ARTIGO ORIGINAL

Prevalência de apneia obstrutiva do sono em pacientes que serão submetidos à cirurgia cardíaca internados em uma UTI de alta complexidade

Prevalence of obstructive sleep apnea in patients submitted to heart surgery in a high complexity ICU

 

Katherine Kestering*, Fernando Schmitz de Figueiredo, M.Sc.**, Bruno Búrigo Peruchi, M.Sc.**, Eduardo Ghisi Victor, D.Sc.**

 

*Acadêmica do Curso de Fisioterapia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) Criciúma/SC, **Professor da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) Criciúma/SC

 

Recebido 13 de dezembro de 2017; aceito 15 de fevereiro de 2018

Endereço para correspondência: Katherine Martinello Kestering, Av. Universitária, 1105 Bairro Universitário, 88806-000 Criciúma SC, E-mail: katherinekestering@hotmail.com; Fernando Schmitz de Figueiredo: fsf@unesc.net; Bruno Búrigo Peruchi: brunobperuchi@hotmail.com; Eduardo Ghisi Victor: egv@unesc.net

 

Resumo

Introdução: A apneia obstrutiva do sono (AOS) é caracterizada por obstrução das vias aéreas superiores durante o sono e provoca uma série de consequências para o sistema cardiovascular. Estudos mostram associação de apneia obstrutiva do sono com um mau prognóstico em longo prazo após intervenção coronariana e elevação do índice de infarto agudo do miocárdio. Objetivo: Analisar a prevalência de apneia obstrutiva do sono em pacientes no pré-operátorio de cirurgia cardíaca. Métodos: Estudo transversal no qual foi avaliado prevalência de apneia obstrutiva do sono através do Questionário de Berlin e da Escala de Sonolência de Epworth (ESE). Foram incluídos pacientes no período de julho a outubro de 2017, com idade igual ou superior a 18 anos. Resultados: Foram avaliados 40 pacientes, com idade média de 62,35 ± 7,9 anos e a maioria do sexo masculino (72,5%). O procedimento mais prevalente foi à Cirurgia de Revascularização do Miocárdio (CRM) (80%). Foi identificado alto índice de prevalência de AOS em 62,5% dos participantes; 65% dos pacientes não apresentaram índices significativos de sonolência. Conclusão: Com este estudo vimos que pacientes que realizam cirurgia cardíaca, apresentam alta prevalência de AOS, mas não apresentam necessariamente altos índices de sonolência. Percebe-se que entre os pacientes com maior prevalência de AOS existe uma maior prevalência da realização de Cirurgia de Revascularização do Miocárdio (CRM), mostrando a relação direta de doença cardiovascular com AOS.

Palavras-chave: apneia obstrutiva do sono, doenças cardiovasculares, cirurgia cardíaca, questionário de Berlin, escala de sonolência de Epworth.

 

Abstract

Introduction: Obstructive sleep apnea (OSA) is characterized by obstruction of the upper airways during sleep and causes a number of consequences for the cardiovascular system. Studies show an association of obstructive sleep apnea with a poor long-term prognosis after coronary intervention and elevation of the acute myocardial infarction index. Objective: To analyze the prevalence of OSA in patients in the preoperative period of cardiac surgery. Methods: A cross-sectional study evaluating the prevalence of OSA using the Berlin Questionnaire and the Epworth Sleepiness Scale. Patients were included in the period from July to October 2017, aged 18 years or over. Results: A total of 40 patients were evaluated, with a mean age of 62.35 ± 7.9 years and the majority males (72.5%). The most prevalent procedure was coronary artery bypass grafting (80%). A high prevalence rate of OSA was identified in 62.5% of the participants; 65% of the patients did not present significant drowsiness indexes. Conclusion: With this study, we observed that patients who undergo cardiac surgery have a high prevalence of OSA, but do not necessarily present high rates of sleepiness. Among patients with a higher prevalence of OSA, there is a higher prevalence of coronary artery bypass grafting, showing a direct relationship between cardiovascular disease and OSA.

Key-words: obstructive sleep apnea, cardiovascular diseases, cardiac surgery, Berlin questionnaire, Epworth sleepiness scale.

