ARTIGO ORIGINAL

Impacto da doença renal crônica na função muscular respiratória de pacientes em tratamento hemodialítico

Impact of chronic kidney disease in respiratory muscular function of patients in hemodialysis treatment

 

Danilo Rocha Santos Caracas, Ft.*, Mariane Alves Souza**, Ruth Maria Caracas Rocha, Ft.***, Gleidson Ferreira Santos**, Daliane Barbosa Lima**, Rodrigo Rocha Ivo**, Luciana Araújo Reis, Ft., D.Sc.****, Constança Margarida Sampaio Cruz, D.Sc.*****

 

*Professor Assistente da Faculdade Independente do Nordeste, Mestrando da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, **Acadêmico(a) do Curso de fisioterapia da Faculdade Independente do Nordeste, ***Professora Assistente da Faculdade de Tecnologia e Ciências, ****Pós-Doutorado em Saúde Coletiva pelo Instituto de saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Professora adjunta da Faculdade Independente do Nordeste; *****Médica Nefrologista, Professora Adjunta da Pós-graduação em Medicina e Saúde Humana da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

 

Recebido em 15 de maio de 2016; aceito em 18 de maio de 2017.

Endereço para correspondência: Danilo Rocha Santos Caracas, Avenida Iolando Fonseca, 18, Bairro Jurema, 45023-030 Vitória da Conquista BA, E-mail: danilorochafisio@yahoo.com.br; Mariane Alves Souza: marianefisi_@hotmail.com; Ruth Maria Caracas Rocha: ruthcaracas@hotmail.com; Gleidson Ferreira Santos: 01gleidson@gmail.com; Daliane Barbosa Lima: dalianeblima@gmail.com; Rodrigo Rocha Ivo: rocharodrigo2013@gmail.com; Luciana Araújo Reis: lucianareisfainor@gmail.com; Constança Margarida Sampaio: constancacruz@yahoo.com.br

 

Resumo

A Doença Renal Crônica é uma síndrome clínica responsável por um ciclo de alterações físicas, sistêmicas e fisiológicas, na qual se destaca a miopatia urêmica como responsável por comprometer a estrutura e a funcionalidade da musculatura esquelética. O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da insuficiência renal crônica em estágio terminal na força muscular respiratória. Estudo prospectivo, transversal composto por 113 voluntários com insuficiência renal crônica em tratamento dialítico. Os dados foram analisados por meio da estatística descritiva e inferencial, que adotou um p valor < 0,05, considerado estatisticamente significativo. A média de idade foi de 54,1 ± 10,6 anos, predominando o sexo masculino. O tempo médio de tratamento hemodialítico foi de 30,7 ±11,6 meses. A média das pressões inspiratórias e expiratórias máximas foi 72,2 ± 19,8 cm H2O e 81,1 ± 19,4 cm H2O respectivamente. Os pacientes nefropatas dialíticos apresentaram disfunção muscular inspiratória moderada e disfunção muscular expiratória leve. As alterações musculares obtiveram correlações significativas com as taxas de filtração glomerular, a força muscular periférica e os marcadores de qualidade do tratamento hemodialítico. Conclui-se que os pacientes com Doença Renal Crônica em tratamento dialítico cursam com disfunção na força muscular respiratória inspiratória e expiratória e tais comprometimentos estão diretamente relacionados à progressão da patologia renal.

Palavras-chave: doença renal crônica, hemodiálise, força muscular.

 

Abstract

Chronic kidney disease is a clinical syndrome responsible for a cycle of physical, systemic, and physiological changes and the uremic myopathy is responsible for compromising skeletal muscle structure and function. The aim of this study was to evaluate the impact of end-stage chronic kidney failure on respiratory muscle strength. It is a prospective, cross-sectional study with 113 volunteers with chronic kidney disease in dialysis. Data were analyzed using descriptive and inferential statistics, and adopted p value < 0.05, which is considered statistically significant. The mean age was 54.1 ± 10.6 years, and male gender predominance. The mean time of hemodialysis was 30.7 ± 11.6 months. The mean inspiratory and maximum expiratory pressures were - 72.2 (± 19.8 cm H2O and 81.1 ± 19.4 cm H2O, respectively. Dialytic nephropathy patients had moderate inspiratory muscle dysfunction and mild expiratory muscle dysfunction. Muscle changes were significantly correlated with glomerular filtration rates, peripheral muscle strength, and markers of hemodialytic treatment quality. It is concluded that patients with chronic kidney failure undergoing dialysis treatment have dysfunction in inspiratory and expiratory respiratory muscle strength and such impairments are directly related to the progression of renal pathology.

