RELATO
DE CASOS
Treinamento
muscular inspiratório e atividades de vida diária em idosas com doença de
Parkinson
Inspiratory muscle training and activities of daily
living of elderly with Parkinson disease
Caren Schlottfeldt
Fleck, Ft., M.Sc.*, Laís Rodrigues Gerzson, Ft.**,
Eduardo Matias dos Santos Steidl, Ft.**, Juliana Ramos Ziegler, Ft.**, Nathaly
Marin Hernandez**, Karin de Moura Portela***, Vívian da Pieve Antunes, Ft.****,
Paulo Adão de Medeiros, Ft.*****
*Docente
do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA),
pertencente ao Grupo de Pesquisa Promoção da Saúde
Tecnologias aplicadas a Fisioterapia, Santa Maria/RS, **UNIFRA, Santa
Maria/RS, ***Acadêmica de Fisioterapia (UNIFRA), Santa Maria/RS, ****Mestranda
em Distúrbios da Comunicação Humana (UFSM), docente do Curso de Fisioterapia do
Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), pertencente ao Grupo de Pesquisa
Promoção da Saúde Tecnologias aplicadas a Fisioterapia, Santa Maria/RS,
*****Especialista em Atividade Física, Desempenho Motor e Saúde (UFSM),
Fisioterapeuta da Associação Amparo Providência Lar das Vovózinhas, Santa
Maria/RS
Recebido em 31 de
janeiro de 2014; aceito 11 de setembro de 2014.
Endereço
para correspondência:
Caren Schlottfeldt Fleck, Rua João Belém, 22/402, 97015-540 Santa Maria RS,
E-mail: carenfleck@hotmail.com
Resumo
Introdução: Parkinson é uma
condição degenerativa caracterizada por sintomas como bradicinesia, tremor,
rigidez, diminuição da força muscular e alterações cognitivas. Objetivo: Avaliar a força muscular
inspiratória máxima, o efeito do treinamento muscular inspiratório pré e
pós-treinamento muscular, a presença de dispneia, o padrão ventilatório e a
independência funcional em idosas institucionalizadas com síndrome
parkinsoniana. Material e métodos:
Uma série de casos, com oito idosas, em que se avaliou presença de dispneia,
padrão ventilatório, índice de Katz no pré-treinamento e manovacuometria antes
e depois do fortalecimento da musculatura inspiratória. Utilizou-se Threshold®
IMT, 3x na semana por 30 minutos em dois meses. A carga inspiratória iniciou
com 30% da PImáx com incremento de 10% a cada nove
dias chegando a 50 %. Os dados foram analisados com estatística descritiva e
apresentados em média e desvio padrão e o Teste t para avaliar a diferença
estatisticamente significativa. Resultados:
Obteve-se melhora da PImáx com diferença
estatisticamente significativa (p = 0,004), porém não alcançaram o predito para
a idade das mesmas, no Índice de Katz 50% das idosas eram parcialmente
independentes, 37,5% independentes e 12,5% totalmente dependente. Conclusão: As voluntárias apresentaram
algum grau de dependência em suas atividades de vida diária, e apresentaram
ganho na PImáx após o treinamento.
Palavras-chave: transtornos
parkinsonianos, força muscular, independência funcional.
Abstract
Introduction: Parkinson’s is a degenerative condition characterized by symptoms as
bradykinesia, tremor, rigidity, decrease of muscular force and cognitive alterations.
Objective: To evaluate the maximum
inspiratory muscle strength, the effect of inspiratory muscle training, before
and after training muscle, the presence of dyspnea, the ventilatory
standard and the functional independence in institutionalized elderly woman
with parkinsonian syndrome. Methods:
A series of cases, with eight elderly women, which the presence of dyspnea,
respiratory pattern, Katz index, pre training and manovacuometry
were evaluated before and after strengthening inspiratory muscles. It was used
Threshold ® IMT, 3x a week for 30 minutes in two months. The inspiratory load
started with 30% of PImáx with an increment of 10%
every nine days reaching 50%. Data were analyzed with descriptive statistics
and presented as mean and standard deviation and t test to assess the
difference statistically significant. Results:
We observed that Pimáx improvement was statistically
significant (p = 0.004), but did not reach the predicted for the age of the
same, Katz Index of 50% of the elderly women are partly independent, 37.5%
independent and 12.5% totally dependent. Conclusion:
The volunteers showed some degree of dependence in activities of daily living,
and gain in PImáx after training.
Key-words: parkinsonian
disorders, muscle strength, functional independence.
