ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida de mulheres com infecções recorrentes do trato urinário em atendimento ambulatorial

Quality of life in women with recurrent urinary tract infections in an outpatient care

 

Carlos Augusto Faria, D.Sc.*, Luciano Garcia Lourenção, D.Sc.**, Dayanna de Oliveira Quintanilha***, Muller da Silva Vieira****, Patrícia de Fátima Lopes de Andrade, D.Sc.*****, José Carlos Carraro Eduardo, D.Sc.******

 

*Médico (Ginecologia), Professor Adjunto, Faculdade de Medicina, Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ, **Enfermeiro, Professor Titular-Livre, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande/RS, ***Médica, Oficial do Corpo de Saúde da Marinha, Rio de Janeiro, ****Médico, Egresso da Faculdade de Medicina, Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ, *****Bióloga, Professora Adjunta, Faculdade de Medicina, Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ, ******Médico, Professor Adjunto, Faculdade de Medicina, Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ

 

Recebido em 22 de janeiro de 2018; aceito em 25 de maio de 2018.

Endereço de correspondência: Carlos Augusto Faria, Rua Marquês do Paraná, 303 - 4º andar, 24033-900 Niterói RJ, E-mail: carlosfaria@vm.uff.br; Luciano Garcia Lourenção: luciano.famerp@gmail.com; Dayanna de Oliveira Quintanilha: dayquintan@hotmail.com; Muller da Silva Vieira: muller-vieira@hotmail.com; Patrícia de Fátima Lopes de Andrade: patricialopes@id.uff.br; José Carlos Carraro Eduardo: carraroeduardo@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Avaliar a qualidade de vida de mulheres com infecções recorrentes do trato urinário em atendimento ambulatorial, utilizando dois instrumentos, e verificar concordância entre eles. Métodos: Estudo transversal com mulheres com infecções recorrentes do trato urinário, confirmados pela cultura de urina, utilizando WHOQOL-bref e King´s Health Questionaire (KHQ). Resultados: Participaram 30 mulheres com idade entre 20 e 87 anos. De acordo com o WHOQOL-bref, seis (20,0%) mulheres referiam qualidade de vida ruim ou muito ruim e 17 (56,7%) estavam insatisfeitas ou muito insatisfeitas com a saúde. Houve boa consistência do instrumento WHOQOL-bref para qualidade de vida geral, satisfação com a saúde e domínio físico; o KHQ apresentou consistência satisfatória para todos os domínios, exceto Medidas de Gravidade. O KHQ mostrou maior comprometimento da qualidade de vida nos domínios: Impacto da Incontinência, Relações Pessoais e Emoções. Houve correlação significativa entre WHOQOL-bref e KHQ, em todos os domínios. Conclusão: As mulheres apresentaram maior comprometimento da qualidade de vida nos domínios: Impacto da Incontinência, Relacionamentos Pessoais e Emoções para KHQ; Físico para WHOQOL-bref. Houve correlação significativa entre os domínios do King´s Health Questionaire e WHOQOL-bref, demonstrando que ambos são úteis para avaliação da qualidade de vida nessa população.

Palavras-chave: qualidade de vida, sintomas do trato urinário inferior, saúde da mulher, controle de infecções.

 

Abstract

Objective: To evaluate quality of life of women with recurrent urinary tract infections in ambulatory care, using two instruments, and verify consistency between them. Methods: Cross-sectional study on women with recurrent urinary tract infections, confirmed by a urine culture, using WHOQOL-bref and King's Health Questionaire (KHQ). Results: Participated 30 women aged between 20 and 87 years. According to the WHOQOL-bref, six (20.0%) women reported quality of life bad or very bad and 17 (56.7%) were dissatisfied or very dissatisfied with health. There was good consistency of WHOQOL-bref instrument for the overall quality of life, satisfaction with health and the physical domain; KHQ presented satisfactory consistency for all fields except Severity Measures. The largest commitment of KHQ showed quality of life in the fields: Impact of Incontinence, Personal Relationships and Emotions. There was no significant correlation between the WHOQOL-bref and KHQ in all areas. Conclusion: Women showed greater impairment of the quality of life in the domains: Impact of Incontinence, Personal Relationships and Emotions to the KHQ; and Physical to WHOQOL-bref. There was no significant correlation between the areas of King's Health Questionaire and WHOQOL-bref, demonstrating that both are useful for the assessment of quality of life in this population.

