REVISÃO

Obesidade abdominal e o sistema respiratório

Abdominal obesity and respiratory system

 

Maycon Rafael Zanoni Jordão, Ft*, Jaqueline Nolasco Ribeiro**, Camila Gimenes**, Bruna Varanda Pessoa**, Maurício Jamami***, Bruno Martinelli****

 

*Aluno do departamento de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), **Departamento de Pós-graduação em Fisioterapia, Universidade do Sagrado Coração, Bauru/SP, ***Departamento de Pós-graduação em Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos/SP, ****Departamento de Pós-graduação em Fisioterapia, Universidade do Sagrado Coração, Bauru/SP, Departamento de Pós-graduação em Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos/SP

 

Recebido em 15 de dezembro de 2017; aceito em 8 de novembro de 2018.

Endereço de correspondência: Maycon Rafael Zanoni Jordão, Rua Fortunato Resta 9-11/122 Vila Giunta 17052-330 Bauru SP, E-mail: maycon_jordao@yahoo.com.br; Jaqueline Nolasco Ribeiro: nolasko_fisio@hotmail.com; Camila Gimenes: professoracamilagimenes@gmail.com; Bruna Varanda Pessoa: brunavpessoa@gmail.com; Maurício Jamami: jamami@gmail.com; Bruno Martinelli: bruno.martinelli@usc.br

 

Resumo

Introdução: A área da pneumologia tem dado importância para a associação da função respiratória com a obesidade. As transformações orgânicas decorrentes da obesidade implicam em alterações dos sistemas respiratório, imunomodulador, metabólico (musculatura esquelética, consumo de oxigênio e produção de gás carbônico) e circulatório. Este trabalho tem por objetivo revisar sobre o tema obesidade abdominal e sistema respiratório. Métodos: Revisão de literatura usando as bases de dados Scielo, Bireme, Pubmed e Scopus tendo como descritores: circulatory and respiratory physiological phenomena; respiratory function tests e abdominal obesity, sem limite para o ano de publicação e idioma. Resultados: A obesidade pode afetar o sistema respiratório independente da condição do parênquima pulmonar. Em indivíduos obesos, o mecanismo de respiração está prejudicado, pois o excesso de adiposidade que reveste o tórax e ocupa o abdome dificulta a ação da musculatura respiratória. A obesidade abdominal não é apenas um fator estético ou metabólico, mas também um fator mecânico que pode comprometer a função da musculatura respiratória e consequentemente a função pulmonar. As alterações na função respiratória mais frequentemente encontradas na obesidade são: redução do volume de reserva expiratório, capacidade vital, capacidade residual funcional e capacidade pulmonar total. Além do impacto mecânico, respiratório e cardiovascular, a obesidade também interfere para o estímulo e controle do sistema nervoso autônomo. Conclusão: A obesidade abdominal está interligada a fatores respiratórios desde o controle central respiratório até limitação dos constituintes respiratórios podendo ocasionar distúrbio respiratório restritivo e obstrutivo.

Palavras-chave: obesidade, sistema respiratório, obesidade abdominal.

 

Abstract

Introduction: The field of pneumology pointed out the association of respiratory function with obesity. The organic changes due to obesity imply changes in the respiratory, immunomodulatory, metabolic (skeletal musculature, oxygen consumption and carbon dioxide production) and circulatory systems. The aim of his study was a review about abdominal obesity and respiratory system. Methods: Literature review using the Scielo, Bireme, Pubmed and Scopus databases, and the following descriptors: circulatory and respiratory physiological phenomena; respiratory function tests and abdominal obesity, no limit to the year of publication and language. Results: Obesity can affect the respiratory system independent of pulmonary parenchyma condition. In obese individuals, the breathing mechanism is impaired, because the excess of fat that lines the chest and occupy the abdomen makes it difficult for the respiratory musculature to function. Abdominal obesity is not only an aesthetic or metabolic factor, but also a mechanical factor that can compromise respiratory muscle function and consequently lung function. The changes in respiratory function most frequently found in obesity are: reduction of expiratory reserve volume, vital capacity, functional residual capacity and total lung capacity. Besides the mechanical, respiratory and cardiovascular impact, obesity also interferes with the stimulation and control of the autonomic nervous system. Conclusion: Abdominal obesity is interrelated to respiratory factors from central respiratory control to limitation of respiratory constituents and can cause restrictive and obstructive respiratory disorder.

Key-words: obesity, respiratory system, abdominal obesity.

