RELATO
DE CASO
Treinamento
muscular inspiratório e desmame ventilatório de paciente com síndrome pós-pólio
Inspiratory muscle training and ventilation weaning in patient with post-polio syndrome
Balbino
Rivail Ventura Nepomuceno Júnior, Ft.*, Paulo Roberto
Bezerra Oliveira, Ft.**, Fabio Santos de Jesus***, Pedro Vinicius França
Nepomuceno***, Diogo Victor da Silva Lima***, Bernardo Costa Alves Dias***, Julio
César Nascimento Dantas***, Paulo Cesar Almeida Santos***, Thiago Queiroz Pires,
Ft.****
*Professor Adjunto Unime, Diretor Técnico,
Reative Fisioterapia Cardiorrespiratória, **Especialista em Pneumofuncional,
Diretor Administrativo Reative Fisioterapia Cardiorrespiratória, ***Reative Fisioterapia
Cardiorrespiratória, ****Professor Adjunto Unime,
Pesquisador Reative Fisioterapia Cardiorrespiratória
Recebido em 29 de abril de 2014; aceito em 03 de
março de 2015.
Endereço para correspondência: Balbino Rivail Ventura Nepomuceno Junior, Reative Fisioterapia Cardiorrespiratória, Av. Tancredo
Neves, 1283/902, Caminho das Árvores, 41820-021 Salvador BA, E-mail: brvn@ig.com.br, balbino.nepomuceno@reative.com.br
Resumo
A síndrome
pós-pólio (SPP) é a recidiva dos sintomas da poliomielite anterior aguda (PAA),
e o quadro é caracterizado por fraqueza muscular flácida assimétrica, com
frequente comprometimento respiratório e de deglutição, além dos distúrbios de
sono. O presente estudo relata o caso de uma paciente idosa, em ventilação
mecânica domiciliar. Investiu-se no treinamento muscular inspiratório (TMI) com
Powerbreathe® por 30 repetições por 2 vezes ao dia, durante 4 semanas, associado a um programa
de exercícios físicos. Tal estratégia apresentou como desfecho o desmame da ventilação
mecânica (VM), assim como melhora concomitante na Pimax
e Mensuração de Independência Funcional
(MIF), retornando ao final deste curto programa de reabilitação a realizar atividades
laborais em domicílio. O presente relato de caso conclui que o emprego da TMI
em pacientes com SPP pode ser uma estratégia promissora para o desmame
ventilatório.
Palavras-chave: síndrome pós-pólio, treinamento
muscular inspiratório, powerbreathe.
Abstract
The post-polio syndrome (PPS) is the recurrence of the symptoms of acute
anterior poliomyelitis (AAP), and characterized by asymmetrical flaccid muscle
weakness, with respiratory and swallowing impairment, in addition to sleep
disorders. The present study reports the case of an elderly patient in home
mechanical ventilation. We invested in inspiratory muscle training (IMT) ® with
Powerbreathe for 30 repetitions, twice daily, during
4 weeks, associated with a program of physical exercise. This strategy showed weaning
from mechanical ventilation (MV), as well as a concomitant improvement in Pimax and Functional Independence Measure (FIM), returning
at the end of this short rehabilitation program to perform work activities at
home. This case study concludes that the use of IMT in patients with PPS may be
a promising strategy for weaning.
Key-words: post-polio syndrome, inspiratory
muscle training, powerbreathe.
A
poliomielite anterior aguda (PAA) é uma doença neuromuscular (DNM) ocasionada
por enterovirus em indivíduos com idade entre 0 e 2
anos [1-4]. A PAA foi declarada erradicada no Brasil após
imunização em massa [5,6]. A sequela motora tem melhora parcial a depender da
capacidade do neurônio motor anterior (NMA) integro em formar ramificações, no
processo conhecido como neuroplasticidade [3-8]. Em alguns casos, o brotamento axonal do NMA sofre degeneração, num espaço temporal médio
de 42 anos. Esta condição não tem etiologia definida, a sobrecarga dos neurônios
multirramificados e as atividades físicas extenuantes são os fatores
desencadeantes mais aceitos. A recidiva dos sintomas é conhecida com síndrome
pós-poliomielite (SPP). A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que existem
aproximadamente 12 milhões de pessoas com alguma deficiência física,
relacionada à PAA. Todavia, os dados relacionados à SPP não são conhecidos
[1,3].