Key-words: chronic kidney disease, hemodialysis, muscle strength.

 

Introdução

 

A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma síndrome clínica, que pode ser caracterizada por uma diminuição significativa, lenta, gradual e progressiva, representando não somente falência da excreção renal, mas também das funções metabólicas e endócrinas dos rins [1].

A incidência de pacientes com IRC aumenta progressivamente, tanto no Brasil como no mundo, tratando-se de uma questão relevante de saúde pública, sendo o diabetes mellitus e a hipertensão arterial sistêmica os fatores etiológicos mais prevalentes [2,3].

O diagnóstico e monitoramento da IRC são dados através da avaliação da Taxa de Filtração Glomerular (TFG), além de prever complicações e auxiliar no suporte terapêutico. Uma queda nessa taxa pode estar relacionada ao surgimento de sinais e sintomas de falência renal. A TFG é medida indiretamente por meio de exames laboratoriais como o clearance ou depuração de creatinina e a creatinina sérica [4].

Após ter sido confirmado o diagnóstico e constatado o estágio V de IRC, o indivíduo é submetido a um tratamento substitutivo, podendo ser hemodiálise ou a diálise peritoneal [5]. A terapêutica mais utilizada é a hemodiálise, que tem o objetivo de remover os solutos urêmicos que estejam acumulados e o excesso de líquidos, restabelecendo assim o equilíbrio eletrolítico e ácido básico do organismo [6].

A IRC gera várias alterações físicas, sistêmicas e fisiológicas, sendo o sistema respiratório um dos mais prejudicados [7]. A função respiratória é afetada tanto pelo tratamento que é realizado (hemodiálise ou diálise peritoneal), quanto pela própria doença [6,8,9]. A uremia e a diálise danificam a mecânica, função muscular e troca de gases [7,10]. Uma das principais causas de perda dessa capacidade é a diminuição da força dos músculos responsáveis pela dinâmica respiratória [6,11].

Existem alguns procedimentos que avaliam a função pulmonar, dentre eles a manovacuometria que mensura as pressões respiratórias máximas (PRM) investigando, assim, a força dos músculos respiratórios [12]. A força dos músculos expiratórios é representada pela pressão expiratória máxima (PEmáx) e a dos músculos inspiratórios através da pressão inspiratória máxima (PImáx) [12].

Apesar da IRC ser uma patologia exaustivamente estudada, há uma lacuna literária ao se tratar das relações existentes entre a doença renal crônica em estágio terminal (Grau V de IRC) e o comprometimento muscular respiratório. Principalmente que reportem a criarem um modelo etiológico que ajudem as equipes a identificarem os pacientes com maiores predisposições a desenvolver alterações musculares e consequentemente cursarem com declínio funcional. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da Insuficiência Renal Crônica em estágio terminal na força muscular respiratória, trazendo fundamentação técnica e científica na identificação de alterações pulmonares subclínicas em pacientes nefropatas, fazendo assim surgir um novo pensar clínico para a população estudada.

 

Material e métodos

 

O estudo seguiu um desenho transversal, no qual foram avaliados 140 indivíduos em tratamento hemodialítico em duas clínicas especializadas em tratamento de doença renal na cidade de Vitória da Conquista, Bahia, entre os meses de agosto de 2015 a julho de 2016.

Foram excluídos do estudo pacientes que apresentavam doenças neuromusculares prévias, doenças cardíacas ou pneumológicas diagnosticadas, tabagismo atual ou ex- tabagismo com período de abstinência inferior a 2 anos. Pacientes com condição cognitiva suficiente para compreender os comandos de execução do teste de força muscular, que não tivessem apresentado nenhum quadro respiratório nos últimos 3 meses e que estavam em tratamento dialítico por um período superior a três meses foram incluídos.

Dos 140 pacientes avaliados, 27 foram excluídos por não se adequarem aos critérios (12 foram excluídos por não terem conseguido executar o teste corretamente, mesmo após 6 tentativas e exaustivas explicações; 5 por apresentarem dados laboratoriais incompletos; 1 se negou a continuar na pesquisa por queixa de cefaleia após a primeira avaliação; 03 por apresentarem sintomas de doenças respiratórias no momento da realização da coleta). Logo, foram incluídos na análise dados de 113 pacientes nefropatas dialíticos.