Key-words: quality of life, lower urinary tract symptoms, women's health, infection control.

 

Introdução

 

O trato urinário é sítio comum de infecção bacteriana, com incidência anual global estimada em 250 milhões de casos [1]. O quadro clínico destas infecções varia de sintomas leves, como dor abdominal, disúria, estrangúria, ardência miccional e micções frequentes de baixo volume, até bacteremia e sepse, podendo levar ao óbito. O acometimento renal silencioso ocorre em aproximadamente 50,0% dos pacientes com cistite [1,3].

Estima-se que cerca de 35,0% da população feminina irá apresentar sintomas de infecção do trato urinário em algum momento de suas vidas [1,2].

Com o incremento da idade, aumenta a probabilidade de as mulheres apresentarem recorrência das infecções do trato urinário, especialmente após os 55 anos de idade. A incidência em mulheres com mais de 60 anos é de 10,0%. Este aumento da incidência das infecções urinárias recorrentes se deve a fatores como a menor produção de estrogênio no climatério [4] e a maior prevalência de incontinência urinária [1,2].

Mulheres sexualmente ativas, entre 20 e 40 anos, e na pós-menopausa, com mais de 60 anos, são as duas populações de maior risco para tais infecções [5].

A maior parte das mulheres com infecção do trato urinário não possui alterações anatômicas ou funcionais do trato urinário, podendo sofrer infecções isoladas ou recorrências (recidivas ou reinfecções) em intervalos variados, causadas pelos diferentes organismos que colonizam o períneo e a vagina [6,7]. Estima-se que entre 20,0% e 25,0% de todas as mulheres com mais de 65 anos apresentem bacteriúria assintomática, e essa taxa eleva-se a mais de 50,0% das mulheres com 80 anos ou mais [6].

As infecções urinárias recorrentes constituem sobrecarga substancial para o sistema de saúde ao gerar demanda e despesas com consultas médicas, antibióticos, exames complementares e hospitalizações. O custo social, relacionado ao absenteísmo do trabalho e morbidade para os indivíduos afetados também tem que ser considerado [1,8].

A literatura sobre o impacto das infecções recorrentes do trato urinário na qualidade de vida é bastante escassa [9]. Estudos com pacientes com infecções recorrentes do trato urinário [10] e pacientes com cistite [11], apontaram que essas infeccções têm um impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes, que pode ser melhorada com tratamento adequado.

Estudo qualitativo com mulheres suecas idosas, com infecções de repetição do trato urinário, mostrou que essas infecções representam um importante problema de saúde para as mulheres, afetando a saúde física e mental, além dos impactos sociais [11]. Para os autores, é necessário buscar conhecimentos sobre a forma que estas infecções recorrentes afetam a saúde das mulheres, para subsidiar a implementação de estratégias capazes de melhorar as condições de vida e saúde desta população.

A qualidade de vida é considerada abrangente e ligada ao que a pessoa sente e percebe; tem um valor intrínseco e intuitivo, decorrente de diferentes fatores que proporcionam equilíbrio e bem-estar ao indivíduo [12,13]. Nesse contexto, instrumentos capazes de quantificar o comprometimento da qualidade de vida de mulheres com infecção do trato urinário recorrente permitem mensurar o problema, subsidiando ações que melhorem a qualidade de vida, reduzam o impacto financeiro do tratamento nos serviços de saúde e contribuam com informações úteis para o direcionamento de ações multidisciplinares de promoção e cuidados de saúde a estas mulheres [14,15].

