ARTIGO ORIGINAL

Aplicação da classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde em Unidade de Terapia Intensiva Cardiotorácica

Application of the international classification of functioning, disability and health in Cardiothoracic Intensive Care Unit

 

Bárbara Nívia de O. Silva*, Raiane Carozo de Souza*, Tiago Pinheiro Vaz de Carvalho, M.Sc.**, Mauricio Lima Poderoso Neto**, Leonardo Yung dos Santos Maciel, M.Sc.**, Patricia Farias Sá Espinheira, D.Sc.**, Vitor Oliveira Carvalho, D.Sc.***, Jader Pereira de Farias Neto, D.Sc.***

 

*Alunos de Pós-Graduação da Faculdade Inspirar, Salvador/BA, **Professor da Faculdade Estácio de Sergipe – Estácio Fase, ***Professor do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de Sergipe

 

Recebido em 20 de junho de 2015; aceito em 15 de julho 2015.

Endereço para correspondência: Leonardo Yung dos Santos Maciel, Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos, Av. Marechal Rondon, s/n Jardim Rosa Elze 49100-000 São Cristóvão SE, E-mail: yung_maciel@hotmail.com

 

Resumo

Objetivos: Codificar, através da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), o estado de saúde dos pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) cardiotorácica e comparar a codificação da mobilidade destes na admissão e na alta da unidade. Métodos: Foi realizado um estudo observacional longitudinal descritivo, na UTI Cardiotorácica adulta, no segundo dia de internação e no dia da alta. Os dados foram coletados por meio de uma ficha de internação e de um checklist cardiológico da CIF. Resultados: Amostra composta por 43 pacientes, idade média de 50,58 ± 17,24 anos, com internação média de 3,42 ± 4,24 dias. Na codificação relacionada a transferência e locomoção, feita na avaliação e alta, observou-se resultados estatisticamente significantes (p < 0,001) para todas as variáveis analisadas. Conclusão: A CIF demonstrou grande capacidade de padronizar a linguagem entre os profissionais na UTI além de quantificar a evolução dos pacientes.

Palavras-chave: Classificação Internacional de Funcionalidade, incapacidade e saúde, limitação da mobilidade, disfunções cardíacas.

 

Abstract

Objectives: To codify, using the International Classification of Functioning (ICF), the health status of patients hospitalized in the Cardiothoracic Intensive Care Unit (ICU) and compare the encoding of these mobility at admission and at discharge from the unit. Methods: A descriptive longitudinal study was performed in adult Cardiothoracic ICU on the second day of admission and day of discharge. Data were collected through a hospitalization form and a cardiology checklist of CIF. Results: A sample of 43 patients, 50.58 ± 17.24 years old, with an average hospital stay of 3.42 ± 4.24 days. We noticed that, in coding related to transfer and locomotion, made in the assessment and discharge, there was a statistically significant result (p < 0.001) for all variables. Conclusion: The ICF has shown great ability to standardize the language among professionals in the ICU as well as quantify the evolution of intensive care unit patients.

Key-words: International Classification of Functioning, disability and health, mobility limitation, heart disorders.

 

Introdução

 

A plena reabilitação de um paciente necessita de intervenções terapêuticas e técnicas capazes de promover a recuperação e preservação da funcionalidade. O profissional da saúde se depara com situações e condições patológicas que o obriga a refletir e atuar de forma sistematizada, global e interativa de modo a minimizar e ou reverter o processo decorrente da maior sobrevida e permanência prolongada no leito [1-2].

A classificação internacional de funcionalidade (CIF) foi elaborada com a finalidade de registrar e organizar uma ampla gama de informações relacionadas a diferentes estados de saúde [3]. Sua utilização possibilita a coleta de dados vitais de um modo consistente e comparável internacionalmente, favorecendo um sistema para a codificação de amplas informações sobre a saúde de maneira padronizada entre várias disciplinas e ciências [4-6].

