ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do membro superior pós-acidente vascular encefálico: correlação das escalas Motor Activity Log, Fugl-Meyer e Medida de Independência Funcional

Assessment of upper limb pos-stroke: correlation between Motor Activity Log, Fugl-Meyer and Functional Independence Measure scales

 

Sayonara Rodrigues da Silva*, Luana Augusta Pimenta Bezerra*, Lucivânia de Medeiros Freitas*, Candice Simões Pimenta de Medeiros**, Enio Walker Azevedo Cacho***, Roberta de Oliveira Cacho**

 

*Fisioterapeuta, formada pela Faculdade de Ciência da Saúde do Trairi, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (FACISA/UFRN), Santa Cruz/RN, **Mestranda em Fisioterapia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ***Professor Adjunto do curso de Fisioterapia da Faculdade de Ciência da Saúde do Trairi, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (FACISA/UFRN), Santa Cruz/RN

 

Recebido 14 de agosto de 2017; aceito 15 de dezembro de 2017.

Endereço para correspondência: Roberta de Oliveira Cacho, Rua Vila Trairi, s/n, Centro 59200-000 Santa Cruz RN, E-mail: ro_fisio1@hotmail.com; Sayonara Rodrigues da Silva: sayorodrigues@hotmail.com, Luana Augusta Pimenta Bezerra: luana_augustarn@hotmail.com; Lucivânia de Medeiros Freitas: luhdlm@hotmail.com; Candice Simões Pimenta de Medeiros: candice_spmedeiros@yahoo.com.br; Enio Walker Azevedo Cacho: eniowalker@bol.com.br

 

Resumo

Objetivo: O objetivo do estudo foi identificar a correlação existente entre as escalas de avaliação do Membro Superior (MS), Motor Activity Log (MAL), Medida de Independência Funcional (MIF) e Escala de desempenho físico de Fugl-Meyer (FM) em indivíduos pós-Acidente Vascular Encefálico (AVE). Métodos: Trata-se de um estudo transversal onde 20 indivíduos com AVE crônico foram avaliados por meio de um questionário sócio-demográfico e com as escalas: Mini Exame do Estado Mental (MEEM), MAL, MIF e FM seção MS (FM-MS). O teste de Correlação de Spearman foi utilizado e adotado significância de 5%. Resultados: Os participantes tinham idade média de 63 anos e 55% eram do gênero masculino. O tempo médio de lesão foi de 5 anos, 65% tinham um evento de AVE e predomínio da lesão no hemicorpo direito. Na categorização do MS observou-se moderada qualidade e quantidade de uso, com comprometimento sensório-motor leve e maior independência funcional. Houve boa correlação da FM-MS com MAL qualitativa e quantitativa (p=0,001), MIF motora (p=0,003) e MIF total (p=0,002); assim como, MIF motora com FM punho (p=0,0001) e FM ombro-braço (p=0,004). Foi identificada forte correlação entre FM-MS coordenação-velocidade com MAL quantitativa e qualitativa (p=0,0001) e entre subcategorias da MAL, FM-MS e MIF individualmente (p=0,0001). Conclusão: As subcategorias das três escalas se complementam e estabelecem uma relação fidedigna para predizer o quadro clínico do paciente pós-AVE, sendo reprodutível a sua utilização integrada na prática clínica para desenvolver diagnóstico fisioterapêutico e cinético-funcional.

Palavras-chave: acidente vascular cerebral, extremidade superior, fisioterapia, avaliação da deficiência.

 

