ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da independência funcional em pacientes críticos até 90 dias após alta da UTI

Evaluation of functional independence in critical patients up to 90 days after ICU

 

Nayara Teixeira Peres, Ft.*, Isabella Diniz Faria, Ft., M.Sc.**, Ana Paula Azeredo Teixeira, Ft.***, Renato Ramos Coelho, Ft., D.Sc.****

 

*Especializada em Fisioterapia em Urgência e Trauma com ênfase em Fisioterapia Respiratória e Terapia Intensiva, **Servidora da Prefeitura Municipal de Contagem e Hospital das Clinicas da UFMG, Minas Gerais, ***Especialista em Fisioterapia Respiratória e Terapia Intensiva Adulto, servidora da Prefeitura Municipal de Contagem e Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, ****Servidor da Prefeitura Municipal de Contagem e Filiado ao Laboratório de Biociência da Motricidade Humana (LABIMH-UNT)- Minas Gerais

 

Recebido 28 de dezembro de 2017; aceito 15 de fevereiro de 2018.

Endereço para correspondência: Isabella Diniz Faria, Rua Garcia Rodrigues, 376. Jardim Industrial 32215-090 Contagem MG, E-mail: isabelladinizfaria@yahoo.com.br; Nayara Teixeira Peres: nayaratperes@gmail.com; Ana Paula Azeredo Teixeira: paulaateixeira@hotmail.com; Renato Ramos Coelho: renatorcoelho@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Durante a internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), muitos pacientes desenvolvem fraqueza muscular generalizada, prejudicando a funcionalidade. O objetivo do estudo foi avaliar o impacto do processo de internação na independência funcional de pacientes internados em UTI. Métodos: Estudo longitudinal prospectivo, realizado no período de junho a setembro de 2014, em um hospital público. Incluiu-se patientes que permaneceram mais que 48 horas em ventilação mecânica. Foi avaliada a independência funcional por meio do índice de Barthel no momento da alta da UTI, 30, 60 e 90 dias após esse período. Resultados: Foram incluídos 25 pacientes no estudo, com média de idade de 53 ±18,4 anos. Encontrou-se um declínio significativo da capacidade funcional imediatamente após a alta do setor (p < 0,05), e nos 30 dias consecutivos (p < 0,05) avaliados pelo índice de Barthel. A locomoção e a capacidade de subir e descer escadas permaneceram alteradas mesmo após 90 dias da alta da UTI (ambas p < 0,05). As atividades rotineiras, vestir, uso do banheiro e transferência retornaram ao valor basal após 60 dias. Conclusão: O processo de internação em UTI traz prejuízos funcionais aos indivíduos após a alta da UTI, podendo persistir em até 90 dias pós-alta.

Palavras-chave: fisioterapia, atividades cotidianas, terapia intensiva, ventilação mecânica.

 

Abstract

Objective: During hospitalization in the Intensive Care Unit (ICU), many patients develop generalized muscle weakness, impairing functionality. The objective of this study was to evaluate the impact of the hospitalization process on the functional independence of patients admitted at the ICU. Methods: Prospective longitudinal study, performed in the period from June to September 2014, in a public hospital. Patients who remained more than 48 hours in mechanical ventilation were included. Functional independence was assessed by means of the Barthel Index at the time of ICU discharge, and 30, 60 and 90 days after this period. Results: Twenty-five patients were included in the study, mean age 53 ± 18.4 years. There was a significant decline in functional capacity immediately after the discharge of the sector (p < 0.05), and in the 30 consecutive days (p < 0.05) evaluated by the Barthel Index. Locomotion and the ability to go up and down stairs remained altered even after 90 days after discharge from the ICU (both p < 0.05). Routine activities, dressing, bathroom use and transfer returned to baseline after 60 days. Conclusion: The process of ICU admission brings functional impairment to patients after discharge from the ICU, and may persist within 90 days post-discharge.

Key-words: physical therapy, daily activities, intensive care, mechanical ventilation.