Esta é uma classificação de referência da Organização Mundial de Saúde, traduzida e validada para o português [7] e embasada no Brasil pela aprovação da Política Nacional de Saúde Funcional na 13ª Conferência Nacional de Saúde, pela Resolução Nº 452/2012 do Conselho Nacional de Saúde, por portarias municipais de implantação da PMSF, por diretrizes de cuidado com a pessoa com deficiencia, além de resoluções de conselhos federais garantindo a necessidade de sua utilização profissional [8].

O sistema de classificação da CIF é dividido em cinco componentes: função corporal, estrutura do corpo, atividade e participação social e ambiente. A função corporal e a estrutura do corpo relacionam-se a deficiência ou a doença, a atividade e participação retratam a incapacidade e os fatores ambientais registram o impacto do ambiente sobre a incapacidade, quantificando os fatores positivos e negativos [3,11].

A CIF tem um papel inovador, pois permite a mensuração de fatores de risco e determinantes relacionados à saúde da população [7], e considerada como uma ferramenta promissora e de uso interdisciplinar. Os códigos da CIF requerem o uso de qualificadores que indicam a magnitude do nível de saúde ou a gravidade do problema. A utilização de qualquer código deve vir acompanhada de, pelo menos, um qualificador [3-4].

A categorização do estado de saúde do sujeito na CIF é composta por um sistema alfanumérico de codificação formado por uma letra (b, s, d, e - relacionados aos cinco componentes de funções, estrutura, atividade e participação e ambiente) e cinco números. O primeiro número na sequência representará o capítulo correspondente, os demais números antes do qualificador especificarão a categoria com informações como força ou tônus, estrutura ou interferencia ambiental e a codificação termina com os qualificadores, localizados após o ponto, os quais determinarão a severidade ou detalhes como localização ou natureza da lesão a depender do componente a ser classificado. Abaixo, segue quadro 1 exemplificando a classificação.

 

 

Quadro 1 - Exemplo de classificação do componente de função do corpo.

 

 

Apesar da CIF ter seu uso recomendado aos países membros da OMS e seu estudo interdisciplinar estar sendo investigado em todo o mundo [8], o número de estudos demonstrando sua aplicabilidade na prática ainda é muito pequeno. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) sugere a utilização de listas resumidas (checklists) facilitando seu uso [9-10]. No contexto da fisioterapia, a classificação tem a capacidade de dar visibilidade aos resultados das intervenções cinético funcionais.

Sujeitos internados numa unidade de terapia intensiva (UTI) cardiotorácica apresentam alterações estruturais e de função que, apesar de serem diagnosticadas, não são classificadas com reprodutibilidade e nem inseridas em sistemas de informação. Neste contexto, o presente estudo teve como objetivos demonstrar uma forma prática de aplicar a CIF a partir de uma rotina de avaliação, codificar, por meio da CIF, a funcionalidade dos pacientes com disfunções do sistema cardiovascular internados em uma UTI Cardiotorácica e comparar os qualificadores de mobilidade destes pacientes na admissão e na alta da unidade.

 

Material e métodos

 

Desenho do estudo

 

Trata-se de um estudo observacional, longitudinal e descritivo realizado na UTI Cardiotorácica da Fundação de Beneficência Hospital Cirurgia, em Aracaju/SE.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, CAAE nº 11012612.9.0000.5546 e o início da coleta se deu após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis legais dos participantes. Os sujeitos poderiam recusar ou se retirar da pesquisa a qualquer momento.

 

Amostra

 

Pacientes cardiopatas que deram entrada na UTI cardiotorácica da Fundação de Beneficência Hospital Cirurgia, em Aracaju/SE, no período de fevereiro a abril de 2014, foram recrutados para a pesquisa de acordo com os seguintes critérios:

Inclusão: pacientes de ambos os gêneros, com idade ≥ 18 anos, no 2° dia de internação na UTI cardiotorácica, com presença de disfunções do aparelho cardiovascular (disfunções cardíacas dos vasos sanguíneos e da pressão arterial) e/ou que envolva estrutura do aparelho cardiovascular. Exclusão: Óbito ou alta hospitalar antes da reavaliação, portadores exclusivos de disfunção do aparelho respiratório ou presença de disfunções dos músculos ventilatórios.

