ARTIGO
ORIGINAL
Aplicação
da classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde em
Unidade de Terapia Intensiva Cardiotorácica
Application of the international classification of functioning, disability
and health in Cardiothoracic Intensive Care Unit
Bárbara Nívia de O.
Silva*, Raiane Carozo de Souza*, Tiago Pinheiro Vaz de Carvalho, M.Sc.**, Mauricio Lima Poderoso Neto**, Leonardo Yung dos
Santos Maciel, M.Sc.**, Patricia Farias Sá Espinheira, D.Sc.**, Vitor Oliveira
Carvalho, D.Sc.***, Jader Pereira de Farias Neto, D.Sc.***
*Alunos
de Pós-Graduação da Faculdade Inspirar, Salvador/BA,
**Professor da Faculdade Estácio de Sergipe – Estácio Fase, ***Professor do
Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de Sergipe
Recebido em 20 de
junho de 2015; aceito em 15 de julho 2015.
Endereço
para correspondência:
Leonardo Yung dos Santos Maciel, Cidade Universitária
Prof. José Aloísio de Campos, Av. Marechal Rondon, s/n Jardim Rosa Elze 49100-000
São Cristóvão SE, E-mail: yung_maciel@hotmail.com
Resumo
Objetivos: Codificar, através
da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), o estado de saúde dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) cardiotorácica e
comparar a codificação da mobilidade destes na admissão e na alta da unidade. Métodos: Foi realizado um estudo
observacional longitudinal descritivo, na UTI Cardiotorácica adulta, no segundo
dia de internação e no dia da alta. Os dados foram coletados por meio de uma
ficha de internação e de um checklist cardiológico da CIF. Resultados: Amostra composta por 43 pacientes, idade média de 50,58
± 17,24 anos, com internação média de 3,42 ± 4,24 dias. Na codificação
relacionada a transferência e locomoção, feita na avaliação
e alta, observou-se resultados estatisticamente significantes (p < 0,001)
para todas as variáveis analisadas. Conclusão:
A CIF demonstrou grande capacidade de padronizar a linguagem entre os
profissionais na UTI além de quantificar a evolução dos pacientes.
Palavras-chave: Classificação
Internacional de Funcionalidade, incapacidade e saúde, limitação da mobilidade,
disfunções cardíacas.
Abstract
Objectives: To codify, using the International Classification of Functioning
(ICF), the health status of patients hospitalized in the Cardiothoracic
Intensive Care Unit (ICU) and compare the encoding of these mobility at
admission and at discharge from the unit. Methods:
A descriptive longitudinal study was performed in adult Cardiothoracic ICU on
the second day of admission and day of discharge. Data were collected through a
hospitalization form and a cardiology checklist of CIF. Results: A sample of 43 patients, 50.58 ± 17.24 years old, with an
average hospital stay of 3.42 ± 4.24 days. We noticed that, in coding related
to transfer and locomotion, made in the assessment and discharge, there was a
statistically significant result (p < 0.001) for all variables. Conclusion: The ICF has shown great
ability to standardize the language among professionals in the ICU as well as
quantify the evolution of intensive care unit patients.
Key-words:
International Classification of Functioning, disability and health, mobility
limitation, heart disorders.
A plena reabilitação
de um paciente necessita de intervenções terapêuticas e técnicas capazes de
promover a recuperação e preservação da funcionalidade. O profissional da saúde
se depara com situações e condições patológicas que o obriga a refletir e atuar
de forma sistematizada, global e interativa de modo a minimizar e ou reverter o
processo decorrente da maior sobrevida e permanência prolongada no leito [1-2].
A classificação
internacional de funcionalidade (CIF) foi elaborada com a finalidade de
registrar e organizar uma ampla gama de informações relacionadas a diferentes
estados de saúde [3]. Sua utilização possibilita a coleta de dados vitais de um
modo consistente e comparável internacionalmente, favorecendo um sistema para a
codificação de amplas informações sobre a saúde de maneira padronizada entre
várias disciplinas e ciências [4-6].