 

Introdução

 

A capacidade funcional é um importante componente de independência caracterizado pela capacidade do indivíduo realizar atividades de vida diária (AVD), que incluem o comer, vestir, tomar banho, locomover, utilizar o toalete, e atividades instrumentais de vida diária, tais como comprar mantimentos, preparar a refeição, realizar trabalho doméstico, entre outros. Esses são parâmetros que podem estar alterados durante o período de internação hospitalar [1].

A deterioração funcional durante o processo de hospitalização na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pode ser em decorrência da falta de mobilidade, ventilação mecânica invasiva (VMI) prolongada, efeitos adversos da medicação e alimentação diferenciada. Todos esses fatores podem resultar em fraqueza ou fadiga generalizada, anemia, carências nutricionais, descondicionamento muscular e comprometimento neurológico como polineuromiopatia, além de disfunções de outros órgãos e sistemas como o respiratório, cardiovascular e nervoso central [2,3].

Como alternativa de prevenção e tratamento do déficit funcional, a Fisioterapia tem sido defendida através de programas de mobilização precoce do doente crítico. E para a detecção desses déficits muitos estudos estão utilizando de medidas de avaliação da funcionalidade [1,4]. Segundo Cunha [5], as escalas mais usadas são o Índice de Barthel (IB), a Medida de Independência funcional (MIF) e o Índice de Katz.

No presente estudo, optou-se por utilizar o IB, que é um instrumento utilizado mundialmente para avaliação da independência funcional do indivíduo [6] em relação a dez dimensões: alimentação, banho, atividades rotineiras, capacidade de vestir-se, continência fecal, continência urinária, uso do toilet, transferência (cama-cadeira/cadeira-cama), mobilidade e subir escadas. Atualmente, o IB é amplamente utilizado no contexto hospitalar, sendo que vários autores o consideram o instrumento mais adequado para avaliar a capacidade para a realização das AVD [7,8].

O objetivo desse estudo foi avaliar a independência funcional através do IB pré-internação hospitalar e compará-la às medidas obtidas após a alta imediata da UTI, 30, 60 e 90 dias da alta. Atualmente, existem poucos estudos na literatura que avaliam esses desfechos em médio prazo, sendo de extrema importância uma melhor compreensão do prejuízo funcional decorrente do processo de hospitalização, para possibilitar dessa forma, a definição de estratégias mais específicas e individualizadas para os pacientes que recebem alta das UTI.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo observacional, analítico, do tipo longitudinal prospectivo, realizado em um Hospital da região metropolitana de Belo Horizonte/MG, aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do Hospital Sofia Feldman, parecer 20/2014, CAAE: 30531114400005132, submetido via Plataforma Brasil.

No período de junho a setembro de 2014, foram avaliados pacientes que receberam alta da UTI, preencheram os critérios de inclusão e aceitaram o convite para participar da pesquisa.

Foram incluídos pacientes internados na UTI, de ambos os gêneros, com idade igual ou superior a 18 anos; em VMI por mais de 48 horas, que receberam assistência fisioterapêutica nessa unidade e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos pacientes que possuíam qualquer tipo de limitação funcional prévia, por questões neurológicas e/ou diagnóstico pré-existente de doença neuromuscular.

Todos os pacientes foram submetidos ao tratamento fisioterapêutico respiratório e motor de acordo com a rotina do serviço. No primeiro dia após alta da UTI, na unidade de internação foi preenchida uma ficha de avaliação, sendo coletados os dados de identificação, diagnóstico clínico, tempo de internação na UTI e hospitalar, tempo em VMI, presença de sepse e úlcera por pressão, extubação, reintubação, data do óbito e/ou alta hospitalar.

Nesse momento, como instrumento para avaliação da independência funcional foi utilizado o índice de Barthel (IB), cuja pontuação final é dada pela soma dos pontos de cada item, variando de zero a 100, sendo classificado da seguinte forma: IB maior que 90 - mínima ou nenhuma deficiência, IB entre 55 a 90 - incapacidade moderada e IB menor que 55 - deficiência grave [9].

