REVISÃO
Revisão sistemática
sobre os posicionamentos de tilt e recline
para usuários de cadeira de rodas
Systematic review of
the tilt and recline positions for wheelchair users
Luma
Carolina Câmara Gradim*, Paulo Vinicius Braga Mendes**, Debora Caires Paulisso, M.Sc.***,
Daniel Marinho Cezar Da Cruz****
*Terapeuta
Ocupacional, Doutoranda no Programa de Engenharia Elétrica da Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), **Terapeuta Ocupacional,
Doutorando no Programa de Pós Graduação em Terapia Ocupacional pela
Universidade Federal de São Carlos (PPGTO/UFSCar),***Terapeuta Ocupacional,
****Terapeuta Ocupacional, Professor do Departamento de Terapia Ocupacional e
do Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar, Coordenador do
Laboratório de Análise Funcional e de Ajudas Técnicas
Recebido
em 18 de janeiro de 2018; aceito em 15 de maio de 2018.
Endereço para
correspondência:
Luma Carolina Câmara Gradim, Rua Pedro de Almeida, 31, 13572-500 São Carlos SP,
E-mail: luma.gradim@gmail.com; Paulo Vinicius Braga Mendes:
paulomendes3@hotmail.com; Debora Caires Paulisso:
deboracaires2@gmail.com; Daniel Marinho Cezar Da Cruz: cruzdmc@gmail.com
Resumo
Introdução: O uso prolongado de
cadeira de rodas pode acarretar em lesões por pressão, dores e perda de
independência funcional. O método de inclinação e/ou de reclinar (tilt/recline) é prescrito para neutralizar e
minimizar esses efeitos nocivos. Porém, não há um consenso de qual ângulo
destes recursos é o ideal, bem como a eficiência destes para os usuários. Objetivos: a) conhecer e verificar quais
angulações dos sistemas de posicionamento de tilt e recline são mais utilizadas e favoráveis para os usuários de
cadeira de rodas e; b) classificar pesquisas encontradas pelo seu nível de
evidência. Métodos: Trata-se de uma
revisão sistemática sem meta-análise. Foram recuperados artigos publicados até
setembro de 2017, na Biblioteca Virtual em Saúde-BVS, Pubmed,
Scopus, Web of Science e OTseeker, utilizando as
palavras-chave: “wheelchair”, “tilt-in-space”, “tilt-recline”,
“recline”, “pressure relief”
e “repositioning systems”. Resultados: A maioria dos artigos selecionados correspondeu ao
nível IV de evidência, que se caracteriza como estudos não experimentais. Os
principais resultados apontam que a combinação de tilt e recline favorece o alívio de pressão na região das nádegas dos
usuários de cadeira de rodas e promove conforto postural, mas para existir
eficácia, há a necessidade de maiores angulações. Identificou-se que os menores
ângulos são os mais realizados pelos usuários de cadeira de rodas, com a
finalidade de gerar conforto e alívio de pressão. Conclusão: A prescrição e utilização dos sistemas de
posicionamentos variáveis favorecem o usuário de cadeira de rodas, sendo os
efeitos proporcionalmente relacionados ao grau de angulação adotado.
Palavras-chave: úlcera por pressão,
reabilitação, traumatismos da medula espinal, cadeiras de rodas.
Abstract
Introduction: Prolonged use of a
wheelchair may result in pressure peak, pain, pressure ulcers and loss of
functional independence. The method of tilting and/or reclining (tilt/recline)
is prescribed in order to relieve and minimize these adverse effects. However,
there is no consensus on which angle of these features is the ideal, and also
the efficiency of these resources to users. Objective:
To identify and analyze the practices on the use of tilt and recline systems
described in the national and international research through a systematic
review. Methods: The articles
recovered were published until September 2017, on Virtual Health Library-BVS,
PubMed, Scopus, Web of Science and OTSeeker using the
keywords "wheelchair", "tilt-in- space",
"tilt-recline", "recline”, “pressure relief" and
"repositioning systems". Results:
We found 17 publications. The main results show that the combination of tilt
and recline favors the pressure relief in the buttocks region of wheelchair
users and promotes postural comfort, but to be effective there is a need for
higher angles of tilt and recline, despite the difficulty to specify the
optimal degree or accurate time to use this feature and most of the articles
corresponds to the level IV of evidence, which is characterized as
non-experimental studies. Conclusion: Regardless of the angles made the
prescription and use of variable positioning systems favor the wheelchair user,
and the effects proportionally related to the degree of angulation adopted.