A avaliação dos pacientes foi realizada trinta minutos após uma sessão de hemodiálise em que não transcorresse mais de 48 horas desde a sessão anterior. Todos os pacientes incluídos neste estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo informados dos riscos, benefícios e da metodologia que seria empregada para aquisição dos dados. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da Faculdade Independente do Nordeste com o número de Protocolo 1.825.505.

Os dados referentes às características clínicas e demográficas foram extraídos dos prontuários dos pacientes e anotados num questionário semiestruturado, no qual incluíam as seguintes informações: idade, sexo, raça, grau de instrução, peso pré-hemodiálise e peso pós- hemodiálise, ganho de peso interdialítico, etiologia da DRC, doenças prévias e concomitantes, índice de massa corporal (IMC), função renal residual, tratamento conservador prévio, tempo de terapia renal substitutiva e o valor da Kt/V total. A ocorrência de hospitalizações, processos infecciosos e presença de intercorrências relacionadas ao tratamento dialítico nos três meses anteriores ao estudo foram computados.

Para avaliação da força muscular respiratória foi utilizado um manovacuômetro digital modelo MVD 300 (GlobalMed, RS, Brasil), escalonado em cmH2O. Foi conectada ao manovacuômetro uma tubulação plástica, adaptando na sua extremidade distal um bucal cilíndrico descartável, com diâmetro interno de 32 mm. Anteriormente ao bucal, foi colocado um dispositivo de plástico rígido com um pequeno orifício de 2 mm de diâmetro interno e 1,5 mm de comprimento, com a finalidade de propiciar pequeno vazamento de ar e, desta forma, prevenir a elevação da pressão da cavidade oral gerada exclusivamente por contração da musculatura facial com o fechamento da glote [12].

As medidas foram coletadas pelo mesmo pesquisador e realizada sob comando verbal homogêneo, com os pacientes sentados e tendo as narinas ocluídas por uma pinça nasal para evitar o escape de ar. A PImáx foi medida durante esforço iniciado a partir da capacidade residual funcional. A PEmáx foi medida durante esforço iniciado a partir da capacidade pulmonar total. Os pacientes executaram no mínimo três esforços de inspiração máxima, tecnicamente satisfatórios, ou seja, sem vazamento de ar perioral e com valores próximos entre si (menor ou igual a 10%), e foi considerada para o estudo a medida de maior valor. Os esforços em cada manobra foram mantidos por no mínimo 3 segundos [12]. O nível de severidade da disfunção muscular respiratória foi definido de acordo com os percentuais espirométricos: Norma (>80% do valor predito), Leve (70%-79% do predito), moderado (60-69% do predito), moderadamente severo (50%-59% do predito), severo (35%-49% do predito) e muito severo (<35% do predito) [13]. Utilizaram-se as fórmulas propostas por Dirceu Costa et al. [14] para definição dos valores preditos da Força Muscular Respiratória, com base na musculatura analisada, gênero e idade.

As amostras sanguíneas foram coletadas dentro da rotina específica de cada serviço por laboratório comum e credenciado às duas clínicas de tratamento de doença renal, onde a pesquisa foi realizada. Foram utilizadas as médias dos três últimos exames laboratoriais, e o último exame não poderia ter um período superior a 30 dias da sua realização no momento da coleta dos dados. Analisaram-se os valores de ureia pré e pós-hemodiálise, creatinina, potássio, sódio, hemácias, hemoglobina, hematócrito, proteínas, albuminas, globulinas, 25 hidroxivitamina D e hormônio paratireiodiano (PTH).

 

Análise estatística

 

Os dados com distribuição paramétrica foram descritos como média e mais ou menos desvio padrão, e aqueles com distribuição não paramétrica em mediana e intervalos interquartis, as variáveis categóricas foram descritas em f n absoluto (frequências). As comparações entre os grupos foram feitas pelos testes t-Student e Mann-Whitney, quando apropriado. Os testes de Chi-quadrado ou exato Fisher foram usados para comparações de proporções. Para comparações entre as variáveis numéricas utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o programa SPSS para o Windows (versão 20.0; SPSS, Chicago, IL).

 

Resultados

 

Os participantes do estudo em sua maioria eram indivíduos de meia idade do sexo masculino, em tratamento hemodialítico por um período aproximado de 31 meses sendo o principal fator etiológico da insuficiência renal crônica na população estudada a nefroesclerose hipertensiva. A anemia estava presente em 48% dos pacientes juntamente com 44% da amostra com deficiência de vitamina D definida como 25-Hidroxivitamina D < 40. A média da análise da força muscular global analisada através da escala MRC evidenciou redução generalizada da força muscular e a medida de independência funcional indicou dependência funcional leve, conforme dados da tabela I.