Abstract

Objectives: The aim of the study was to identify the correlation between the assessment scales of the Upper Limb (UL), Motor Activity Log (MAL), Functional Independence Measure (MIF) and Fugl-Meyer Physical Performance Scale (FM) of individuals post-stroke. Methods: This is a cross-secctional study in which 20 individuals with chronic stroke were evaluated using a socio-demographic questionnaire and with the scales: Mini Mental State Examination (MMSE), MAL, MIF and UL section of FM (FM-UL). The spearman correlation test was used and adopted significance of 5%. Results: The participants had mean age of 63 years and 55% were males. The mean time of injury was 5 years, 65% had one stroke event and a predominance of the right half-body lesion. In the categorization of UL, moderate quality and quantity of use were observed, with mild sensorimotor impairment and greater functional independence. There was good correlation of FM-UL with qualitative and quantitative MAL (p=0.001), motor MIF (p = 0.003) and total MIF (p = 0.002); as well as, motor MIF with FM wrist (p = 0.0001) and FM shoulder-arm (p=0.004). It was identified a strong correlation between FM-UL coordination-velocity with quantitative and qualitative MAL (p = 0.0001) and between sub-categories of MAL, FM-UL and MIF individually (p = 0.0001). Conclusion: The subcategories of the three scales are complementary and establish a reliable relationship to predict the clinical picture of post-stroke patients, being reproducible their utilization in the clinical practice to develop physiotherapeutic and kinetic-functional diagnosis.

Key-words: stroke, upper extremity, physical therapy, disability evaluation.

 

Introdução

 

O comprometimento da função motora do Membro Superior (MS) após a lesão neurológica causada pelo Acidente Vascular Encefálico (AVE) é uma das principais repercussões clínicas encontradas, gerando impacto direto na realização das Atividades de Vida Diária (AVD). A função do braço é alterada, na fase inicial, em 73 a 88% dos sobreviventes, enquanto que 55 a 75% persistem com o déficit [1-2].

A capacidade funcional do MS está diretamente relacionada com as atividades de alcance, preensão e manipulação de objetos. Após a lesão, tais atividades apresentam características de lentidão e redução da amplitude de movimento [3], oriundas de alterações no tônus, recrutamento das fibras musculares, encurtamento, fraqueza muscular, imobilidade, déficit sensorial e ao não uso aprendido do membro acometido, produzindo padrões multisegmentados com baixa variabilidade de velocidade e coordenação assim como incapacidades e restrições funcionais [4]. Tais restrições comprometem as principais AVD e geram padrões motores estereotipados fazendo com que os indivíduos percam a sua autonomia e independência [1,4-6].

Os fatores preditivos mais importantes para a recuperação do MS pós-AVE aparecem de acordo com a gravidade inicial do comprometimento da função motora [5]. Um dos principais entraves no processo de reabilitação do MS é avaliar a capacidade motora residual quantitativamente, de modo a definir a intervenção necessária e fornecer um guia preciso para esse processo [6]. Dessa forma, as repercussões do comprometimento sensório-motor do MS pós-AVE refletem na necessidade da utilização de ferramentas específicas que possibilitem a avaliação e o acompanhamento dos déficits [4]. Os instrumentos de medida foram desenvolvidos para auxiliar os profissionais a mensurar o nível do dano motor, sensitivo e funcional presente, fornecendo informações genéricas sobre essa função em um contexto de atividade, bem como serem específicas à estrutura e ao desempenho do membro [1,7].

Estudos prévios, como o de Cunha et al. [4] evidenciou a necessidade da utilização de pelo menos dois instrumentos de medida para que a função da mão de indivíduos pós-AVE seja melhor descrita; enquanto isso, Bakhti et al. [8] ao quantificar a não utilização do MS afetado pós-AVE, demonstrou que essa medida é essencial na rotina clínica dos profissionais e que os mesmos podem lançar mão desse elemento como meta em programas específicos de reabilitação.

Atualmente existem diversos instrumentos de avaliação que mensuram a habilidade do uso do MS pós-AVE, como aspectos estruturais e funcionais do corpo, capacidade de execução de tarefas e aspectos relacionados ao cuidado pessoal e as relações interpessoais [1]. Entretanto, esses instrumentos são escalas distintas que focam em comprometimentos específicos e não analisam o indivíduo de forma global. Nesse estudo, a hipótese foi que existe uma potencial relação entre os diferentes instrumentos usados na avaliação do MS de indivíduos pós-AVE e que as repercussões clínicas dos déficits funcionais e sensório-motores vão influenciar na correlação entre as categorias das escalas de avaliação, predizendo se as mesmas podem realmente ser utilizadas de forma integrada e complementar. Diante da necessidade de encontrar instrumentos que sejam compatíveis entre si e que auxiliem na melhor avaliação, diagnóstico fisioterapêutico e plano de conduta apropriado, o presente estudo objetivou identificar a correlação existente entre as escalas de avaliação do MS, Motor Activity Log, Medida de Independência Funcional e Escala de desempenho físico de Fugl-Meyer de indivíduos pós-Acidente Vascular Encefálico.