Os pacientes foram avaliados com o IB imediatamente após a alta da UTI, sendo realizadas nesse momento duas avaliações, uma retrospectiva, visando inferir capacidade funcional do paciente 30 dias anteriores à internação e uma prospectiva logo após a alta da UTI. Cada paciente foi novamente avaliado com 30, 60 e 90 dias após alta da UTI. Nos casos em que o paciente recebeu alta hospitalar, a avaliação foi realizada por meio de inquérito telefônico. Nos casos em que o paciente era incapaz de falar, em algumas dessas etapas, fez-se a entrevista com o acompanhante ou responsável. Tais avaliações foram realizadas sempre pelo mesmo pesquisador e após a alta hospitalar os pacientes não foram mais submetidos à fisioterapia.

A pesquisa apresentada foi viável, com baixos custos financeiros para o hospital, pacientes, acompanhantes e pesquisadores, e não apresentou nenhum risco ao paciente, muito menos prejuízo ou interferência em seu tratamento.

 

Análise estatística

 

Os dados foram analisados utilizando-se o software estatístico IBM-SPSS, versão 20.0. Todas as variáveis do estudo passaram pelo teste de Kolmogorov-Smirnov para observação da normalidade das distribuições. Como a distribuição das variáveis Idade, Tempo de Internação e IB no momento da alta não apresentaram distribuição normal, optou-se por uma estatística não paramétrica, com os Testes de Wilcoxon e Rô de Spearman

A análise do IB considerou cada uma das médias obtidas em cada um dos domínios, comparadas em pares, sendo o valor do baseline (período pré-internação) considerado a referência. Sendo assim, o valor do baseline foi comparado com os períodos pós-alta imediato, 30, 60 e 90 dias pós-alta da UTI. 

O teste Rô de Spearman foi realizado para verificar a correlação entre as variáveis tempo de VM, tempo total de internação, óbitos, reintubações, extubações, traqueostomia (TQT), decanulação, sepse e idade, relacionando-as entre si e com os IB em cada fase. Um valor P bicaudal < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Considerou-se a importância do Rô de Spearman obtido de acordo com a classificação obtida em Fermanian [10]: coeficiente de correlação menor ou igual a 0,30-bem fraca; 0,31 a 0,50- fraca; 0,51 a 0,70- moderada; 0,71 a 0,90- forte; 0,91 a 1,0-muito forte.

 

Resultados

 

Durante o período pesquisado, 45 pacientes tiveram alta da UTI, sendo incluídos no estudo 25 e excluídos 20. Destes vinte, onze foram excluídos devido acometimento neurológico, sete por permanecerem menos que 48 horas em VMI, um por não necessitar de VMI e um devido a procedimento de amputação do segundo e terceiro artelhos (Figura 1). Desses 25 pacientes incluídos, cinco foram a óbito e dois não foram avaliados até 90 dias, pois evadiram da pesquisa. Assim, para efeito de cálculos estatísticos, o N foi de 25 pré-internação e após a alta imediata da UTI, de 22 para o IB de 30 dias, 19 para o IB de 60 dias e 18 para o IB de 90 dias. As características dos pacientes selecionados para o estudo foram descritas na Tabela I

 

Tabela ICaracterísticas dos pacientes incluídos no estudo.

 

VM = Ventilação mecânica, UTI = Unidade de Terapia Intensiva; Resultados expressos em número (%) e média ± desvio padrão.

 

Na figura 1, são demonstrados os valores totais do IB durante os períodos pré-internação hospitalar, imediatamente após alta da UTI, 30, 60 e 90 dias após alta da UTI. A análise estatística foi realizada incluindo-se os pacientes que evoluíram para óbito. Observou-se que a independência funcional imediatamente após a alta da UTI teve uma diminuição significativa, apresentando menor escore no IB. Observou-se uma melhora progressiva da independência funcional, com o passar do tempo, porém, com 90 dias após a alta da UTI, os indivíduos não conseguiram recuperar a capacidade funcional apresentada previamente à internação.

