ARTIGO ORIGINAL
Comparação da
variabilidade da frequência cardíaca entre mulheres com câncer de mama e
mulheres saudáveis: um estudo cego
Comparison of heart
rate variability among women with breast cancer and healthy women: a blind
study
Rodrigo
Santiago Barbosa Rocha, Ft. M.Sc.*,
Gabriela Chrystine Franco Pamplona, Ft.**, Geovanni
Alex Rocha de Sousa, Ft.**, Valéria Cristina Borges Barros, Ft.**, Larissa
Salgado de Oliveira Rocha, M.Sc.***, Marlene
Aparecida Moreno, Ft. D.Sc.***
*Curso de
Fisioterapia da Universidade da Amazônia (UNAMA), Departamento de ciências do
movimento humano da universidade do estado do Pará (UEPA), Programa de Pós
Graduação em Ciências do Movimento Humano da Universidade Metodista de
Piracicaba (UNIMEP), **Curso de Fisioterapia da Universidade da Amazônia
(UNAMA), ***Programa de Pós Graduação em Ciências do Movimento Humano da
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)
Recebido
em 10 de abril de 2016; aceito 16 de maio de 2017.
Endereço para
correspondência:
Rodrigo Santiago Barbosa Rocha, Universidade do Estado do Pará, Travessa Perebebuí, 2623, 66087-670 Belém PA, E-mail:
fisiorocha2000@yahoo.com.br; Gabriela Chrystine
Franco Pamplona: gabycfp46@gmail.com; Geovanni Alex Rocha de Sousa:
rochageovanni@gmail.com; Valéria Cristina Borges Barros:
valeriacristinabarros@gmail.com; Larissa Salgado de Oliveira Rocha:
lari1980@gmail.com; Marlene Aparecida Moreno: ma.moreno@terra.com.br
Resumo
Introdução: O câncer de mama é
o crescimento descontrolado de uma massa tumoral nas células do tecido epitelial
da mama, prevalente em mulheres a partir dos 35 anos, tendo como tratamento a
quimioterapia por vezes associada à radioterapia e à cirurgia mamaria,
entretanto, a quimioterapia age de forma inespecífica gerando alterações como a
neurotoxicidade, causada pelas substâncias
administradas. Objetivo: Comparar a
Variabilidade da Frequência Cardíaca entre mulheres com câncer de mama e
saudáveis. Material e métodos: Estudo
transversal, não randomizado, comparativo e cego, de caráter quantitativo, com
mulheres entre 25 e 75 anos, formando grupo câncer de mama (29) internadas no
Hospital Ophir Loyola que tenham realizado
quimioterapia, e grupo de mulheres saudáveis (24). Utilizou-se o Polar® modelo RS800cx para coleta que ocorreu na enfermaria do hospital,
enquanto que as saudáveis no Ambulatório de Fisioterapia da Universidade da
Amazônia, ambos em Belém/PA. Resultados:
O desvio padrão da média de todos os intervalos cardíacos normais, a largura da
linha de base do histograma de intervalo cardíaco, a dispersão dos pontos
perpendiculares à linha de identidade e a dispersão dos pontos ao longo da
linha de identidade demonstraram valores superiores no grupo saudável em
relação ao grupo controle. O domínio de análise linear não apresentou variáveis
com diferença estatística. Conclusão:
O presente estudo concluiu que a quimioterapia realizada em mulheres com câncer
de mama altera a Variabilidade da Frequência Cardíaca em comparação a mulheres
saudáveis.
Palavras-chave: neoplasias da mama,
quimioterapia, frequência cardíaca, sistema nervoso autônomo.
Abstract
Background: Breast cancer is
the uncontrolled growth of a tumor mass in cells of the epithelial tissue of
the breast, prevalent in women from 35 years, having as a treatment
chemotherapy sometimes associated with radiotherapy and breast surgery,
however, chemotherapy acts in a non-specific manner generating changes such as
neurotoxicity, caused by the drugs administered. Objective: To compare the Heart Rate Variability among women with
breast cancer and healthy women. Method:
A cross-sectional, non-randomized, comparative and blind, of quantitative
character study, with women between 25 and 75 years, forming a breast cancer
group (29), hospitalized at Hospital Ophir Loyola and treated by chemotherapy,
and healthy women group (24). The Polar® model RS800cx was used for data
collection that occurred in the hospital infirmary, while the healthy ones in
the Physiotherapy Outpatient Clinic of the University of the Amazon, both in Belém, Pará, Brazil. Results : The
standard deviation of the mean of all normal cardiac intervals, the baseline
width of the cardiac interval histogram, the dispersion of the points
perpendicular to the line of identity and the dispersion of points along the
line of identity showed higher values in the healthy group in relation to the
control group. The domain of linear analysis did not have variables with
statistical difference. Conclusion:
The present study concluded that chemotherapy in women with breast cancer
changes the Heart Rate Variability compared to healthy women.
