ARTIGO
ORIGINAL
Lombalgia,
hábitos posturais e comportamentais em acadêmicos de Fisioterapia e Psicologia
de uma instituição de ensino superior
Low back pain, postural and behavioral habits of academics of Physical
therapy and Psychology at an institution of higher education
Priscila Oliveira
Sousa*, Seânia Santos Leal, M.Sc.**, Maria Ester
Ibiapina Mendes de Carvalho, D.Sc.**
*Graduada
em Fisioterapia, Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Teresina/PI,
**Professora do curso de Fisioterapia da Universidade Estadual do Piauí
(UESPI), Teresina/PI
Recebido em 28 de
julho de 2016; aceito em 18 de agosto de 2017.
Endereço
para correspondência:
Priscila Oliveira Sousa, Conjunto Dirceu Arcoverde 1,
quadra 115, casa 03, 64077-350 Teresina PI, E-mail: pri.olly@hotmail.com;
Seânia Santos Leal: seaniasantos@hotmail.com; Maria Ester Ibiapina Mendes de
Carvalho: mariaester_imc@yahoo.com.br
Resumo
Em acadêmicos,
hábitos posturais e comportamentais inadequados podem desencadear dor lombar. O
objetivo foi analisar a prevalência e associação de lombalgia, hábitos
posturais e comportamentais em acadêmicos de Fisioterapia e Psicologia.
Participaram da pesquisa 171 acadêmicos. Todos os participantes responderam aos
questionários: Back Pain and Body Posture
Evaluation Instrument (BackPEI), Roland-Morris
Disability Questionnaire (RMDQ), Oswestry Disability Questionnaire (ODQ) e
a Escala Visual Numérica (EVN). Realizou-se estatística descritiva e o teste
Qui-quadrado (p < 0,05) com o programa SPSS 19.0. A prevalência de lombalgia
foi de 80,7%. Destes, 28,2% referiram dor uma vez por mês, 68,8% referiram dor
leve e 21% dor que impossibilitava realizar as atividades diárias. Verificou-se
alta prevalência de hábitos posturais e comportamentais inadequados. A análise
bivariada mostrou associação entre: dor lombar e prática de atividade física (p
= 0,0001), frequência (p = 0,003) e nível de competitividade (p = 0,008); tempo
de horas por dia (p = 0,0001) e postura sentada para utilizar o computador (p =
0,0001). Houve elevada prevalência de dor lombar, hábitos posturais e
comportamentais inadequados nos acadêmicos de Fisioterapia e Psicologia,
associação significativa entre a dor, prática, frequência e o nível de
competitividade da atividade física além do tempo de horas por dia e da postura
sentada para utilizar o computador.
Palavras-chave: lombalgia,
estudantes, hábitos.
Abstract
In academics, inappropriate posture and behavioral habits can trigger
lower back pain. The objective was to analyze the prevalence and association of
low back pain, postural and behavioral habits in Physical Therapy and
Psychology students. 171 students participated in the study. All participants
answered the questionnaires: Back Pain and Body Posture Evaluation Instrument (BackPEI), Roland-Morris Disability Questionnaire (RMDQ), Oswestry Disability Questionnaire (ODQ) and the Visual
Numerical Scale (EVN). Descriptive statistics and chi-square test (p < 0.05)
were performed with the SPSS 19.0 program. The prevalence of low back pain was
80.7%. Of these, 28.2% reported pain once a month, 68.8% reported mild pain and
21% pain that made daily activities impossible. There was a high prevalence of inappropriate
posture and behavioral habits. The bivariate analysis showed an association
between: low back pain and physical activity (p = 0.0001), frequency (p =
0.003) and level of competitiveness (p = 0.008); Time of hours per day (p =
0.0001) and sitting posture to use the computer (p = 0.0001). There was a high
prevalence of low back pain, inadequate posture and behavioral habits in
Physical Therapy and Psychology students, a significant association between
pain, practice, frequency and level of competitiveness of physical activity
beyond the hours of the day and the sitting posture to use the computer.
Key-words: low back
pain, students, habits.
Lombalgia é descrita
como uma dor localizada abaixo da borda das últimas costelas com ou sem irradiação
para os membros inferiores e de etiologia multifatorial. São fatores
predisponentes: sedentarismo, tabagismo, posição ergonômica, baixa
escolaridade, gênero e obesidade [1,2].