 

 

Figura 1 - Comportamento da funcionalidade mensurada pelo Escore Barthel durante o follow up (média,DP). 1 - Pré-internação hospitalar; 2 - Imediatamente após alta da UTI; 3 - 30dias após alta da UTI; 4 - 60 dias pós alta da UTI; 5 - 90 dias pós alta da UTI.

 

A tabela II apresenta os dados sobre independência funcional dos indivíduos participantes do estudo, em cada um dos domínios do IB.

 

Tabela II - Representação dos resultados por domínios da Escala de Barthel. Os valores apresentados foram comparados individualmente aos valores de Barthel pré-internação. Considera-se um valor de p<0,05* significativo.

 

 

Durante a realização do estudo, cinco pacientes evoluíram a óbito: dois apresentaram IB menor que 90 antes da internação, demonstrando incapacidade moderada e os outros três apresentaram incapacidade grave com IB menor que 55.

Anteriormente à internação, 92% dos pacientes apresentavam IB maior que 90 indicando nenhuma ou mínima deficiência, enquanto apenas 8% apresentavam incapacidade moderada (IB entre 55 a 90).

Após a alta imediata da UTI, 16% dos indivíduos apresentaram nenhuma ou mínima deficiência, 28% incapacidade moderada e 56% deficiência grave. Desses 16%, 50% conseguiram retornar ao nível basal logo após alta da UTI, que pode ser devido a terem ficado sete dias em média na VMI, 11,5 dias no CTI e ter média de idade de 30 anos. Os pacientes que apresentaram IB menor que 55 tinham média de idade 62,92 anos e permaneceram por 30,2 dias em VMI, com cerca de 39,7 dias de internação na UTI.

Após 30 dias da alta da UTI, 44% dos pacientes não apresentaram nenhuma deficiência retornando ao nível basal pré-internação, 24% apresentaram incapacidade moderada e 20% deficiência grave, sendo que 12% dos pacientes morreram nesse período. Desses que foram a óbito, um deles apresentou incapacidade moderada pré-internação e todos os outros apresentaram deficiência grave.

Após 60 dias da alta da UTI, 63,63% dos pacientes não apresentaram nenhuma deficiência, retornando ao nível basal pré-internação, 22,72% apresentou incapacidade moderada e 4,55% foram a óbito, sendo que esses óbitos obtiveram deficiência grave (IB menor que 55 pontos). Nesse período houve 9,10% de perda, quando não foi possível comunicação com um paciente por telefone e o outro por ter retornado a UTI.

Após 90 dias da alta da UTI, 73,69% dos pacientes apresentaram IB maior que 90, retornaram ao nível funcional pré-internação; 21,05% demonstraram incapacidade moderada e 5,26% foram óbitos, que já apresentavam deficiência moderada pré-internação.

Observou-se através da correlação de Spearman que quanto mais tempo o paciente permanece em VMI maior é o risco de desenvolver sepse (correlação moderada- 0,57), consequentemente aumenta-se o tempo de permanência na UTI (correlação muito forte- 0,93) e hospitalar (correlação moderada- 0,56). E quanto maior o tempo em VMI e/ou na UTI maior será o tempo de internação hospitalar, correlações de 0,83 e 0,86, respectivamente, ambas as correlações fortes.