Key-words: breast neoplasms, drug therapy,
heart rate, autonomic nervous system.
O câncer (CA) de mama é caracterizado pelo
crescimento descontrolado de uma massa tumoral nas células do tecido epitelial
da mama [1]. Mesmo acometendo ambos os sexos, sua prevalência é em mulheres
(homens representam 1% do total de casos da doença) a partir dos 35 anos, como
demonstrou o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) que em 2013 das 14.388
mortes por CA de mama apenas 181 são homens. A Organização Mundial de Saúde
(OMS) em 2014 identificou que 450 mil mortes ao ano são por CA de mama, no
Brasil 49 casos a cada 100.000 mulheres; para o Instituto Nacional de Câncer
(INCA) a estimativa é de 21,4 milhões de casos novos de câncer e 13,2 milhões
de mortes para o ano de 2030 [2], enquanto isso, para 2016 a estimativa de
novos casos no Brasil é de 57.960, 840 casos a mais do que foi estimado para
2015, enquanto que para os Estados Unidos, em 2015, a estimativa foi de 231.840
novos casos [3].
Por sua alta incidência o
CA de mama dispõe de várias formas de tratamento e a cirurgia de
ressecção do tumor, a quimioterapia e radioterapia são as formas convencionais
após um diagnóstico fechado pelo médico [4-5]. Dentre estas terapias, a
quimioterapia pode ser associada a radioterapia ou a
cirurgia mamária, no intuito de redução da massa tumoral ou para evitar uma
intervenção cirúrgica [6], afinal a quimioterapia ataca ciclos ou fases de
ciclos de células de rápida divisão celular, bem como as células naturais do
corpo humano que possuem tal característica, gerando assim efeitos colaterais,
como alterações do sistema nervoso devido a uma neurotoxicidade,
causada pelas substâncias administradas [7].
Ao afetar o sistema nervoso torna-se
interessante analisar a variabilidade da frequência cardíaca (VFC), já que é
uma avaliação não-invasiva do controle neural sob
coração, relatando as alterações nos intervalos entre batimentos cardíacos
consecutivos (iRR) relacionadas às influências do
Sistema Nervoso Autônomo (SNA) sobre o nódulo sinusal. Além disso, os índices
que a VFC oferece são viáveis para o entendimento de condições normais ou
patológicas, em que se valia a modulação autonômica cardíaca, detectando
pacientes com alto risco para eventos mórbidos relacionados ao sistema
cardiovascular [8-9].
Sendo assim, o seguinte trabalho possui o
objetivo de comparar a Variabilidade da Frequência Cardíaca entre mulheres com
CA de mama e mulheres saudáveis.
Participantes
Os participantes foram divididos em dois
grupos na faixa etária entre 25 e 75 anos: o primeiro constituído por mulheres
com CA de mama, internadas no HOL, que realizaram quimioterapia, e haviam
acabado o ciclo de quimioterapia entre 24 e 48 horas; já o segundo formado por
mulheres saudáveis. Foram excluídos mulheres mastectomizadas,
que realizaram quimioterapia há mais de 1 ano, que
estavam com linfedema, que fizeram uso de drogas vasoativas, betabloqueadores,
que usavam marca-passo cardíaco, que tinham doenças cardiovasculares associadas
como insuficiência cardíaca, doença de Chagas, valvulopatias,
infarto agudo do miocárdio, diabetes e que tenham disfunção do SNA.
Coleta de dados
A pesquisa, do tipo observacional
transversal, não randomizado e comparativo, de caráter quantitativo, foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Amazônia (UNAMA)
com o parecer de número (nº) 1.325.360, e as mulheres que aceitaram participar
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de
dados foi realizada na enfermaria do Hospital Ophir
Loyola (HOL) e no Ambulatório de Fisioterapia da Universidade da Amazônia, de
segunda a sábado das 8h às 18h, no período de dezembro de 2015 a maio de 2016.