 

Ficha de internação e checklist cardiológico

 

Os pacientes foram avaliados no 2° dia de internação e reavaliados no dia de alta da unidade. A avaliação inicial foi realizada no 2° dia de internação devido à debilidade em que se encontravam os pacientes admitidos na unidade que, devido à rotina da unidade, se encontravam sob o efeito de sedativos e entubados dentro das primeiras 24 horas. Toda a população que deu entrada na unidade foi incluída no estudo mesmo que apresentassem diagnósticos clínicos, patologias, intervenções cirurgicas e medicamentosas diferentes. A avaliação constava de ficha de internação própria associada a um checklist da CIF referente ao aparelho cardiovascular, ambos elaborados previamente pelos próprios pesquisadores. A ficha de internação constava de dados demográficos, história clínica, CID, drogas utilizadas, tempo de internação na unidade e atendimentos fisioterapêuticos realizados; já o checklist, foi construído com o capítulo 4 dos domínios de estrutura e função do aparelho cardiovascular e a mobilidade do domínio de atividade e participação, a confecção deste, foi realizada a partir dos intrumentos de avaliação de rotina da unidade tornando prática a utilização da CIF como instrumento classificador da funcionalidade na UTI.

A ficha de internação e o checklist da CIF foram preenchidos por meio da análise do prontuário do paciente e dos exames complementares realizados em suas rotinas na unidade. Os dados da ficha de internação, retirados dos prontuários e os resultados dos exames complementares foram utilizados para codificar os domínios de função e estruturas presentes no checklist Cardiológico da CIF. Para o domínio de atividade e participação, foi avaliada pelos pesquisadores a capacidade do paciente em realizar completamente ou não uma atividade pré-definida no capítulo de mobilidade da CIF.

 

Codificação por meio da CIF

 

Para o checklist aplicado neste estudo, foram utilizados o primeiro e o segundo nível da CIF. O primeiro nível trata das funções do aparelho cardiovascular, dos sistemas hematológico e imunológico e do aparelho respiratório. Também foram utilizados os componentes dos domínios Atividades e Participação o qual trata a Mobilidade. Para o segundo nível da CIF, foram utilizadas as funções (b410 até b429) e as estruturas (s410, s4100, s41000, s41001, s41008, s41009, s4101, s4102, s4103, s4108, s4109) do aparelho cardiovascular. Para Atividade e Participação foi utilizado o domínio Mobilidade: mudar e manter a posição do corpo (d410 - d429), autotransferências – d420 e andar - d450.

Foram utilizados para funções e estruturas do aparelho cardiovascular, bem como atividades e participação (domínio mobilidade), o primeiro qualificador que qualifica a deficiência ou a dificuldade do paciente. Em relação ao domínio Mobilidade, foram utilizados os qualificadores de capacidade e desempenho. No entanto, a graduação da qualidade da tarefa foi restrita à utilização dos qualificadores “.0” (nenhuma dificuldade) ou “.4” (dificuldade completa). Tal fato se deve à dificuldade de se inferir um grau de severidade sem a utilização, por parte da equipe da unidade, de instrumentos quantitativos de avaliação capazes de quantificar em percentual tal severidade. Para as estruturas do aparelho cardiovascular, foram utilizados o primeiro e o segundo qualificadores, que indicam a natureza da mudança na estrutura corporal correspondente, e o terceiro qualificador que indica a localização da lesão no aparelho cardiovascular, por meio da análise do exame de Ecodopplercardiograma dos sujeitos avaliados.

 

Análise estatística

 

Os dados foram analisados de forma descritiva e analítica. As variáveis numéricas foram observadas quanto à normalidade por meio do teste de Shapiro-Wilk e foram apresentadas por meio de média e desvio padrão (DP). As variáveis categóricas foram apresentadas por meio de frequência absoluta e relativa. Para avaliar a diferença quanto à mobilidade entre as avaliações do segundo dia de internação e da alta do paciente da UTI cardiotorácica foi utilizado o teste de McNemar. Para todas as análises, foi utilizado o programa SPSS® para Windows (Statistical Package for Social Sciences, SPSS Inc., Chicago, IL, USA) versão 20.0.