Esta é uma
classificação de referência da Organização Mundial de Saúde, traduzida e
validada para o português [7] e embasada no Brasil pela aprovação da Política
Nacional de Saúde Funcional na 13ª Conferência Nacional de Saúde, pela
Resolução Nº 452/2012 do Conselho Nacional de Saúde, por portarias municipais
de implantação da PMSF, por diretrizes de cuidado com a pessoa com deficiencia,
além de resoluções de conselhos federais garantindo a necessidade de sua utilização
profissional [8].
O sistema de
classificação da CIF é dividido em cinco componentes: função corporal,
estrutura do corpo, atividade e participação social e ambiente. A função
corporal e a estrutura do corpo relacionam-se a deficiência ou a doença, a
atividade e participação retratam a incapacidade e os fatores ambientais
registram o impacto do ambiente sobre a incapacidade, quantificando os fatores
positivos e negativos [3,11].
A CIF tem um papel
inovador, pois permite a mensuração de fatores de risco e determinantes
relacionados à saúde da população [7], e considerada como uma ferramenta
promissora e de uso interdisciplinar. Os códigos da CIF requerem o uso de
qualificadores que indicam a magnitude do nível de saúde ou a gravidade do
problema. A utilização de qualquer código deve vir acompanhada de, pelo menos,
um qualificador [3-4].
A categorização do
estado de saúde do sujeito na CIF é composta por um sistema alfanumérico de
codificação formado por uma letra (b, s, d, e - relacionados aos cinco
componentes de funções, estrutura, atividade e participação e ambiente) e cinco
números. O primeiro número na sequência representará o capítulo correspondente,
os demais números antes do qualificador especificarão a categoria com
informações como força ou tônus, estrutura ou interferencia ambiental e a
codificação termina com os qualificadores, localizados após o ponto, os quais
determinarão a severidade ou detalhes como localização ou natureza da lesão a
depender do componente a ser classificado. Abaixo, segue quadro 1 exemplificando a classificação.
Quadro
1 - Exemplo de classificação do componente de
função do corpo.
Apesar da CIF ter seu
uso recomendado aos países membros da OMS e seu estudo interdisciplinar estar
sendo investigado em todo o mundo [8], o número de estudos demonstrando sua
aplicabilidade na prática ainda é muito pequeno. Por isso, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) sugere a utilização de listas resumidas (checklists) facilitando seu uso [9-10].
No contexto da fisioterapia, a classificação tem a capacidade de dar
visibilidade aos resultados das intervenções cinético funcionais.
Sujeitos internados
numa unidade de terapia intensiva (UTI) cardiotorácica apresentam alterações
estruturais e de função que, apesar de serem diagnosticadas, não são
classificadas com reprodutibilidade e nem inseridas em sistemas de informação.
Neste contexto, o presente estudo teve como objetivos demonstrar uma forma
prática de aplicar a CIF a partir de uma rotina de avaliação, codificar, por
meio da CIF, a funcionalidade dos pacientes com disfunções do sistema
cardiovascular internados em uma UTI Cardiotorácica e comparar os
qualificadores de mobilidade destes pacientes na admissão e na alta da unidade.
Desenho
do estudo
Trata-se de um estudo
observacional, longitudinal e descritivo realizado na UTI Cardiotorácica da
Fundação de Beneficência Hospital Cirurgia, em Aracaju/SE.
A pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da
Universidade Federal de Sergipe, CAAE nº 11012612.9.0000.5546 e o início da
coleta se deu após assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis legais dos participantes.
Os sujeitos poderiam recusar ou se retirar da pesquisa a qualquer momento.
Amostra
Pacientes cardiopatas
que deram entrada na UTI cardiotorácica da Fundação de Beneficência Hospital
Cirurgia, em Aracaju/SE, no período de fevereiro a abril de 2014, foram
recrutados para a pesquisa de acordo com os seguintes critérios:
Inclusão: pacientes
de ambos os gêneros, com idade ≥ 18 anos, no 2° dia de internação na UTI
cardiotorácica, com presença de disfunções do aparelho cardiovascular
(disfunções cardíacas dos vasos sanguíneos e da pressão arterial) e/ou que
envolva estrutura do aparelho cardiovascular. Exclusão: Óbito ou alta
hospitalar antes da reavaliação, portadores exclusivos de disfunção do aparelho
respiratório ou presença de disfunções dos músculos ventilatórios.