O pesquisador instruiu a voluntária a
deitar-se em decúbito dorsal, sendo mantidas por 5 minutos em repouso, em
seguida foi instalada a cinta do POLAR® RS800cx no
tórax na altura do processo xifoide do esterno, o voluntário permaneceu durante
10 minutos em repouso para coleta por meio do monitor de frequência cardíaca,
onde o sinal foi captado pela cinta com um receptor do sinal. A captação foi
gravada e em seguida transferida para o Software do programa Polar ProTrainer
por meio de uma interface de emissão de sinais infravermelhos, sendo
armazenados e, em sequência, foram exportados para o formato txt, para que através da coleta de dados, a análise por uma
rotina matemática no programa Kubios HRV 2.2,
realizada por um avaliador cego, que não sabia o grupo em que seria alocada
cada paciente.
Dos 10 minutos coletados, 5 minutos do trecho
de melhor estabilidade foi selecionado para a referida análise no domínio do
tempo o intervalo de RR (iRR),
o desvio padrão da média de todos os intervalos RR normais (SDNN), a raiz
quadrada da média dos quadrados das diferenças entre intervalos RR consecutivos
(RMSSD), a porcentagem dos intervalos RR adjacentes com diferença de duração
maior que 50ms (pNN50), a largura da linha de base do histograma de RR (TINN).
Foi realizada também a análise de variáveis no domínio da frequência com os
dados da baixa frequência (BF), alta frequência (AF) e a razão entre baixa e
alta frequência (BF/AF). Foram analisadas também as variáveis não lineares de
dispersão dos pontos perpendiculares à linha de identidade (SD1), a dispersão
dos pontos ao longo da linha de identidade (SD2) e a Entropia Shannon.
Análise estatística
Os dados foram tabulados na planilha do
Excel®, em seguida, realizou-se a análise dos dados no programa BioEstat® 5.2, onde foi utilizado
o teste de Shapiro-wilk para análise da normalidade
dos dados seguidos do Teste t de student, utilizando
p ≤ 0.05.
Participaram do estudo 53 mulheres, entre 25
e 75 anos, sendo divididas em dois grupos. O grupo de mulheres com CA de mama
(GM) com 29 voluntárias e o grupo de mulheres saudáveis (GS) com 24
voluntárias, apresentando características clínicas e demográficas descritas na
Tabela I através de média e desvio padrão (DP).
Tabela I - Características clínicas e demográficas.
FR
= Frequência Respiratória; PAS = Pressão Arterial Sistólica; PAD = Pressão
Arterial Diastólica; TI =Tempo de internação; * para p ≤ 0,05.
As variáveis relacionadas à análise da
variabilidade da frequência cardíaca são demonstradas na tabela II.
Em relação a VFC,
das 5 variáveis lineares do domínio tempo os valores encontrados para as
variáveis SDNN e TINN apresentaram significância estatística entre o grupo GM e
o grupo controle (p = 0,03 e p = 0,05, respectivamente), enquanto que o índice RMSSD
não demonstrou valor de significância (p = 0,06).
Nas variáveis lineares do domínio da
frequência os índices de BF, AF e a razão BF/AF não demonstraram significância
estatística entre os GM e GC (p = 0,62, p = 0,62 e p = 0,21, respectivamente).
Já as variáveis não-lineares
SD1 e SD2 demonstraram significância, entre o GM e GC (p = 0,04 e p = 0,01,
respectivamente), no entanto a Entropia Shannon não demonstrou significância
entre os grupos (p = 0,85).
Tabela II - Análise das variáveis entre o grupo saudável
e grupo com CA de mama.
iRR = Intervalo RR; SDNN
= Desvio padrão da média de todos os intervalos RR normais; RMSSD = Raiz
quadrada da média dos quadrados das diferenças entre intervalos RR
consecutivos; pNN50 = Porcentagem dos intervalos RR adjacentes com diferença de
duração maior que 50ms; TINN = Largura da linha de base do histograma de RR;
SD1 = Dispersão dos pontos perpendiculares à linha de identidade; SD2 =
Dispersão dos pontos ao longo da linha de identidade; LF = Baixa frequência; HF
= Alta frequência; LF/HF = Razão entre baixa e alta frequência; * pvalor ≤ 0,05.