 

Resultados

 

Do total de 63 pacientes que foram recrutados para o estudo, 20 foram excluídos: 6 vieram a óbito e 14 tiveram alta antes de ser realizada a reavaliação. Dos 43 pacientes avaliados, 21 eram do gênero feminino e 22 do masculino, com idade 50,58 ± 17,24 anos. As características da população e os dados da internação encontram-se descritos na tabela I.

Em relação ao diagnóstico clínico (CID) na admissão dos pacientes, evidenciou-se uma prevalência de 14% de infarto agudo do miocárdio, 12% de doença cardiovascular arterosclerótica, 7% de transtornos de valvas mitral e aórtica, 7% de angina instável e de insuficiência cardíaca congestiva, 5% de estenose mitral, 5% de insuficiência aórtica reumática, 5% de infarto agudo transmural da parede anterior do miocárdio, 5% de insuficiência cardíaca não especificada, 5% de causas desconhecidas e não especificada, e 2% de comunicação interatrial, 2% de feto papiráceo, 2% de bloqueio atrioventricular total, 2% de arritmia cardíaca não especificada, 2% de cardiomiopatia dilatada, 2% de infarto agudo transmural do miocárdio e 2% de angina pectoris não especificada, 2% de hipertensão essencial, 2% de estenose aórtica reumática, 2% de doença não especificada da valva mitral, 2% de insuficiência mitral reumática, 2% de aneurisma dissecante da aorta e 2% de neoplasia maligna do coração.

As drogas utilizadas pelos pacientes na unidade foram os bloqueadores dos canais de cálcio (40%) e antiagregantes plaquetários (40%), seguidos pelo uso de benzodiazepínicos (23%), betabloqueadores (12%), inibidores da ECA (12%), estatinas (9%), diuréticos (2%), nitratos (2%) e bloqueadores dos receptores da angiotensina (2%).

No 2° dia da admissão as seguintes funções foram codificadas: Do aparelho cardiovascular (b410): frequência cardíaca (86% - b4100.0) e ritmo cardíaco (93% - b4101.0), força contrátil dos músculos (79% - b4102.0), fornecimento de sangue (58% - b4103.0) e outras especificadas (98% - b4108.0); Dos vasos sanguíneos (b415): das artérias 100% (b4150.0), dos capilares 100% (b4151.0), das veias 98% (b4152.0) e outras especificadas 90% (b4158.0); Da pressão arterial (b420): pressão arterial aumentada 74% (b4200.0), pressão arterial diminuída 93% (b4201.0), manutenção da pressão arterial 100% (b4202.0); Da Respiração (b440): frequência respiratória 72% (b4400.0), ritmo respiratório 81% (b4401.0) e profundidade da respiração 100% (b4402.0).

A classificação no momento de admissão das estruturas do aparelho cardiovascular (s410), capítulo 4 de estruturas da CIF, está descrita na tabela II. Pode-se observar que o coração (s4100.8- 44%) e os ventrículos (s41001.8- 30%) foram as estruturas com maior diagnóstico de alteração estrutural, seguidos das artérias (s4101.8- 9%).

Analisando a Atividade e Participação, a tabela III trata da Mobilidade, Mudar a Posição Básica do Corpo (d410). De acordo com a CIF, é notada a significativa evolução dos pacientes para mudar a posição básica do corpo, em relação à admissão e alta. A amostra estudada apresentou melhora em todos os itens de funcionalidade avaliados, destacando-se o Deitar-se (93%); Sentar-se (93%); Por-se em Pé (91%); Curvar-se (100%) e Mudar o centro de gravidade (100%).

Analisando a Atividade e Participação, a tabela IV trata da Mobilidade, Manter a Posição Básica do Corpo (d415). De acordo com a CIF, apenas na funcionalidade de permanecer agachado (p = 0,055) não houve significância entre a admissão a alta na amostra estudada.