Um dos fenômenos que
tem chamado à atenção na sociedade brasileira é o extraordinário crescimento da
população acima dos 60 anos. Nas grandes cidades e nos países desenvolvidos
cerca de 20% da população estaria enfrentando as modificações que ocorrem na
terceira idade, como a fragilidade inerente ao envelhecimento, que traz um
aumento da demanda de cuidados intensivos e contínuos [1,2].
Muitos idosos
apresentam sintomas neurológicos caracterizados por tremores, hipocinesia,
rigidez e instabilidade postural decorrentes da síndrome parkinsoniana [3]. O
parkinsonismo pode ter diversas causas como doenças metabólicas, influência de
algumas toxinas e diversas condições neurológicas, porém a doença de Parkinson
torna-se a causa mais comum dessa síndrome [4].
A Doença de Parkinson
(DP) é considerada uma doença degenerativa e crônica, com diversas
características clínicas que irão acarretar complicações motoras, funcionais e
respiratórias, afetando o desempenho funcional dos indivíduos portadores
[5-12].
A principal causa mortis
dos parkinsonianos,
inclusive na DP, é decorrente de complicações do
sistema respiratório, pois a
doença leva ao decréscimo na força muscular
respiratória, o que pode ocorrer
por obstrução das vias aéreas superiores,
diminuição da complacência torácica e
discinesias musculares produzidas pela terapia com Levodopa, resultando
em
hipoventilação, atelectasias, retenção de
secreções pulmonares e infecções [1,2,7].
A restrição da complacência
pulmonar, resultante da redução da amplitude torácica, determina alterações
respiratórias restritivas nos parkinsonianos, resultando em decréscimo da
capacidade funcional, o que interfere diretamente em suas atividades de vida
diária [13].
Baseando-se nessas
premissas, justifica-se o presente estudo pela preocupação com as alterações da
força muscular respiratória e pela perda da independência funcional que ocorrem
na DP, as quais podem repercutir na qualidade de vida do portador. Portanto, o
estudo propôs avaliar a força muscular inspiratória máxima pré e
pós-treinamento muscular inspiratório, o efeito do treinamento muscular, a
presença de dispneia, o padrão ventilatório e a independência funcional em
idosas com DP.
Este estudo
caracterizou-se por ser série de casos abordagem quali-quantitativa, realizado
na Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) Associação Amparo
Providência Lar das Vovozinhas, na cidade de Santa Maria/RS.
A amostra foi
selecionada por conveniência, constituída por 08 idosas, com média de idade de
71,25 anos, com síndrome parkinsoniana que concordaram em participar do estudo
e assinaram espontaneamente o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram
excluídas idosas com incapacidade de compreensão ou déficit cognitivo, as quais
foram avaliadas pelo Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), segundo Folstein et al. [14]; na sequência foi aplicada ficha de avaliação,
através da qual foram coletadas informações referentes aos dados pessoais e
clínicos das participantes. Logo foi avaliada a capacidade funcional, através
do Índice de Katz [15]. Esse instrumento avalia a independência no desempenho
de seis funções (banho, vestir-se, ir ao banheiro, transferência, continência e
alimentação), classificando as pessoas idosas como independentes ou
dependentes. O Índice de Katz, devido à praticidade de sua aplicação e sua
confiabilidade, demonstradas em estudos semelhantes, mostra-se um dos
instrumentos mais adequados, pois é validado para a população brasileira e
beneficia a avaliação tanto de indivíduos idosos, de doentes crônicos e
daqueles em longos períodos de recuperação hospitalar ou, ainda, pode ser
utilizado para avaliar a capacidade funcional do indivíduo na comunidade.
Após foi realizada a
avaliação da força muscular respiratória por meio da medida da pressão
inspiratória máxima (PImáx) cuja mensuração foi feita
por meio de um manovacuômetro analógico, marca Microhard MVD 300, com a
participante sentada, com os braços relaxados ao longo do corpo, adaptando um
clipe nasal para evitar escape aéreo.
Para mensurar a PImáx, foi solicitado a paciente que iniciasse a inspiração
a partir do volume residual (VR), isto é, após uma expiração máxima. A
mensuração foi repetida em cinco manobras máximas, aceitáveis e reprodutíveis
(diferença de 10% ou menos entre os esforços), com intervalo de descanso entre
os esforços de aproximadamente um minuto, sendo registrado o valor mais alto
[16]. Os sujeitos foram orientados a evitar o colapso das bochechas durante a
mensuração e, desta forma, a elevação da pressão da cavidade oral, gerada
exclusivamente por contração da musculatura facial com fechamento da glote.
