ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
do membro superior pós-acidente vascular encefálico: correlação das escalas
Motor Activity Log, Fugl-Meyer
e Medida de Independência Funcional
Assessment of upper limb pos-stroke:
correlation between Motor Activity Log, Fugl-Meyer
and Functional Independence Measure scales
Sayonara Rodrigues da Silva*,
Luana Augusta Pimenta Bezerra*, Lucivânia de Medeiros
Freitas*, Candice Simões Pimenta de Medeiros**, Enio Walker Azevedo Cacho***, Roberta de Oliveira Cacho**
*Fisioterapeuta,
formada pela Faculdade de Ciência da Saúde do Trairi, Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (FACISA/UFRN), Santa Cruz/RN, **Mestranda em Fisioterapia
na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ***Professor Adjunto do
curso de Fisioterapia da Faculdade de Ciência da Saúde do Trairi, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (FACISA/UFRN), Santa Cruz/RN
Recebido 14 de agosto
de 2017; aceito 15 de dezembro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Roberta de Oliveira Cacho, Rua Vila Trairi, s/n, Centro 59200-000 Santa Cruz
RN, E-mail: ro_fisio1@hotmail.com; Sayonara Rodrigues
da Silva: sayorodrigues@hotmail.com, Luana Augusta Pimenta Bezerra:
luana_augustarn@hotmail.com; Lucivânia de Medeiros
Freitas: luhdlm@hotmail.com; Candice Simões Pimenta
de Medeiros: candice_spmedeiros@yahoo.com.br; Enio
Walker Azevedo Cacho: eniowalker@bol.com.br
Resumo
Objetivo: O objetivo do
estudo foi identificar a correlação existente entre as escalas de avaliação do
Membro Superior (MS), Motor Activity Log (MAL),
Medida de Independência Funcional (MIF) e Escala de desempenho físico de Fugl-Meyer (FM) em indivíduos pós-Acidente Vascular
Encefálico (AVE). Métodos: Trata-se
de um estudo transversal onde 20 indivíduos com AVE crônico
foram avaliados por meio de um questionário sócio-demográfico
e com as escalas: Mini Exame do Estado Mental (MEEM), MAL, MIF e FM seção MS
(FM-MS). O teste de Correlação de Spearman foi
utilizado e adotado significância de 5%. Resultados:
Os participantes tinham idade média de 63 anos e 55% eram do gênero masculino.
O tempo médio de lesão foi de 5 anos, 65% tinham um
evento de AVE e predomínio da lesão no hemicorpo
direito. Na categorização do MS observou-se moderada qualidade e quantidade de
uso, com comprometimento sensório-motor leve e maior independência funcional.
Houve boa correlação da FM-MS com MAL qualitativa e quantitativa (p=0,001), MIF
motora (p=0,003) e MIF total (p=0,002); assim como, MIF motora com FM punho
(p=0,0001) e FM ombro-braço (p=0,004). Foi identificada forte correlação entre
FM-MS coordenação-velocidade com MAL quantitativa e qualitativa (p=0,0001) e
entre subcategorias da MAL, FM-MS e MIF individualmente (p=0,0001). Conclusão: As subcategorias das três
escalas se complementam e estabelecem uma relação fidedigna para predizer o
quadro clínico do paciente pós-AVE, sendo reprodutível a sua utilização
integrada na prática clínica para desenvolver diagnóstico fisioterapêutico e
cinético-funcional.
Palavras-chave: acidente vascular
cerebral, extremidade superior, fisioterapia, avaliação da deficiência.