Analisando a Atividade e Participação, a tabela V trata da Mobilidade de Auto Transferências (d420) e Andar (d450). Pode-se observar que em todas as categorias que os pacientes obtiveram significante melhora entre os dias de admissão e alta, sendo que a auto transferencia de sentado, deitado, andar e andar curtas distâncias obtiveram resultado ≥ a 93%.

 

Tabela ICaracterísticas da população e dados da internação dos pacientes cardiopatas na UTI cardiotorácica.

 

 

Tabela IIEstruturas do corpo: estruturas do aparelho cardiovascular (s410).

 

Q = Qualificador- 1º Q = Extensão da deficiencia (.0 Nenhuma; .1 Ligeira; .2 Moderada; .3 Grave; .4 Severa); 2º Q = Natureza da Alteração (0 Nenhuma mudança na estrutura; 1 Ausência total; 2 Ausência parcial; 3 Parte adicional; 4 Dimensões aberrantes; 5 Descontinuidade; 6 Posição desviada; 7 Mudanças qualitativas na estrutura; 8 Não especificada; 9 Não aplicável); 3º Q = Localização = (0 mais de uma região; 1 direita; 2 esquerda; 3 ambos os lados; 4 parte anterior; 5 parte posterior; 6 proximal; 7 distal; 8 Não especificada; 9 Não aplicável).

 

Tabela IIIDiferença da atividade e participação - mobilidade - mudar a posição básica do corpo (d410), na avaliação e na alta da UTI cardiotorácica.

 

Q = Qualificador- Extensão da deficiencia (.0 Nenhuma; .1 Ligeira; .2 Moderada; .3 Grave; .4 Severa).

 

 

Tabela IVAtividade e participação - Mobilidade - Manter a posição básica do corpo (d415).

 

Q = Qualificador- Extensão da deficiencia (.0 Nenhuma; .1 Ligeira; .2 Moderada; .3 Grave; .4 Severa)

 

 

Tabela VAtividade e participação - Mobilidade - Auto transferências (d420); Andar (d450).

 

Q = Qualificador- Extensão da deficiência (.0 Nenhuma; .1 Ligeira; .2 Moderada; .3 Grave; .4 Severa).

 

 

Discussão

 

O presente estudo codificou, por meio da CIF, o grau de funcionalidade dos pacientes internados em uma UTI Cardiotorácica. Dentre seus resultados, os principais foram: IAM e arteriosclerose como as doenças de base mais prevalentes. Sobre as alterações estruturais, 44% tiveram alterações em alguma estrutura cardíaca; o coração (s4100.8- 44%) e os ventrículos (s41001.8- 30%) foram as estruturas com maior diagnóstico de alteração estrutural, seguido das artérias (s4101.8- 9%). Veias (100%- s4102.0) e capilares (100%-s4103.0) não apresentaram alterações estruturais importantes. Em relação ao capítulo de funções do corpo na admissão, apenas as funções de força contrátil (21%-b4102), fornecimento de sangue (42%-b4103), frequência respiratória (28%-b4400), ritmo respiratório (19%-b4401), pressão arterial aumentada (26%-b4200) possuíam percentual relevante de alteração; a classificação da mobilidade relacionada a mudar e manter a posição, autotransferência e andar reproduziram com significância a melhora da funcionalidade do paciente, demonstrando a evolução do quadro clínico e funcional.

A necessidade de implantar o diagnóstico e a classificação relacionados ao diagnóstico cinético funcional vem sendo discutida na literatura científica [12-13]. Nesse contexto, este estudo teve um caráter inovador com a criação de um checklist da CIF designado ao aparelho cardiovascular e aplicando-o em uma UTI cardiotorácica. Por meio deste modelo, estruturas, funções, atividade e participação puderam ser codificadas de maneira reprodutível auxiliando a compreensão do processo vivenciado pelo indivíduo, desde a entrada na unidade até o momento de alta, relacionando doença e funcionalidade.

