REVISÃO
O
kinesio taping no tratamento da paralisia cerebral
The kinesio taping in the treatment of
cerebral palsy
Flora Marina Batista
Grave*, Luan Rafael Aguiar*, Nildo Manoel da Silva Ribeiro, Ft. M.Sc.***
*Graduandos em Fisioterapia
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), **Universidade Federal da Bahia
(UFBA)
Recebido em 18 de
setembro de 2014; aceito em 2 de março de 2015.
Endereço
para correspondência:
Flora Marina Batista Grave, Rua Alberto Fiuza, 270, 41720-025 Salvador BA,
E-mail: floragravefisio@gmail.com
Resumo
Introdução: A paralisia
cerebral é uma desordem não progressiva do Sistema Nervoso Central, que
prejudica a coordenação motora da criança de forma permanente, causando
limitações em suas atividades de vida diária. No Brasil existem 30000 a 40000
novos casos por ano. Para que estas crianças sejam estimuladas durante o seu
desenvolvimento neuropsicomotor, a fisioterapia utiliza diversas estratégias de
reabilitação. Objetivo: Este artigo
tem como objetivo avaliar a eficácia e segurança do kinesio taping no tratamento de crianças com paralisia cerebral. Material e métodos: Foi realizada uma
busca nas bases de dados Pubmed, Lilacs, Bireme, Scielo, PEDro
e Cochrane, utilizando 4 palavras chaves, buscando ensaios clínicos
randomizados publicados entre 2009 e 2014. Resultados:
Após uma seleção inicial e aplicação
dos critérios de inclusão, a revisão
sistemática contou com 2 ensaios clínicos
randomizados, com média de 5,5 na escala PEDro, uma amostra de 35 crianças com
idades de 7,5 (± 3,5). Conclusão: A
aplicação do kinesio taping é segura, porém apresenta poucas evidências
funcionais no tratamento de crianças com paralisia cerebral.
Palavras-chave: kinesio taping,
bandagem elástica, paralisia cerebral.
Abstract
Introduction: The cerebral palsy is a central nervous system’s non-progressive
disorder that damages the child motor coordination in a permanent way, causing
limitations in daily life. In Brazil, there are between 30000 to 40000 new
cases of cerebral palsy per year. In order to stimulate these children during
the neuropsychomotor development, the physical
therapy uses different rehabilitation strategies. Objective: The aim of this review was to assess the efficacy and
security of kinesio taping in the treatment of
children with cerebral palsy. Methods:
A search on data bases Pubmed, Lilacs, Bireme, Scielo, PEDro e Cochrane was
performed, with 4 key-words, aiming at finding randomized clinical trials
published between 2009 and 2014. Results:
After an initial selection and application of criterions of inclusion, the
systematic review counted on 2 randomized clinical trials with an average score
of 5.5 in PEDro’s scale, a sample of 35 children 7.5
(± 3.5) years old. Conclusion: The
application of kinesio taping is safe, but there is
little functional evidence in its use in children with cerebral palsy.
Key-words: cerebral
palsy, kinesio taping, children.
A Paralisia Cerebral
(PC) é definida pelo National Institute
of Neurological Disorder and Stroke (NINDS) como conjunto de distúrbios
neurológicos que surgem durante o período pré, peri ou
pós natal, ou ainda durante a primeira infância, e prejudicam a movimentação e
coordenação motora da criança permanentemente, mas não pioram com o tempo [1].
A PC é frequentemente acompanhada por distúrbios de sensação, percepção,
cognição, comunicação e comportamento, por epilepsia e por problemas
musculoesqueléticos secundários [2].
Sua classificação
mais comumente observada é a espástica, reconhecida pelo tônus elevado,
exacerbação dos reflexos tendíneos, resistência ao alongamento passivo e rápido
[3-5]. Frequentemente relacionada à lesão do neurônio motor superior, a
espasticidade leva a uma alteração no controle postural e motor, nos reflexos
primitivos e profundos, na percepção e sensibilidade [4].
As outras formas não
tão frequentes são: discinética, atáxica, hipotônica e mista. Estudos atuais
estimam uma prevalência mundial de dois a três indivíduos acometidos pela PC a
cada mil nascidos vivos [6]. Os países subdesenvolvidos apresentam 7 casos a cada 1000 nascidos vivos, o Brasil tem 30.000 a
40.000 novos casos por ano [7].
As crianças
acometidas por esta doença devem ser acompanhadas por uma equipe
multiprofissional com o objetivo de auxiliar nos níveis de atividades de vida
diária (AVD), como higiene pessoal, alimentação e locomoção, e participação
social, como ir à escola, brincar, etc. A fisioterapia participa desta equipe a
fim de auxiliar o desenvolvimento neuropsicomotor desta criança que cria
padrões de movimento e postura diferentes dos habituais. Para tanto diversas
abordagens de reabilitação foram desenvolvidas.