Abstract
Objectives: The aim of the study was to identify the correlation between the
assessment scales of the Upper Limb (UL), Motor Activity Log (MAL), Functional
Independence Measure (MIF) and Fugl-Meyer Physical
Performance Scale (FM) of individuals post-stroke. Methods: This is a cross-secctional study
in which 20 individuals with chronic stroke were evaluated using a
socio-demographic questionnaire and with the scales: Mini Mental State
Examination (MMSE), MAL, MIF and UL section of FM (FM-UL). The spearman
correlation test was used and adopted significance of 5%. Results: The participants had mean age of 63 years and 55% were
males. The mean time of injury was 5 years, 65% had one stroke event and a
predominance of the right half-body lesion. In the categorization of UL,
moderate quality and quantity of use were observed, with mild sensorimotor
impairment and greater functional independence. There was good correlation of
FM-UL with qualitative and quantitative MAL (p=0.001), motor MIF (p = 0.003)
and total MIF (p = 0.002); as well as, motor MIF with FM wrist (p = 0.0001) and
FM shoulder-arm (p=0.004). It was identified a strong correlation between FM-UL
coordination-velocity with quantitative and qualitative MAL (p = 0.0001) and
between sub-categories of MAL, FM-UL and MIF individually (p = 0.0001). Conclusion: The subcategories of the
three scales are complementary and establish a reliable relationship to predict
the clinical picture of post-stroke patients, being reproducible their
utilization in the clinical practice to develop physiotherapeutic and
kinetic-functional diagnosis.
Key-words: stroke,
upper extremity, physical therapy, disability evaluation.
O comprometimento da
função motora do Membro Superior (MS) após a lesão neurológica causada pelo
Acidente Vascular Encefálico (AVE) é uma das principais repercussões clínicas
encontradas, gerando impacto direto na realização das Atividades de Vida Diária
(AVD). A função do braço é alterada, na fase inicial, em 73 a 88% dos
sobreviventes, enquanto que 55 a 75% persistem com o déficit [1-2].
A capacidade
funcional do MS está diretamente relacionada com as atividades de alcance,
preensão e manipulação de objetos. Após a lesão, tais atividades apresentam
características de lentidão e redução da amplitude de
movimento [3], oriundas de alterações no tônus, recrutamento das fibras
musculares, encurtamento, fraqueza muscular, imobilidade, déficit sensorial e ao
não uso aprendido do membro acometido, produzindo padrões multisegmentados
com baixa variabilidade de velocidade e coordenação assim como incapacidades e
restrições funcionais [4]. Tais restrições comprometem as principais AVD e
geram padrões motores estereotipados fazendo com que os indivíduos percam a sua
autonomia e independência [1,4-6].
Os fatores preditivos
mais importantes para a recuperação do MS pós-AVE aparecem de acordo com a
gravidade inicial do comprometimento da função motora [5]. Um dos principais
entraves no processo de reabilitação do MS é avaliar a capacidade motora
residual quantitativamente, de modo a definir a intervenção necessária e
fornecer um guia preciso para esse processo [6]. Dessa forma, as repercussões
do comprometimento sensório-motor do MS pós-AVE refletem na necessidade da
utilização de ferramentas específicas que possibilitem a avaliação e o
acompanhamento dos déficits [4]. Os instrumentos de medida foram desenvolvidos
para auxiliar os profissionais a mensurar o nível do dano motor, sensitivo e
funcional presente, fornecendo informações genéricas sobre essa função em um
contexto de atividade, bem como serem específicas à estrutura e ao desempenho
do membro [1,7].
Estudos prévios, como
o de Cunha et al. [4] evidenciou a necessidade da
utilização de pelo menos dois instrumentos de medida para que a função da mão
de indivíduos pós-AVE seja melhor descrita; enquanto isso, Bakhti
et al. [8] ao quantificar a não
utilização do MS afetado pós-AVE, demonstrou que essa medida é essencial na
rotina clínica dos profissionais e que os mesmos podem lançar mão desse
elemento como meta em programas específicos de reabilitação.
Atualmente existem
diversos instrumentos de avaliação que mensuram a habilidade do uso do MS pós-AVE,
como aspectos estruturais e funcionais do corpo, capacidade de execução de
tarefas e aspectos relacionados ao cuidado pessoal e as relações interpessoais
[1]. Entretanto, esses instrumentos são escalas distintas que focam em
comprometimentos específicos e não analisam o indivíduo de forma global. Nesse
estudo, a hipótese foi que existe uma potencial relação entre os diferentes
instrumentos usados na avaliação do MS de indivíduos pós-AVE e que as
repercussões clínicas dos déficits funcionais e sensório-motores vão
influenciar na correlação entre as categorias das escalas de avaliação,
predizendo se as mesmas podem realmente ser utilizadas de forma integrada e
complementar. Diante da necessidade de encontrar instrumentos que sejam
compatíveis entre si e que auxiliem na melhor avaliação, diagnóstico
fisioterapêutico e plano de conduta apropriado, o presente estudo objetivou
identificar a correlação existente entre as escalas de avaliação do MS, Motor Activity Log, Medida de Independência Funcional e Escala de
desempenho físico de Fugl-Meyer de indivíduos
pós-Acidente Vascular Encefálico.