 

Discussão

 

Nesse estudo foi possível observar que os pacientes que foram submetidos à VMI por no mínimo 48 horas durante a internação na UTI apresentaram um declínio significativo da independência funcional imediatamente após a alta do setor (p<0,05), e nos 30 dias consecutivos à alta da UTI (p < 0,05) avaliados pelo IB. Observou-se que quanto mais dias o paciente permanece na VMI, aumenta-se o risco de desenvolver sepse, permanecendo mais tempo na UTI, e, consequentemente aumentando o tempo de internação hospitalar. Ou seja, aqueles pacientes que permaneceram por mais tempo em VMI e/ou internados na UTI, apresentaram maior tempo de internação hospitalar, e obtiveram um menor IB após a alta da UTI. Esse declínio da funcionalidade após a alta da UTI pode estar relacionado à ocorrência de sepse na fase aguda da internação, pois, a mesma se associa a disfunções orgânicas [11], sendo um fator de risco para o desenvolvimento de polineuropatia do paciente crítico, com consequente fraqueza muscular, isso dificulta a obtenção de autonomia respiratória e funcional, quando comparado a pacientes sem sepse, além de resultar em maior período de intubação orotraqueal e internação hospitalar [12].

Martinez et al. [13] também observou que aqueles pacientes que permaneceram por mais de 48 horas na UTI tiveram um declínio maior da independência funcional (MIF 48,3 X 66,8) quando comparado aos que permaneceram por menos de 48 horas. Isso, provavelmente, se deve ao fato de que o paciente na UTI fica muitas vezes restrito ao leito, devido à necessidade de sedativos, bloqueadores musculares, presença do tubo orotraqueal e drenos. Essa inatividade e imobilidade prolongadas resultam em perda de força e resistência muscular, além de diminuição do equilíbrio e da coordenação neuromuscular, podendo levar ao total comprometimento funcional e prejuízo da qualidade de vida [9].

No presente estudo, os pacientes mais jovens foram os que tiveram maior IB imediatamente após a alta da UTI, e melhor recuperação após 30 e 60 dias. Observou-se, portanto, que a idade influenciou diretamente no IB. De acordo com Cunha et al. [5], os fatores que predispõem os idosos à perda da capacidade funcional são: comprometimento funcional prévio a admissão, déficit cognitivo, múltiplas comorbidades, idade avançada, mobilidade reduzida e instabilidade postural. Esses resultados podem sugerir a necessidade de maior atenção ao cuidado e à reabilitação dos pacientes idosos, pois, apresentam taxas de internação hospitalar mais elevadas que das outras faixas etárias, assim como maior tempo de permanência hospitalar e uma recuperação mais lenta e complicada, e são mais propensos a desenvolverem novos déficits durante a internação [5].

Foi observado que os pacientes começaram apresentar melhora da capacidade funcional após 30 dias da alta da UTI. Porém, mesmo após 90 dias não foram suficientes para retornar aos IB pré-internação. Sacanella et al. [8] que também utilizou o IB, observou que a recuperação funcional máxima foi conseguida nos primeiros três a 6 meses após a alta da UTI. Porém, não houve uma melhora adicional nos seis meses seguintes, não sendo alcançado o IB pré-admissional. Esses resultados corroboram com os achados de Van der Schaff et al. [14], que observou um grupo de 116 pacientes em VMI por no mínimo 48 horas, avaliados pelo IB, notou que 1 ano após a alta hospitalar, 69% dos pacientes ainda tinham restrições em suas AVD e que apenas 50% retornaram ao trabalho.

Adicionalmente, a permanência da redução da capacidade funcional após a alta da UTI caracterizada pelo IB pode aumentar o risco de mortalidade do indivíduo. Ficou evidente que, quanto menor a pontuação antes da internação hospitalar e após 30 dias da alta da UTI, maior a chance do paciente evoluir para óbito, sendo que 80% dos pacientes que faleceram apresentavam IB menor que 55 após a alta da UTI e 40% apresentavam IB inferior ou igual a 90 no período pré-internação. Sacanella et al. [8], observou que apenas 48,7% dos pacientes estavam vivos após 12 meses da alta hospitalar, e assim como nesse estudo, os pacientes que evoluíram favoravelmente foram aqueles que apresentavam IB maior ou igual a 60. Outro fator que influenciou diretamente a mortalidade foi o tempo de internação na UTI, provavelmente porque o paciente fica mais susceptível a infecções, reinfecções, pneumonia associadas à VMI, uso prolongado da VMI, alteração na condição nutricional, inatividade no leito e síndromes neuromusculares associadas ao paciente crítico [15].