 

Introdução

 

A obesidade é definida como uma doença crônica, caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, que ocasiona prejuízos ao indivíduo e pode ser identificada por diversas formas, seja pelo índice de massa corpórea (IMC), altura abdominal, relação cintura/quadril (RCQ), circunferência abdominal (CA) entre outras, além disso, esta condição está diretamente relacionada com alterações do sistema respiratório.

A área da pneumologia tem dado importância para esta condição clínica, tanto que, no ano de 2008, a revista Thorax publicou uma série com cinco artigos explorando este contexto [1]. No primeiro artigo é discutido o impacto da obesidade no âmbito físico e social, e também alerta os profissionais da área da saúde para a relação destas doenças e a necessidade de se ter recursos para o seu tratamento [2]. O segundo artigo discute a apresentação, patogênese, diagnóstico e manejo da apneia obstrutiva do sono, sobreposição e síndromes de hipoventilação no obeso [3]. Em continuidade, o terceiro artigo aborda os principais efeitos, sinais e sintomas da obesidade nos vários sistemas do corpo humano, as complicações crônicas e as ações clínicas imediatas, principalmente àquelas relacionadas ao sistema respiratório [4].

O próximo artigo examina a relação clínica e epidemiológica entre obesidade e asma e os supostos mecanismos que podem ligar estes dois processos em conjunto [5]. Finalizando a série, o quinto artigo centra-se na epidemiologia da obesidade na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e no impacto da massa gorda excessiva sobre a função pulmonar, capacidade de exercício e prognóstico. Há evidências de alterações nas funções do tecido adiposo na obesidade afetando negativamente os mecanismos pulmonares, ademais esta relação deve ser estudada continuamente para reduzir suas complicações e promover melhor qualidade de vida [6].

É possível ainda identificar outras alterações ocasionadas pela obesidade. As transformações orgânicas decorrentes da obesidade implicam em alterações do sistema imunomodulador, do sistema metabólico (musculatura esquelética, consumo de oxigênio e produção de gás carbônico), do fluxo sanguíneo, da hipóxia do tecido adiposo e das ativações inflamatórias constantes. Abrangendo até o movimento torácico, o ritmo respiratório, a permeabilidade das vias aéreas e os músculos respiratórios. Inclusive, a leptina, hormônio produzido pelo tecido adiposo, é relacionada com os padrões do amadurecimento pulmonar, controle respiratório, asma, DPOC e Síndrome da apneia obstrutiva (SAO) [7,8].

Por outro lado, não há consenso quanto aos mecanismos fisiológicos que levam às complicações respiratórias, porém, é sabido que o tecido adiposo é um órgão endócrino e parácrino, que produz grande número de citocinas e mediadores bioativos, gerando, em indivíduos obesos, um estado pró-inflamatório, que está associado ao hipodesenvolvimento pulmonar, atopia, responsividade brônquica, risco aumentado de asma e modificações dos fenótipos para essa doença [9].

Na respiração normal, o diafragma contrai, empurrando o conteúdo abdominal para baixo e para frente, ao mesmo tempo, a contração dos músculos intercostais externos traciona as costelas para cima e para frente. Em indivíduos obesos, esse mecanismo está prejudicado, pois o excesso de adiposidade que reveste o tórax e ocupa o abdome dificulta a ação da musculatura respiratória [9]. Ou seja, o comprometimento da função pulmonar também se dá pelos efeitos mecânicos do tecido adiposo no tronco e também dos seus efeitos metabólicos [2].

Qualquer interferência no fole pulmonar ou na mobilidade da caixa torácica, gerando diminuição dos volumes pulmonares, pode ser considerada uma afecção restritiva. Em pessoas obesas, o excesso de gordura na cavidade abdominal e no tórax limitam os dois principais movimentos inspiratórios: contração diafragmática impulsionando o conteúdo abdominal para baixo e para frente, e aumento do diâmetro torácico por meio da movimentação das costelas [9]. Além disso, a ativação do sistema nervoso também está arrolada a estes elementos. Até a modificação da posição corporal, principalmente a supina, é fator influenciador para o aumento do drive neural respiratório na obesidade [10].

Outro ponto instigante é que as alterações pulmonares são proporcionais ao grau de obesidade. Sobremaneira, a localização da maior concentração de gordura, abdominal ou torácica, compromete tanto a expansibilidade da parede torácica como também oferece maior resistência aos músculos respiratórios (por exemplo: diafragma e intercostais). A carga imposta pela obesidade na ventilação causa dispneia e, eventualmente, insuficiência ventilatória nos casos mais graves [10,11].