Key-words: pressure ulcer, rehabilitation,
spinal cord injuries, wheelchairs.
As úlceras de pressão (UP), denominadas em
abril/2016 como lesões por pressão pela National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP), são
caracterizadas como uma área de necrose tissular nos tecidos da pele que podem
se desenvolver no corpo quando o tecido mole é comprimido entre uma proeminência
óssea (principalmente sacro e ísquios na região das nádegas) e uma superfície
externa por um longo período de tempo, diminuindo o fluxo sanguíneo local, e a
perfusão da pele, o que facilita o surgimento de lesão por isquemia tecidual e
necrose [1].
Uma lesão por pressão na pele pode ser
ocasionada quando há uma intensidade e longa duração da pressão em um
determinado local de contato com uma proeminência óssea, porém existem fatores
extrínsecos e intrínsecos ligados a essa problemática, como a fricção,
cisalhamentos (estresse mecânico paralelo ao plano), umidade, imobilidade e
redução ou perda da sensibilidade e força muscular. Além disso, afetam
significativamente a qualidade de vida de usuários de cadeira de rodas (CR) com
doenças neurológicas ou neuromusculares [1-5].
A prevalência dessa complicação está
atribuída ao fato de usuários de CR permanecerem longos períodos na posição
sentada, concentrando cerca de 50% do peso corporal em apenas 8% de área de
superfície corpórea situada na região das nádegas. Estima-se que pelo menos
metade dessa população já desenvolveu ou está propensa a desenvolver uma lesão
por pressão na vida, sendo 85% de incidência ao longo da vida e 70% de
recorrência em casos crônicos [6-9].
Existem diversas recomendações de métodos de
prevenção de tais lesões em cadeiras de rodas para serem realizadas durante a
reabilitação e mesmo no dia a dia, como, por exemplo, exame diário da pele,
manutenção da pele limpa e seca, nutrição da pele, ter uma prescrição individualizada
de CR com uma almofada para redistribuição e alívio de pressão, monitoramento
de peso e, de acordo com os estudos de Sprigle et al. [14], realizar deslocamentos
preventivos de peso para aliviar a pressão fora das nádegas enquanto estiver
sentado a fim de minimizar os riscos de ruptura da pele [10-14].
Em pessoas que utilizam CR, principalmente em
casos neurológicos, quando existe algum fator na extremidade superior do tronco
como fraqueza, espasticidade, limitações articulares, ou outros que impeçam a
própria pessoa de desempenhar fisicamente um deslocamento preventivo de peso
adequado ao longo do dia, os sistemas de posições de assento variável que
incluem tilt
e recline são opções viáveis [14].
O tilt (figura 1-A) é um sistema de inclinação que opera no
plano sagital no qual há uma alteração na orientação do ângulo do assento da CR
em relação ao solo, mantendo os ângulos do assento para trás. Essa posição
auxilia na redistribuição de cargas do assento para o encosto, mudando a posição
de vertical sentado para inclinada para trás. E o recline (figura 1-B) é um sistema de reclinar o qual proporciona
uma mudança na orientação do encosto para trás mantendo um ângulo de inclinação
constante em relação ao solo e aumentando o ângulo de inclinação entre assento
e encosto [6,14].
Figura 1 - Tipos de posicionamentos da cadeira de
rodas. Observa-se em A a
inclinação do tipo tilt e, em B, recline.
Atualmente, as cadeiras de rodas com tilt e recline são disponíveis em dois modelos:
o manual ou motorizado. O primeiro modelo é destinado a usuários que possuem a
capacidade de operar manualmente o tilt e o recline
de suas cadeiras para mudança de seu posicionamento de forma mecânica, ou
contam com ajuda de cuidadores para realizar a manobra [6,15]. Já o segundo
modelo é prescrito para aqueles cuja condição médica limita o recurso manual de
tilt e recline de sua CR, devido a inúmeros
fatores como deficiências motoras, cognitivas ou sensoriais. Então, para que
estes usuários se beneficiem da mudança postural, e, apesar de sua limitação,
consigam realizá-la de forma independente, a CR motorizada possui um mecanismo
próprio para fazer a mudança postural por meio de um controle. Destaca-se que
sempre deve ser avaliada a sua idade, grau de lesão e controle postural,
situação médica e social de cada pessoa e respeitando sua singularidade e
necessidade na prescrição do modelo de CR ideal [6,15-17].
