REVISÃO
A
influência do status socioeconômico sobre as habilidades motoras grossas nas
crianças em idade escolar
The influence of socioeconomic status on gross motor skills in
school-age children
Giselle Bernardo Candéa, M.Sc.*,
Julio Guilherme Silva, D.Sc.**,
André Luis Peixoto Candéa, D.Sc.**, Jéssica de Medeiros Vidal***, Silvio de Cassio
Costa Telles, D.Sc.****
UFRJ*,
**Docente da UNISUAM, ***Mestranda em Educação Física, UERJ, ****Docente da
UFRJ e UERJ
Recebido em 10 de
novembro de 2016; aceito 25 de agosto de 2017.
Endereço
para correspondência:
Giselle Bernardo Candéa, Av. Carlos Chagas Filho,
540, Cidade Universitária, Escola de Educação Física e Desportos (EEFD),
Laboratório de Biomecânica, 21940-901 Rio de Janeiro RJ, E-mail: gisellebernardo@terra.com.br
Resumo
O processo de
desenvolvimento motor ocorre de acordo com o padrão estabelecido por fatores
biológicos e também pela influência de fatores ambientais/sociais.
O status socioeconômico familiar pode ser um importante fator interveniente nas
possibilidades de adquirir as habilidades motoras fundamentais necessárias ao
desenvolvimento geral da criança, com sérias implicações futuras. Este trabalho
tem como objetivo analisar as possíveis relações entre status socioeconômico
sobre as habilidades motoras grossas em indivíduos em idade escolar.
Metodologicamente utilizamos uma revisão sistemática com as as palavras-chave (children, fundamental motor skills, motor skills, gross motor skills, motor ability, motor competence, gross motor competence, motor skill proficiency, socioeconomic
status, low economic income) para identificar artigos de banco de dados
eletrônicos Scopus e PubMed,
resultando em 19 artigos que formaram esta revisão. Os critérios de inclusão
foram: a) escolares com idades entre 6 e 15 anos; b)
avaliação das habilidades motoras grossas; c) houvesse dois ou mais grupos da
amostra classificados quanto ao status socioeconômico e d) crianças hígidas. Os
principais resultados mostraram uma prevalência de crianças de alto status
socioeconômico com maior pontuação nas habilidades motoras em relação às
crianças de baixo status socioeconômico, mas este resultado não foi homogêneo.
Palavras-chave: criança, destreza
motora, situação socioeconômica.
Abstract
The motor development process occurs according to the pattern
established by biological factors and by environmental/social factors
influence. Family socioeconomic status can be an important intervening factor
in the possibilities of acquiring the fundamental motor skills necessary for
the general development of the child, with serious future implications. This
work aimed to analyze the possible relationships between socioeconomic status on gross motor skills in school age individuals.
Methodologically, we used a systematic review with the following keywords (children,
fundamental motor skills, motor skills, motor ability, motor competence, motor
skill proficiency, socioeconomic status, low economic income) to identify data,
resulting in 19 articles that composed this review. The inclusion criteria
were: a) schoolchildren aged between 6 and 15 years; b) gross motor skills
performance evaluation; c) two or more sample groups classified as
socioeconomic status and d) healthy children. The main results showed a
prevalence of high socioeconomic status children with higher scores in motor
skills compared to low socioeconomic status children, but this result was not
homogeneous.
Key-words: child, motor
skills, social class.
O desenvolvimento
motor na infância é caracterizado pela aquisição de várias habilidades motoras
fundamentais, que permitem à criança dominar seu corpo em posturas diversas, a
locomover-se de variadas formas e a manipular objetos e diferentes instrumentos
[1]. As habilidades motoras fundamentais podem ser classificadas como fina ou grosseira, de acordo com o tipo de envolvimento muscular necessário
para a ação [2]. Estas são consideradas blocos de construção de
movimentos mais complexos e pré-requisitos para habilidades mais específicas,
como os movimentos esportivos, a serem alcançadas futuramente. Robinson et al. [3] explicam que a competência na
execução das habilidades motoras ainda na infância irá propiciar uma maior
aproximação com os esportes e posteriormente, na fase adulta, uma maior relação
com um estilo de vida saudável minimizando as chances de doenças ligadas ao
sedentarismo como a obesidade. A evolução destas habilidades dependerá de uma
combinação de fatores que envolvem a tarefa, o indivíduo e seu meio [2].