 

Material e métodos

 

Desenho do estudo

 

Trata-se de um estudo transversal, realizado com indivíduos pós-AVE atendidos no setor de Neurologia da Clínica Escola de Fisioterapia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairí (Facisa), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A amostra foi recrutada por conveniência e todos os voluntários foram devidamente informados sobre os procedimentos que seriam realizados, aceitaram participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Facisa (CEP/Facisa) sob o número de parecer 686.965 e CAAE: 25403614.3.0000.5568.

Foram incluídos na pesquisa os indivíduos atendidos na clínica escola de fisioterapia, com AVE crônico (tempos de lesão maior que 6 meses), unilateral com idade superior a 18 anos, que entendiam ordens simples, ausência de afasia de compreensão e de distúrbios cognitivos graves com pontuação para o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) maior ou igual a 18 pontos para os indivíduos alfabetizados [9,10]. Foram excluídos os indivíduos que apresentavam condições dolorosas que afetavam a capacidade de execução das avaliações propostas e aqueles com diagnóstico de outras doenças neurológicas e/ou deficiência física e mental associada que pudessem acarretar sequelas motoras e funcional além das provocadas pelo AVE.

 

Procedimentos e Instrumentos de Avaliação

 

Os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa passaram por uma avaliação com um único avaliador que foi treinado e capacitado para aplicar os instrumentos de medida selecionados. A avaliação era composta pelas informações de um Questionário sócio-demográfico e aplicação das escalas: Mini-exame do Estado Mental (MEEM), Motor Activity Log (MAL) com 30 itens, Escala de Desempenho Físico de Fugl-Meyer, domínio do membro superior (FM-MS) e Medida de Independência Funcional (MIF).

A avaliação teve duração média de uma hora e não houve intervalo entre a aplicação das escalas, exceto quando o paciente se sentia cansado. Foi realizada a demonstração e/ou explicação de como as atividades deveriam ser executadas e para as perguntas, na presença de dúvidas pelo paciente, o avaliador repetia o questionamento e ofertava cerca de 30 – 60 segundos para uma possível resposta, sem que houvesse sugestão ou indução de resposta por parte do entrevistador.

O questionário sócio demográfico utilizado foi pré-estruturado e continha informações pessoais (Identificação, gênero, idade, estado civil e escolaridade) e clínicas (Tempo de AVE, quantidade de eventos de AVE e hemicorpo acometido).

O Mini Exame do Estado Mental (MEEM) avalia o grau de comprometimento cognitivo, sendo composto por questões agrupadas em sete categorias, com objetivo de avaliar funções cognitivas específicas (orientação temporal, orientação espacial, memória imediata, atenção e cálculo, evocação, linguagem e capacidade construtiva visual). O escore do MEEM apresenta variação de 0 até 30 pontos e uma pontuação diferenciada para indivíduos alfabetizados e analfabetos [9]. Bertolucci et al. [10] em seu estudo validou esta escala para a população Brasileira e estabeleceu o ponto de corte para os analfabetos (13 pontos), de 1 a 8 anos de estudo (18 pontos) e mais de 8 anos de escolaridade (26 pontos).

A escala Motor Activity Log (MAL) avalia a função e habilidade motora da utilização espontânea do MS afetado em atividades do dia a dia. Esse instrumento foi desenvolvido por Taub et al. [11], onde a versão original consta de 14 itens (MAL-14) e a versão com 30 itens (MAL-30) foi desenvolvida para possibilitar a avaliação de indivíduos com grande comprometimento do MS com o acréscimo de 16 itens que também são relacionados com as AVD. A MAL foi traduzida e validada no Brasil por Saliba et al. [12] e é aplicada sob a forma de entrevista, com o indivíduo ou cuidador. A escala é composta por duas subescalas ordinais para a pontuação das atividades, a de domínio relacionado à quantidade de uso (QT) e qualidade do uso (QL), onde cada uma apresenta escore máximo de seis pontos para cada item investigado. O domínio QT envolve variação da pontuação de zero (“não usa o MS mais afetado”) a cinco (“usa o MS mais afetado da mesma forma que usava antes da história de AVE”), enquanto que, no domínio QL a variação da pontuação vai de zero (“o MS mais afetado não é usado de forma alguma para a atividade”) até cinco (“sua habilidade de usar o MS mais afetado é tão boa quanto era antes do AVE”). A pontuação total da escala é obtida com o cálculo da média para cada uma das categorias das subescalas. Quanto maior a média obtida, melhor a qualidade e quantidade de uso do MS afetado [11,13,14].