Os dois sistemas acima fornecem um
posicionamento assistido da pessoa na CR e podem, a depender de alguns
fabricantes, ser encontrados também em ângulos fixos na estrutura da CR. Este
esquema é viável quando o indivíduo precisa de certa inclinação e reclino para
ter um melhor posicionamento e acomodação do tronco. Uma das vantagens de ter
um alinhamento adequado na posição sentada, devido à fixação destes, é o
aumento da função, que juntamente com o uso de apoios de pernas e pés auxiliam
na melhora do equilíbrio, na realização de atividades da vida diária (AVD’s), e a manter o posicionamento seguro durante manobras
em CR [6,18,19].
Em relação às diferentes angulações de tilt e recline, existem evidências de que a CR
em maiores ângulos de tilt
e recline leva a uma redução da isquemia
nos tecidos da pele e do risco de lesão por pressão e que, pelo menos 20° de tilt, é
necessário para reduzir efetivamente a pressão de interface e prevenir lesões
por pressão. Esse é um fator relevante, pois profissionais costumeiramente
indicam 15° de tilt
na CR para os seus pacientes como estratégia de alívio de pressão. Além disso,
o autor Nachemson aponta que o recline de 80° a 130° aumenta o conforto da pessoa na CR e pode ter
melhor estabilidade juntamente com uma angulação de tilt de pelo menos 6° no assento,
evitando a propensão de deslizar para fora do mesmo [7,20].
Nesse contexto, o estudo de Hobson [21] traz apontamentos de que a combinação de tilt e recline pode reduzir a pressão e
cisalhamento na interface nádega e almofada, porém o posicionamento de recline isolado pode causar força de
cisalhamento na interface da nádega e assento de almofada, bem como reduzir ou
impedir a realização das atividades de vida diária da pessoa em CR. Isso
predispõe um estado de incapacidade funcional e dependência do indivíduo
[20-23].
A fim de identificar as práticas que vêm
sendo utilizadas com a abordagem de posições e das diferentes angulações de tilt e recline em indivíduos em CR, teve-se por
objetivo conhecer os estudos e métodos e verificar quais angulações dos
sistemas de posicionamento de tilt e recline são
mais favoráveis para esses usuários de CR.
Tipo de revisão
Trata-se de um estudo de revisão sistemática
sem meta-análise que, de acordo com Grant e Booth,
busca, sistematicamente, selecionar, sintetizar e avaliar evidências [24].
Bases de dados
Esse estudo de revisão foi realizado no
período de novembro a dezembro de 2015, nas seguintes bases de dados: PubMed, SCOPUS, Web of Science, Medline, Lilacs e OTseeker nos idiomas
português, inglês e espanhol, abrangendo artigos publicados até setembro de
2017. Não foi especificada uma data de início para a busca, a fim de alcançar
todas as publicações dentro da temática. A escolha de tais bases
bibliográficas ocorreu a partir da relevância que estas possuem na
área da saúde, pois indexam os principais periódicos necessários para o
desenvolvimento da pesquisa na área.
Foram utilizados os seguintes descritores: “wheelchairs”, “tilt-in-space”, “tilt-recline”, “recline”,
“pressure relief” e “repositioning systems”.
Critérios de inclusão
Foram incluídos artigos originais, estudos de
caso, relatos de experiência e revisões sistemáticas de literatura, disponíveis
na íntegra e com foco de estudo no tema de posições variáveis em CR, sendo elas
o tilt e o recline como sistema de reposicionamento
para alívio de pressão, independentemente do método de pesquisa utilizado,
equipamentos e de características clínicas de pacientes, considerando apenas o
uso dos sistemas de tilt
e recline para prevenção de lesões
por pressão. Foram incluídos ainda estudos com amostras representativas e não
representativas.
Critérios de exclusão
Foram excluídos resumos publicados em anais,
teses, dissertações, Trabalhos de Conclusão de Curso, cartas ao editor,
comunicações breves, livros, publicações que não se enquadraram no recorte
temporal estabelecido e estudos que não respondiam à pergunta de pesquisa
estabelecida inicialmente. Estudos encontrados em mais de uma base de dados
foram considerados somente uma vez.