Especificamente, quando se analisa a deposição de gordura corporal de forma direcionada pode-se constatar que a obesidade abdominal, ou também referida como central, se comparada à obesidade periférica, promove efeitos deletérios à saúde oferecendo maiores riscos devido à vigorosa lipólise que ocorre nestes tecidos [12]. Os adipócitos dessa região são metabolicamente mais responsivos e se tornam mais propensos a se relacionarem às doenças cardiovasculares [13,14] incluindo a diabetes e a síndrome metabólica (SM). E estas, por sua vez, estão ligadas as doenças respiratórias como a SAO, Síndrome da hipoventilação pela obesidade, asma, entre outras, inclusive limitações funcionais nas atividades de vida diária [15,16].

Na tentativa de aprofundar sobre todo o processo comprometedor que envolve o sistema respiratório na condição de obesidade abdominal e a importância deste tema para a área da fisioterapia respiratória, é que este estudo é proposto.

 

Objetivo

 

Este trabalho tem por objetivo rever os principais achados científicos sobre a obesidade abdominal e suas implicações na função respiratória.

 

Material e métodos

 

Tipo de estudo

 

Estudo descritivo através de revisão de literatura.

 

Estratégia de busca

 

Para compor a seleção das obras, foram adotados os seguintes critérios: artigos científicos disponíveis na versão completa e que continham nomeadamente o descritor obesidade abdominal. Foram excluídos os artigos duplicados ou incompletos. O levantamento das obras se deu nos anos de 2016 e 2017, a partir de buscas a publicações científicas indexadas nas bases de dados: Bireme, Lilacs, Ibecs, Medline, Scopus e Scielo.

Para esta pesquisa foram feitos os cruzamentos dos seguintes descritores da área da saúde (DeCS): Fenômenos Fisiológicos Circulatórios e Respiratórios, Testes de Função Respiratória, Obesidade Abdominal, e suas respectivas versões na língua inglesa (MeSH). Estes descritores foram combinados entre si utilizando os operadores booleanos “and” e “or”; os idiomas foram da língua portuguesa e inglesa, sem limitação para o ano de publicação.

Para esta revisão fizeram parte dois pesquisadores que separadamente fizeram a busca. Inicialmente, esses realizaram a triagem dos títulos relacionados ao tema em questão, ou seja, que abordassem como ideia principal a obesidade abdominal associada ao sistema. Ao final da busca, foram excluídos os artigos duplicados, além dos editoriais e os resumos que não versavam sobre o tema ou que envolviam modelos animais experimentais.

Em seguida, foi feita a leitura detalhada dos resumos dos artigos a fim de selecionar aqueles que abordassem exclusivamente a obesidade abdominal e função respiratória.

Além disso, as referências dos estudos selecionados foram revisadas entre os autores a fim de complementar a pesquisa. Novamente, todas as etapas da busca foram realizadas por dois avaliadores, com a supervisão de outro revisor que por vezes intermediou o processo na tentativa de equalizar o processo de captura e aceitação das obras.

Os resultados serão apresentados de forma descritiva.

 

Resultados e discussão

 

O resultado da busca inicial foi de 1.462.304 artigos e após a primeira seleção restaram 155 artigos. Destes, somente nove estudos englobavam os temas propostos para esta revisão e estes serão apresentados no Quadro 1, o qual apresenta os principais achados encontrados nos estudos.

 

Quadro 1Achados relacionados à associação da obesidade abdominal e função respiratória.

 

CA = circunferência abdominal; CRF = Capacidade Residual Funcional; CVF = Capacidade Vital Forçada; IMC = Índice de Massa Corporal; PEmax = Pressão Expiratória Máxima; PImax = Pressão Inspiratória Máxima; RCQ = Relação Cintura Quadril; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo; VRE = volume de reserva expiratória; Nota: Apresentação das obras feita em ordem cronológica.

 

Ficou explanado até o presente instante que conforme a condição antropométrica, prejuízos ocorrem no sistema respiratório, e isso se dá pela relação direta entre os elementos torácico e abdominal, consequentemente, alterações em um destes ocasionam repercussão simultânea. A obesidade abdominal está inversamente relacionada à CVF e VEF1, e até o presente momento não há identificação consistente sobre alteração da força muscular respiratória.

As alterações na função respiratória mais frequentemente encontradas na obesidade são: redução do volume de reserva expiratório (VRE), capacidade vital (CV), capacidade residual funcional (CRF) e capacidade pulmonar total (CPT) [15,26,27]. Por estes achados supracitados, seria um erro elaborar uma hipótese diagnóstica de que a obesidade está veemente vinculada à condição respiratória obstrutiva ou restritiva. Sua complexidade de ação no sistema respiratório não permite este tipo de comprovação intransigente por parte dos profissionais da saúde. Apesar das alterações respiratórias identificadas no sujeito, um teste de função pulmonar anormal deve ser considerado como que causado por outras causas como a doença pulmonar intrínseca e não pela obesidade [28] e isto deve ser investigado pelo profissional que assiste o sujeito obeso. Ou seja, ao se tratar esta condição clínica, estes profissionais deveriam efetuar uma avaliação ampla, completa e entender que a individualidade de cada caso deve ser levada em consideração.