Desenho
do estudo
Trata-se de um estudo
transversal, realizado com indivíduos pós-AVE atendidos no setor de Neurologia
da Clínica Escola de Fisioterapia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairí (Facisa), Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A amostra foi recrutada por conveniência
e todos os voluntários foram devidamente informados sobre os procedimentos que
seriam realizados, aceitaram participar do estudo e assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Facisa (CEP/Facisa)
sob o número de parecer 686.965 e CAAE: 25403614.3.0000.5568.
Foram incluídos na
pesquisa os indivíduos atendidos na clínica escola de fisioterapia, com AVE
crônico (tempos de lesão maior que 6 meses),
unilateral com idade superior a 18 anos, que entendiam ordens simples, ausência
de afasia de compreensão e de distúrbios cognitivos graves com pontuação para o
Mini Exame do Estado Mental (MEEM) maior ou igual a 18 pontos para os
indivíduos alfabetizados [9,10]. Foram excluídos os indivíduos que apresentavam
condições dolorosas que afetavam a capacidade de execução das avaliações propostas
e aqueles com diagnóstico de outras doenças neurológicas e/ou deficiência
física e mental associada que pudessem acarretar sequelas motoras e funcional
além das provocadas pelo AVE.
Procedimentos
e Instrumentos de Avaliação
Os indivíduos que
aceitaram participar da pesquisa passaram por uma avaliação com um único
avaliador que foi treinado e capacitado para aplicar os instrumentos de medida
selecionados. A avaliação era composta pelas informações de um Questionário sócio-demográfico e aplicação das escalas: Mini-exame do Estado Mental
(MEEM), Motor Activity Log (MAL) com 30 itens, Escala
de Desempenho Físico de Fugl-Meyer, domínio do membro
superior (FM-MS) e Medida de Independência Funcional (MIF).
A avaliação teve
duração média de uma hora e não houve intervalo entre a aplicação das escalas,
exceto quando o paciente se sentia cansado. Foi realizada a demonstração e/ou
explicação de como as atividades deveriam ser executadas e para as perguntas,
na presença de dúvidas pelo paciente, o avaliador repetia o questionamento e
ofertava cerca de 30 – 60 segundos para uma possível resposta, sem que houvesse
sugestão ou indução de resposta por parte do entrevistador.
O questionário sócio
demográfico utilizado foi pré-estruturado e continha
informações pessoais (Identificação, gênero, idade, estado civil e
escolaridade) e clínicas (Tempo de AVE, quantidade de eventos de AVE e hemicorpo acometido).
O Mini Exame do
Estado Mental (MEEM) avalia o grau de comprometimento cognitivo, sendo composto
por questões agrupadas em sete categorias, com objetivo de avaliar funções
cognitivas específicas (orientação temporal, orientação espacial, memória
imediata, atenção e cálculo, evocação, linguagem e capacidade construtiva
visual). O escore do MEEM apresenta variação de 0 até
30 pontos e uma pontuação diferenciada para indivíduos alfabetizados e
analfabetos [9]. Bertolucci et al. [10] em seu
estudo validou esta escala para a população Brasileira e estabeleceu o ponto de
corte para os analfabetos (13 pontos), de 1 a 8 anos de estudo (18 pontos) e
mais de 8 anos de escolaridade (26 pontos).
A escala Motor Activity Log
(MAL) avalia a função e habilidade motora da utilização espontânea do MS
afetado em atividades do dia a dia. Esse instrumento foi desenvolvido por Taub et al. [11], onde a versão original consta
de 14 itens (MAL-14) e a versão com 30 itens (MAL-30) foi desenvolvida para
possibilitar a avaliação de indivíduos com grande comprometimento do MS com o
acréscimo de 16 itens que também são relacionados com as AVD. A MAL foi
traduzida e validada no Brasil por Saliba et al. [12] e é aplicada sob a forma de
entrevista, com o indivíduo ou cuidador. A escala é composta por duas subescalas
ordinais para a pontuação das atividades, a de
domínio relacionado à quantidade de uso (QT) e qualidade
do uso (QL), onde cada
uma apresenta escore máximo de seis pontos para cada item
investigado. O
domínio QT envolve variação da
pontuação de zero (“não usa o MS mais
afetado”)
a cinco (“usa o MS mais afetado da mesma forma que usava antes da
história de
AVE”), enquanto que, no domínio QL a
variação da pontuação vai de zero (“o
MS
mais afetado não é usado de forma alguma para a
atividade”) até cinco (“sua
habilidade de usar o MS mais afetado é tão boa quanto era
antes do AVE”). A pontuação total da escala é obtida com o cálculo
da média para cada uma das categorias das subescalas.