Essas relações são
incorporadas e influenciadas por outros fatores contextuais como: o ambiente, a
família, o status socioeconômico (SSE), a cultura, a nutrição e a autopercepção, que afetam a oportunidade de um indivíduo
manter-se ativo ou não [4]. Autores tem discutido a importância do nível
socioeconômico e da qualidade das oportunidades ambientais como fatores de
impacto no desenvolvimento infantil [5-10]. De acordo com os Descritores em
Ciências da Saúde (DeCS), a classe social ou nível
socioeconômico é definido como “Estrato da população com mesma posição e
prestígio e inclui estratificação social. Classe social é definida por
critérios tais como educação, ocupação e renda”.
Vandendriessche et al. [11] apontam que o status socioeconômico é usado em pesquisas,
principalmente na área de saúde, como forma de dividir a população em grupos
que expõem a saúde individual ao ambiente físico e social. Isto é, as
investigações têm procurado analisar a influência dos fatores sociais do
ambiente, que podem afetar negativamente ou positivamente a saúde humana. Esta
divisão pode ser conseguida através de indicadores que classificam a posição
relativa de um indivíduo na hierarquia social, e um dos indicadores mais
comumente usados é a renda familiar. O nível socioeconômico é um dos principais
fatores que influencia os indicadores de crescimento e desenvolvimento em
crianças.
Assim, relacionar o
status socioeconômico de crianças e sua relação com o desenvolvimento motor
pode ser importante para precocemente identificar possíveis intervenientes que
minimizariam doenças que se potencializam a partir de atitudes desvinculadas de
um estilo de vida ativo. Diversos estudos analisam o ambiente onde a criança
está inserida buscando identificar o bairro e os espaços destinados ao lazer e
ao esporte, a escola quanto à qualidade de ensino, a família quanto ao nível de
instrução e renda dos pais.
Para Evans [12]
quando são comparadas às crianças de famílias de alta renda, crianças em
situação de pobreza enfrentam um ambiente muito desigual em geral, que se
estendem pela família, escola e lugar onde vivem. Esta desigualdade se reflete
aos serviços sociais locais, ao envolvimento familiar nas atividades escolares,
vizinhanças mais violentas e mais poluídas, e na maioria dos casos, escolas e
creches com piores condições. Há indicadores que a diminuição da renda familiar
pode estar relacionada com mudanças no desenvolvimento motor infantil e que
isto pode repercutir na vida futura [13]. Para Serrassuelo-Junior
[14], a coordenação motora grossa pode ser potencialmente influenciada de forma
negativa por uma condição socioeconômica desfavorável.
Desta forma, o
objetivo do presente estudo foi discutir os aspectos socioeconômicos e a
influência sobre as habilidades motoras fundamentais (HMF) em indivíduos em
idade escolar.
Para o alcance dos
objetivos foi utilizada uma revisão sistemática que é particularmente
útil para integrar as informações de um conjunto de estudos realizados
separadamente sobre determinada terapêutica/intervenção, que podem apresentar resultados
conflitantes e/ou coincidentes, bem como identificar temas que necessitam de
evidência, auxiliando na orientação para investigações futuras [15].
A revisão incidiu
sobre artigos relacionados à influência do status socioeconômico sobre as
habilidades motoras grossas em crianças em idade escolar. As bases de dados
consultadas foram a Scopus e Pubmed.
A procura pelos artigos teve inicio na base Scopus em
23 de junho de 2017, encerrando-se no dia 25 deste mesmo mês e ano na base PubMed.
O rastreamento foi
feito de forma independente por dois pesquisadores, divergências foram
resolvidas por consenso. Para reter os artigos que relacionavam a influência
dos fatores socioeconômicos aos fatores motores as palavras utilizadas foram: Motor skills; Motor
ability; Fundamental motor skills;
Fundamental motor skills competence,
Gross motor competence, Motor skill
proficiency, Socioeconomic
status, Low economic income e Children. Essas palavras foram combinadas formando as seguintes frases de busca que foram aplicadas em ambas
as bases: 1) Motor skills AND Children AND Socioeconomic status; 2) Motor
ability AND Children AND Socioeconomic status; 3) Motor skills AND Children AND
low economic income; 4) Fundamental motor skills AND Children AND socioeconomic
status; 5) Fundamental motor skills competence AND Children AND Socioeconomic
status; 6) Gross motor competence AND Children AND Socioeconomic status; 7)
Motor skill proficiency AND Children AND Socioeconomic status. Foi feita busca em
formulário avançado, sem utilização de aspas no intuito de maior abrangência de
resultados. A procura foi realizada nos itens “título, resumo e
palavras-chave”. Foram selecionados artigos completos, independentemente do
idioma e ano de publicação.