Ante o exposto, este estudo objetivou avaliar a qualidade de vida de mulheres com infecções recorrentes do trato urinário em atendimento ambulatorial, utilizando dois instrumentos, e verificar a concordância entre eles.

 

Material e métodos

 

Trata-se de estudo transversal com mulheres com infecções recorrentes de trato urinário sem complicações confirmadas pela cultura de urina, atendidas no serviço público ambulatorial de um hospital de ensino, no período de maio de 2012 a dezembro de 2013.

Considerou-se infecção recorrente a ocorrência de três episódios de infecção do trato urinário com três culturas de urina positivas nos 12 meses, ou dois episódios anteriores nos últimos seis meses [5].

Foram incluídas no estudo, mulheres com 18 anos ou mais; com duas ou mais histórias de infecção do trato urinário no período de seis meses e/ou três ou mais episódios de infecção dentro de um ano, sugeridas pela história clínica e confirmadas pela cultura de urina; com bacteriúria assintomática confirmada por dois testes. Foram excluídas gestantes e mulheres que estavam em uso de cateter vesical, apresentavam obstrução do trato urinário ou bexiga neurogênica.

Todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da coleta dos dados.

Após coleta das variáveis de caracterização, as mulheres foram submetidas à avaliação da qualidade de vida através da versão brasileira dos questionários WHOQOL-bref e King’s Health Questionnaire (KHQ) [16,17].

O WHOQOL-bref permite uma medida genérica, multidimensional e multicultural, para uma avaliação subjetiva da qualidade de vida em quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente. Quanto maior o escore de cada domínio, melhor é a qualidade de vida. Para o KHQ, que avalia o impacto de sintomas do trato urinário baixo nos domínios Percepção Geral de Saúde, Impacto da Incontinência, Limitações de Atividades diárias, Limitações Físicas, Limitações Sociais, Relações Pessoais, Emoções, Sono e Disposição e Medidas de Gravidade, quanto maior a pontuação obtida, pior é a qualidade de vida [16,17].

A análise dos dados foi realizada com o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0.

A confiabilidade dos dados dos instrumentos foi testada através da análise da consistência interna das questões por meio do Coeficiente Alfa de Cronbach, cujos valores maiores ou iguais a 0,700 são considerados satisfatórios. Os escores dos domínios de ambos os questionários foram apresentados segundo escores médios e desvios-padrão, mediana, valores mínimo e máximo, intervalo de confiança de 95,0%.

Para verificar a distribuição normal dos dados, utilizou-se o teste de Shapiro-Wilk (p<0,05). Diante da normalidade apresentada, a concordância entre os instrumentos foi realizada pelo teste de correlação de Pearson, considerada fraca para valores de r até 0,30, moderada para valores entre 0,40 e 0,60, e forte para valores maiores que 0,70.

O estudo respeitou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

 

Resultados

 

Participaram do estudo 30 mulheres na faixa etária de 20 a 87 anos (Média: 37,5). A faixa etária prevalente foi dos 20 a 30 anos (43,3%). Vinte e três mulheres (76,7%) eram hipertensas e 27 (90,0%) diabéticas. Vinte mulheres (66,7%) tiveram diagnóstico de infecção do trato urinário há mais de 24 meses e 16 (53,3%) apresentavam incontinência urinária. Vinte e duas (73,3%) mulheres não relacionavam as infecções do trato urinário à atividade sexual. Treze mulheres (43,3%) apresentaram o último episódio de infecção há menos de 10 dias e 23 (76,7%) apresentavam prolapso genital (Tabela I).

 

Tabela I - Caracterização de mulheres com infecção urinária recorrente estudadas, Niterói/RJ, 2014.

 

 

Observou-se boa consistência do instrumento WHOQOL-bref para a qualidade de vida geral, a satisfação com a saúde e o domínio físico. Já o KHQ apresentou consistência satisfatória para todos os domínios, exceto Medidas de Gravidade (Tabela II).