Quanto maior a média obtida, melhor a qualidade e quantidade de uso do MS
afetado [11,13,14].
O Protocolo de
Desempenho Físico de Fulg-Meyer (FM) é um instrumento
quantitativo para analisar o comprometimento sensório-motor de pacientes com
sequelas com AVE. Traduzida e validada para a população Brasileira [15], a
escala apresenta pontuação total de 226 pontos e pode ser dividida em
subcategorias, como a categoria da FM motora totalizando 100 pontos,
representada pelo domínio do membro superior (FM-MS) com 66 pontos e membro
inferior (FM-MI) com 34 pontos. No presente estudo, foi utilizado o domínio
motor do membro superior (FM-MS) e adotado a classificação da pontuação com
níveis de comprometimento grave (menor que 20 pontos), moderado (21-49 pontos)
e leve (maior que 50 pontos), onde a pontuação é empregada de acordo com uma
escala ordinal de três pontos em que 0 (movimento não
pode ser realizado), 1 (realizado parcialmente) e 2 (realizado completamente).
A FM-MS é subdividida nas seções: Ombro-Braço (FMob), punho (FMp), mão (FMm) e coordenação-velocidade (FMcv).
Maiores pontuações na escala refletem um melhor nível de comprometimento
sensório-motor [15,16].
A Medida de
Independência Funcional (MIF) avalia o grau de desempenho do indivíduo para a
realização de um conjunto de 18 tarefas básicas e instrumentais de vida diária,
para autocuidado, controle esfincteriano, transferências, locomoção,
comunicação e cognição social. A escala apresenta o domínio motor (MIFm), cognitivo (MIFc) e total (MIFt). Sua
pontuação total varia de 18 a 126, cada item pode ser classificado de 1 a 7,
sendo o valor 1 correspondente à dependência total e o
valor 7 corresponde à normalidade para executar as tarefas de forma dependente.
Segundo a classificação validada no Brasil por Riberto et al. [17], os indivíduos podem ser classificados com níveis de
dependência grave (18-36 pontos), moderada (37-89 pontos) e maior independência
funcional (90-126 pontos).
Análise
de dados
Para caracterização
da amostra foi utilizada a estatística descritiva e analítica. Os dados foram
armazenados e analisados através do programa Statistical
Package for the Social Sciences– SPSS, versão 20. Foram calculados os valores de
frequência absoluta (n) e percentual (%) das variáveis categóricas, a mediana e
o intervalo interquartil (25%-75%) das variáveis quantitativas. Foi utilizado o
teste de Correlação de Spearman e o coeficiente de
correlação de postos de Spearman (r
– rho), foi classificado como: correlação fraca (0 -
0,20), regular (0,21 – 0,40), moderada (0,41 – 0,60), boa (0,61 – 0,80) e forte
(maior que 0,80). Foi adotado como nível de significância 5%.
No período da
pesquisa, 20 indivíduos com AVE crônico se adequaram aos critérios de inclusão
do estudo. As características sóciodemográficas e
clínicas estão descritas na Tabela I.
Tabela
I - Caracterização dos sujeitos da pesquisa.
AVE = Acidente
Vascular Encefálico; DP = Desvio padrão. Fonte: Elaboração Própria.
Os resultados da
pontuação das escalas MEEM, MAL, FM-MS e MIF, de acordo com a suas
subcategorias e pontuação específicas estão descritas na Tabela II. Observa-se
que os indivíduos avaliados apresentavam uma moderada qualidade e quantidade de
uso do MS afetado, comprometimento sensório-motor do MS leve com maior
independência funcional conforme descrito na Tabela II.