Para o processo de inclusão ou exclusão, dois
revisores fizeram a leitura dos resumos e, com base nos critérios acima
descritos, os artigos que se encaixaram foram selecionados. Nos casos em que
não houve concordâncias entre os dois avaliadores, um terceiro avaliador
decidiu, com base na leitura integral do estudo.
A partir da combinação desses descritores, e
considerando os termos encontrados nos títulos ou resumos, foram localizadas
158 produções. Após eliminar os estudos duplicados entre as bases, permaneceram
27 artigos, e, após aplicação dos critérios, foram excluídas 5
produções que não se enquadraram no critério de inclusão de ter como foco de
estudo o tema de posições variáveis em CR, sendo elas o tilt e o recline para prevenção de lesão por pressão. Com isso, a amostra
final desta revisão foi constituída por 22 artigos que foram analisados na
íntegra (25), como consta no fluxograma (figura 2)
Figura 2 - Fluxograma PRISMA 2009.
Os artigos selecionados foram divididos em
níveis hierárquicos de evidência, com base na hierarquia proposta por Moore et al. [26]. Os artigos foram
classificados por sua qualidade metodológica, onde Nível I corresponde a melhor
categoria e Nível V a com menor qualidade. Os artigos que se referem a revisões
de literatura de múltiplos Ensaios Clínicos Randomizados são classificados como
Nível I; artigos que descrevem um Ensaio Clínico Randomizado são classificados
como Nível II; artigos que se referem a Ensaios Clínicos não Randomizados
constituem o Nível III; artigos de Estudos não Experimentais nível IV e Estudos
Descritivos constituem a menor camada de força de evidência, Nível V.
Para a avaliação do nível de evidência dois
avaliadores classificaram de maneira independente os artigos selecionados, com
base na leitura integral dos documentos e, nos casos em que os dois primeiros
avaliadores discordaram, um terceiro avaliador decidiu.
Análise dos dados
Para avaliação dos dados, elaborou-se uma tabela
contendo as informações necessárias para responder à questão norteadora desta
revisão. A análise e interpretação dos dados foram realizadas de forma
organizada e sintetizada por meio de uma tabela que compreendeu os seguintes
itens: identificação do estudo, temática, objetivos, delineamento do estudo,
procedimentos metodológicos, principais resultados, contribuições, ano,
periódico de publicação e nível de evidência.
Os resultados foram analisados de forma
descritiva a partir de três categorias dos principais desfechos de cada
pesquisa: Categoria 1- Evidências sobre alívio de pressão e respostas
biomecânicas; Categoria 2- Evidências com grupos controle saudáveis
e Categoria 3- Evidências sobre perfusão sanguínea.
A Tabela I apresenta os artigos achados e
considerados para análise contendo assuntos de tilt e recline.
Tabela I - Artigos incluídos na revisão contendo
assuntos de tilt e recline. (ver anexo em PDF)
A partir dos 22 artigos analisados,
observou-se que, dentre as publicações, foi evidenciado número representativo
(n=9) de artigos de tilt
e recline em revistas sobre
reabilitação, não houve nenhuma publicação entre os periódicos brasileiros.
Em relação ao ano de publicação, constatou-se
que, nos anos de 2010, 2011, 2013 e 2014 a produção sobre o assunto foi maior,
concentrando-se em um total de três publicações em cada ano. Com relação ao
tipo de pesquisa, predominou a metodologia de abordagem quantitativa, tendo
como cenário de estudo o contexto da reabilitação física [27].
Também se observa que a maioria dos artigos
se aloca no nível IV de evidência, que se caracteriza como estudos não
experimentais, bem desenhados [26]. Em seguida, observa-se que, considerando os
artigos que compuseram a revisão de literatura dos autores Michael et al. [28] há um número significativo de
estudos Nível II (Ensaios Clínicos Randomizados) e Nível III (Ensaios Clínicos
não Randomizados), classes que representam um nível alto de evidência. O menor
nível de evidência, Nível V (Estudos Descritivos) foi identificado em apenas
dois estudos [28].
A partir dos artigos analisados, pode-se
verificar que há o predomínio de pesquisas envolvendo pessoas com lesão medular
(LM) e, apesar das diferenças entre angulações, no geral, os estudos afirmam
que o posicionamento de tilt
e recline em CR traz benefícios aos
usuários, como alívio de pressão na região das nádegas, perfusão sanguínea nos
tecidos dessa área, conforto, pode favorecer a adequação postural e evitar
lesões por pressão, variando a qualidade destes de acordo com o grau feito.