Ficha
de internação e checklist cardiológico
Os pacientes foram
avaliados no 2° dia de internação e reavaliados no dia de alta da unidade. A
avaliação inicial foi realizada no 2° dia de internação devido à debilidade em
que se encontravam os pacientes admitidos na unidade que, devido à rotina da
unidade, se encontravam sob o efeito de sedativos e entubados dentro das
primeiras 24 horas. Toda a população que deu entrada na unidade foi incluída no
estudo mesmo que apresentassem diagnósticos clínicos, patologias, intervenções
cirurgicas e medicamentosas diferentes. A avaliação constava de ficha de
internação própria associada a um checklist
da CIF referente ao aparelho cardiovascular, ambos elaborados previamente pelos
próprios pesquisadores. A ficha de internação constava de dados demográficos,
história clínica, CID, drogas utilizadas, tempo de internação na unidade e
atendimentos fisioterapêuticos realizados; já o checklist, foi construído com o capítulo 4 dos domínios de
estrutura e função do aparelho cardiovascular e a mobilidade do domínio de
atividade e participação, a confecção deste, foi realizada a partir dos
intrumentos de avaliação de rotina da unidade tornando prática a utilização da
CIF como instrumento classificador da funcionalidade na UTI.
A ficha de internação
e o checklist da CIF foram
preenchidos por meio da análise do prontuário do paciente e dos exames
complementares realizados em suas rotinas na unidade. Os dados da ficha de
internação, retirados dos prontuários e os resultados dos exames complementares
foram utilizados para codificar os domínios de função e estruturas presentes no
checklist Cardiológico da CIF. Para o domínio de atividade e participação, foi
avaliada pelos pesquisadores a capacidade do paciente em realizar completamente
ou não uma atividade pré-definida no capítulo de mobilidade da CIF.
Codificação
por meio da CIF
Para o checklist aplicado neste estudo, foram
utilizados o primeiro e o segundo nível da CIF. O primeiro nível trata das
funções do aparelho cardiovascular, dos sistemas hematológico e imunológico e
do aparelho respiratório. Também foram utilizados os componentes dos domínios
Atividades e Participação o qual trata a Mobilidade. Para o segundo nível da CIF, foram utilizadas as funções (b410 até b429) e
as estruturas (s410, s4100, s41000, s41001, s41008, s41009, s4101, s4102,
s4103, s4108, s4109) do aparelho cardiovascular. Para Atividade e Participação
foi utilizado o domínio Mobilidade: mudar e manter a posição do corpo (d410 -
d429), autotransferências – d420 e andar - d450.
Foram utilizados para
funções e estruturas do aparelho cardiovascular, bem como atividades e
participação (domínio mobilidade), o primeiro qualificador que qualifica a
deficiência ou a dificuldade do paciente. Em relação ao domínio Mobilidade,
foram utilizados os qualificadores de capacidade e desempenho. No entanto, a graduação da qualidade da tarefa foi restrita à
utilização dos qualificadores “.0” (nenhuma dificuldade) ou “.4”
(dificuldade completa). Tal fato se deve à dificuldade de se inferir um grau de
severidade sem a utilização, por parte da equipe da unidade, de instrumentos
quantitativos de avaliação capazes de quantificar em percentual tal severidade.
Para as estruturas do aparelho cardiovascular, foram
utilizados o primeiro e o segundo qualificadores, que indicam a natureza da
mudança na estrutura corporal correspondente, e o terceiro qualificador que
indica a localização da lesão no aparelho cardiovascular, por meio da análise
do exame de Ecodopplercardiograma dos sujeitos avaliados.
Análise
estatística
Os dados foram
analisados de forma descritiva e analítica. As variáveis numéricas foram
observadas quanto à normalidade por meio do teste de Shapiro-Wilk e foram
apresentadas por meio de média e desvio padrão (DP). As variáveis categóricas
foram apresentadas por meio de frequência absoluta e relativa. Para avaliar a
diferença quanto à mobilidade entre as avaliações do segundo dia de internação
e da alta do paciente da UTI cardiotorácica foi utilizado o teste de McNemar.