A Organização Mundial
da Saúde estima que 65 a 80% da população já teve ou terá lombalgia. Pode ser considerada um problema de saúde pública, importante fator
de morbidade, incapacidade funcional, absenteísmo e diminuição da produtividade
[3].
A dor lombar pode ser
de origem mecânica, inflamatória, neoplásica, infecciosa, metabólica,
miofascial e psicossomática; fatores estes que podem ou não estar associados a
alterações estruturais, biomecânicas e vasculares [3-5].
Hábitos posturais
referem-se à utilização da mecânica corporal durante a realização das atividades
de vida diária (AVD). Um hábito postural adequado é aquele que preserva as
curvas fisiológicas da coluna e não excede o limite fisiológico do indivíduo
[6]. O mau posicionamento, a consciência corporal e os hábitos adotados na
prática de atividade física, poderão desencadear desequilíbrios na coluna
vertebral e predispor os indivíduos à fadiga precoce, o que pode influir nos
quadros álgicos e na qualidade de vida desses indivíduos [7].
Em acadêmicos,
alterações estruturais e biomecânicas podem ser decorrentes de posturas
inadequadas na sala de aula, na forma de transporte do material universitário e
na necessidade de permanecerem sentados por períodos prolongados [8]. Hábitos
posturais inadequados constituem um problema de saúde coletiva, por predispor
estudantes a dores vertebrais o que tem estimulado fisioterapeutas e outros
profissionais da saúde, a propor programas educativos para aquisição de hábitos
adequados como medidas preventivas de futuras complicações [9].
O objetivo deste
estudo foi analisar: a prevalência de lombalgia, hábitos posturais e
comportamentais, além da associação entre estes, em acadêmicos de Fisioterapia
e Psicologia de uma Instituição de Ensino Superior (IES) em Teresina/PI.
Trata-se de um estudo
transversal, com abordagem quantitativa e qualitativa, realizado de setembro a
dezembro de 2015. Foram convidados a participar desta pesquisa
acadêmicos de ambos os gêneros do primeiro ao oitavo bloco dos cursos de
Fisioterapia e Psicologia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), com
população estimada em 272 acadêmicos. Prevendo-se perdas amostrais e
desistências, foi realizado o cálculo amostral com margem de erro de 5% e nível
de confiança de 95%, sendo necessário um número mínimo de 160 participantes.
A pesquisa foi
realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UESPI,
(parecer: 1.248.003). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE).
Para verificar a prevalência
de lombalgia, identificar hábitos posturais e comportamentais relacionados à
postura, utilizou-se o Instrumento de Avaliação da Postura corporal e dor nas
costas (Back pain and body posture
evaluation instrument - BackPEI), constituído por
21 questões fechadas contendo uma versão para cada gênero, abordando questões:
demográficas; socioeconômicas; comportamentais; hereditárias; posturais e dor
nas costas nos últimos três meses [6]. No presente estudo, foram utilizadas as
questões de 1 a 14 do BackPEI,
referentes aos hábitos comportamentais e posturais, e as questões 18 a 21,
referentes à dor nas costas. No momento da aplicação da 21º questão em
substituição à Escala Visual Analógica (EVA) utilizou-se a Escala Visual
Numérica (EVN) que consiste em uma régua dividida em onze partes iguais,
numeradas sucessivamente de 0 a 10 [10].
Para avaliar a
funcionalidade, foram aplicados o questionário de Incapacidade de Roland-Morris
e o Índice de Incapacidade Oswestry na versão 2.0. O primeiro é específico para
medir a incapacidade funcional de pessoas com lombalgia, composto de 24
questões relacionadas às atividades de vida diária, dor e função [11,12]. Da
mesma forma o segundo também permite avaliar a incapacidade gerada por dor
lombar em várias atividades funcionais, constituído por 10 seções, contendo 6 afirmações cada, pontuadas de 0 (ausência de disfunção) a
5 (maior disfunção) e o score final, em percentagem, mede o grau de
incapacidade: 0%-20% - incapacidade mínima; 21%-40% - incapacidade moderada;
41%-60% - incapacidade severa; 61%-80% - incapacidade muito severa; 81%-100% -
exagero dos sintomas [12].
Foram realizadas
entrevistas individuais, previamente planejadas de acordo com os horários
disponíveis dos acadêmicos, nas salas de aula próprias de cada bloco.