Em 52,94% (n=9) das pesquisas, foram
utilizados um dos ou todos os ângulos que possuem resultados comprovados
clinicamente em experimentos, sendo eles 15° 25°e 35° de tilt e 100° e 120° de recline,
entretanto, destaca-se que foi encontrada a necessidade de maiores ângulos nos
estudos para observar melhores resultados, já que muitos apresentaram
limitações de angulações e no uso de equipamentos [8,29-32].
De modo geral, os métodos que estão sendo
utilizados para contribuir com as definições de tilt e recline para alívio de
pressão em usuários de CR englobam o uso de sistemas de mapeamento de pressão,
medidores portáteis e aparelhos de perfusão sanguínea em diferentes ângulos de tilt e recline e principalmente em estudos não
experimentais. Foram descobertas que as maiores angulações dos sistemas de
posicionamento de tilt
e recline são as mais favoráveis em
resultados eficazes para usuários de CR.
Os artigos que avaliaram e trouxeram
resultados baseados no experimento realizado com diferentes ângulos apontaram
que os ângulos de 25° de tilt
e 120° de recline ou 35° de tilt e 100° de recline são os mais eficazes para alívio
de pressão e aumento de perfusão sanguínea. Destacam ainda que os menores
ângulos são os mais realizados pelos usuários de CR, com a finalidade de gerar
conforto na postura e alívio de pressão. Este aspecto também foi identificado
nas pesquisas, destacando que os menores ângulos favorecem tais finalidades,
entretanto, não são eficazes como métodos preventivos de lesões por pressão.
Categoria 1 -
Evidências sobre alívio de pressão e respostas biomecânicas.
A revisão sistemática dos autores Michael et al. [28], sobre diversas angulações
para comparação tanto de tilt
quanto de recline em CR para pessoas
com deficiências neurológicas ou neuromusculares, ressalta que o uso de ambos
os recursos pode reduzir as pressões na interface sob a pelve em pessoas com deficiência
neurológica ou neuromuscular incapazes de andar. Todos os estudos da revisão
analisaram populações com comprometimento neurológico, destacando-se crianças
com paralisia cerebral ou adultos com LM. A análise
deste último grupo pode ser explicada devido ao fato de que as lesões por
pressão são complicações muito frequentes em pacientes com esse diagnóstico, o
que evidencia a necessidade de estudos para redução de pressão na interface
assento e nádega dessas pessoas [28,33].
O estudo dos autores Ding
et al. [29] traz a avaliação da relação
entre diferentes posições de tilt e recline com
o tempo de permanência nessas posturas para causar o alívio da pressão, por
intermédio do uso de um medidor portátil. Foi observado que os 11 indivíduos
usaram mais a combinação de ambos os sistemas por aproximadamente 4,8 horas por
dia, ao invés de utilizarem os sistemas separadamente durante as atividades
diárias. Os resultados da análise estatística indicaram que os participantes
passaram mais tempo em posição de tilt e recline
combinados do que na posição ereta, e que os ângulos mais realizados foram os
menores (2,5° a 15°), depois os intermediários (15° a 30°) e os menos
utilizados foram os maiores (30° e superiores), que são os mais indicados pelos
clínicos. O estudo mostrou que, com a realização das diferentes posições de tilt e recline, houve uma redução considerável
nos picos de pressão durante a coleta deste estudo, e que todos demonstraram um
alívio da pressão durante a utilização de tilt entre 2,5° a 15°, promovendo
também conforto ao usuário [29].
Em contrapartida, os autores Jan et al. [7] criticaram esse critério de
avaliação, e, utilizando um laser de fluxometria,
demonstraram a eficácia do alívio de pressão na perfusão sanguínea na região
dos ísquios com 35º de tilt
quando combinada com 100º de recline
e pelo menos 25º de tilt
quando combinado com 120º de recline
em pessoas com lesão medular. Para estes autores outras posições são cômodas,
mas não apresentaram mudanças significativas quanto à perfusão. E, neste
segundo posicionamento da CR, houve alívio da pressão sobre as tuberosidades
dos ísquios [7].