No presente estudo, os 21,05% pacientes que não conseguiram retornar ao IB basal após 90 dias da alta da UTI, foram aqueles com maior média de idade 69,5 anos. Entretanto, outros fatores que podem ter influenciado nesse resultado foram o maior tempo de permanência em VMI (média de 32 dias), na UTI (42 dias) e em internação hospitalar (85,5 dias), em contrapartida os pacientes com IB maior que 90, apresentaram idade média de 44,9 anos, 9,3 dias em VMI, 13,71 dias na UTI e 29,2 dias de internação hospitalar. O tempo em VMI influenciou diretamente o IB após a alta da UTI e 30 dias após a alta. Aqueles pacientes que também permaneceram por mais tempo internados na UTI e no ambiente hospitalar tiveram menor IB após a alta imediata da UTI, 30, 60 e 90 dias.

Segundo Cox et al. [16], a perda funcional durante a internação é agravada quando se necessita de VMI. Isso ocorre pelo fato de que a VMI pode acarretar complicações sistêmicas, como alterações na mecânica pulmonar, muscular, de múltiplos órgãos, causando grande morbidade a esses pacientes. Van der Schaaf et al. [17], observou que na primeira semana após a alta da UTI, a maioria dos pacientes apresentavam deficiências funcionais importantes para as AVD, sendo mais graves em doentes que permaneceram em VMI por um longo período de tempo. Ao serem avaliados pelo IB, 67% desses pacientes mostravam-se severamente dependentes, 15% moderadamente dependentes e 9% ligeiramente dependentes.

Uma ferramenta que temos para reverter esse quadro, é a adoção de um protocolo de mobilização sistemático e precoce que segundo Gosselink et al. [18] é a base para a recuperação funcional. Chen et al. [7], avaliou o efeito do exercício físi18co sobre o estado funcional em pacientes que permaneceram em VMI por 14 dias. Ao aplicarem um programa de treinamento físico por 6 semanas no grupo experimental, observou-se ganho de força muscular periférica em membros superiores e inferiores, diminuição do tempo de desmame, melhora da capacidade funcional avaliada pela MIF e pelo IB. Além disso, 53% dos pacientes do grupo experimental que eram incapazes de andar recuperaram essa capacidade após o treinamento. E com relação ao desmame, 47% do grupo experimental e 20% do grupo controle conseguiram ficar fora da VMI por pelo menos 12 horas. Além disso, a mobilização precoce ajuda a reduzir os custos hospitalares, descondicionamento físico, previne as úlceras por pressão e outros efeitos da imobilidade como fraqueza persistente, fadiga e dificuldade de mobilização [18].

O grande achado desse estudo foi que, mesmo após 90 dias da alta da UTI, a mobilidade e a capacidade de subir e descer escadas permaneceram acometidas. Segundo Van der Schaff et al. [14] as limitações para as AVD, principalmente a deambulação, pode permanecer por até um ano após a alta hospitalar. Essas limitações podem ocorrer devido à redução da força muscular periférica e alterações na flexibilidade articular e, consequente, diminuição da amplitude de movimento articular, podendo estar relacionadas com a diminuição da mobilidade ou restrição ao leito durante o processo de internação hospitalar [19].

Curzel et al. [1] observou que, a menor pontuação na escala de MIF tanto no momento da alta da UTI quanto 30 dias após, foi na variável locomoção. Isso também foi observado no estudo de Garcia et al. [2], sendo os domínios mais acometidos, segundo a MIF, a mobilidade e a locomoção, e que só começaram a recuperar a partir do sexagésimo dia após a alta da UTI. No estudo de Faria et al. [4], 70% dos pacientes não foram capazes de deambular após a alta da UTI. Segundo Martinez et al. [13], o tempo de internação é o principal responsável por comprometer principalmente os domínios de transferências e locomoção.