Para seleção dos
artigos foi obedecido os seguintes critérios de inclusão dos estudos: a) os
participantes deveriam ser escolares com idades entre 6
e 15 anos, mesmo que também houvessem crianças com idade abaixo ao acima desta
faixa etária; b) houvesse a realização de testes para avaliar as habilidades
motoras grossas; c) houvesse dois ou mais grupos da amostra classificados
quanto ao status socioeconômico e d) crianças sem nenhum tipo de problema
neonatal, doença, deficiência ou desordem motora.
Considerando os
critérios de inclusão, o processo de seleção dos artigos ocorreu da seguinte
forma: 1) Análise dos títulos; 2) Identificação de artigos repetidos; 3)
Análise de resumo; 4) Leitura completa dos artigos.
O levantamento
através das palavras-chave forneceu um total de 486 artigos nas duas bases de
dados. A revisão dos títulos e resumos, considerando os critérios de inclusão,
levou-nos a um total de 52 artigos. Após a leitura dos mesmos foram
selecionados 19 estudos (Figura 1).
Os artigos desta
revisão foram classificados da seguinte maneira: sete artigos com Qualis A1, três artigos com Qualis
A2, sete artigos com Qualis B1, dois artigos com Qualis B2. Este fato corrobora a importância acadêmica
destes artigos e sua relevância para pesquisa, pois 10 artigos são de
excelência internacional e nove artigos com excelência Nacional.
Instrumentos
das pesquisas
Devido ao objetivo
desta revisão, vamos nos ater as características dos instrumentos utilizados
para a avaliação das habilidades motoras e do SSE. A maioria dos estudos
encontrados tinham outras medidas importantes avaliadas, além das pertinentes
ao objetivo do nosso estudo, no entanto estas medidas não serão descritas na
revisão. Além disto foi possível perceber que além das
categorias de inclusão do estudo, as que aparecem de forma prevalente nas
comparações são idade e sexo, e por isto também serão consideradas na
discussão, juntamente com as variáveis primariamente escolhidas.
Figura
1 - Fluxograma descritivo do processo de seleção
dos artigos.
Avaliação
do status socioeconômico
Dos artigos
selecionados, foram utilizadas 5 diferentes maneiras
para abordagem do SSE da criança: a) Em oito artigos o Status Socioeconômico (SSE)
da criança é atribuído a sua residência ou sua escola, obtido através do código
postal da área em que se localiza (Indicadores: renda, escolaridade,
desemprego, proporção de pessoas em trabalhos não qualificados, proporção de
dependentes na residência); b) Em três artigos o SSE da criança foi designado
de acordo com o tipo de escola que frequenta, escola pública ou privada; c) Em
quatro artigos o SSE da criança foi obtido através de questionário destinado
aos pais com questões relativas às condições socioeconômicas da família.
(Indicadores: ocupação dos pais, escolaridade, renda familiar, habitação e área
residencial); d) Em dois artigos o SSE da criança foi obtido através de
Questionário destinado aos pais com classificação baseada na ocupação de ambos
os pais; e) Em dois artigos o SSE da criança foi avaliado através do Critério
de Classificação Econômica Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de
Pesquisa (Indicadores: renda familiar mais conjunto de indicadores que
relaciona o grau de instrução do chefe da família, quantidade de banheiros em
casa, posse de bens duráveis e empregada doméstica) (Tabela I).
Tabela
I - Caracterização das amostras e instrumentos
utilizados para avaliação das habilidades motoras e status socioeconômico.
M
= Meninos / F = Meninas; TesteKTK (Körperkoordinations
Test Für Kinder); Teste NEE (NeurologicalEvolutionalExamination);
Teste BOTMP (Bruininks-Oseretsky Test of Motor
Proficiency); Teste TGMD-2 (Test of gross motor development–secondedition);
MABC (Teste Movement Assessment Battery for Children); BOT-2 SF (Oseretsky Test of Motor-Proficiency-Second Edition-Short
Form).
Testes
de habilidades motoras
Dos 19 estudos
selecionados, foram utilizados sete diferentes instrumentos padronizados de
avaliação motora. Seis trabalhos utilizaram o KTK, dois utilizaram o BOTMP-2 e
TGMD2, e outros 4 utilizaram, EDM, NEE, MABC e BOT-2SF
e os outros cinco artigos utilizaram testes não padronizados, com uma
combinação de tarefas de testes diversos (Tabela I).
Relação
entre idade e habilidades motoras
A variável idade foi
avaliada em oito estudos [16-22,34] e em onze não foi avaliada ou não
mencionada [23-33]. Em seis estudos foi encontrado que crianças mais velhas
apresentam melhor desempenho nas tarefas motoras que seus pares mais novos. A
pesquisa de Hardy et al. [17] apresentou resultados parciais de acordo com o ano da
pesquisa longitudinal.