Statistical Package for the Social Science (SPSS - versão 19.0)
foi o programa estatístico usado. Na abordagem descritiva foram feitas as
distribuições de frequências absoluta e relativa para variáveis categóricas e
contínuas; médias e desvio-padrão somente para as variáveis contínuas. Na
abordagem analítica, fez-se análise bivariada por meio do teste Qui-quadrado (c2) e do teste Exato de
Fisher quando necessário (para valores esperados menores que 5),
para identificar a existência de associação entre a dor lombar e os hábitos
posturais e comportamentais, sendo considerados valores de p menores que 0,05.
Participaram do
estudo 171 acadêmicos, 114 (66,6%) do gênero feminino e 57 (33,3%) do gênero
masculino. A idade variou entre 17 e 30 anos, com média de 20,7 ± 2,2 anos.
Os resultados
referentes à dor lombar, Tabela I, apresentaram prevalência de 80,7%, com
percentuais de: 61,4% e 19,3% para os gêneros feminino e masculino,
respectivamente. Dentre os acadêmicos, 28,2% informaram episódios de lombalgia
ao menos uma vez por mês; 23% de 4 vezes ou mais por
semana e 21% de 2 a 3 vezes por semana. Quanto à intensidade da dor, 68,8% referiram sentir dor leve e 28,3% dor moderada.
Tabela
I – Distribuição das frequências absoluta e
relativa em relação à presença, frequência e intensidade da dor lombar nos
acadêmicos de Fisioterapia e Psicologia segundo o gênero.
asomente para os acadêmicos
com dor lombar.
A Tabela II mostra a
distribuição das frequências absolutas e relativas do nível de incapacidade
relacionado à lombalgia nos acadêmicos de Fisioterapia e Psicologia segundo o
gênero. Expõe os resultados da interferência da dor lombar nas AVD segundo a
20ª questão do BackPEI, do Questionário de
Incapacidade de Rolland-Morris e do Índice de Incapacidade Funcional de
Oswestry.
Tabela
II –
Distribuição das frequências absoluta e
relativa do nível de incapacidade relacionado à dor lombar dos acadêmicos de
Fisioterapia e Psicologia segundo o gênero.
asomente para os acadêmicos
com dor lombar.
As Tabelas III e IV
mostram, respectivamente, a prevalência de hábitos posturais e comportamentais
dos acadêmicos e a presença de associação entre a lombalgia e esses hábitos.
Tabela
III
– Distribuição das frequências absoluta e
relativa dos hábitos posturais dos acadêmicos de Fisioterapia e Psicologia
segundo a dor lombar e o teste de associação.
aTeste Qui-quadrado ou Teste
Exato de Fisher; * Associação significativa (p<0,05).
Tabela
IV – Distribuição das frequências absoluta e
relativa das práticas comportamentais dos acadêmicos de Fisioterapia e
Psicologia segundo a dor lombar e o teste de associação.
aTeste Qui-quadrado ou Teste
Exato de Fisher; b somente para os acadêmicos que praticam atividade física; *
Associação significativa (p<0,05).
Este estudo mostrou
elevada prevalência de dor nos acadêmicos de Fisioterapia e Psicologia. Estes
resultados estão no intervalo de prevalência da literatura [8,13-19]. Variantes
nas taxas de prevalência de dor provavelmente estão relacionados a fatores
sociais, regionais e psicológicos [6,20].
Embora a lombalgia
seja mais frequente em pessoas com idade superior a analisada neste estudo,
outros estudos mostram que um grande percentual de estudantes apresentam sintomas de lombalgia na adolescência [7,21-24] e
antes dos trinta anos [8,13-19] corroborando os achados desta pesquisa.
Ao se comparar os
gêneros, a maior incidência de lombalgia foi no gênero feminino, fato este
evidenciado em diversos outros estudos [5,7,13,19,21,24].
Na IES analisada existe um maior número de alunas nos cursos de Fisioterapia e
Psicologia; entretanto deve ser considerado que no gênero feminino existem
particularidades anatomo-funcionais, como menor densidade óssea, massa e força
muscular, que quando somadas, as tornam mais suscetíveis às agressões
ergonômicas, o que pode promover o surgimento de lombalgia [21,24].
Quanto à frequência
de lombalgia, mais da metade dos acadêmicos informaram sentir dor de 1 a 4
vezes por semana, semelhante ao que foi encontrado por Sá, Carvalho e Gomes
[25] que identificaram que quase a metade dos alunos de uma escola pública de
Petrolina/PE relataram dor lombar duas ou mais vezes por semana.
