ARTIGO
ORIGINAL
Efeito
da terapia por realidade virtual no equilíbrio de indivíduos acometidos pela
doença de Parkinson
Effect of virtual reality therapy on balance of patients with Parkinson
disease
Paula Cristina
Nogueira*, Andreia Maria Silva, Ft., D.Sc.**, Carolina
Kosour, Ft., D.Sc.***, Luciana Maria dos Reis**
*Discente
do curso de Fisioterapia, Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de
Alfenas (UNIFAL) Alfenas/MG, **Docente do curso de Fisioterapia da UNIFAL,
Alfenas/MG, ***Docente do curso de Fisioterapia da UNIFAL, Alfenas/MG,
Professora colaboradora na Disciplina de Fisiologia e Metabologia Cirúrgica,
Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas UNICAMP, Campinas/SP
Recebido em 20 de
abril de 2016; aceito em 28 de setembro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Luciana M Reis, Av. Jovino Fernandes Sales, 2600, Prédio A, 37130-000 Alfenas
MG, E-mail: reislucianamaria@gmail.com; Andreia Maria Silva:
andreiamarias96@gmail.com; Paula Cristina Nogueira: paulafisiounifal@gmail.com;
Carolina Kosour: carolina.kosour@unifal-mg.edu.br
Resumo
Introdução: A doença de
Parkinson é definida como doença degenerativa e progressiva do sistema nervoso
central, clinicamente caracterizada por alterações motoras que geram
comprometimento do desempenho funcional e independência. A Realidade Virtual é
um recurso interativo que vem sendo amplamente utilizado como ferramenta na
reabilitação motora de diversas patologias. Objetivo:
Avaliar o efeito da terapia por Realidade Virtual no equilíbrio postural de
indivíduos acometidos pela doença de Parkinson. Métodos: Trata-se de um estudo clínico, quase experimental
realizado com nove pacientes, de ambos os sexos, com idade entre 60 e 78 anos,
com diagnóstico de doença de Parkinson. Os mesmos foram submetidos a 20 sessões
de terapia com uso dos jogos do Nintendo Wii
Fit plus®, tendo cada sessão a duração de 50
minutos, realizadas duas vezes por semana, durante 10 semanas. A Escala de
Equilíbrio de Berg foi utilizada para avaliar o equilíbrio dos pacientes em
condições de pré e pós-intervenção. Resultados:
Foram observadas melhoras significativas em relação às dimensões de provas
estacionárias e transferência da Escala de Equilíbrio de Berg. Conclusão: A terapia por Realidade
Virtual foi efetiva na melhora do equilíbrio dos pacientes envolvidos no
estudo.
Palavras-chave: doença de
Parkinson, equilíbrio postural, jogos de vídeo.
Abstract
Introduction: Parkinson's disease is defined as a progressive, degenerative disease
of the central nervous system, characterized clinically by motor impairment in
generating performance and functional independence. Virtual Reality is an
interactive feature that has been widely used as a tool for motor
rehabilitation of various pathologies. Objective:
To evaluate the effect of therapy for Virtual Reality in postural balance of
individuals affected by Parkinson's disease. Methods: This is a clinical study, almost experimental conducted
with nine patients of both sexes, aged 60 to 78 years, diagnosed with
Parkinson's disease. They performed 20 therapy sessions with use of games
Nintendo Wii Fit Plus®, each session lasting 50 minutes, twice a week for 10
weeks. The Berg Balance Scale was used to assess the balance of patients in pre
and post-intervention conditions. Results:
Significant improvements were observed in relation to the dimensions of
stationary tests and transfer of Berg Balance Scale. Conclusion: The therapy Virtual Reality was effective in improving
the balance of the patients involved in the study.
Key-words: Parkinson
disease, postural balance, video games.
A Doença de Parkinson
(DP) é definida como doença degenerativa e progressiva do sistema nervoso
central (SNC). É clinicamente caracterizada por tremor, rigidez, bradicinesia,
perda do equilíbrio e alterações da postura e da marcha. Além disso, os pacientes
acometidos sofrem interferência direta em seu desempenho funcional e
independência, por apresentarem instabilidade postural e alterações
musculoesqueléticas como fraqueza e encurtamento muscular [1-4].