Além do impacto mecânico, respiratório e cardiovascular, a obesidade também interfere para o estímulo e controle do sistema nervoso autônomo (SNA). Este controla os processos fisiológicos a fim de manter a homeostase, e a modulação simpática está associada à mobilização energética. Por entender que o obeso possui elevação da atividade simpática o que acarreta elevações pressóricas sistêmicas e glicêmicas, além das reduções dos volumes e capacidades pulmonares, é esperado que este grupo de sujeitos tenha propensão às mudanças cardiorrespiratórias tanto em curto, médio e longo prazo [23,24,26]. As respostas cardíacas também são evidentes. Alterações no sistema respiratório podem desencadear ou potencializar comprometimentos cardíacos. Esses fatos são devido a um efeito mecânico direto do tecido adiposo ou ocorrem sistemicamente através de mediadores humorais e ajustes metabólicos que alteram a hemodinâmica cardíaca, bem como a função pulmonar.

Os efeitos funcionais da obesidade estão associados mais em homens que em mulheres, já que a gordura concentrada no peito (androide) pode levar a alterações mais profundas na função pulmonar do que a gordura concentrada nos quadris (ginecoide). Em contraste, outro estudo, que teve um caso-controle crianças envolvidas com e sem doenças metabólicas não encontrou relação entre a função pulmonar e hipertrofia ventricular [29].

Estudos recentes constataram um aumento de 70% na demanda de oxigênio em mulheres obesas dispneicas quando comparadas com o grupo controle de obesos com dificuldade de esforço significativamente menor. A função muscular respiratória apresentou deterioração na obesidade, em um padrão semelhante ao observado em doenças respiratórias crônicas, como a DPOC. A elevada carga de trabalho mecânico da obesidade pode sobrecarregar os músculos respiratórios através de uma combinação de aumento do trabalho de respiração e redução aparente na eficiência muscular respiratória e já é comprovado que a perda de peso pode auxiliar na restauração da musculatura respiratória, diminuindo, assim, a sensação de dispneia [30].

Outro fato importante a ser citado é que a leptina é um hormônio derivado do tecido adiposo que sinaliza a saciedade e reduz o apetite. No indivíduo obeso, os níveis de leptina se encontram elevados, indicando que há um grau de resistência a ela. Tais elevações podem prejudicar a resposta à hipercapnia, levando a uma possivel acidose relacionada à apneia e subsequente comprometimento da resposta excitante [3].

Um recente estudo mostrou que resultados de espirometria em adultos jovens expressados como "idade pulmonar" dão uma mensagem clara de que o aumento da idade pulmonar está diretamente ligado com a obesidade e isso indica que os pulmões estão sofrendo uma deterioração gradual e que tal fato, pode diminuir ou regredir se forem tomadas as medidas adequadas reduzindo a obesidade [25].

Segundo uma pesquisa realizada com crianças, concluiu-se que elas também podem sofrer alterações de acordo com a sua taxa de gordura corporal e com sua circunferência abdominal. Nesse estudo, no o que diz respeito à função pulmonar, os meninos do grupo de crianças com obesidade apresentaram porcentagens significativamente menores de VEF1 previsto (93,76 ± 9,78) em relação aos meninos na faixa de peso ideal (99,87 ± 9,72). As características antropométricas e a composição corporal podem ser fatores de predição da função pulmonar alterada, especialmente CVF e VEF1, que foram principalmente influenciados pela porcentagem de gordura corporal e o último dos quais também foi influenciado pela circunferência da cintura [24].

Diante do exposto, compreender que a obesidade não é apenas um fator meramente estético, mas também tem envolvimento com a função pulmonar tem extrema importância para os profissionais que lidam com esta situação e a qual tende a aumentar com o passar dos anos e precisará de novas abordagens e estratégias para evitar esta condição física e/ou amenizar as suas repercussões negativas.

 

Conclusão

 

A obesidade vista de uma forma ampla é prejudicial, pois acomete os sistemas osteomioarticular, endócrino e respiratório e, especificamente, a obesidade abdominal está interligada a fatores respiratórios desde o controle central respiratório até limitação dos constituintes respiratórios podendo ocasionar distúrbio respiratório restritivo e obstrutivo.

 

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