Os resultados da avaliação da qualidade de vida geral, segundo o WHOQOL-bref, mostraram que seis mulheres (20,0%) referiam que sua qualidade de vida era ruim ou muito ruim, e 17 (56,7%) estavam insatisfeitas ou muito insatisfeitas com a sua saúde.

Não foi observada diferença significante entre os escores dos domínios do WHOQOL-bref. Já para o KHQ, houve maior comprometimento da qualidade de vida nos domínios Impacto da Incontinência, Relações Pessoais e Emoções.

A análise dos domínios WHOQOL-bref mostrou que as mulheres com mais instrução apresentaram maior comprometimento da qualidade de vida nos domínios Físico e Ambiental. Para o KHQ houve maior comprometimento da qualidade de vida nos domínios: Impacto da Incontinência, Relacionamentos Pessoais e Emoções (Tabela II).

 

Tabela II - Avaliação da QV de mulheres com infecção urinária recorrente, atendidas no ambulatório de infecção urinária, por meio do WHOQOL-bref e KHQ, apresentadas em Coeficientes Alfa de Cronbach, escores médios e desvios-padrão, mediana, valores mínimo e máximo, intervalo de confiança de 95% para cada domínio. Niterói/RJ, 2014.

 

Cálculo para n=30 pacientes, exceto para o domínio Relações Pessoais (n=24 mulheres com vida sexual ativa); DP = desvio padrão; Md = mediana; Min = mínimo. Max = máximo. IC 95% = intervalo de confiança de 95%.

 

Apesar dos coeficientes de correlação negativos, a análise da correlação entre os domínios WHOQOL-bref e KHQ é considerada positiva, uma vez que os critérios de análise para os escores dos dois instrumentos são inversos (Tabela III).

Houve correlação significativa entre WHOQOL-bref e KHQ em todos os domínios. As maiores correlações foram observadas entre domínios: Físico (WHOQOL-bref) e Percepções gerais de saúde, Emoções, Sono e energia (KHQ); Psicológico (WHOQOL-bref) e Percepções gerais de saúde, Emoções (KHQ); Social (WHOQOL-bref) e Limitações físicas, Limitações sociais, Relações pessoais, Emoções (KHQ); Ambiental (WHOQOL-bref) e Limitações físicas (KHQ) (Tabela III).

 

Tabela III - Coeficientes de Correlação de Pearson (r) entre os escores do WHOQOL-bref e do KHQ, Niterói/RJ, 2014

 

 *Correlação significante ao nível 0,05 (bicaudal). **Correlação significante ao nível 0,01 (bicaudal).

 

Discussão

 

Os dados demográficos deste estudo corroboram a literatura brasileira, que aponta o aumento das queixas de infecção do trato urinário após 41 anos de idade, pressão arterial elevada e aumento da perda urinária como fatores que favorecem o aparecimento de infecção, comprometendo a qualidade de vida das mulheres [18].

O grau de comprometimento da qualidade de vida dessas mulheres está relacionado ao tipo de incontinência e à percepção que cada mulher tem sobre o problema. A incontinência urinária aumenta o estresse, causa isolamento social, tristeza e depressão, prejudicando a qualidade de vida [19].

Este estudo apontou comprometimento da qualidade de vida das mulheres em todos os domínios do KHQ, corroborando estudos que sugerem que infecções do trato urinário têm efeito negativo na qualidade de vida das mulheres [8,11]. Mulheres com cistite aguda não recorrente, sem complicações apresentaram qualidade de vida inferior às mulheres sem infecções do trato urinário [20].

Os escores mais baixos nos domínios Impacto da Incontinência, Relacionamentos Pessoais e Emoções do KHQ sugerem que sintomas relacionados à infecção do trato urinário levam à percepção de que a vida é substancialmente afetada, uma vez que há comprometimento das relações familiares e sexuais, com repercussões na autoestima. Este efeito é mais significativo do que o efeito sobre atividades diárias, em casa ou no trabalho, e em atividades físicas ou sociais, uma vez que as infecções do trato urinário normalmente não são suficientemente graves para dificultá-las [11,21].