O Protocolo de Desempenho Físico de Fulg-Meyer (FM) é um instrumento quantitativo para analisar o comprometimento sensório-motor de pacientes com sequelas com AVE. Traduzida e validada para a população Brasileira [15], a escala apresenta pontuação total de 226 pontos e pode ser dividida em subcategorias, como a categoria da FM motora totalizando 100 pontos, representada pelo domínio do membro superior (FM-MS) com 66 pontos e membro inferior (FM-MI) com 34 pontos. No presente estudo, foi utilizado o domínio motor do membro superior (FM-MS) e adotado a classificação da pontuação com níveis de comprometimento grave (menor que 20 pontos), moderado (21-49 pontos) e leve (maior que 50 pontos), onde a pontuação é empregada de acordo com uma escala ordinal de três pontos em que 0 (movimento não pode ser realizado), 1 (realizado parcialmente) e 2 (realizado completamente). A FM-MS é subdividida nas seções: Ombro-Braço (FMob), punho (FMp), mão (FMm) e coordenação-velocidade (FMcv). Maiores pontuações na escala refletem um melhor nível de comprometimento sensório-motor [15,16].

A Medida de Independência Funcional (MIF) avalia o grau de desempenho do indivíduo para a realização de um conjunto de 18 tarefas básicas e instrumentais de vida diária, para autocuidado, controle esfincteriano, transferências, locomoção, comunicação e cognição social. A escala apresenta o domínio motor (MIFm), cognitivo (MIFc) e total (MIFt). Sua pontuação total varia de 18 a 126, cada item pode ser classificado de 1 a 7, sendo o valor 1 correspondente à dependência total e o valor 7 corresponde à normalidade para executar as tarefas de forma dependente. Segundo a classificação validada no Brasil por Riberto et al. [17], os indivíduos podem ser classificados com níveis de dependência grave (18-36 pontos), moderada (37-89 pontos) e maior independência funcional (90-126 pontos).

 

Análise de dados

 

Para caracterização da amostra foi utilizada a estatística descritiva e analítica. Os dados foram armazenados e analisados através do programa Statistical Package for the Social Sciences– SPSS, versão 20. Foram calculados os valores de frequência absoluta (n) e percentual (%) das variáveis categóricas, a mediana e o intervalo interquartil (25%-75%) das variáveis quantitativas. Foi utilizado o teste de Correlação de Spearman e o coeficiente de correlação de postos de Spearman (rrho), foi classificado como: correlação fraca (0 - 0,20), regular (0,21 – 0,40), moderada (0,41 – 0,60), boa (0,61 – 0,80) e forte (maior que 0,80). Foi adotado como nível de significância 5%.

 

Resultados

 

No período da pesquisa, 20 indivíduos com AVE crônico se adequaram aos critérios de inclusão do estudo. As características sóciodemográficas e clínicas estão descritas na Tabela I.

 

Tabela I - Caracterização dos sujeitos da pesquisa.

 

AVE = Acidente Vascular Encefálico; DP = Desvio padrão. Fonte: Elaboração Própria.

 

Os resultados da pontuação das escalas MEEM, MAL, FM-MS e MIF, de acordo com a suas subcategorias e pontuação específicas estão descritas na Tabela II. Observa-se que os indivíduos avaliados apresentavam uma moderada qualidade e quantidade de uso do MS afetado, comprometimento sensório-motor do MS leve com maior independência funcional conforme descrito na Tabela II.