Tabela
II -
Classificação das escalas MAL-30, MIF e
FM-MS.
MAL = Motor Active Log; MIF = Medida de
Independência Funcional; FM-MS = Fugl-Meyer Membro
Superior; IQ 25%-75%, Intervalo Interquartil de 25% a 75%; a
Intervalo Interquartil (25%-50%). Fonte: Elaboração própria.
Ao correlacionar os
valores das medianas obtidos com as subcategorias das pontuações das escalas de
avaliação MAL-30, MIF e FM-MS, foi observada uma boa
correlação entre as escalas: FMt com MAL-QT
(p=0,001), MAL-QL (p=0,001), MIFm (p=0,003), MIFt (p=0,002) e FMm (p=0,001); FMm com MAL-QT (p=0,0001), MAL-QL (p=0,0001) e FMcv (p=0,001); FMp com MIFm (p=0,0001) e MIFt
(p=0,0001); FMob com MIFm
(p=0,004); e MIFc com MIFt
(p=0,001). Além disso, houve forte correlação entre as escalas: FMt com suas subcategorias de
ombro-braço, punho e coordenação-velocidade (p=0,0001); FMcv
com MAL-QT e MAL-QL (p=0,0001); MAL-QL com MAL-QT (p=0,0001) e MIFm com MIFt (p=0,0001),
descritos na Tabela III.
Tabela
III -
Correlação entre as subcategorias das
escalas de avaliação.
MAL-QT = Motor Active
Log Quantitativa; MAL-QL = Motor Active Log Qualitativa; MIFm = Medida de Independência Funcional Motora; MIFc = Medida de Independência Funcional Cognitiva; MIFt = Medida de Independência Funcional Total; FMob = Fugl-Meyer Membro Superior
Ombro-Braço; FMp = Fugl-Meyer
Membro Superior Punho; FMm = Fugl-Meyer
Membro Superior Mão; FMcv = Fugl-Meyer
Membro Superior Coordenação-Velocidade; * significância estatística; r:
Coeficiente de correlação de postos de Spearman.
Fonte: Elaboração própria.
Vários instrumentos
de medida vêm sendo desenvolvidos para avaliar o comprometimento motor,
sensitivo e funcional MS [1] pós-AVE e estabelecer parâmetros de identificação,
prognóstico e acompanhamento das repercussões clínicas. Esse estudo demonstrou
que existe uma relação estatisticamente satisfatória entre as escalas MAL,
FM-MS e MIF, indicando que as subcategorias das mesmas podem ser utilizadas de
forma integrada para predizer o quadro clínicos de indivíduos com AVE crônico.
No estudo, foi identificado
predomínio do AVE no gênero masculino, com idade média
de 63 anos, casados, com raça parda e nível de
escolaridade com ensino fundamental incompleto. O acometimento do AVE de acordo com a idade é esperado já que a mesma é um
dos principais fatores de risco não modificáveis para a doença cerebrovascular
[18]; além disso, em países em desenvolvimento, a ocorrência do AVE uma década
mais cedo reflete na reduzida expectativa de vida daqueles que vivem em
condições sociais desfavoráveis [19]. O predomínio da raça parda corrobora com
os achados na literatura [18,19] e o baixo nível de escolaridade encontrado,
reflete nos meios de prevenção, hábitos e comportamentos de risco à saúde
fazendo com que esse segmento populacional esteja mais susceptível ao desencadeamento
do AVE [18]. Diante das características clínicas,
observou-se predomínio de um único evento, no hemicorpo
direito e com tempo de lesão de 5 anos. O estudo de
Costa et al. [19] evidenciou que pacientes com
comprometimento do hemicorpo direito (AVE à esquerdo)
exibiam média funcional superior do que aqueles com o comprometimento no hemicorpo esquerdo (AVE à direita). Apesar de ocorrer uma
diferença de prevalência do AVE entre os hemisférios
cerebrais, existe uma relação entre o domínio afetado e a funcionalidade,
principalmente quando o acometimento motor ocorre no hemicorpo
dominante [20].