Houve variação consistente na comparação entre as pontuações dos domínios dos questionários. O WHOQOL-bref mostrou correlação com os domínios Relacionamentos Sociais, Limites Físicos, Limitações Sociais, Relações Pessoais e Emoções do KHQ.

A limitação imposta pelas infecções recorrentes do trato urinário foi, portanto, identificada por ambos os instrumentos, sugerindo um efeito significativo nas atividades físicas, viagens, atividades de grupo, vida social e sexual, e casos de baixa autoestima, ansiedade e depressão. Isso pode ser explicado pelo fato de que a paciente deixa de participar da vida de seu grupo social, seja devido à limitação causada por sua disúria e ter que ficar perto de um banheiro, ou devido ao seu sentimento emocionalmente devastado. Esses fatores, combinados com a dor durante a relação sexual, podem causar diminuição do desejo sexual que gera insatisfação e conflito com o parceiro [11,20].

Os domínios KHQ Limitações Físicas e Emoções mostraram correlação moderada com todas as outras áreas do WHOQOL-bref. Tais resultados sugerem que as limitações impostas pelas infecções do trato urinário recorrentes à atividade física e ao desempenho das tarefas diárias, bem como seu efeito emocional, contribuem para a percepção de menor qualidade de vida e menor satisfação com a saúde pessoal das mulheres, limitam a liberdade da paciente a realizar tarefas domésticas e de trabalho, que são interrompidas pela sua disúria [20,22].

A percepção de não ter dinheiro suficiente para viver e a insatisfação com o acesso aos serviços de saúde, aspectos do domínio do Meio Ambiente (WHOQOL-bref), podem ser decorrentes das frequentes despesas das mulheres com antibióticos e das dificuldades em obter acesso contínuo aos serviços de saúde, causando estresse, que pode ser a explicação para a correlação moderada com o domínio Emoções do KHQ, que é corroborada por estudos com mulheres com incontinência urinária [20,22].

A correlação entre pontuações mais baixas para os domínios Impacto da Incontinência do KHQ e Saúde Física do WHOQOL-bref pode ser explicada pelo fato de que este domínio é composto por questões que avaliam fatores que são afetados pela recorrência de Infecções do Trato Urinário. A qualidade do sono pode ser afetada quando o paciente é despertado pela urgência e desconforto causados pela infecção. Além disso, sua mobilidade e capacidade de trabalho são comprometidas por ter que, frequentemente, interromper atividades diárias ou movimentos, devido aos sintomas relacionados às infecções urinárias. Outro fator importante é a dependência do paciente de medicamentos ou tratamentos que, além do custo, têm efeitos colaterais e contribuem para percepção pior da qualidade de vida [8].

Da mesma forma, a correlação das pontuações para os domínios Relações Sociais do WHOQOL-bref e Impacto da Incontinência do KHQ pode ser explicada pelas repercussões que as infecções do trato urinário têm sobre a atividade sexual, seja pela dor envolvida no ato sexual ou pelo fato de a atividade sexual ser a causa da infecção. O efeito deletério sobre a atividade sexual também pode explicar a correlação moderada entre os escores dos domínios Relações Pessoais (KHQ) e Saúde Física e Meio Ambiente (WHOQOL-bref) [11].

É comum a interferência da infecção do trato urinário na vida sexual, social, familiar e laboral, comprometendo a autoestima e autoconfiança das mulheres, que se sentem envergonhadas e limitadas para realizar atividades com outras pessoas, tendo o convívio social fragilizado [19].

Estudos demonstraram interesse em descrever, quantitativa ou qualitativamente, a qualidade de vida das mulheres com infecções do trato urinário recorrentes. Nossos resultados concordam com os resultados dos estudos qualitativos, que mostraram o efeito deletério de infecções recorrentes do trato urinário sobre vários aspectos da saúde da mulher [22,23].