No estudo de Ding et al. [30], os autores utilizaram um
medidor portátil, com 11 usuários de cadeiras de rodas a fim de identificar
como os sujeitos faziam uso dos sistemas de posicionamentos tilt e recline. Participaram 36,3% indivíduos com LM, 27,3% com paralisia
cerebral, 27,3% com esclerose múltipla, e 9,1% com distrofia muscular. O estudo
mostrou que os usuários utilizavam a CR em média 11,8 ± 3,4 horas por dia e
realizavam transferências aproximadamente cinco vezes por dia. O uso dos dois
sistemas combinados favoreceu mais o alívio de pressão do que usados
separadamente. Os ângulos mais realizados foram os menores (até 20°); e no
quesito de ‘razões para utilizar os sistemas, foi identificado que todos
fizeram o tilt
e recline para conforto da postura e
70% utilizaram também para alívio de pressão na região das nádegas [30].
No documento oficial de Dicciano
et al. [6] e atualizado em 2015 [34], os
autores trazem que os posicionamentos de tilt e recline podem ser úteis e medicamente necessários para questões
relacionadas com a adequação postural, funcionalidade, transferências e
questões biomecânicas e fisiológicas, contraturas ou deformidades,
espasticidade, alívio de pressão, conforto, ou movimento dinâmico. No entanto,
esses posicionamentos não são necessários para todos os usuários de CR,
portanto, é preciso uma avaliação clínica de cada caso, buscando tratar ou
prevenir os problemas citados [6,34].
Sonenblum & Sprigle [32] buscaram melhorar o uso de tilt para aumentar a função,
saúde e qualidade de vida para as pessoas que utilizam cadeiras de rodas
motorizadas. Especificamente, este estudo avaliou as respostas biomecânicas dos
ângulos de 15°, 30°, 45° e 55° de tilt em pessoas com lesão medular. Como resultado, foi visto
que as respostas biomecânicas para o tilt foram altamente variáveis, a redução da pressão na
tuberosidade isquiática não foi vista em 15°, e também não ocorreu com
angulações maiores que 30°. Isso se deve pela posição vertical da pressão em tilt, onde há
influência de outros mecanismos que afetam o fluxo sanguíneo. Ao contrário da
pressão, o fluxo sanguíneo aumentou em todos os graus de tilt. Só 4
de 11 participantes tiveram aumentos do fluxo sanguíneo menor ou igual a 10% em
30° de tilt,
enquanto 9 participantes apresentaram alívio dos pontos de pressão durante a
inclinação máxima (máxima ou acima de 45°) [32].
Categoria 2 - Evidências com grupos controle saudáveis.
A fim de investigar a abordagem mais eficaz
de tilt e recline na redistribuição de peso para
alívio de pressão nas nádegas, Gefen et al. [35] realizaram um estudo com
pessoas sem deficiência utilizando sensores para medições em 3D. Nos resultados
apresentados, os autores afirmam que o tilt foi eficaz para regular a força de cisalhamento. Para a
região do sacro e pressões na região dos ísquios, observou-se que a influência
do recline foi menos eficaz, pois
quando este é realizado, ocorrem constantes pressões na interface com as coxas,
juntamente com o escorregamento da região do sacro para frente (aumento da
força de cisalhamento). As posições realizadas chegaram a alterar a carga do
sacro em até 70% do valor inicial. Os autores sugerem futuras investigações
sobre a influência da amplitude de movimento de pelve e a mobilidade da coluna
na distribuição da pressão durante o tilt e recline
[35].
Sprigle, Maurer
& Sorenblum [14] utilizaram indivíduos sem
deficiência e com LM sentados em uma CR motorizada com sensores de pressão
colocados entre a espuma da almofada de assento e o corpo dos participantes
para identificar a quantidade de redução de pressão entre os métodos tilt, recline e em pé. Os dados foram
coletados em 5 posições com ângulos diferentes para
cada método, sendo eles: 0°, 15°, 25°, 40° e 55° de tilt, 10°, 30°, 50°, 70° e 90° de
recline e 0°, 20°, 40°, 60° e 75° em pé. Como resultados do estudo, observou-se
que o aumento da descarga de peso sobre o encosto ao realizar o tilt foi maior
quando comparado ao recline. Os
autores apontaram também que a utilização de 50° de tilt ou 60° de recline causa a
redução de 60% da descarga de peso no assento da CR. A redistribuição de
carga diferiu nos dois grupos estudados; o impacto de atrito e cisalhamento não
foi quantificado [14].