 

Tabela I - Perfil clínico dos pacientes com IRC que realizam hemodiálise.

 

GNC = Glomerulonefrite crônica; NEH = Nefroesclerose Hipertensiva; DM2 = Diabetes Mellitus Tipo 2; UO = Uropatia Obstrutiva; DRP = Doença Renal Policistica; IMC = Indice de Massa Corpórea; RRU = Redução relativa da Ureia; PTH = Hormônio Paratireoideano; GPID = Ganho de Peso Interdialítico; MRC = Medical Research Council; MIF = Medida de Independência Funcional.

 

Na tabela II observa-se o perfil muscular respiratório dos pacientes com insuficiência renal crônica em terapia substitutiva. Constata-se severidade moderada (60% - 69% do valor predito) na Pimáx e leve (70% - 79% do valor predito) na Pemáx.

 

Tabela II - Características das pressões respiratórias máximas.

 

Pimax = Pressão Inspiratória Máxima; Pemax = Pressão Expiratória Máxima.

 

Na análise de correlação, a Pimáx correlacionou-se negativamente com o ganho de peso interdialítico, e, positivamente com o Kt/V total, hemoglobina, hematócrito, 25 hidroxivitamina D e o PTH. Enquanto que a Pemáx se correlacionou negativamente com a idade e positivamente com a hemoglobina, a 25-Hidroxivitamina D e força muscular global periférica (Tabela III).

 

Tabela III - Correlação entre as Pressões Respiratórias Máximas e variáveis comumente analisadas no paciente nefropata dialítico.

 

RRU = Redução relativa da Ureia; PTH = Hormônio Paratireoideano; GPID = Ganho de Peso Interdialítico; MRC = Medical research council; *Valores com correlação significativa (p<0,05)

 

Mediante análise da figura 1 observa-se que existe uma relação direta e estatisticamente significativa entre a capacidade de independência funcional e a força muscular respiratória inspiratória (A) e expiratória (B) nos pacientes com IRC em tratamento hemodialítica.

 

 

Figura 1 - Correlacoes entre os escores da MIF e pressao inspiratoria maxima (A) e a pressao expiratoria maxima (B).

 

A gravidade da doença renal crônica avaliada através da taxa de filtração glomerular mostrou uma correlação significativa com as pressões inspiratória máxima (A) e as pressões expiratórias máximas (B), mostrando que quanto maior o comprometimento renal maior o impacto na musculatura respiratória.

 

 

Figura 2 - Correlacoes entre a TFG e pressao inspiratoria maxima (A) e a pressao expiratoria maxima (B).

 

Discussão

 

A prevalência de comprometimento muscular secundário à doença renal crônica no Brasil ainda se faz desconhecida, devido à escassez de trabalhos tratando do assunto em específico. Um estudo sueco avaliou a prevalência de atrofia muscular em pacientes nefropatas dialíticos em torno de 30% [15]. Dado que corrobora o presente trabalho, apesar do mesmo ter utilizado metodologias de definição diferentes. Diversos trabalhos experimentais tentam traçar um perfil histológico das fibras musculares do paciente urêmico [16,17].

Estudos com eletromicroscopia revelam que o músculo periférico urêmico apresenta importantes degenerações das bandas Z, redução dos miofilamentes e dano mitocondrial, situações que estão intimamente ligadas a alterações histoquímicas relacionadas a reduções dos agentes oxidativos, aeróbicos e contrateis das fibras musculares do paciente nefropata [18-20].

Os fatores etiológicos da miopatia urêmica ainda se fazem obscuros na atualidade, porém alguns parecem estar relacionados ao comprometimento muscular, tais como: aumento de toxinas urêmicas, decréscimo do fluxo sanguíneo muscular, anemia, fraqueza muscular, alterações no metabolismo energético, hipometabolismo de vitamina D e neuropatia periférica [21].

Por diversas causas já apresentadas, a força muscular periférica dos pacientes nefropatas dialíticos estão alterados. A musculatura respiratória por apresentar perfis histológicos e funcionais semelhantes aos demais músculos periféricos é comprometido na mesma proporção. No atual estudo foi constatado que a força muscular inspiratória e expiratória estavam reduzidas quando comparadas aos valores de referência compatível com idade e gênero, dados similares aos já descritos pela literatura [22]. Porém, verifica-se que o processo de degeneração muscular potencializada e acelerada é comum nos indivíduos com miopatia urêmica [23]. Vale ressaltar que o maior impacto gerado na musculatura respiratória nos pacientes nefropatas dialíticos é na porção inspiratória. Esse achado se deve provavelmente aos esforços catabióticos provenientes de alterações restritivas pulmonares associadas e alterações tróficas diafragmáticas [19].