Assim, pode-se afirmar que as infecções do trato urinário são um problema de saúde pública, pois interferem significativamente no cotidiano das mulheres, causando impactos físicos, emocionais e sociais que reduzem a qualidade de vida [15]. Este impacto negativo pode ser evidenciado pelo Kings Health questionaire [17,23].

A principal limitação deste estudo foi a amostra de mulheres com infecções urinárias recorrentes obtidas de um único serviço ambulatorial, não permitindo generalizar os resultados a outros serviços.

Para tornar mais efetiva esta avaliação, são necessários estudos adicionais, com questões relacionadas a fatores como as causas da infecção e aspectos relacionados à infecção que causam comprometimento da qualidade de vida dessas mulheres, como o impacto dos sintomas nas atividades cotidianas das mulheres.

 

Conclusão

 

As mulheres com infecções recorrentes do trato urinário estudadas apresentaram maior comprometimento da qualidade de vida nos domínios: Impacto da Incontinência, Relacionamentos Pessoais e Emoções para o KHQ; e Físico para WHOQOL-bref. Houve uma correlação significativa entre o KHQ e os domínios WHOQOL-bref, demonstrando que ambos os instrumentos são úteis para avaliar a qualidade de vida nessa população.

Ambos os intrumentos (KHQ e WHOQOL-bref) contribuem para que profissionais de saúde envolvidos nos cuidados de saúde a estas mulheres direcionem suas ações, buscando melhorar os aspectos de qualidade de vida comprometidos, promovendo a recuperação da saúde dessas mulheres.

 

Referências

 