Destacamos que os
resultados obtidos nos oito primeiros estudos representam hegemonicamente o que
a literatura preconiza. Relaciona o melhor desempenho motor com o avançar da
idade. Espera-se que com o avançar dos anos, o desenvolvimento das habilidades
seja aprimorado em virtude da maturação biológica, além da maior construção do
acervo motor.
Relação
entre sexo e habilidades motoras
A
variável sexo
foi avaliada por 14 estudos. Destes, somente um [16] não encontrou relação
entre o sexo e o desempenho nas habilidades motoras; os outros 5 estudos não fizeram esta análise [23,29-33].
Sete estudos apontam
uma maior prevalência de desempenho dos meninos em relação às meninas [17,20,24,25,27,28,34], somente os estudos de Krombholz [18,19] encontraram melhor desempenho em meninas
em relação aos meninos. A hipótese para este fenômeno seria relacionada aos
fatores sociais e culturais do que propriamente diferenças nas características
biológicas.
Há um consenso entre
os estudos apontando que é mais provável que as diferenças reflitam as escolhas
que meninos e meninas fazem para participação em esportes e jogos. Além disso,
talvez os meninos possam receber maior atenção e encorajamento de pais e
professores no desenvolvimento de habilidades motoras grossas. Meninos,
inclusive, tendem a ganhar mais brinquedos relacionados a esportes, e meninas
seriam mais encorajadas que meninos a participar de atividades como dança e
ginástica [17,20,25,27,28,34].
Mostrando claramente
uma perspectiva cultural, Ghosh et al. [34], em seu estudo realizado na Índia, apontam que a vantagem
motora dos meninos se dá pelas escolhas das atividades, já que as meninas
preferem atividades indoor como, costura, tricô e desenho e os meninos cricket, futebol e andar de bicicleta.
Quatro estudos
encontraram resultados parciais, em que meninos e meninas se sobrepuseram um ao
outro, não configurando prevalência entre os sexos nas diferentes tarefas.
Meninos tiveram melhor desempenho, dependendo do estudo, em força e corrida
[26], coordenação entre membros [21,22], salto unipodal
[21] e saltos laterais [22], e as meninas tiveram desempenho superior aos
meninos em equilíbrio em todos os três estudos e em coordenação entre membros
[26] e habilidade de controle de objetos [32]. Além das justificativas já
apresentadas quanto à influência social e cultural, estes autores também
atribuem as diferenças a um reflexo da prática de jogos e brincadeiras menos
ativas entre as meninas e ao menor tempo dedicado a elas [26,21]; e ainda, que
os resultados não apresentam uma tendência definida para um determinado sexo, e
isto é explicado pela constatação de que as capacidades coordenativas se tornam
mais notórias a partir dos 13 anos de idade [22]. Ghosh
[34] explica ainda que o aumento gradual da proficiência motora em meninas após
10 anos de idade pode estar relacionado com o estado pré-púbere
e suas mudanças nos hormônios sexuais. Já Bandeira et al. [32] em seu estudo, atribuem a vantagem na habilidade de
controle de objeto das meninas a variância amostral dos grupos, destacando
ainda que nos outros testes não houve diferenças significativas.
Relação
entre status socioeconômico e habilidades motoras
Analisando os
resultados obtidos quanto a relação do status socioeconômico da
criança/adolescente sobre sua performance nas
habilidades grossas, seis estudos não encontraram nenhuma relação entre estas
variáveis, 10 acharam relação em ambos os sexos, três estudos acharam esta
relação somente entre o grupo das meninas e nenhum deles achou esta relação
somente em meninos.
Seis estudos não
encontraram relação entre o SSE e as habilidades motoras. Krombholz
[19] e Santos et al. [33] não discutiram seus dados de
forma a justificá-los. Okely, Booth
[27] e Souza et al. [30] encontraram diferenças em
algumas tarefas, porém como os resultados foram parciais, não consideraram que
estes eram relevantes. Souza et al. [30] e os
outros dois autores [16,22] justificaram as possíveis causas dos dados
encontrados de diversas formas, destacando-se as diferenças no estado
nutricional e de crescimento e desenvolvimento; as relações dos diferentes
extratos sociais com o tipo de atividade física predominante (maior liberdade e
espaço para brincar, práticas formais e não formais) e das relações de cuidados
dos pais (maior ou menor permissividade, cuidados exagerados).