 

Tabela II - Classificação das escalas MAL-30, MIF e FM-MS.

 

MAL = Motor Active Log; MIF = Medida de Independência Funcional; FM-MS = Fugl-Meyer Membro Superior; IQ 25%-75%, Intervalo Interquartil de 25% a 75%; a Intervalo Interquartil (25%-50%). Fonte: Elaboração própria.

 

Ao correlacionar os valores das medianas obtidos com as subcategorias das pontuações das escalas de avaliação MAL-30, MIF e FM-MS, foi observada uma boa correlação entre as escalas: FMt com MAL-QT (p=0,001), MAL-QL (p=0,001), MIFm (p=0,003), MIFt (p=0,002) e FMm (p=0,001); FMm com MAL-QT (p=0,0001), MAL-QL (p=0,0001) e FMcv (p=0,001); FMp com MIFm (p=0,0001) e MIFt (p=0,0001); FMob com MIFm (p=0,004); e MIFc com MIFt (p=0,001). Além disso, houve forte correlação entre as escalas: FMt com suas subcategorias de ombro-braço, punho e coordenação-velocidade (p=0,0001); FMcv com MAL-QT e MAL-QL (p=0,0001); MAL-QL com MAL-QT (p=0,0001) e MIFm com MIFt (p=0,0001), descritos na Tabela III.

 

Tabela III - Correlação entre as subcategorias das escalas de avaliação.

 

MAL-QT = Motor Active Log Quantitativa; MAL-QL = Motor Active Log Qualitativa; MIFm = Medida de Independência Funcional Motora; MIFc = Medida de Independência Funcional Cognitiva; MIFt = Medida de Independência Funcional Total; FMob = Fugl-Meyer Membro Superior Ombro-Braço; FMp = Fugl-Meyer Membro Superior Punho; FMm = Fugl-Meyer Membro Superior Mão; FMcv = Fugl-Meyer Membro Superior Coordenação-Velocidade; * significância estatística; r: Coeficiente de correlação de postos de Spearman. Fonte: Elaboração própria.

 

Discussão

 

Vários instrumentos de medida vêm sendo desenvolvidos para avaliar o comprometimento motor, sensitivo e funcional MS [1] pós-AVE e estabelecer parâmetros de identificação, prognóstico e acompanhamento das repercussões clínicas. Esse estudo demonstrou que existe uma relação estatisticamente satisfatória entre as escalas MAL, FM-MS e MIF, indicando que as subcategorias das mesmas podem ser utilizadas de forma integrada para predizer o quadro clínicos de indivíduos com AVE crônico.

No estudo, foi identificado predomínio do AVE no gênero masculino, com idade média de 63 anos, casados, com raça parda e nível de escolaridade com ensino fundamental incompleto. O acometimento do AVE de acordo com a idade é esperado já que a mesma é um dos principais fatores de risco não modificáveis para a doença cerebrovascular [18]; além disso, em países em desenvolvimento, a ocorrência do AVE uma década mais cedo reflete na reduzida expectativa de vida daqueles que vivem em condições sociais desfavoráveis [19]. O predomínio da raça parda corrobora com os achados na literatura [18,19] e o baixo nível de escolaridade encontrado, reflete nos meios de prevenção, hábitos e comportamentos de risco à saúde fazendo com que esse segmento populacional esteja mais susceptível ao desencadeamento do AVE [18]. Diante das características clínicas, observou-se predomínio de um único evento, no hemicorpo direito e com tempo de lesão de 5 anos. O estudo de Costa et al. [19] evidenciou que pacientes com comprometimento do hemicorpo direito (AVE à esquerdo) exibiam média funcional superior do que aqueles com o comprometimento no hemicorpo esquerdo (AVE à direita). Apesar de ocorrer uma diferença de prevalência do AVE entre os hemisférios cerebrais, existe uma relação entre o domínio afetado e a funcionalidade, principalmente quando o acometimento motor ocorre no hemicorpo dominante [20].