 

Introdução

 

A Apneia Obstrutiva do Sono (AOS) é uma doença caracterizada por episódios recorrentes de obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores durante o sono. Isso ocorre devido a uma redução (hipopneia) ou cessação completa (apneia) das paredes da faringe, associado ao aumento do esforço respiratório causando alterações no sono, determinando episódios de hipóxia e hipercapnia, despertares frequente e anormalidades na troca gasosa [1]. Essas obstruções provocam uma série de consequências para o sistema cardiovascular [2]. As doenças cardiovasculares (DCV) são as principais causas de mortalidade, representando aproximadamente 25% das mortes nos países desenvolvidos, enquanto no Brasil, a aterosclerose é responsável por cerca de 40% das mortes por DCV [3]. Alguns estudos anteriores mostram a associação de AOS com um mau prognóstico em longo prazo após intervenção coronariana e elevação do índice de infarto agudo do miocárdio [4-6]. A prevalência de AOS apontada situa-se em aproximadamente 30% em indivíduos de 20 a 80 anos, com predominância de homens (40,6%) relativamente às mulheres (26,2%) [7].

A AOS é diagnosticada por polissonografia (PSG), um teste que determina o índice de apneia e hipopneia (IAH), calculado por meio da relação entre o número total desses episódios dividido pelo tempo total de sono [8]. Os métodos diagnósticos utilizados na investigação do sono podem tambem ser subjetivos, através da aplicação de questionários específicos, diurnos ou noturnos. Entre esses destacam-se o Questionário de Berlin e a Escala de sonolência de Epworth (ESE) cujos escores superiores  indicam sonolência excessiva [9,10].

Para classificação de gravidade da AOS a Associação Brasileira do Sono [11] descreve o IAH do sono conforme o número de apneias mais número de hiponeias dividido pelo número de horas de sono. Dessa forma, para estratificação da AOS é necessário o exame complementar relacionado ao sono, e a condição pode ser graduada como: SAOS leve IAH ≥ 5 e < 15; SAOS moderada IAH ≥ 15 e < 30; SAOS grave IAH ≥ 30.

Segundo a Associação Brasileira do Sono as manifestações clínicas da AOS são: ronco, sonolência diurna, cefaleia matinal, alterações cognitivas, tosse, sudorese, irritabilidade, apneia presenciada, insônia, boca seca, engasgos, dispneia e impotência. As principais consequências referentes à AOS estão relacionadas ao aumento do risco de morte, risco de acidentes automobilísticos, hipertensão arterial sistêmica (HAS), arritmias cardíacas, doença coronariana isquêmica, acidentes vascular encefálico (AVE), insuficiência cardíaca (IC), alterações da função endotelial, redução da capacidade cognitiva, qualidade do sono e da qualidade de vida [11].

A AOS quando não diagnosticada no seu início, pode levar em longo prazo a complicações cardiovasculares que necessitam de intervenção cirúrgica. Portanto, é importante analisar a prevalência de AOS em pacientes que serão submetidos ao procedimento de cirurgia cardíaca e relacionar o alto índice de prevalência de AOS com o tipo de procedimento cirúrgico realizado.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo transversal no qual foram avaliados pacientes com indicação de cirurgia cardíaca internados na UTI do Hospital São José de Criciúma/SC no período entre julho a outubro de 2017, com idade igual ou superior a 18 anos e que aceitaram participar do estudo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Extremo Sul Catarinense e do Comitê de Ética do Hospital São José (parecer Nº 67905417.9.3001.5364, respectivamente) respeitando os preceitos éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo incluidos pacientes cuja anuência foi expressa por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Para o rastreamento da prevalência de AOS foi aplicado no pré-operatório o Questionário de Berlim, validado para o português por dois médicos especialistas em pneumologia. O questionário inclui 10 itens organizados em três categorias referentes à roncopatia e apneias presenciadas (5 itens), sonolência diurna (4 itens), hipertensão arterial/obesidade (1 item). Foram consideradas de alta prevalência para AOS as categorias 1 e 2 positivas ou quando a soma da pontuação de todos os itens é igual ou superior a 2, e a categoria 3, na presença de HAS e/ou obesidade (índice de massa corporal IMC > 30 kg/m2) [9].

Além disso para avaliar a sonolência excessiva diurna foi utilizado a Escala de Epworth que quantifica a propensão para adormecer durante 8 situações rotineiras. As respostas atingem valores máximos de 24 e mínimos de 0 pontos, sendo 10 o divisor da normalidade [10].

Os dados coletados foram analisados com auxílio do software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. As variáveis qualitativas foram expressas por meio de frequência e porcentagem e as variáveis quantitativas expressas por meio de mediana e amplitude interquartil (com correção de Turkey), média e desvio padrão e média e erro padrão. A distribuição dos dados quanto à normalidade foi avaliada por meio da aplicação dos testes de Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov A comparação da média das variáveis quantitativas dicotômicas foi realizada por meio da aplicação do teste t de Student para amostras dependentes quando observada a distribuição Normal e U de Mann-Whitney quando a variável não seguiu esse tipo de distribuição. Os testes estatísticos foram realizados com um nível de significância α = 0,05 e, portanto, confiança de 95%.

