, cardiovascular e endócrino. O sistema efetor produz
o movimento e ambos os sistemas são influenciados pelo movimento.
Há algum tempo os
livros de anatomia dissecam e explicam o corpo humano minuciosamente,
abordando-o por partes [2]. Isso é inerente à investigação anatômica. No
entanto, na prática clínica é inconcebível enxergar o corpo humano como
sistemas funcionando separadamente. Se a glândula tireoide tem uma deficiência,
por exemplo no hipotireoidismo, todo o corpo é
afetado. Se a medula é lesada, dependendo da região, pode haver retenção
urinária, paraplegia. Por isso ultimamente preconiza-se um sistema de movimento
humano. E essa mudança já está sendo incorporada pelas classificações
internacionais. A CID-10 durante muito tempo se
encarregou de classificar as doenças. Entretanto, percebendo-se que o ser
humano deve ser entendido como um ser biopsicossocial se criou a Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), a qual dedica um
capítulo às funções relacionadas ao movimento, no qual é perceptível a
inter-relação entre os vários sistemas do corpo para produzir movimento [3].
Diante dessa
exposição, percebemos a construção de uma possível identidade
para os fisioterapeutas, profissionais que estudam e tratam o sistema de
movimento humano. Cabe aos profissionais passarem a internalizar essa nova
proposta e os autores incorporarem em suas publicações essa noção de sistema de
movimento humano, para que a fisioterapia construa sua identidade como uma
profissão com características próprias, que dentro do conceito de trabalho
interdisciplinar tem muito a contribuir com seu vasto campo de conhecimento.