Para todas as análises, foi utilizado o programa SPSS® para Windows (Statistical Package for Social Sciences,
SPSS Inc., Chicago, IL, USA) versão 20.0.
Do total de 63
pacientes que foram recrutados para o estudo, 20 foram excluídos: 6 vieram a óbito e 14 tiveram alta antes de ser realizada a
reavaliação. Dos 43 pacientes avaliados, 21 eram do gênero feminino e 22 do
masculino, com idade 50,58 ± 17,24 anos. As características da população e os
dados da internação encontram-se descritos na tabela I.
Em relação ao diagnóstico
clínico (CID) na admissão dos pacientes, evidenciou-se uma prevalência de 14%
de infarto agudo do miocárdio, 12% de doença cardiovascular arterosclerótica,
7% de transtornos de valvas mitral e aórtica, 7% de angina instável e de
insuficiência cardíaca congestiva, 5% de estenose mitral, 5% de insuficiência
aórtica reumática, 5% de infarto agudo transmural da parede anterior do
miocárdio, 5% de insuficiência cardíaca não especificada, 5% de causas
desconhecidas e não especificada, e 2% de comunicação interatrial, 2% de feto
papiráceo, 2% de bloqueio atrioventricular total, 2% de arritmia cardíaca não
especificada, 2% de cardiomiopatia dilatada, 2% de infarto agudo transmural do
miocárdio e 2% de angina pectoris não especificada, 2% de hipertensão essencial,
2% de estenose aórtica reumática, 2% de doença não especificada da valva
mitral, 2% de insuficiência mitral reumática, 2% de aneurisma dissecante da
aorta e 2% de neoplasia maligna do coração.
As drogas utilizadas
pelos pacientes na unidade foram os bloqueadores dos canais de cálcio (40%) e
antiagregantes plaquetários (40%), seguidos pelo uso de benzodiazepínicos
(23%), betabloqueadores (12%), inibidores da ECA (12%), estatinas (9%),
diuréticos (2%), nitratos (2%) e bloqueadores dos receptores da angiotensina
(2%).
No 2° dia da admissão
as seguintes funções foram codificadas: Do aparelho cardiovascular (b410):
frequência cardíaca (86% - b4100.0) e ritmo cardíaco
(93% - b4101.0), força contrátil dos músculos (79% - b4102.0), fornecimento de
sangue (58% - b4103.0) e outras especificadas (98% - b4108.0); Dos vasos
sanguíneos (b415): das artérias 100% (b4150.0), dos capilares 100% (b4151.0),
das veias 98% (b4152.0) e outras especificadas 90% (b4158.0); Da pressão
arterial (b420): pressão arterial aumentada 74% (b4200.0), pressão arterial
diminuída 93% (b4201.0), manutenção da pressão arterial 100% (b4202.0); Da
Respiração (b440): frequência respiratória 72% (b4400.0), ritmo respiratório
81% (b4401.0) e profundidade da respiração 100% (b4402.0).
A classificação no
momento de admissão das estruturas do aparelho cardiovascular (s410), capítulo
4 de estruturas da CIF, está descrita na tabela II. Pode-se observar que o
coração (s4100.8- 44%) e os ventrículos (s41001.8-
30%) foram as estruturas com maior diagnóstico de alteração estrutural,
seguidos das artérias (s4101.8- 9%).
Analisando a
Atividade e Participação, a tabela III trata da Mobilidade, Mudar a Posição
Básica do Corpo (d410). De acordo com a CIF, é notada a significativa evolução
dos pacientes para mudar a posição básica do corpo, em relação à admissão e
alta. A amostra estudada apresentou melhora em todos os itens de funcionalidade
avaliados, destacando-se o Deitar-se (93%); Sentar-se (93%); Por-se em Pé
(91%); Curvar-se (100%) e Mudar o centro de gravidade (100%).
Analisando a
Atividade e Participação, a tabela IV trata da Mobilidade, Manter a Posição
Básica do Corpo (d415). De acordo com a CIF, apenas na funcionalidade de
permanecer agachado (p = 0,055) não houve significância entre a admissão a alta
na amostra estudada.