O aumento de toxinas urêmicas acarreta maior comprometimento das funções musculares, gerando anormalidades no metabolismo energético. Já foi descrito que a depuração dessas toxinas está diretamente relacionada à qualidade da dose dialítica ofertada ao paciente [21]. No presente estudo, observou-se uma relação positiva entre a força muscular inspiratória e o valor do Kt/Vtotal, confirmando o racional de que quanto maior a depuração das toxinas urêmicas pela hemodiálise, maior o metabolismo energético celular, sendo necessária a avaliação continua desses marcadores.

A disfunção muscular nos pacientes nefropatas está intimamente ligada à presença de anemia crônica, visto que a mesma reduz a oferta de oxigênio ao músculo e altera a taxa de fluxo sanguíneo direcionado [24]. Fato também comprovado pelo presente trabalho quando se verificou a relação significativa entre os níveis de hemoglobina com as pressões inspiratória e expiratória máxima, confirmando o impacto da hemoglobinemia na funcionalidade do músculo respiratório.

A vitamina D atua no complexo celular muscular através de importantes mecanismos de ligações a receptores nucleares e de membrana. Por meio dessas funções a vitamina D age no transporte de cálcio, na síntese proteica e com muita eficiência na velocidade de contração muscular [25]. A descrição dos efeitos da deficiência dessa vitamina já está exaustivamente descrita pela literatura [25]. Os pacientes com insuficiência renal crônica comumente cursam com hipovitaminose D, e essa condição altera o metabolismo energético e o processo de excitação-contração muscular, tornando o paciente suscetível a desenvolvimento da miopatia urêmica [26]. Fato confirmado pelo presente estudo, sendo este o fator de maior relação, analisado através r = 0,66 com a força muscular respiratória.

O ganho de peso interdialítico está diretamente associado ao acúmulo de líquidos corpóreos e consequentemente no meio extravascular pulmonar. Essa alteração geralmente se faz presente quando os níveis de GPID excedem 5%, sendo esses valores associados a modificações na permeabilidade das vias aéreas e alteração na complacência pulmonar [27]. Essas alterações presentes no sistema respiratório configuram uma sobrecarga na musculatura inspiratória, fazendo com que o aumento substancial da GPID se correlacione inversamente com a pressão inspiratória máxima.

Os fatores causais relacionados com a redução das propriedades de força muscular respiratória são advindos da miopatia urêmica. Eles incluem a redução da massa muscular (área de secção transversa, principalmente das fibras tipo II), diminuição da síntese proteica muscular e do metabolismo oxidativo, justificando, assim, a redução da capacidade de força muscular respiratória dos indivíduos portadores de IRC [22], consequentemente alterando os perfis metabólicos da musculatura periférica, reduzindo o limiar de fadiga, aumentando a intolerância precoce ao exercício físico, fazendo com que os pacientes nefropatas dialíticos cursem com fragilidade e declínio funcional importante.

A melhor maneira de avaliar o funcionamento renal se dá através da análise da TFG. Esta pode ser determinada pela dosagem da creatinina sérica e/ou pela depuração desta pelo rim, considerando uma TFG com valor menor que 60mL/min/1,73m2 significa uma diminuição de aproximadamente 50% da funcionalidade renal normal e, abaixo disso, ocorre um aumento da prevalência de complicações relacionadas a IRC [14]. Nos pacientes idosos, há um maior predomínio da IRC, pois a TFG diminui com o decorrer dos anos. Cerca de 17% dos indivíduos com idade maior que 60 anos apresentam TFG menor que 60 mL/min/1,73m2 [28,29].

No presente estudo, pode-se observar que ao correlacionar a TFG e as pressões respiratórias máximas, obtiveram-se resultados significativos, podendo-se inferir que quanto menor a TFG, menor a força da musculatura respiratória. Muitos trabalhos na literatura têm abordado a IRC, porém, dentre os artigos pesquisados não há estudos que relacionem a TFG e a análise das pressões respiratórias máximas, podendo contribuir para a elucidação dos mecanismos da TFG que alteram a capacidade de força muscular respiratória destes indivíduos.

 

Conclusão

 

Conclui-se que os pacientes com IRC em tratamento dialítico cursam com disfunção na força muscular respiratória inspiratória e expiratória e tais comprometimentos estão diretamente relacionados à progressão da patologia renal.

 

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