Outra variável que apresentou alteração foi a alimentação, provavelmente, devido à presença de sondas nasogátricas, principalmente durante a estadia na UTI, e necessidade de dieta modificada após 30 dias da alta. A alimentação após 30 dias foi influenciada diretamente pelo tempo de internação hospitalar, provavelmente, devido a esses fatores. O que se observou no estudo foi que, após 60 dias, o paciente retornou à alimentação via oral.

As variáveis que são consideradas AVD (como atividades rotineiras, vestir-se, sistema urinário, uso do toilet e transferência) foram recuperadas com 60 dias após a alta da UTI. Semelhante ao que ocorreu no estudo de Garcia [2], que verificou que as tarefas da MIF como autocuidado, controle de urina e transferência, tiveram recuperação apenas no sexagésimo dia após a alta da UTI.

O tempo de permanência na VMI, na UTI e o tempo de internação hospitalar foram os principais responsáveis pelo baixo escore das variáveis de atividades rotineiras, controle urinário, utilização do banheiro e transferência alta (30 dias após alta). Esses achados vão ao encontro do estudo de Curzel et al. [1], que também observou que o tempo de internação na UTI e na VMI contribuem para a inabilidade de tarefas como higiene pessoal e alimentação, sendo o autocuidado tanto no momento da alta quanto 30 dias após a mesma, o que apresentou menor prejuízo funcional comparando com a locomoção.

Martinez et al. [13], também relatou diminuição dos domínios das tarefas da MIF, como o autocuidado, controle dos esfíncteres, locomoção e transferência, sendo essa última, a que apresentou maior perda funcional. Segundo Menezes et al. [20], as transferências são geralmente afetadas, já que necessitam de força muscular principalmente dos membros inferiores, e no caso de imobilidade, esses são os músculos mais significativamente acometidos.

Em estudo sobre a avaliação da variação da força muscular periférica e a funcionalidade em pacientes hospitalizados, Calles et al. [21] encontrou que a média geral do Medical Research Council (MRC) foi reduzida no momento da alta, porem a força muscular periférica não sofreu alterações significativas. Já o item funcionalidade, analisado por meio do Índice de Barthel, apresentou diminuição significativa no domínio “atividades rotineiras”, como higiene pessoal, cuidados com o rosto e cabelo. O estudo demonstrou também que ocorreu uma redução da funcionalidade apresentada pelos pacientes no momento da alta.

Como limitação encontrada nesse estudo esteve a dificuldade na seleção de uma amostra maior, devido ao fato de muitos pacientes terem permanecido por tempo inferior a 48 horas na VMI, muitas internações ocorrerem por causas neurológicas e devido à presença de acometimento neurológico ou ortopédico prévio. E, por se tratar de um hospital referência para vários municípios, pacientes muito graves são assistidos, os quais, muitas vezes, evoluem desfavoravelmente.

 

Conclusão

 

Esse estudo demonstrou o importante impacto que o processo de internação acarreta na capacidade funcional dos indivíduos logo após alta da UTI, com recuperação da independência funcional a partir do trigésimo dia após a alta da UTI para as variáveis; atividades rotineiras, vestir-se, sistema urinário, uso do toilet e transferência, com exceção da locomoção e da capacidade de subir e descer escadas que permaneceram alteradas mesmo após 90 dias da alta da UTI. Foi observado que o tempo de permanência na VMI, na UTI e de internação hospitalar influenciaram diretamente no índice de Barthel após alta da UTI e que os pacientes que tiveram maior declínio da capacidade funcional e menor recuperação foram os indivíduos idosos. Com base nesses dados, fica claro a necessidade de utilizar uma escala para avaliar a independência funcional e a importância da mobilização precoce para prevenir os efeitos deletérios da internação.

 

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