Com relação à
intensidade da dor, observou-se baixa magnitude, com média de 2,9 pontos
segundo a EVN. Um estudo semelhante que utilizou uma amostra de 60 acadêmicos
de Fisioterapia também mostrou lombalgia de baixa amplitude [8]. Outro estudo
[26] que investigou a prevalência de dores musculoesqueléticas em 200
universitários de diferentes cursos observou que a região lombar foi relatada
como a de maior intensidade.
Em relação à
incapacidade funcional por lombalgia, o estudo mostrou que os acadêmicos
relataram impedimento na realização das AVD, 98,6% destes apresentaram
incapacidade mínima segundo o Índice de Oswestry. Os resultados do questionário
de Rolland-Morris, porém, não mostraram incapacidade nos acadêmicos estudados.
Em semelhança, o estudo de Neto e Andrade [8] utilizou apenas o Índice de
Oswestry e observou que 65% dos acadêmicos de Fisioterapia evoluíram com
incapacidade mínima. Já nos estudos de Oliveira et al. [19] que utilizaram apenas o questionário de Rolland-Morris,
os acadêmicos não apresentaram incapacidade funcional e 26,4% apresentaram
incapacidade leve/moderada. A diferença verificada entre os dados de
incapacidade identificados nesse estudo pode ser explicada pelas diferentes
abordagens para avaliar a incapacidade funcional.
Os achados deste
estudo demonstram alta prevalência de hábitos posturais inadequados, com
exceção do meio de transporte do material universitário. Resultados semelhantes
foram encontrados por Noll et al. [6]
referentes aos hábitos na postura sentada nas AVD: em um banco, para escrever,
para utilizar o computador e ao pegar um objeto do chão, demonstrando alta
prevalência de postura inadequada.
Uma taxa de 63% dos
universitários da presente pesquisa possui o hábito de realizar atividades de
leitura e/ou estudo na cama, semelhantemente ao encontrado também no estudo de
Noll et al. [6] no qual 62,6% dos escolares
estudados possuem o mesmo hábito. Observou-se redução nas horas diárias de
sono, inferior ao recomendado pela literatura de 8 e 9
horas por noite, fato que coloca os acadêmicos deste estudo em situação de
risco, pois quantidades insuficientes de sono [27] aliadas ao cansaço, entre
outros problemas [28] predispõem a dores musculoesqueléticas. Os resultados
mostram que grande parte dos estudantes utiliza o decúbito ventral para dormir.
Esta posição favorece um aumento da lordose lombar e expõe a região cervical no
limite de sua amplitude de movimento, podendo provocar entorse e cervicalgia
[26].
O sedentarismo
apresentou associação com a lombalgia, podendo ser explicada pelo excesso de
horas destinadas ao estudo, mantendo o aluno na posição sentada por tempo
prolongado. Resultados similares foram observados por Moroder et al. [14] que observaram uma prevalência
de 53% de lombalgia em estudantes de Medicina na Áustria, associada a estilos
de vida sedentários e rotinas estressantes.
Estudos têm sugerido
que pessoas que se exercitam regularmente têm uma maior prevalência de dor
lombar [7,21,29] o que também foi observado no
presente estudo nos acadêmicos que praticavam atividade física 3 vezes ou mais
por semana. De acordo com Triki et al. [29], o risco
de dor lombar foi maior nas práticas de ginástica, judô, handebol e voleibol.
Os autores concluíram que a ocorrência da lombalgia depende não só da
frequência, mas também das especificidades dos esportes.
Houve associação
positiva entre a ocorrência da lombalgia e o tempo de permanência no computador
na postura sentada. No estudo de Sham et al. [30],
chineses que permanecem no computador por mais de duas horas têm chances 1,87
vezes maior em relatarem lombalgia. Os escolares que permanecem por longos
períodos sentados em postura inadequada, estão predispostos a maiores índices
de desconfortos gerais, tais como dor, fadiga e formigamento [6,24,30].
Houve elevada
prevalência de lombalgia, hábitos posturais e comportamentais inadequados nos
acadêmicos de Fisioterapia e Psicologia, com associação significativa entre a
dor, prática, frequência e o nível de competitividade da atividade física além
do tempo de horas por dia e da postura sentada para utilizar o computador.