A
perda do controle
postural e do equilíbrio na DP pode ser influenciada pelo
processo de
organização sensorial anormal e alterações
do centro de gravidade (CG) [5,6].
Para manter o controle do equilíbrio, o paciente necessita da
manutenção do CG
sobre a base de sustentação durante ações
estáticas e dinâmicas. As alterações
posturais levam à alteração do CG, gerando
alterações no equilíbrio durante a
marcha e atividades diárias [7-10].
Atualmente, vem
surgindo modalidades novas de técnicas no intuito de obter resultados
importantes e cada vez mais significativos no processo de reabilitação. Os
sistemas de Realidade Virtual (RV) foram aperfeiçoados a partir de jogos
eletrônicos de entretenimento e vem se aprimorando desde a década de 1950.
Começaram a ser utilizados como ferramenta na reabilitação motora na transição
do século XX para o século XXI, sendo hoje aplicados no tratamento de diversas
patologias [11].
Existem várias
definições em relação à RV, mas em geral, trata-se de uma experiência imersiva
e interativa baseada em imagens gráficas 3D, gerando uma simulação por
computador, de um mundo real ou apenas imaginário [12].
Para vários autores,
a exploração pela RV significa vantagens de uso em relação a outras
tecnologias, já que constrói alto nível de motivação; apresenta recursos que
permitem a compreensão de conceitos abstratos; permite a observação de cenas em
diferentes distâncias e ângulos; oferece oportunidades de vivências das
situações de maneira individual; encoraja a participação ativa do usuário;
permite a participação de pessoas com diminuição das capacidades físicas ou
mentais; apresenta recursos para que o participante pratique os procedimentos a
serem realizados posteriormente no mundo real; propicia ambiente facilitador
para a aquisição de conhecimento e aprendizagem; oferece situações de
entretenimento e diversão; possui características que facilitam o estudo das
características de desempenho humano e suas capacidades perceptuais e motoras
[13].
Os exercícios do
programa Wii Fit da Nintendo® vem
sendo utilizados nos centros de reabilitação, porém, ainda existem poucos
estudos que comprovam a eficiência desse programa como instrumento de
reabilitação em pacientes neurológicos [14].
Diante do exposto, o
objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito da terapia por RV no
equilíbrio postural de indivíduos acometidos pela DP.
Trata-se de um estudo
clínico, quase experimental com pacientes com diagnóstico de DP. O presente
estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Alfenas
(parecer nº 088547/2014) e todos os indivíduos envolvidos na pesquisa assinaram
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os pacientes foram
avaliados e tratados no Laboratório do Movimento da Universidade Federal de
Alfenas, campus II- Bairro Santa Clara, AlfenasMG. A
amostra foi composta de 9 pacientes, sendo 3 mulheres
e 6 homens, com idade variando entre 56 e 77 anos.
Foram incluídos no
estudo indivíduos com diagnóstico clínico de DP, classificados no nível 3 da Escala de Classificação de Incapacidade de Hoehn-Yahr
[15], com uso de medicação específica para a doença. Indivíduos com doenças
neurológicas associadas foram excluídos do estudo.
A Escala de
Equilíbrio de Berg, desenvolvida e validada por Berg e colaboradores [16] e
validada no Brasil [17], foi utilizada para avaliar o equilíbrio dos pacientes.
Tal escala consta de avaliação funcional de desempenho do equilíbrio, baseada
em 14 itens que simulam atividades comuns no dia a dia do paciente. Estes itens
avaliam o controle postural, incluindo o estável e o antecipatório e que
necessitam de variadas forças, equilíbrio dinâmico e flexibilidade. A pontuação
máxima possível na escala de Berg é de 56 pontos e cada item possui uma escala
ordinal de cinco questões variando de 0 a 4 pontos, de acordo com o grau de
dificuldade. Para a análise dos dados, a Escala foi dividida em grupos
constituídos por tarefas funcionais semelhantes, sendo as questões 1, 4 e 5
relativas a transferências; as questões 2, 3, 6 e 7 a provas estacionárias; a
questão 8, ao alcance funcional; as questões 9, 10 e
11, à componentes rotacionais e as questões 12, 13 e 14, de relação entre
equilíbrio e base de sustentação diminuída [17].