Analisando a
Atividade e Participação, a tabela V trata da Mobilidade de Auto Transferências
(d420) e Andar (d450). Pode-se observar que em todas as categorias que os
pacientes obtiveram significante melhora entre os dias de admissão e alta,
sendo que a auto transferencia de sentado, deitado, andar e andar curtas
distâncias obtiveram resultado ≥ a 93%.
Tabela
I – Características da população e dados da
internação dos pacientes cardiopatas na UTI cardiotorácica.
Tabela
II –
Estruturas do corpo: estruturas do
aparelho cardiovascular (s410).
Q = Qualificador- 1º Q
= Extensão da deficiencia (.0 Nenhuma; .1 Ligeira; .2
Moderada; .3 Grave; .4 Severa); 2º Q = Natureza da Alteração (0 Nenhuma mudança
na estrutura; 1 Ausência total; 2 Ausência parcial; 3 Parte adicional; 4
Dimensões aberrantes; 5 Descontinuidade; 6 Posição desviada; 7 Mudanças
qualitativas na estrutura; 8 Não especificada; 9 Não aplicável); 3º Q =
Localização = (0 mais de uma região; 1 direita; 2 esquerda; 3 ambos os lados; 4
parte anterior; 5 parte posterior; 6 proximal; 7 distal; 8 Não especificada; 9
Não aplicável).
Tabela
III
– Diferença da atividade e participação -
mobilidade - mudar a posição básica do corpo (d410), na avaliação e na alta da
UTI cardiotorácica.
Q = Qualificador-
Extensão da deficiencia (.0 Nenhuma; .1 Ligeira; .2
Moderada; .3 Grave; .4 Severa).
Tabela
IV –
Atividade e participação - Mobilidade -
Manter a posição básica do corpo (d415).
Q = Qualificador-
Extensão da deficiencia (.0 Nenhuma; .1 Ligeira; .2
Moderada; .3 Grave; .4 Severa)
Tabela
V – Atividade e participação - Mobilidade - Auto transferências (d420); Andar (d450).
Q = Qualificador-
Extensão da deficiência (.0 Nenhuma; .1 Ligeira; .2
Moderada; .3 Grave; .4 Severa).
O presente estudo
codificou, por meio da CIF, o grau de funcionalidade dos pacientes internados
em uma UTI Cardiotorácica. Dentre seus resultados, os principais foram: IAM e
arteriosclerose como as doenças de base mais prevalentes. Sobre as alterações
estruturais, 44% tiveram alterações em alguma estrutura cardíaca; o coração (s4100.8- 44%) e os ventrículos (s41001.8- 30%) foram as
estruturas com maior diagnóstico de alteração estrutural, seguido das artérias
(s4101.8- 9%). Veias (100%- s4102.0) e capilares (100%-s4103.0)
não apresentaram alterações estruturais importantes. Em relação ao capítulo de
funções do corpo na admissão, apenas as funções de força contrátil (21%-b4102),
fornecimento de sangue (42%-b4103), frequência respiratória (28%-b4400), ritmo
respiratório (19%-b4401), pressão arterial aumentada (26%-b4200) possuíam
percentual relevante de alteração; a classificação da mobilidade relacionada a
mudar e manter a posição, autotransferência e andar reproduziram com
significância a melhora da funcionalidade do paciente, demonstrando a evolução
do quadro clínico e funcional.
A necessidade de
implantar o diagnóstico e a classificação relacionados ao diagnóstico cinético
funcional vem sendo discutida na literatura científica [12-13]. Nesse contexto,
este estudo teve um caráter inovador com a criação de um checklist da CIF
designado ao aparelho cardiovascular e aplicando-o em uma UTI cardiotorácica.
Por meio deste modelo, estruturas, funções, atividade e participação puderam
ser codificadas de maneira reprodutível auxiliando a compreensão do processo
vivenciado pelo indivíduo, desde a entrada na unidade até o momento de alta,
relacionando doença e funcionalidade.
No presente estudo, a
média de idade encontrada na UTI cardiotorácica foi de 50 anos, distribuída equitativamente
entre os sexos masculino e feminino (51% e 49%). Em pesquisas anteriores
realizadas em uma UTI cardiotorácica de Porto Alegre (RS) [14] a média dos
sujeitos internados foi de 64 anos, com predominância do sexo feminino (56%).