No presente estudo, a média de idade encontrada na UTI cardiotorácica foi de 50 anos, distribuída equitativamente entre os sexos masculino e feminino (51% e 49%). Em pesquisas anteriores realizadas em uma UTI cardiotorácica de Porto Alegre (RS) [14] a média dos sujeitos internados foi de 64 anos, com predominância do sexo feminino (56%). Características específicas das populações, como hábitos alimentares e de vida, atividade física e o trabalho são considerados fatores ambientais e de atividade e participação importantes para saúde da população e podem influenciar diretamente a presença de cardiopatias. É possível que características regionais das populações tenham sido responsáveis por estas diferenças, no entanto não foi objetivo do trabalho verificar esta relação.

Recentes pesquisas tem utilizado o tempo de internação como um dos indicadores da efetividade do tratamento fisioterapêutico dentro de uma UTI, demonstrando que a reabilitação cinético funcional pode reduzir o tempo de internação hospitalar [15-16]. Sabendo que o aumento do tempo de internação hospitalar pode prejudicar a funcionalidade de órgãos e sistemas, a presença do fisioterapeuta nas unidades poderia ser benéfica aos pacientes.

Na presente pesquisa o tempo de internação foi de 3,4 dias, o que difere de achados na literatura (5,1 dias) [17]. Possivelmente, o fato de apenas 2% dos pacientes internados não realizarem atendimento fisioterapêutico e a UTI pesquisada utilizar em sua rotina a aplicação da MIF (medida de independência funcional) como parâmetro para avaliação e tratamento, pode ter contribuído para a diminuição desse tempo de internação. A MIF tem sua relação estabelecida com a CIF por meio de core sets já validados, e cerca de 30% dos componentes associados estão relacionados a funções do corpo [18-19].

A OMS descreve que sujeitos com patologias diferentes podem possuir o mesmo grau de funcionalidade. Isso parece ter sido constatado, uma vez que se pôde observar que a maioria das funções codificadas no 2º dia da admissão (do aparelho cardiovascular, vasos sanguíneos, pressão arterial e da respiração) estiveram enquadradas no qualificador de nenhuma alteração (.0 - sem deficiência). Por meio desta codificação, verificou-se que apesar dos pacientes serem submetidos a diferentes procedimentos cirúrgicos e terem doenças de base diferentes, suas funções, representadas pelo capítulo “b” da CIF, se encontraram devidamente estabilizadas, demonstrando, desta forma, a capacidade da CIF em reproduzir os dados avaliados por meio de exames complementares e clínicos, identificando e quantificando as funções de órgãos e sistemas para entrada na UTI, independente do fator causal [20].

Apesar da maior prevalência de similaridades funcionais acima citadas, alguns qualificadores relacionados ao aparelho cardiovascular demonstraram-se alterados. Um déficit de fornecimento de sangue ao coração (b4103.2), a diminuição da força ventricular (s41001) e o aumento da pressão arterial (b4200.3) estiveram presentes. É relatado na literatura que após IAM, os efeitos de isquemia e necrose podem provocar perda de miócitos e consequentemente diminuir o desempenho cardiovascular, levando ao aumento da pressão arterial. Esta perda de miócitos pode ser a causa destas alterações funcionais codificadas, já que houve na presente pesquisa uma maior prevalência de pacientes diagnosticados com IAM no momento da admissão, podendo ser este um fator determinante da alteração funcional [21].

A mobilidade avaliada na admissão apresentou significativa melhora no momento da alta da unidade nos aspectos relacionados a mudar posição básica do corpo (d410), manter a posição básica do corpo (d415), capacidade de realizar autotransferências (d420) e ao andar. A mobilidade vem sendo objeto de pesquisa dentro das UTIs nos últimos anos e alguns trabalhos demonstram a evolução quantitativa dos pacientes por meio de escalas como a MIF [22] e Barthel [23]. Entretanto, pouco se tem investigado sobre como classificar de maneira universal as possíveis alterações ou a mobilidade momentânea dos pacientes internados.

A presente pesquisa demonstrou a possibilidade de codificar, por meio de um instrumento desenvolvido pela OMS, o grau de mobilidade destes pacientes e sua evolução a curto prazo. Foi demonstrado que a mobilidade melhorou em todos os aspectos: além da melhora habitual devido à rotina no pós-operatório, a mobilidade destes pacientes pode ter sido restaurada pela rotina de atendimentos fisioterapêuticos, já que 98% foram atendidos duas vezes ao dia. Contudo, o estudo destes mecanismos não foi o objetivo desta pesquisa.