O estudo de Fujita et al. [31] propôs avaliar os efeitos de tilt e recline no mecanismo de perfusão sanguínea e na distribuição de
pressão em 20 pessoas sem deficiência. Foram utilizadas quatro condições: 5°,
10°, 20° de tilt
e a combinação de tilt
e recline completos (ao máximo). Os
resultados mostraram maior eficácia de alívio de pressão e aumento da perfusão
sanguínea na última condição descrita. Além disso, em comparação com as outras
condições, o tilt
e recline realizados ao máximo
diminuíram a área de contato, especialmente na região femoral posterior,
mostrando, assim, que a combinação de tilt e recline em
maiores ângulos favorece os tecidos das nádegas, aliviando pressão e aumentando
perfusão sanguínea, principalmente em usuários que não podem realizar
ativamente o bombeamento muscular [31].
Baseando-se em evidências clínicas, o estudo
de Fu et al. [36] objetivou demonstrar a viabilidade
de técnicas de classificação automática para construir um protótipo inteligente
chamado de “modelo inteligente” que gerasse orientação personalizada para
indivíduos com LM na utilização de tilt e recline e
investigasse a resposta do fluxo sanguíneo na região das nádegas. O protocolo
considerou a combinação de cinco ângulos clinicamente comprovados em resultados
de experimentos: 15°, 25°e 35° de tilt, e 100° e 120° de recline, resultando em seis condições.
Utilizando 5 minutos de descanso entre cada posição e 5 minutos em cada
posição, foi usado um aparelho para medir a perfusão sanguínea sobre a
tuberosidade isquiática. Os resultados experimentais demonstraram que os
autores poderiam efetivamente construir e refinar o modelo inteligente, para
que a precisão da previsão fosse significativamente melhorada para mostrar os
ângulos mais favoráveis de tilt e o recline
da CR individualizada para as pessoas com LM. Para conhecimento geral, este foi
o primeiro estudo usando modelos inteligentes para prever os melhores ângulos
de tilt e recline em CR [36].
Categoria 3 -
Evidências sobre perfusão sanguínea.
O estudo realizado em 2012 pelos autores Fu et al. [37] vai ao encontro de outro
realizado pelos mesmos autores em 2011, uma vez que, nesse artigo, os autores
propõem a construção de um sistema inteligente de orientação clínica sobre o
uso eficaz do tilt
e recline em CR. O objetivo foi
aumentar o fluxo sanguíneo da pele para os tecidos isquêmicos para evitar danos
irreversíveis, por meio do tilt e recline.
Para isso, foi proposto usar uma rede neural artificial (RNA) para prever a
resposta do fluxo sanguíneo na região de pressão. Os resultados experimentais
desta RNA mostram que a abordagem proposta é promissora para melhorar a
qualidade preditiva, tornando possíveis prescrições mais exatas e calculadas
das angulações de tilt
e recline para cada indivíduo de
maneira singular.
O estudo Jan et al. [8] utilizou combinações de cinco ângulos: 15°, 25°e 35° de tilt, e 100° e
120° de recline, resultando em seis
condições, com 5 minutos de descanso entre cada posição e 5 minutos em cada
posição, a fim de comparar a eficácia destas sobre o reforço muscular e
perfusão da pele ao longo dos ísquios em pessoas com LM. Sobre isso, é
importante ressaltar que as pessoas com LM ficam muitas horas na postura sentada
o que pode prejudicar a saúde da pele que mantém contato com as superfícies de
apoio, pois os maiores pontos de pressão na postura sentada são concentrados
nos ísquios. Tal evidência confirma a importância de estudos visando favorecer
o alívio de pressão nessa região em especial [8,38].
Também foi utilizada a espectroscopia de
infravermelho e laser Doppler de fluxometria para
avaliação da perfusão muscular. Os resultados deste estudo apontaram que os
ângulos de 15°, 25° e 35° em tilt juntamente com 120° de recline e o de 35° de tilt com 100° de recline são eficazes para perfusão
sanguínea da pele nas regiões de pressão e no reforço muscular, sendo o mais
eficaz de todas as combinações entre 25° de tilt e 120° de recline como cuidados de prevenção das
lesões por pressão. Apesar disso, foi visto que os maiores ângulos de tilt e recline alcançaram melhores resultados
no reforço muscular em comparação com a perfusão da pele [8].
No estudo de Jan et al. [39], os autores buscaram comparar diversos tempos de duração
em diferentes ângulos de tilt
e recline da CR para garantir o
reforço da perfusão da pele sobre a tuberosidade isquiática e demonstrou que,
para uma melhor performance de tilt e recline nesse
contexto, o usuário de CR deve realizar pelo menos 3 minutos em determinada
posição para ser efetiva a diminuição da isquemia dos tecidos na tuberosidade
dos ísquios [39].