Três estudos [24,25,31] acharam relação entre as variáveis somente em
meninas, porém meninas de alto SSE apresentaram melhor desempenho do que as de
médio e baixo SSE. As justificativas por parte dos autores para estes
resultados assemelham-se às encontradas na categoria sexo, em que aspectos
sociais e culturais são mais determinantes que os biológicos. Este resultado
diferente entre meninos e meninas, de acordo com Booth
et al. [24] “é mais provável que reflitam diferenças
nos esportes e nos jogos em que os meninos e meninas decidem participar e,
talvez, que os meninos possam receber maior atenção de pais e professores no
desenvolvimento das habilidades”.
Os outros estudos
encontraram relação entre o SSE e as habilidades motoras em ambos os sexos, as
crianças/adolescentes de alto SSE pontuaram acima das de baixo SSE [18,23,26,29,32,34]. Bandeira et al.
[32] justificam que o SSE é um fator preditor na
relação com a habilidade motora. Isso pode estar relacionado ao ambiente em que
as crianças do estudo estavam inseridas. Os autores ainda destacam que o melhor
desempenho nas habilidades motoras entre crianças de classe alta pode ser
explicado pelo fato de que o alto poder aquisitivo destas famílias pode
viabilizar maior oportunidade de práticas motoras nas escolas em que estão
inseridas, as quais oferecem professores de educação física
mais especializados, já que no estudo em tela, em outros horários nenhum
dos dois grupos praticavam atividades motoras fora da escola.
Morley et al. [20] e Pienaar et al. [28] encontraram
relação do SSE em quatro do total de seis tarefas motoras, e Valdivia et al.
[21] em duas do total de cinco tarefas. Destes últimos três estudos que
encontraram resultados parciais, podemos destacar que a distribuição das
tarefas por grupo de SSE não foi homogênea. Estes resultados apresentaram que o
grupo de alto SSE pontuou acima do grupo de baixo SSE em três tarefas [28], o
grupo alto e médio SSE superou o de baixo SSE em duas tarefas [20,21], que os
grupos de alto e baixo SSE pontuaram acima do grupo de
médio SSE em uma tarefa [20], e ainda, o grupo de baixo SSE pontuou acima do
grupo de alto SSE na tarefa de chutar [28].
Este cenário foi
defendido pelos autores como um reflexo das diferentes oportunidades para
estimulação do desenvolvimento motor em famílias com melhores condições
socioeconômicas (brinquedos adequados ao estímulo) [23], início precoce na
escola [23], atividades físicas formais e com instrução fora da escola [18,23];
Pienaar et al. [28]
justificaram a melhor pontuação do grupo de baixo SSE pelas diferenças étnicas:
crianças negras (de baixo SSE) tem o futebol como cultura popular e já as
crianças brancas (alto SSE) culturalmente praticam mais o críquete, o que
favoreceria a tarefa de arremesso. Já as provas de força muscular favorecem as
crianças de alto SSE e as de equilíbrio as de baixo SSE [21].
Os resultados
mostram-se variados possivelmente em virtude da diversidade cultural e social,
tanto de pesquisadores como de pesquisados. Formas de avaliar o status
socioeconômico levam em consideração habitação e área residencial ou escolar,
renda familiar, escolaridade e ocupação dos pais, acesso a serviços públicos,
entre outros. Por si só, estes fatores restringem sua aplicabilidade a grupos
sociais com características semelhantes, dificultando sua replicação em outras
partes do mundo.
Os dados apontam para
uma tendência de que meninos e indivíduos mais velhos apresentam desempenho
motor acima de seus pares mais novos e meninas. Quanto à relação entre SSE e
habilidades motoras, os dados dos estudos encontrados nesta revisão não são
homogêneos, dividindo-se entre resultados de prevalência de melhor pontuação
para o grupo de alto SSE em relação ao de baixo SSE, resultados mistos em que
cada grupo de SSE predomina em determinadas tarefas dependendo do estudo, até a
ausência de relação entre as variáveis apresentadas.
Embora pareça existir
um consenso no discurso do impacto negativo do baixo SSE sobre o menor
desempenho motor em crianças, as pesquisas em crianças e adolescentes têm mostrado
resultados conflitantes. Talvez o fato de usarem medidas diferentes de
avaliação das habilidades motoras e principalmente de classificação do status
socioeconômico, possam gerar estas ambiguidades.
Uma limitação do
estudo reside na impossibilidade de discussão mais aprofundada dos instrumentos
de avaliação do status socioeconômico. Possivelmente, uma comparação mais
criteriosa do emparelhamento destes instrumentos alteraria a seleção dos
artigos através dos critérios de inclusão e exclusão.
Desta forma, avançar
em pesquisas que buscam desenvolver parâmetros mais fidedignos e adequados às
mais diversas realidades, torna-se um desafio para estudos futuros.