Utilizou-se a Equação de Neder et al. [17] para o
cálculo dos valores preditos. A manovacuometria foi realizada no início e no
final do tratamento.
A partir disso, os
indivíduos foram submetidos ao treinamento de força da musculatura respiratória
por meio do Threshold® IMT da Respironics, três vezes na semana, com duração de
30 minutos, por dois meses. A prescrição da carga inspiratória esteve entre 30
e 50% da PImáx; a duração da inspiração foi de 40 a
50% do tempo respiratório total. Para a terapia, iniciou-se com carga de 30% de
PImáx [18], com incremento de 10% a cada nove dias,
finalizando com 50% da PImáx inicial. O equipamento era adaptado à boca da
voluntária com um bocal e o uso de um clip nasal evitando escape de ar.
Solicitou-se ao indivíduo uma inspiração profunda no bocal, seguida de uma
expiração do ar inalado. As participantes foram orientadas a realizarem
intervalos de descanso, após três inspirações consecutivas [19].
Ao final do período
de treinamento foi reavaliada a força muscular inspiratória por meio da medida
da pressão inspiratória máxima (PImáx) com o mesmo
instrumento da avaliação pré intervenção.
A pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário
Franciscano (UNIFRA) sob parecer nº 294.2010.2 e assim
respeitou as diretrizes e normas regulamentadoras para pesquisa com seres
humanos apontados pela resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde [20]
garantindo o sigilo e anonimato dos participantes.
Os dados coletados
foram tabelados em planilha do Microsoft Excel 2007, sendo submetidos à análise
estatística descritiva, apresentados em média e desvio padrão. Foi utilizado o
Teste t de Student para avaliar a significância pré e pós-treinamento, da PImáx, pois esta foi a variável avaliada antes e após o
treinamento, estabelecendo-se um nível de significância de p ≥ 0,05, para
isso utilizou-se o SPSS versão 13.0.
Devido ao pequeno
número da amostra não foi possível o emprego de estatística analítica, com
testes de correlação.
O grupo estudado foi
composto por 08 idosas com idade que variaram entre 59 a 91 anos obtendo uma
média de 71,25 anos (± 9,93). No que se refere ao Índice de Katz, a fim de
classificar em totalmente independente, parcialmente independente e
independente de assistência em suas atividades de vida diária (AVD), os
resultados encontrados demonstraram que 50% (n = 4) das idosas foram
classificadas como parcialmente independentes, 37,5%
(n = 3) como independentes e 12.5% (n = 1) como totalmente dependente. Além
disso, salienta-se que as pacientes consideradas parcialmente independentes
foram as que apresentaram melhora em sua PImáx após o
treinamento da força muscular, desta forma poderão possibilitar a realização de
algumas AVD mais facilmente como ir ao banheiro, tomar banho, alimentar-se,
entre outras.
Outros aspectos
analisados durante o estudo foram à dispneia e o padrão respiratório das
pesquisadas, das quais 50 % (n = 4) apresentaram dispneia principalmente quando
as pacientes caminhavam por muito tempo ou realizavam esforços e 50 % (n = 4) não
apresentaram dispneia. A respeito do padrão ventilatório obteve-se os seguintes
dados: padrão apical 25 % (n = 2), padrão diafragmático 12,5 % (n = 1), padrão
misto 62.5 (n = 5).
Tabela
I - Idade, Índice de Katz, dispneia e padrão
respiratório das idosas com doença de Parkinson.
I = independente; PI =
parcialmente independente; TD = totalmente dependente.
Em relação à medida
da PImáx, os dados demonstram que houve um ganho após
o tratamento através do treinamento da musculatura inspiratória (p = 0,004),
estando os resultados reunidos na Tabela II.
Tabela
II -
Força muscular inspiratória pré- e pós-treinamento
das idosas com doença de Parkinson.
cm H2O =
centímetros de água; *Teste t de Student (p = 0,004).
Ao observar o
presente estudo, destaca-se aumento significativo na força dos músculos
inspiratórios nas idosas, evidenciada pelo acréscimo na PImáx.
Os resultados sugerem que o ganho de força da musculatura inspiratória
proporciona melhora da capacidade ventilatória, com aumento no volume pulmonar
devido à amplitude maior de movimento do tórax e do abdômen durante a
inspiração, o que pode contribuir para a melhora do desempenho funcional
respiratório [21].
O estudo do padrão
ventilatório demonstrou uma baixa utilização do padrão diafragmático pelas
idosas o que pode ser confirmado nas pesquisas de Ferreira [22], as quais também
indicam menores fluxos respiratórios, bem como o aumento do volume residual e a
redução da pressão inspiratória relacionados ao agravamento da doença.