Características específicas das populações, como hábitos alimentares e de vida,
atividade física e o trabalho são considerados fatores ambientais e de
atividade e participação importantes para saúde da população e podem
influenciar diretamente a presença de cardiopatias. É possível que
características regionais das populações tenham sido responsáveis por estas
diferenças, no entanto não foi objetivo do trabalho verificar esta relação.
Recentes pesquisas
tem utilizado o tempo de internação como um dos indicadores da efetividade do
tratamento fisioterapêutico dentro de uma UTI, demonstrando que a reabilitação cinético funcional pode reduzir o tempo de
internação hospitalar [15-16]. Sabendo que o aumento do tempo de internação
hospitalar pode prejudicar a funcionalidade de órgãos e sistemas, a presença do
fisioterapeuta nas unidades poderia ser benéfica aos pacientes.
Na presente pesquisa
o tempo de internação foi de 3,4 dias, o que difere de achados na literatura
(5,1 dias) [17]. Possivelmente, o fato de apenas 2% dos pacientes internados
não realizarem atendimento fisioterapêutico e a UTI pesquisada utilizar em sua
rotina a aplicação da MIF (medida de independência funcional) como parâmetro
para avaliação e tratamento, pode ter contribuído para a diminuição desse tempo
de internação. A MIF tem sua relação estabelecida com a CIF por meio de core sets já validados, e cerca de 30%
dos componentes associados estão relacionados a funções do corpo [18-19].
A OMS descreve que
sujeitos com patologias diferentes podem possuir o mesmo grau de
funcionalidade. Isso parece ter sido constatado, uma vez que se pôde observar
que a maioria das funções codificadas no 2º dia da admissão (do aparelho
cardiovascular, vasos sanguíneos, pressão arterial e da respiração) estiveram enquadradas no qualificador de nenhuma alteração (.0 - sem
deficiência). Por meio desta codificação, verificou-se
que apesar dos pacientes serem submetidos a diferentes procedimentos cirúrgicos
e terem doenças de base diferentes, suas funções, representadas pelo capítulo “b”
da CIF, se encontraram devidamente estabilizadas, demonstrando, desta forma, a
capacidade da CIF em reproduzir os dados avaliados por meio de exames
complementares e clínicos, identificando e quantificando as funções de órgãos e
sistemas para entrada na UTI, independente do fator causal [20].
Apesar da maior
prevalência de similaridades funcionais acima citadas, alguns qualificadores
relacionados ao aparelho cardiovascular demonstraram-se alterados. Um déficit
de fornecimento de sangue ao coração (b4103.2), a
diminuição da força ventricular (s41001) e o aumento da pressão arterial
(b4200.3) estiveram presentes. É relatado na literatura que após IAM, os
efeitos de isquemia e necrose podem provocar perda de miócitos e
consequentemente diminuir o desempenho cardiovascular, levando ao aumento da
pressão arterial. Esta perda de miócitos pode ser a causa destas alterações
funcionais codificadas, já que houve na presente pesquisa uma maior prevalência
de pacientes diagnosticados com IAM no momento da admissão, podendo ser este um
fator determinante da alteração funcional [21].
A mobilidade avaliada
na admissão apresentou significativa melhora no momento da alta da unidade nos
aspectos relacionados a mudar posição básica do corpo (d410), manter a posição
básica do corpo (d415), capacidade de realizar autotransferências (d420) e ao
andar. A mobilidade vem sendo objeto de pesquisa dentro das
UTIs nos últimos anos e alguns trabalhos demonstram a evolução
quantitativa dos pacientes por meio de escalas como a MIF [22] e Barthel [23].
Entretanto, pouco se tem investigado sobre como classificar de maneira
universal as possíveis alterações ou a mobilidade momentânea dos pacientes
internados.
A presente pesquisa
demonstrou a possibilidade de codificar, por meio de um instrumento
desenvolvido pela OMS, o grau de mobilidade destes pacientes e sua evolução a curto prazo. Foi demonstrado que a mobilidade melhorou em
todos os aspectos: além da melhora habitual devido à rotina no pós-operatório,
a mobilidade destes pacientes pode ter sido restaurada pela rotina de
atendimentos fisioterapêuticos, já que 98% foram atendidos duas vezes ao dia.