A quimioterapia alterou a modulação
autonômica da frequência cardíaca das voluntárias com CA de mama, possuindo as
mesmas menor variabilidade da frequência cardíaca com maior influência do
sistema nervoso simpático sobre a função cardíaca.
O CA de mama é uma
patologia agressiva, de início silencioso e progressão lenta, sendo importante
um diagnóstico precoce para uma maior viabilidade de expectativa de vida ou
cura. Possui uma maior incidência a partir dos 40 anos tendo uma média de 53
anos, fato que corrobora a presente pesquisa a qual apresenta uma média de
42,57 ± 15,90 anos [2]. Dentre as características das voluntárias a variável
que apresentou significância foi a de pressão arterial sistólica (PAS), que se
encontra dentre os fatores de risco vascular, e os níveis elevados de
hipertensão indicam uma menor VFC em relação às pessoas normotensas, e estes ao
apresentar uma VFC reduzida estão mais suscetíveis a mostrar uma redução da sua
variabilidade [10-11].
As variáveis da VFC auxiliam no entendimento
clínico em relação às variáveis fisiológicas, afinal o aumento da variabilidade
demonstra uma boa adaptação e manutenção fisiológica do organismo, além de que
o frequencímetro é de fácil aplicação e não-invasivo em comparação ao eletrocardiograma [12].
Os resultados no domínio tempo apresentaram
significância nas variáveis SDNN e TINN, demonstrando a mensuração do IRR
normal (batimento sinusal) durante um determinado período de tempo e, por
métodos estatísticos, permite calcular os índices tradutores de flutuação na
duração dos ciclos cardíacos [13]. O segundo domínio da análise linear, domínio
de frequência, não apresentou nenhuma variável com relevância científica nos
testes de análise aplicados, ou seja, nenhuma das variáveis apresentou um p
valor ≤ 0,05 [12].
Em relação as
variáveis do domínio de tempo, tanto sua forma linear quanto não-linear
apresentou relevância científica, que se referem a procedimentos estatísticos e
geométricos sobre intervalos RR normais num eletrocardiograma dentro de um
período de tempo, refletindo o balanço vago-simpático [14]. Ao possuir uma
relevância das variáveis SDNN e TINN, que indica uma hiperatividade simpática
tendo assim uma diminuição de VFC [15], e das variáveis SD1 e SD2 (variáveis não-lineares do domínio tempo) confirma-se a correlação dos
índices do domínio tempo onde SDNN e TINN análises lineares e SD1 e SD2
não-lineares [16].
Fatores como obesidade, má alimentação,
sedentarismo e estilo de vida ao associar-se a menopausa, reduz a atividade simpato-vagal tornando-se propensas a doenças
cardiovasculares, e a redução de morbimortalidade depende da boa atividade
parassimpática [17]. Sendo assim, é possível compreender que mulheres acima dos
40 anos, próximas a menopausa e com risco de câncer de mama sofrem uma
alteração cardiovascular severa, e maior ainda se somada as
substâncias quimioterápicas administradas que possuem determinadas complicações
que entram em desarranjo com o Sistema Nervoso Autônomo, o modulador autonômico
cardíaco, como a neurotoxicidade, sequelas no sistema
nervoso central e miocardiopatias, confirmando assim
a importância e favorável aplicabilidade da análise da VFC utilizando o frequencímetro [3].
A neurotoxicidade
por quimioterapia gera comprometimento cognitivo maior em pacientes com câncer
de mama em tratamento quimioterápico adjuvante, em que a dificuldade de
concentração, memória de curto prazo e planejamento de tarefas surgem como
consequências neurotóxicas, relacionando-se ainda ao
estresse, fadiga e ansiedade do diagnóstico de câncer de mama, assim analisar a
variabilidade da frequência cardíaca torna-se fundamental em estas pacientes
[10].
As limitações do estudo incluem que as
voluntárias do estudo se encontravam em diferentes períodos de internação,
ainda o número de voluntárias nos grupos diferiu e houve um pequeno número de
voluntárias no estudo.
Conclui-se que a realização da quimioterapia
por mulheres com câncer de mama altera a variabilidade da frequência cardíaca,
causando uma diminuição da mesma em comparação às mulheres saudáveis,
demonstrando maior ativação do sistema nervoso autônomo simpático em mulheres
que foram tratadas por quimioterapia para o câncer de mama.