 

Resultados

 

Foram avaliados 40 pacientes no período pré-operatório, compreendendo esses a totalidade de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca no período do estudo. A idade média foi de 62,35 ± 7,9 anos e a maioria do sexo masculino (72,5%). O tipo de procedimento mais prevalente foi à cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) (80%) (tabela I).

 

Tabela I - Dados demográficos e clínicos de pacientes com indicação de cirurgia cardíaca. Criciúma/SC, 2017.

 

CRM = cirurgia de revascularização do miocárdio.

 

Em relação a prevalência de AOS, 62,5% dos pacientes que realizaram cirurgia cardíaca apresentaram alto índice de prevalência de AOS. Contudo 65% não apresentaram índices significativos de sonolência (tabela II).

 

Tabela II - Prevalência de apneia obstrutiva do sono e escala de sonolência em pacientes com indicação de cirurgia cardíaca. Criciúma/SC, 2017.

 

AOS = apneia obstrutiva do sono; Prevalência de acordo com o Questionário de Berlin [9]; ESSE = Escala de sonolência de Epworth: classificação 0-6 = normal; 7-8 = moderado; 9- 24 = alto risco [10].

 

Não houve associação significativa entre prevalência de AOS e sexo, tipo de cirurgia ou escala de sonolência (p ≥ 0,05) (tabela III), contudo elevada frequência de um total de 32 pacientes que realizam CRM, apresentam relação com prevalência de AOS.

 

Tabela IIIPrevalência de AOS e ESE estratificada por sexo em pacientes com indicação de cirurgia cardíaca. Criciúma/SC, 2017.

 

*Valor obtido por meio da aplicação do teste ANOVA; ** Valor obtido por meio da aplicação do teste exato de Fisher; ***Valor obtido por meio da aplicação do teste de razão de verossimilhança; AOS = apneia obstrutiva do sono; Prevalência de AOS de acordo com o Questionário de Berlin [9]; ESSE = Escala de sonolência de Epworth: classificação 0-6 = normal; 7-8 = moderado; 9- 24 = alto risco [10].

 

Discussão

 

Os principais achados deste estudo apresentam alto índice de prevalência de AOS em pacientes com DCV, porem com baixo risco de sonolência diurna, não havendo associação significativa entre o risco de AOS e sexo, tipo de cirurgia e a ESE.

Quanto ao alto índice de prevalência de AOS encontrado, os resultados são amparados por estudos de pesquisadores que acreditam que eventos de apneia e hipopneia repetitivos longitudinalmente, são subsequentes a uma dessaturação arterial e hipercapnia que causam ativação do sistema nervoso simpático. Isso resulta em aumento na pressão arterial sistólica que pode levar a hipertensão ou exacerbação deste quadro. Os mecanismos que explicam as associações entre AOS e DCV, não são inteiramente compreendidos, embora alguns mecanismos sejam propostos. Uma das possíveis explicações é que a pressão intratorácica e o estresse oxidativo com consequente inflamação vascular resultante de hipóxia noturna e os ciclos de reoxigenação possam estar envolvidos [12-14].

A sonolência diurna excessiva é uma queixa frequente que pode ser consequência de diferentes distúrbios ou alterações do sono e é utilizada como medida indireta de sua presença [15,16]. É definida como aumento da propensão em dormir em circunstâncias consideradas inapropriadas [17], com necessidade de cochilar durante o dia [18]. Estudos mostram a associação da sonolência diurna excessiva com os eventos cardiovasculares [15,17,19], resultando em aumento de 33% para o risco de mortalidade.

Com relação aos resultados deste estudo associados com os achados na literatura, podemos analisar que a sonolência excessiva diurna é uma das principais queixas entre os pacientes que buscam clínicas de distúrbios do sono [20]. A ESE é um questionário onde o paciente é instruído a responder o quão provável ele poderia adormecer em algumas situações do cotidiano. Sua precisão dependente da interpretação do paciente, do sexo, variáveis psicológicas, e a percepção subjetiva de cansaço e falta de energia [21]. Sendo assim, é possível inferir que não foram obtidos resultados significativos em relação à ESE devido à interpretação dos pacientes e fatores psicológicos.

 

Conclusão

 

Com este estudo vimos que pacientes que realizam cirurgia cardíaca, apresentam alta prevalência de Apneia Obstrutiva do Sono, mas não apresentam necessariamente altos índices de sonolência. Contudo percebe-se que entre os pacientes com maior prevalência de Apneia Obstrutiva do Sono existe uma maior prevalência da realização de Cirurgia de Revascularização do Miocárdio, mostrando a relação direta de doenças cardiovasculares e Apneia Obstrutiva do Sono.

 

Referências

 

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