Trata-se de um
instrumento amplamente utilizado em pesquisas científicas, sendo direcionada a
idosos e a pacientes com comprometimento neurológico, como a doença de
Parkinson [18,19].
O protocolo de
intervenção, realizado com RV, foi constituído de três jogos do vídeo game da
Nintendo Wii fit plus, sendo eles: Soccer Heading, no qual o indivíduo
movimenta o tronco no sentido látero-lateral com deslocamento do CG e uso de
musculatura acessória para manutenção do equilíbrio; Penguin Slide, realizado por meio de movimentos no sentido
látero-lateral, com descarga correta de peso em membro inferior; e TableTilt, no qual
o indivíduo deve alternar a descarga de peso corporal em todos os sentidos, de
forma controlada e lenta, alterando o CG. Nas três modalidades o paciente se
manteve em ortostatismo, sobre a plataforma componente do vídeo game (Balance Board).
As atividades foram
realizadas duas vezes por semana, por 10 semanas, perfazendo um total de 20
sessões. Cada sessão teve duração de 55 minutos sendo 5 minutos iniciais e
finais destinados a atividades de aquecimento e alongamento e 45 minutos
igualmente distribuídos em três períodos de 15 minutos para cada uma das
variações de modalidade e evolução das etapas e fases dos jogos aos quais os
pacientes foram submetidos.
As sessões foram
realizadas, em sua maioria, no período vespertino e após os voluntários fazerem
uso de suas respectivas medicações. Todos os voluntários passavam por
monitoramento da pressão arterial no início e final de cada sessão.
Participavam dois voluntários em cada sessão, para melhor supervisão pelo
pesquisador responsável.
As avaliações
iniciais e finais foram feitas pelo mesmo pesquisador responsável pela
intervenção.
Para análise dos resultados
foram utilizados os testes de normalidade de Kolmogorov-Smirnov seguido do
teste t para dados paramétricos e Wilcoxon para dados não paramétricos. Foi
adotado p<0,05. O tamanho do efeito foi classificado de acordo com Cohen
[20], sendo classificado como pequeno (0-0,39), (médio = 0,4-0,79) ou grande ( > 0,8) e Power maior que 80%.
Participaram do
estudo 9 pacientes, sendo 3 mulheres e 6 homens, com
idade variando entre 56 e 77 anos, tempo da condição clínica de 1,5 a 12 anos,
com medicação específica para a doença de Parkinson (Tabela I) e classificados
no nível 3 da Escala de Classificação de Incapacidade de Hoehn-Yahr [15].
Tabela
I - Caracterização dos voluntários do estudo.
Dois dos voluntários
necessitavam de dispositivo de auxílio para manterem-se em ortostatismo sobre a
plataforma. Tal dispositivo era uma bengala 4 pontas
que foi abandonada no decorrer das sessões por um dos voluntários, devido à
melhora do equilíbrio, permanecendo o outro com uso do dispositivo por receio
de manter-se posicionado na plataforma.
Todos os voluntários
que iniciaram o tratamento terminaram o mesmo, não havendo perdas durante as
intervenções. Dois dos voluntários reiniciaram o tratamento devido a faltas por problemas de saúde (não relacionados à
patologia estudada no presente trabalho). Estes permaneceram afastados da
intervenção durante 30 dias e reiniciaram as atividades, realizando o número
total de sessões, sendo descartadas as sessões que já haviam realizado.
A adaptação aos jogos
foi satisfatória e a preferência a cada modalidade de jogo variava entre os
voluntários. Não foram observadas complicações durante as sessões de
intervenção. No início da terapia alguns dos voluntários relatavam cansaço, que
com o passar do tempo e adaptação ao exercício passou por melhora
significativa.
Foi encontrado
aumento significativo nas dimensões 2 (p = 0,045), 3
(p = 0,008) e 4 (p = 0,012) da Escala de Equilíbrio de Berg. Não sendo
encontrados resultados significativos para as dimensões 1
(p = 0,52) e 5 (p = 0,093) (Tabela II).
Tabela
II -
Dados referentes às dimensões da Escala
de BERG em condições de pré e pós-intervenção.
DP = Desvio Padrão da
Média; IC = Intervalo de Confiança; d = tamanho do
efeito (#efeito grande); &Power > 80%; Teste de Wilcoxon *p < 0,05.