A
SPP sempre apresenta fraqueza muscular flácida, o
distúrbio do sono ocorre em
72% dos casos, comprometimento respiratório em 41% dos casos e
em 20,9% dos
casos observa-se comprometimento de deglutição. A
fraqueza respiratória,
hipoventilação pulmonar, infecção
recorrente são as complicações
respiratórias mais
comuns [3]. O presente estudo relata o caso de uma paciente em
ventilação
mecânica domiciliar por SPP, desmamada do ventilador
utilizando-se de um
programa de treinamento muscular inspiratório (TMI), associado a
exercícios
físicos.
Paciente
ZBCF, sexo feminino, 77 anos, com internamento hospitalar por 60 dias, devido a
IRPA secundário fraqueza muscular e paresia diafragmática à esquerda associado à
SPP. O diagnóstico da SPP foi confirmado por critérios internacionais [1,2].
Na admissão em domicílio, paciente lúcida, sob ventilação mecânica (VM) domiciliar
no Trilogy 100 da Respironics® via
traqueostomia plástica, modo spontaneous time (ST), intolerante aos modos assistidos. Expansibilidade torácica assimetria à esquerda, com
histórico hospitalar de atelectasia de repetição ipsilateral,
observando escoliose destro-convexa, sequela de PAA em membro superior esquerdo
(MSE) e cintura escapular (I-A). A avaliação inicial da pressão inspiratória
máxima (Pimax) obteve -30 cmH2O,
gasometria arterial com a pressão parcial de dióxido de carbono (PCO2)
pós alta hospitalar de 58 mmHg e pH 7,47. Medical Research
Council (MRC) para aparelho músculo esquelético inicial
foi de 22 pontos, com força muscular (FM) zero para MSE e a capacidade
funcional inicial, caracterizada através da escala Mensuração de Independência
Funcional (MIF) item locomoção, apresentava assistência total (menor de 25% de
contribuição).
O primeiro passo da terapia foi adaptá-la a tolerar
ventilação em modo spontaneous
(S) e a redução na pressão de suporte. Tal processo foi realizado durante 5 dias conforme tolerância, instituído então TMI, com Powerbreathe® plus, serie light, por 30 repetições, 2 vezes ao
dia e carga linear graduado entre 50 e 60% da pressão inspiratória máxima (Pimax), com reavaliação e ajuste de carga semanal [9-12]. Inicialmente
foi empregada carga nível 0, equivalente
a -17 cmH2O de resistência (I-B). Associado ao TMI foi realizado um programa
de exercícios de mobilização e com ciclo ergômetro sem carga. No 3° dia de TMI,
ZBCF manteve com boa tolerância a carga imposta, iniciando deambulação com
apoio bilateral, percorrendo oito metros. Ao final da primeira semana de TMI, a
Pimax foi reavaliada, com melhora para – 50 cmH2O, ajustando carga do Powerbreathe® para nível 1, correspondente a -25 cmH2O. Associado a
tal ganho observado melhora na tolerância ao tubo T (1 hora).
Após ter completado duas semanas de TMI, a carga foi
aumentada para nível 2, equivalente a -33 cmH2O,
já tolerando 3 horas em tubo T. Na terceira semana de treino (21 dias), a
paciente apresentava tolerância de 18 horas em VE e teve desmame da VM
estabelecida. Mantinha BORG 02 e PCO2 63mmHg
com Ph 7,42, carga nível 3 para o TMI. A deambulação adaptada com bengala de
quatro pontos, atingindo 50 metros/dia. Ao final das quatro semanas
estabelecidas para TMI sua Pimax era -60cmH2O (I-C) e a cânula de traqueostomia
plástica foi trocada por metálica n° 05. Neste momento a paciente realizava atividades
de vida diária (AVD) com supervisão, o MIF para o item locomoção era
dependência modificada (necessário supervisão), MRC 36 (FM grau 0 para MSE), retomando, então, as atribuições ocupacionais
do próprio domicílio.