Os achados da
pontuação geral das escalas de MS repercutem em moderada qualidade e quantidade
de uso identificado pela MAL, comprometimento sensório motor leve na FM-MS e
maior independência funcional com a escala MIF. Além disso, foi observado que
35% dos pacientes tiveram mais de um evento de AVE, acarretando a maior
quantidade e severidade das sequelas a curto e longo prazo [21,22]. Em
concordância com esses dados, 65% dos avaliados apresentavam apenas um evento
de AVE, culminando com o nível de comprometimento leve/moderado identificado
através da pontuação dos instrumentos de avaliação empregados.
A quantidade de uso
do MS afetado, relatado pelos pacientes, obteve correlação positiva com os
dados da MIF motora (p=0,032) e total (p=0,039). Quanto mais o MS afetado é
utilizado, menos dependente funcionalmente será o paciente. Esta correlação
estatisticamente significativa infere que as escalas MAL e MIF se completam e
detalham melhor a quantidade de uso funcional do MS do paciente. O nível de
função motora pós AVE depende do grau de integridade
do trato córtico-espinhal [21] e a recuperação motora
desses pacientes é guiada, principalmente, pela recuperação das habilidades
motoras e funcionais perdidas com a lesão cerebral. O estudo com intervenção
terapêutica em indivíduos com AVE demonstrou que boa parte dos pacientes
consegue executar as atividades básicas de vida diária (ABVD) e que a maioria das limitações encontram-se nas atividades
instrumentais de vida diária (AIVD), impedindo o desempenho e retorno para
atividades que eram executadas previamente a lesão [22]. Tal fato se
correlaciona com o dados identificados no presente
estudo, onde os pacientes avaliados já estavam em acompanhamento através do
atendimento fisioterapêutico prévio, o que pode ter amenizado as repercussões
sensório-motoras e funcionais.
Foi identificado uma correlação positiva da FM-MS com a MAL. Ou
seja, quanto maior o uso do MS afetado, mais leve o comprometimento motor
mensurado pela seção de MS da escala, em todos os seus sub-domínios
(ombro-braço, mão, punho, coordenação-velocidade). Meadmore
et al. [23] realizaram um estudo com cinco
indivíduos pós AVE utilizando escalas de funcionalidade para avaliar o efeito
da terapia no MS e verificaram que quanto mais se trabalha o movimento e quanto
mais dificuldades são impostas à realização deste, maior é o aprendizado e o
ganho funcional destes pacientes.
Não houve correlação
estatisticamente significativa entre o segmento qualitativo da MAL e as
subcategorias da MIF, sugerindo que existe a possibilidade dos indivíduos não
terem compreendido precisamente a diferença entre quantidade e qualidade do uso
do membro afetado ao responderem a avaliação, o que pode ter acontecido devido
a não necessidade de reprodução da ação durante a entrevista [12]. Outro fator
importante é o fato de que a qualidade do movimento pode ser pouco relevante
para avaliação da MIF, levando em conta apenas a quantidade de auxílio recebida
para a execução das atividades [24]. Além disso, observou-se que a qualidade do
uso está relacionada diretamente com um menor comprometimento de movimentos
distais (punho, mão, coordenação-velocidade) visto pela FM-MS, não se
correlacionando com movimentos proximais. A destreza pertinente aos movimentos
finos executados pela porção distal do MS pode explicar a correlação da melhor
qualidade do movimento apenas nos itens de punho, mão e coordenação- velocidade
encontrada neste estudo.
Os resultados
encontrados são aplicados especificamente para indivíduos com
AVE crônico com moderada qualidade e quantidade de uso detectados na
escala MAL e comprometimento leve nas escalas FM-MS e MIF. O presente estudo
apresenta limitações, haja vista que não houve uma investigação sobre a
lateralidade predominante dos indivíduos avaliados, a amostra foi restrita e
houve uma dificuldade para detectar informações clínicas mais precisas sobre as
características da lesão, tipo e território acometido através da comprovação
por exames de imagem.
O presente estudo
detectou que a MAL apresenta correlação positiva significativa com a MIF e a FM
- MS, sugerindo que as três escalas se complementam e podem ser utilizadas para
traduzir de maneira mais fidedigna o quadro clínico do paciente com sequelas
pós-AVE. Tendo em vista que todo instrumento de avaliação deve ser reprodutível
clinicamente, estas escalas podem ser utilizadas em associação para desenvolver
diagnóstico fisioterapêutico cinético-funcional e no acompanhamento global dos invidíduos.