Jan & Crane
[40] utilizaram as mesmas seis condições descritas no estudo anterior para
verificar o efeito desses ângulos para perfusão da pele sacral em pessoas com
LM. Como resultado, os autores apresentaram que não houve uma diferença
significativa em todos os seis protocolos realizados quando se muda de uma
posição vertical para um tilt
ou recline no que se refere à
perfusão na pele da região sacral [40].
Em 2014, Fu et al. [41], seguindo o raciocínio e linha clínica de estudo com o
modelo inteligente, realizaram um novo estudo com o objetivo de demonstrar a
viabilidade da técnica de aprendizado para melhorar a precisão da previsão do
modelo inteligente para fornecer orientação personalizada de tilt e recline na resposta do fluxo sanguíneo
na pele em indivíduos com LM. O resultado se dá a partir da ligação entre os
dados do participante e as angulações (15°, 25° e 35° de tilt e 100° e 120° de recline), o modelo inteligente
classifica as configurações de tilt e recline em
duas classes: a classe positiva (que é favorável para aumentar o fluxo
sanguíneo na pele) e a classe negativa (contrário da positiva). Os autores
melhoraram ainda mais a precisão da previsão do modelo inteligente e
efetivamente refinaram este modelo para que a precisão da previsão fosse
significativamente melhorada, com todos os dados demonstrados por porcentagens
e gráficos [41].
Lung et al. [42] realizaram um estudo com o objetivo de determinar o
efeito da localização e tamanho da janela do sensor no cálculo do índice de
pico de pressão (PPI) de um mapeamento de pressão com diferentes graus de tilt e recline na CR em pessoas com LM. É
sabido que os picos de pressão na região isquiática em indivíduos com LM são
maiores que aqueles encontrados em indivíduos sem deficiência, e isso pode ser justificado pelas alterações de sensibilidade e motoras que
ocasionam mudanças no tônus muscular e tecidual da região glútea [32,42].
A partir desta revisão, foi possível concluir
que estão sendo utilizados diferentes métodos práticos em pesquisas para a
contribuição de definições de tilt e recline que
forneçam alívio de pressão para os usuários de CR, bem como o uso de diversas
angulações dos sistemas de posicionamento de tilt e recline em pesquisas, com a finalidade de conhecer e encontrar os
mais favoráveis para esses usuários de CR, por meio de métodos biomecânicos e
uso de aparelhos e equipamentos que auxiliam nos resultados das pesquisas.
A partir da revisão realizada e dos artigos
analisados, pode-se identificar que os posicionamentos de tilt e recline em CR favorecem os quadros clínicos dos usuários e trazem
benefícios para a saúde, desde que devidamente prescritos, de acordo com cada
caso. Entretanto, todos os artigos evidenciaram a presença de variáveis não
controláveis nos estudos, ressaltando a necessidade de se especificar os casos
para uso dos sistemas de posicionamento em tilt e recline.
Em relação aos níveis de evidência, não houve
nenhum estudo com nível I, que se refere às revisões de literatura de ensaios
clínicos randomizados na área. Sugere-se, então, que novas pesquisas com esse
rigor de qualidade sejam desenvolvidas, pois representam o melhor nível, na
medida em que são mais generalizáveis e menos vulneráveis a erros.
Em contrapartida, uma possível justificativa
para não terem sido encontradas evidências Nível I, pode ser pelo fato de que,
como limitação à metodologia deste estudo de revisão, artigos originais cuja
revista necessitava de assinatura para permitir acesso ao texto na íntegra e
aqueles cujo acesso ao artigo era pago, foram excluídos e não puderam ser analisados.
Conclui-se, então, que as pesquisas
publicadas sobre os sistemas de posicionamento de tilt e recline
buscam mostrar que estes são métodos viáveis para
amenizar
os agravos da saúde, também como métodos de
prevenção de lesões por pressão e
importantes
para o dia a dia do usuário de CR. Há a necessidade do
desenvolvimento de
pesquisas no Brasil, uma vez que as condições
climáticas, clínicas,
socioculturais, os tipos de cadeiras de rodas disponíveis, entre
outras, são
variáveis importantes e que, hipoteticamente, podem repercutir
em diferentes
resultados aos já existentes na pesquisa internacional.