Este estudo
investigou o efeito da RV em indivíduos acometidos pela DP, caracterizada como
uma disfunção subcortical que altera várias conexões dos núcleos da base,
estruturas responsáveis pela preparação e harmonia do movimento [1,2]. A RV é
uma tecnologia computadorizada capaz de simular atividades da vida real
providenciando uma visão tridimensional e um feedback sensorial (visual e
sensitivo) direto, favorecendo a melhora do equilíbrio e postura para o
movimento [21,24,25].
Os dados do presente
estudo demonstraram melhora significativa para as dimensões 2
e 3 (provas estacionárias) e dimensão 4 (transferências) da Escala de
Equilíbrio de Berg após intervenção com RV. Ressalta-se que, embora tenha sido
encontrado resultado significativo para a dimensão 2,
este resultado não pode ser considerado real devido ao médio tamanho do efeito
e Power menor que 80%. Entretanto,
para as dimensões 3 e 4 foram encontrados tamanho do
efeito grande e Power maior que 80%, sendo considerado, portanto, efeito real,
com melhora em provas estacionárias e transferência nos indivíduos estudados.
Estes resultados
corroboram outros autores que observaram melhora significativa do equilíbrio
avaliado pela escala de Berg, em uma paciente com disfunção cerebelar pelo
emprego da terapia por RV [22], e outro estudo, no qual foram utilizados os
jogos do Nintendo Wii em indivíduos
com paralisia cerebral espástica, sendo encontradas melhoras na percepção
visual e no equilíbrio [23]. Os autores sugeriram que o feedback
visual apresentado pela interface criada pelo Wii pode ser importante para a realização das tarefas motoras por
facilitar a localização espacial e atividades de vida diária.
Sabe-se que a prática
de atividade física proporciona benefícios para indivíduos com DP. Em um estudo
realizado com um protocolo de exercícios específicos convencionais que
estimulavam o equilíbrio, a força, a coordenação motora, a cognição e a flexibilidade,
foi encontrada melhora do equilíbrio estático e dinâmico em pacientes com DP
[24]. Embora a terapia por RV seja considerada um recurso promissor para a
prática de atividades físicas que facilitam o controle do movimento, observa-se
a necessidade de maior exploração sobre o uso deste recurso em patologias
neurológicas, especialmente no que se refere à DP.
Em estudo com
utilização da RV em indivíduos com DP [25], os autores observaram resultados
positivos. O estudo consistiu em um grupo controle, no qual os pacientes
receberam 30 minutos de tratamento voltado para o desenvolvimento
neurofuncional e 15 minutos de estimulação elétrica funcional (FES). O grupo
experimental, além das técnicas empregadas no grupo controle, recebeu 30
minutos adicionais de exercícios de dança apresentados pelo Nintendo Wii. Os resultados mostraram melhora
significativa em relação ao equilíbrio e estado emocional dos pacientes do
grupo experimental em comparação com o grupo controle.
Em outro estudo, no
qual foi avaliado o efeito da RV nas modificações de desempenho em indivíduos
com DP, por meio das mudanças nas pontuações de jogos, em cada sessão, os
resultados mostraram melhora no desempenho em todos os jogos após 14 sessões de
treinamento [26]. Resultados positivos também foram observados na melhora da
qualidade de vida em indivíduos com DP após protocolo utilizando a RV [27].
Melhora na marcha foi observada em um estudo utilizando protocolo de
treinamento de curto prazo (única sessão) baseado em realidade virtual por
um tapete de videodança [28].
A RV vem sendo
empregada como modalidade de atividade física em doenças neurológicas,
incluindo a DP. Entretanto, observa-se a necessidade de novos estudos
relacionados ao uso deste recurso, nos seus diferentes âmbitos e formas de
utilização, em indivíduos com DP, nos seus diversos aspectos clínicos.
Foi observado, no
presente estudo, que a RV é uma ferramenta importante na melhora do equilíbrio
de indivíduos com DP, já que combina de forma lúdica a interação entre o
paciente e o jogo. Assim, o uso dos jogos propostos demonstra que o programa de
treino é útil para a reabilitação e importante na redução dos déficits de
equilíbrio causados pela doença.