Neste artigo
trataremos da bandagem elástica, ou Kinesio Taping (KT), uma técnica criada
pelo japonês Kenzo Kase, em 1996, na qual uma fita adesiva elástica com
capacidade de distensão longitudinal é aplicada diretamente à pele. A sua
utilização tem como objetivo replicar o estímulo tátil do fisioterapeuta, além
de imitar as características de peso e densidade da pele [8].
O KT vem sendo associado
a PC com diversos objetivos, tais como reorganização do padrão postural,
estimulo a músculos superficiais, mas principalmente como forma de regular o
tônus muscular. Este estudo tem como objetivo realizar um levantamento das
evidências científicas que registraram o uso do KT no tratamento de crianças
com PC, bem como a segurança desta técnica no tratamento do público alvo
selecionado.
O presente estudo
refere-se a uma revisão bibliográfica sistemática, com a participação de dois revisores
que realizaram as buscas iniciais isoladamente nas seguintes bases de dados:
Pubmed, Lilacs, Bireme, Scielo, PEDro e Cochrane. As
palavras chaves utilizadas nestas buscas, paralisia cerebral e modalidades da
fisioterapia, são descritores em ciências da saúde (DECs). Os termos kinesio
taping e bandagem elástica, apesar de não serem descritores oficiais, foram
incluídos por serem de fundamental importância para que não houvesse perda de
nenhum artigo.
Todos os descritores
foram utilizados em português e inglês a fim de que houvesse acesso ao maior
número de publicações possíveis, conectados pelos operadores booleanos “AND” e
“OR”. Apesar de a técnica escolhida ser registrada mundialmente como KT,
nacionalmente, ela também ficou conhecida como bandagem elástica, justificando
a inserção do termo nas palavras chaves da revisão.
Foi realizada uma
busca inicial nos meses de maio e junho de 2014, através da qual os revisores
selecionaram os estudos através da leitura dos títulos e resumos de cada
artigo. Destes artigos selecionados foram incluídos os ensaios clínicos
randomizados publicados em inglês, português, ou espanhol, no período de 2009 a
2014. Estas produções utilizaram o KT no tratamento de crianças com paralisia
cerebral.
Foram excluídos os
artigos que não utilizaram a aplicação do KT visando à melhoria funcional dos
seus respectivos participantes.
519 artigos foram
identificados numa busca inicial. Após a leitura dos títulos e resumos, 513
publicações foram descartadas por se tratar de outras intervenções, puderam-se
observar muitas publicações duplicadas. Dos seis ensaios clínicos selecionados,
dois foram excluídos por utilizarem o KT para fins fonoaudiológicos, um foi
excluído por não se tratar de um ensaio clínico randomizado e outro, por estar
fora do período de publicação delimitado pelos revisores.
Figura
1 – Fluxograma da busca nas bases de dados.
Apenas dois dos seis
artigos selecionados atendiam a este critério e foram avaliados segundo a
escala PEDro, alcançando a pontuação média de 5,5. Os
artigos contaram com uma amostra de 35 crianças, com idade média de 7,5 (± 3,5)
anos.
Tabela
I - Avaliação na escala Pedro.
Quadro
I - Resultado das buscas.
Os ensaios clínicos
selecionados abordam o impacto do KT na funcionalidade e AVD da criança com PC.
Dentro do desfecho funcionalidade, alguns pontos específicos foram abordados
por Simsek et al. [9], como: postura sentada, função
motora grossa e independência funcional; enquanto Costa et al. [10] abordaram a transferência de sentado para de pé,
controle postural dinâmico e o equilíbrio estático. A partir de uma análise
crítica foi possível observar que houve efeitos positivos para alguns destes
desfechos específicos: a transferência de sentado para de pé e a postura sentada.
Os ensaios clínicos
não apresentaram homogeneidade na classificação das crianças segundo a escala
GMFCS (Sistema de Classificação da Função Motora Grossa), podendo encontrar neste
grupo crianças correspondentes a todos os níveis da escala, exceto o nível II.
Esta escala é utilizada para classificar o nível de função motora de crianças
com PC, diferenciando-as quanto ao nível de assistência necessário para
realizar uma tarefa e quanto às suas incapacidades motoras [3,4,11].
A heterogeneidade na
classificação da amostra na escala GMFCS e os diferentes grupos musculares que
sofreram aplicação do KT nos estudos desta revisão podem ter influenciado
diretamente na diferença de resultados para o desfecho função motora grossa.