Contudo, o estudo destes mecanismos não foi o objetivo desta pesquisa.
Uma redução na
dependência – comparando os valores na admissão e alta – e uma maior perda
funcional para transferências (p = 0,001) em UTI são achados descritos na
literatura [17]. Sugere-se que um retorno precoce da mobilidade relacionada às
transferências parece ser consequência da mobilização realizada pela
fisioterapia em pacientes da UTI, sendo capaz de manter a amplitude de
movimento e permitir a deambulação reduzindo o período de internação hospitalar
[24-25]. Essa melhora pode ocorrer devido a manutenção
da força e da amplitude de movimento influenciar sobre a função pulmonar e
desempenho respiratório que, em conjunto, aumentam o desempenho geral [26-28].
Com os resultados
propostos pôde-se evidenciar limitações na
operacionalização do uso da classificação, apesar da existência de checklists que permitem a utilização da
CIF de maneira compacta: o número de códigos gerados para cada pessoa sugere a
necessidade de um sistema informatizado de avaliação e evolução dentro das
unidades caridotorácicas o qual possa ser alimentado de maneira interprofissional.
Associado a isso, o
estudo teve como limitação o fato de que a quantificação gerada pelos
qualificadores não foi relacionada ao uso de instrumentos validados de
diagnóstico, ou seja, os protocolos de rotina da unidade foram utilizados para
geração dos códigos. Para uma maior precisão dos qualificadores há a
necessidade de utilizar instrumentos fidedignos de avaliação, que precisam
passar por processos de validação para com as categorias da classificação. Além
disso, muitos intrumentos de avaliação são qualitativos, o que dificulta a
quantificação dos resultados, limitando a inserção precisa do qualificador no
sistema. Talvez por isso a CIF tenha seu uso mais voltado para pesquisas e
ainda tenha sido pouco explorado na prática profissional.
Para evidenciar um
maior benefício da efetitividade da atuação da equipe de fisioterapia na UTI,
seria necessário um grupo ou uma unidade de mesmas características, como
controle, que não utilizasse a MIF como norteadora dos atendimentos ou que não
tivesse fisioterapeutas. No entanto, além de não ser objetivo do presente
estudo, com a obrigatoriedade do fisioterapeuta 18 horas na UTI não seria
possível a constituição deste controle. Apesar destes
fatos, a aplicabilidade prática da classificação precisa ser alvo de
investigações para que os sistemas e serviços possam, de uma maneira prática,
classificar a funcionalidade das pessoas, sendo capaz de dar visibilidade a
dados relativos a sua funcionalidade.
O presente estudo
representa um avanço na mensuração da funcionalidade humana, pois demonstra uma
forma de aplicabilidade prática dessa classificação de referência, e mensura,
com reprodutibilidade, dados relacionados à funcionalidade dos sujeitos
internados, desde o momento do ingresso na unidade até a alta.
Apesar de diferentes
ferramentas de avaliação nos estudos acerca da funcionalidade em UTIs, a CIF
parece ser capaz de codificar e quantificar a funcionalidade, em seus aspectos
de estrutura cardiotorácica, atividade e participação-mobilidade dos pacientes
internados em UTI cardiotorácica, promovendo, assim, a visibilidade de dados em
sistemas de informação de maneira reprodutível independente do ambiente.
A maior parte dos
pacientes admitidos na unidade apresentou como alterações estruturais a presença
de disfunções cardíacas ou ventriculares; apenas 2% dos pacientes internados
não realizaram atendimento fisioterapêutico durante o tempo de internação e os
pacientes avaliados apresentaram melhora significativa em diversos itens
codificados do capítulo de mobilidade.
Mais estudos devem
ser desenvolvidos no sentido de padronizar a relação dos instrumentos de
avaliação utilizados dentro das rotinas nas UTI cardiotorácicas com os códigos
classificadores da CIF, para que, dessa forma, possa-se ter uma noção real do
resultado das intervenções funcionais realizadas na unidade, assim como do
tratamento fisioterapêutico que pode diretamente influenciar na mobilidade e na
redução do tempo de internação.