  1. Flores-Mireles AL, Walker JN, Caparon M, Hultgren SJ. Urinary tract infections: epidemiology, mechanisms of infection and treatment optionsNature Rev Microbiol 2015;13(5):269-84. http://doi.org/10.1038/nrmicro3432.
  2. Foxman B. Urinary tract infection syndromes: occurrence, recurrence, bacteriology, risk factors, and disease burdenInfect Dis Clin North Am 2014;28(1):1-13. https://doi.org/10.1016/j.idc.2013.09.003.
  3. Nosseir SB, Lind LR, Winkler HA. Recurrent uncomplicated urinary tract infections in women: a review. J Womens Health (Larchmt) 2012;21(3):347-54. https://doi.org/10.1089/jwh.2011.3056.
  4. Hooton TM. Uncomplicated urinary tract infection. N Engl J Med 2012;366(11):1028-37. https://doi.org/10.1056/NEJMcp1104429.
  5. Stapleton AE, Dziura J, Hooton TM, Cox ME, Yarova-Yarovaya Y, Chen S, et al. Recurrent urinary tract infection and urinary escherichia coli in women ingesting cranberry juice daily: a randomized controlled trial. Mayo Clin Proc 2012;87(2):143-50. http://dx.doi.org/10.1016/j.mayocp.2011.10.006.
  6. Ipe DS, Sundac L, Benjamin Jr WH, Moore KH, Ulett GC. Asymptomatic bacteriuria: prevalence rates of causal microorganisms, etiology of infection in different patient populations, and recent advances in molecular detection. FEMS Microbiol Lett 2013; 346(1):1-10. https://doi.org/10.1111/1574-6968.12204.
  7. Geerlings SE, Beerepoot MAJ, Prins JM. Prevention of recurrent urinary tract infections in women antimicrobial and nonantimicrobial strategies. Infect Dis Clin North Am 2014;28(1):135-47. https://doi.org/10.1016/j.idc.2013.10.001.
  8. Bermingham SL, Ashe JL. Systematic review of the impact of urinary tract infections on health-related quality of life. BJU Int 2012;110(11PtC):E830-6. http://dx.doi.org/10.1111/j.1464-410X.2012.11337.x.
  9. Ernest EJ, Ernest ME, Hoehns JD, Bergus GR. Women's quality of life is decreased by acute cystitis and antibiotic adverse effects associated with treatment. Health Qual Life Outcomes 2005;3:45. https://doi.org/10.1186/1477-7525-3-45.
  10. Renard J, Ballarini S, Mascarenhas T, Zahran M, Quimper E, Choucair J, et al. Recurrent lower urinary tract infections have a detrimental effect on patient quality of life: a prospective, observational studyInfect Dis Ther 2014;4(1):125-35. https://doi.org/10.1007/s40121-014-0054-6.
  11. Eriksson I, Olofsson B, Gustafson Y, Fagerström L. Older women's experiences of suffering from urinary tract infections. J Clin Nurs 2014;23(9-10):1385-94. https://doi.org/10.1111/jocn.12422.
  12. Ribeiro L, Santana L. Qualidade de vida no trabalho: Fator decisivo para o sucesso organizacional. Rev Iniciação Científica - RIC Cairu 2015;2(2):75-96..
  13. Moretti GS, Moreira KA, Pereira SR. Qualidade de vida dos cuidadores de crianças com paralisia cerebral da Amazônia Sul Ocidental. Rev Bras Promoç Saúde 2012;25(1): 30-6.
  14. Cruz LN, Fleck MPDA, Oliveira MR, Camey SA, Hoffmann JF, Bagattini AM, et al. Health-related quality of life in Brazil: normative data for the SF-36 in a general population sample in the south of the country. Cienc Saúde Coletiva 2013;18(7):1911- 21. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000700006.
  15. Alencar NDA, Souza Júnior JVD, Aragão JCB, Ferreira MDA, Dantas E. Nível de atividade física, autonomia funcional e qualidade de vida em idosas ativas e sedentárias. Fisioter Mov 2011;23(3):473-81. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-51502010000300014
  16. Tavares DMS, Bolina AF, Dias FA, Ferreira PCS, Haas VJ. Quality of life of elderly. Comparison between urban and rural areasInvest Educ Enferm 2014;32(3):401-13.
  17. Viana R, Viana S, Neto F, Mascarenhas T. Adaptation and validation of the King’s Health Questionnaire in Portuguese women with urinary incontinenceInt Urogynecol2015;26(7):1027-33. https://doi.org/10.1007/s00192-015-2628-6.
  18. Knorst MR, Cavazzotto K, Henrique M, Resende TL. Intervenção fisioterapêutica em mulheres com incontinência urinária associada ao prolapso de órgão pélvico. Rev Bras Fisioter 2012;16(2):102-7. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-35552012000200004.
  19. Gomes AGP, Veríssimo JH, Santos KFO, Andrade CG, Costa ICP, Fernandes MGM. Impacto da incontinência urinária na qualidade de vida de mulheres. Rev Baiana Enferm 2013;27(2):181-92. http://dx.doi.org/10.18471/rbe.v27i2.6922.
  20. Virtuoso JF, Mazo GZ, Menezes EC. Prevalência, tipologia e sintomas de gravidade da incontinência urinária em mulheres idosas segundo a prática de atividade física. Fisioter Mov 2012;25(3):571-82. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-51502012000300013.
  21. Seshan V, Muliira JK. Dimensions of the impact of urinary incontinence on quality of life of affected women: a review of the English literature. Int J Urol Nurs 2014;8(2):62-70. https://doi.org/10.1111/ijun.12034.
  22. Melo BES, Freitas BCR, Oliveira VRC, Menezes RL. Correlação entre sinais e sintomas de incontinência urinária e autoestima em idosas. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012;15(1):41-50. http://dx.doi.org/10.1590/S1809-98232012000100005.
  23. Flower A, Bishop FL, Lewith G. How women manage recurrent urinary tract infections: an analysis of postings on a popular web fórum. BMC Fam Pract 2014;15:162. https://doi.org/10.1186/1471-2296-15-162.