Os achados da pontuação geral das escalas de MS repercutem em moderada qualidade e quantidade de uso identificado pela MAL, comprometimento sensório motor leve na FM-MS e maior independência funcional com a escala MIF. Além disso, foi observado que 35% dos pacientes tiveram mais de um evento de AVE, acarretando a maior quantidade e severidade das sequelas a curto e longo prazo [21,22]. Em concordância com esses dados, 65% dos avaliados apresentavam apenas um evento de AVE, culminando com o nível de comprometimento leve/moderado identificado através da pontuação dos instrumentos de avaliação empregados.

A quantidade de uso do MS afetado, relatado pelos pacientes, obteve correlação positiva com os dados da MIF motora (p=0,032) e total (p=0,039). Quanto mais o MS afetado é utilizado, menos dependente funcionalmente será o paciente. Esta correlação estatisticamente significativa infere que as escalas MAL e MIF se completam e detalham melhor a quantidade de uso funcional do MS do paciente. O nível de função motora pós AVE depende do grau de integridade do trato córtico-espinhal [21] e a recuperação motora desses pacientes é guiada, principalmente, pela recuperação das habilidades motoras e funcionais perdidas com a lesão cerebral. O estudo com intervenção terapêutica em indivíduos com AVE demonstrou que boa parte dos pacientes consegue executar as atividades básicas de vida diária (ABVD) e que a maioria das limitações encontram-se nas atividades instrumentais de vida diária (AIVD), impedindo o desempenho e retorno para atividades que eram executadas previamente a lesão [22]. Tal fato se correlaciona com o dados identificados no presente estudo, onde os pacientes avaliados já estavam em acompanhamento através do atendimento fisioterapêutico prévio, o que pode ter amenizado as repercussões sensório-motoras e funcionais.

Foi identificado uma correlação positiva da FM-MS com a MAL. Ou seja, quanto maior o uso do MS afetado, mais leve o comprometimento motor mensurado pela seção de MS da escala, em todos os seus sub-domínios (ombro-braço, mão, punho, coordenação-velocidade). Meadmore et al. [23] realizaram um estudo com cinco indivíduos pós AVE utilizando escalas de funcionalidade para avaliar o efeito da terapia no MS e verificaram que quanto mais se trabalha o movimento e quanto mais dificuldades são impostas à realização deste, maior é o aprendizado e o ganho funcional destes pacientes.

Não houve correlação estatisticamente significativa entre o segmento qualitativo da MAL e as subcategorias da MIF, sugerindo que existe a possibilidade dos indivíduos não terem compreendido precisamente a diferença entre quantidade e qualidade do uso do membro afetado ao responderem a avaliação, o que pode ter acontecido devido a não necessidade de reprodução da ação durante a entrevista [12]. Outro fator importante é o fato de que a qualidade do movimento pode ser pouco relevante para avaliação da MIF, levando em conta apenas a quantidade de auxílio recebida para a execução das atividades [24]. Além disso, observou-se que a qualidade do uso está relacionada diretamente com um menor comprometimento de movimentos distais (punho, mão, coordenação-velocidade) visto pela FM-MS, não se correlacionando com movimentos proximais. A destreza pertinente aos movimentos finos executados pela porção distal do MS pode explicar a correlação da melhor qualidade do movimento apenas nos itens de punho, mão e coordenação- velocidade encontrada neste estudo.

Os resultados encontrados são aplicados especificamente para indivíduos com AVE crônico com moderada qualidade e quantidade de uso detectados na escala MAL e comprometimento leve nas escalas FM-MS e MIF. O presente estudo apresenta limitações, haja vista que não houve uma investigação sobre a lateralidade predominante dos indivíduos avaliados, a amostra foi restrita e houve uma dificuldade para detectar informações clínicas mais precisas sobre as características da lesão, tipo e território acometido através da comprovação por exames de imagem.

 

Conclusão

 

O presente estudo detectou que a MAL apresenta correlação positiva significativa com a MIF e a FM - MS, sugerindo que as três escalas se complementam e podem ser utilizadas para traduzir de maneira mais fidedigna o quadro clínico do paciente com sequelas pós-AVE. Tendo em vista que todo instrumento de avaliação deve ser reprodutível clinicamente, estas escalas podem ser utilizadas em associação para desenvolver diagnóstico fisioterapêutico cinético-funcional e no acompanhamento global dos invidíduos.

 

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