No quadragésimo segundo dia, correspondente a 6 semanas de início do TMI, a paciente foi decanulada, reiniciando TMI com carga mínima para manutenção
de ganho em Pimax. Após remoção da via aérea
artificial, iniciou-se ventilação não-invasiva (VNI)
noturna dado distúrbio de sono peculiar à SPP, sendo observado melhora na qualidade
do sono, reduzindo despertar durante a noite e contribuindo para a estabilidade
nos níveis de PCO2 (60-65 mmHg). Após 90 dias da decanulação,
a paciente ZBCF foi levada na Igreja do Bonfim em Salvador/BA, conforme
sincretismo religioso da mesma (I-D).
Figura 1 - 1-A - Alinhamento corporal no início do protocolo de reabilitação proposto (1° dia de TMI); 1-B - ZBCF realizando TMI com Powerbreathe® plus light; 1-C - Comportamento da Pimax ao longo do TMI; 1-D - ZBCF na Igreja do Bonfim em Salvador/BA.
Discussão
O
presente relato expõe resultados positivos para a Pimax,
MIF e desmame ventilatório em uma paciente com SPP, a partir da realização de
TMI com Powerbreathe®. Tal treinamento seguiu protocolo,
com atribuição de carga baseada na literatura [9-12].
Segundo
Neves et al. [1], o processo de reabilitação do
paciente com SPP é composto de atividades de baixa intensidade, abstendo
sobrecarga. No presente estudo, observou-se que a instituição de carga, guiada
por marcadores de função, tem adequada tolerância mesmo em doentes
neuromusculares. A escala esforço de Borg, os níveis
de PCO2, o MRC, a Pimax, a frequência
cardíaca (FC) foram marcadores utilizados para delimitar a carga imposta para a
terapia física respiratória e motora.
Inzelberg et al. [9] observaram redução na percepção de dispneia em pacientes
com Parkinson (p < 0.05), tal achado guarda relação com o incremento na Pimax de 62,0 ± 8,2 para 78,0 ± 7,5 cmH2O (p <
0,05) após TMI. McConnell and
Lomax [12], por sua vez, apoiaram-se na teoria do metaborreflexo para justificar o efeito positivo do TMI
sobre a fadigabilidade de músculos inspiratórios. Os
achados embasam os resultados favoráveis ao desmame ventilatório expostos no
presente relato de caso.
Fly et al. [13], em estudo randomizado, com 46 pacientes com Esclerose
Múltipla (EM), realizaram 10 semanas de TMI com Threshold
IMT® versus não intervenção, com o grupo intervenção obtendo melhora significante
em Pimax, 71,4% versus 6,4% da força (p = 0,003). No
presente estudo, também foi utilizado um dispositivo de carga linear em DNM. Em
outro estudo, abordando Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Cheah et al. [14] não obtiveram incremento
significante em Pimax (p = 0,39), com TMI após 12
semanas. Vale ressaltar o caráter progressivo da ELA, atrelado a um n de 9 pacientes por grupo, com treino sem reajuste de carga, ou
marcação de tolerância da mesma.
Neste
relato de caso, observou que a instituição segura de carga respiratória e
motora é útil para a reabilitação do paciente com SPP. Foram limitações do
estudo o fato do protocolo ser testado em uma única paciente e as informações terem
sido coletadas de dados secundários. Fazendo-se assim necessários maiores
estudos sobre TMI no paciente com SPP.
Conclusão
Este
relato de caso expõe o desfecho positivo para o desmame ventilatório de uma
paciente com SPP, utilizando o TMI como estratégia principal. Foi observado que
a adoção racional da carga muscular respiratória pode proporcionar ganhos ao
paciente com SPP, mesmo sob VM. A prescrição do exercício deve ser sempre guiada
por marcadores de tolerância, minimizando sobrecarga.
Referências