Ainda, de acordo com
os resultados, as medidas da força muscular respiratória encontraram-se reduzidas
como nos estudos realizados por Tamaki et al. [23] e
Cardoso e Pereira [24], os quais mostram que na DP há redução da mobilidade
torácica, repercutindo em restrição ao movimento respiratório e, por
consequência, nas capacidades pulmonares. Assim como outros autores descrevem
que as alterações nas curvaturas vertebrais, especialmente a hipercifose
torácica, reduzem a expansibilidade torácica, comprometendo a capacidade
funcional para a realização das atividades de vida diária podendo trazer
prejuízo na força muscular respiratória [25,26].
A postura corporal do
portador de DP é caracterizada como postura em flexão (hiperlordose cervical),
devido às desordens nos sistemas vestibulares, visuais e proprioceptivos os
quais tendem a se deslocar para frente. A postura pode comprometer o sistema
respiratório, devido à perda de flexibilidade da musculatura respiratória [27].
Devido ao vetor de gravidade para frente é provocada a chamada marcha festinada
ou marcha rápida [5]. Ainda, os músculos adutores e abdutores tornam-se mais
contraídos tanto nos membros superiores como nos inferiores [28]. Esta postura
pode não ser notada no início da doença, mas com seu progresso torna-se
perceptível acarretando desordens na caixa torácica e consequentemente na musculatura
respiratória confirmando os achados deste estudo.
Em relação à
funcionalidade, estudos teorizam que uma redução da capacidade vital e da força
muscular respiratória, advindas de um desequilíbrio da força muscular
respiratória, da rigidez, das
alterações posturais e do gradil costal, leva a uma restrição na ventilação,
comprometendo diretamente as atividades de vida diária [29,26].
Após a aplicação do
treinamento muscular inspiratório, houve melhora em relação da força muscular
respiratória, corroborando o estudo de Ilzenberg et al. [30], os quais aplicaram um treinamento muscular inspiratório
em um grupo de parkinsonianos, melhorando os parâmetros de qualidade de vida,
dispneia e resistência muscular respiratória.
Luiz e Oliveira [31]
realizaram estudo com idosos institucionalizados em Foz do Iguaçu no qual
encontraram resultados semelhantes a esta pesquisa, também concluindo que houve
diminuição da força muscular inspiratória.
Outro ponto
importante é que o declínio da força muscular respiratória possui relações
diretas com o processo do envelhecimento, do qual o enrijecimento dos arcos
costais, déficit na força muscular, diminuição da densidade óssea, menos fluxo
sanguíneo cerebral, atrofia muscular, menor incursão diafragmática e redução
dos volumes e capacidades pulmonares, interferem diretamente na força da
musculatura respiratória [32].
Além disso, ocorre
redução da mobilidade da caixa torácica, da elasticidade pulmonar e da
diminuição dos valores da pressão inspiratória máximos, com isso haverá uma
redução da eficiência de tosse, bem como a diminuição da mobilidade dos cílios
do epitélio respiratório [33].
Sendo assim, a
principal causa mortis dos
parkinsonianos é decorrente de complicações respiratórias como a broncopneumonia
e o decréscimo da força muscular respiratória, cujos mecanismos ainda não são
totalmente esclarecidos, porém, teoriza-se que podem ser por diversos fatores
[12,7], o que interfere nas atividades de vida diária, laborais e de lazer
[29].
É importante um maior
aprofundamento sobre a eficiência da fisioterapia respiratória no tratamento de
paciente com síndrome Parkinsoniana, sendo que esta abordagem terapêutica se
tornará ao lado das terapias motoras um alicerce para melhorar a qualidade de vida
e prolongar a independência desses indivíduos. Para tanto, sugere-se que sejam
realizadas outras pesquisas como ensaios clínicos randomizados, abordando o
tema com maior tempo de treinamento muscular respiratório e considerando outras
variáveis relacionadas à patologia de base.
Este estudo
apresentou como principais limitações o número pequeno da mostra e ausência de
um período follow-up.
Conclui-se que as
participantes do estudo apresentaram redução da força muscular respiratória comparado
com os valores de referência e um incremento na força muscular inspiratória
após a intervenção com o fortalecimento muscular inspiratório. Em relação às
AVD, a grande maioria tem algum grau de dependência para realizar as atividades
de vida diária, a dispneia esteve presente na avaliação e o padrão ventilatório
predominante foi o misto.