Uma redução na dependência – comparando os valores na admissão e alta – e uma maior perda funcional para transferências (p = 0,001) em UTI são achados descritos na literatura [17]. Sugere-se que um retorno precoce da mobilidade relacionada às transferências parece ser consequência da mobilização realizada pela fisioterapia em pacientes da UTI, sendo capaz de manter a amplitude de movimento e permitir a deambulação reduzindo o período de internação hospitalar [24-25]. Essa melhora pode ocorrer devido a manutenção da força e da amplitude de movimento influenciar sobre a função pulmonar e desempenho respiratório que, em conjunto, aumentam o desempenho geral [26-28].

Com os resultados propostos pôde-se evidenciar limitações na operacionalização do uso da classificação, apesar da existência de checklists que permitem a utilização da CIF de maneira compacta: o número de códigos gerados para cada pessoa sugere a necessidade de um sistema informatizado de avaliação e evolução dentro das unidades caridotorácicas o qual possa ser alimentado de maneira interprofissional.

Associado a isso, o estudo teve como limitação o fato de que a quantificação gerada pelos qualificadores não foi relacionada ao uso de instrumentos validados de diagnóstico, ou seja, os protocolos de rotina da unidade foram utilizados para geração dos códigos. Para uma maior precisão dos qualificadores há a necessidade de utilizar instrumentos fidedignos de avaliação, que precisam passar por processos de validação para com as categorias da classificação. Além disso, muitos intrumentos de avaliação são qualitativos, o que dificulta a quantificação dos resultados, limitando a inserção precisa do qualificador no sistema. Talvez por isso a CIF tenha seu uso mais voltado para pesquisas e ainda tenha sido pouco explorado na prática profissional.

Para evidenciar um maior benefício da efetitividade da atuação da equipe de fisioterapia na UTI, seria necessário um grupo ou uma unidade de mesmas características, como controle, que não utilizasse a MIF como norteadora dos atendimentos ou que não tivesse fisioterapeutas. No entanto, além de não ser objetivo do presente estudo, com a obrigatoriedade do fisioterapeuta 18 horas na UTI não seria possível a constituição deste controle. Apesar destes fatos, a aplicabilidade prática da classificação precisa ser alvo de investigações para que os sistemas e serviços possam, de uma maneira prática, classificar a funcionalidade das pessoas, sendo capaz de dar visibilidade a dados relativos a sua funcionalidade.

 

Conclusão

 

O presente estudo representa um avanço na mensuração da funcionalidade humana, pois demonstra uma forma de aplicabilidade prática dessa classificação de referência, e mensura, com reprodutibilidade, dados relacionados à funcionalidade dos sujeitos internados, desde o momento do ingresso na unidade até a alta.

Apesar de diferentes ferramentas de avaliação nos estudos acerca da funcionalidade em UTIs, a CIF parece ser capaz de codificar e quantificar a funcionalidade, em seus aspectos de estrutura cardiotorácica, atividade e participação-mobilidade dos pacientes internados em UTI cardiotorácica, promovendo, assim, a visibilidade de dados em sistemas de informação de maneira reprodutível independente do ambiente.

A maior parte dos pacientes admitidos na unidade apresentou como alterações estruturais a presença de disfunções cardíacas ou ventriculares; apenas 2% dos pacientes internados não realizaram atendimento fisioterapêutico durante o tempo de internação e os pacientes avaliados apresentaram melhora significativa em diversos itens codificados do capítulo de mobilidade.

Mais estudos devem ser desenvolvidos no sentido de padronizar a relação dos instrumentos de avaliação utilizados dentro das rotinas nas UTI cardiotorácicas com os códigos classificadores da CIF, para que, dessa forma, possa-se ter uma noção real do resultado das intervenções funcionais realizadas na unidade, assim como do tratamento fisioterapêutico que pode diretamente influenciar na mobilidade e na redução do tempo de internação.

 

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