Considerando que sentar e levantar faz parte da função motora grossa, é
coerente afirmar que os estudos tiveram desfechos diferentes neste contexto.
No estudo piloto
realizado por Costa et al. [10], a aplicação da fita nos
músculos tibial anterior (TA) e quadríceps foi realizada para avaliar a
influência dos ângulos articulares do joelho e tornozelo na transferência de
sentado para de pé (STS), alcançando resultados positivos neste aspecto da função
motora grossa.
Os resultados
alcançados por Simsek et al. [9] estão de acordo com a aplicação
realizada, a fita permaneceu aplicada estimulando/inibindo os eretores da
espinha por 3 dias, e foi reaplicada após um período de descanso de 24 h.
Segundo Kenzo Kase, a fita deve permanecer aplicada de 3 a 5 dias, dando um
período de descanso de 24 h a pele [8,12,13]. Simsek et
al. [9] utilizaram o tempo mínimo do estímulo para crianças com nível de PC
mais grave, retirando a fita durante as primeiras 72 h, quando há o pico do
estímulo [14], podendo justificar os resultados não significativos para a
função motora grossa.
Nesta revisão pode-se
observar que apenas estudos de coorte, como o desenvolvido por Simsek et al. [9] puderam registrar efeitos,
ainda que sutis, da fisioterapia convencional em conjunto com a aplicação do KT
sob o equilíbrio estático. Enquanto em estudo de corte transversal, realizado
por Costa et al. [10] não houve tempo suficiente para
observar efeitos do KT no mesmo desfecho, registrando apenas a eficácia da
técnica em atividades dinâmicas, como sentar e levantar.
O desenvolvimento do
equilíbrio estático e dinâmico faz parte do desenvolvimento neuropsicomotor de
toda criança e as crianças com PC precisam de maior estímulo para que haja progressão
no seu crescimento. No desenvolvimento deste estudo pode ser observado que o KT
se mostrou ineficiente neste quesito.
O grupo muscular
paravertebral tem forte influência sobre a postura sentada, porém a aplicação
do KT nesta musculatura não resultou em grandes diferenças no controle postural
sentado, influenciando apenas na estabilidade do tronco, sem alterar a
independência funcional. Neste segundo desfecho, a independência funcional está
diretamente ligada à funcionalidade das extremidades, MMSS e MMII, gerando
resultados insatisfatórios. Kenzo Kase afirma que para obter melhores
resultados, a aplicação da bandagem elástica deve ser tanto na área do sintoma
como na causa do mesmo, o que justifica a manutenção do grau de independência
funcional [12].
Simsek et al. [9] e Costa et al.
[10] concordam quanto a repercussão do KT no do desfecho
funcional do equilíbrio estático. Apesar de terem foco em
musculaturas
diferentes, concluíram que há resultados pouco
significativos em relação ao
equilíbrio estático. Numa revisão
sistemática realizada por Teixeira, Alves e
Pedroso concluiu-se que crianças com PC demonstram possuir maior
dificuldade na
manutenção do equilíbrio estático devido
às contrações musculares involuntárias
e ao espasmo muscular, que está diretamente relacionado aos
déficits do SNC
[15]. Sendo assim a técnica do KT se torna insuficiente para
estabilidade
estática por possuir efeitos locais, que não atingem a
causa do problema.
Os dois autores
realizaram estudos que tinham como ponto de partida a postura sentada por se
tratar da postura mais utilizada por crianças com PC. Segundo Lopes e David, as
crianças com PC demonstram dificuldade em permanecer muito tempo de pé, ou na
realização de suas AVD em ortostase, justificando a necessidade do desenvolvimento
da capacidade funcional máxima na posição sentado [16].
Por outro lado, o KT
demonstrou ser uma técnica segura, por não comprometer o tratamento
convencional oferecido, como se pôde observar no estudo realizado por Simsek et al. [9]. Seguindo instruções da técnica, foi incluído um
período de teste em que 2-3 cm de fita permaneceu aplicado na pele por 24 h,
alertando aos pais e cuidadores quanto a possibilidade
de reações alérgicas. Apenas uma criança deixou o estudo por demonstrar
intolerância à fita. Sendo assim, a técnica de bandagem elástica não representa
ameaça ao tratamento de crianças com paralisia cerebral, mas pode ser um forte
aliado quando aplicado corretamente.
A aplicação do KT é
segura, porém apresenta poucas evidências funcionais no tratamento de crianças
com PC. Portanto, reconhecemos as limitações deste estudo em razão do pequeno
número de artigos e sinalizamos a necessidade de estudos mais aprofundados da
aplicação da técnica no público alvo selecionado.