REVISÃO

Efeitos sistêmicos da mobilização precoce em pacientes adultos internados na unidade de terapia intensiva: revisão atualizada

Systemic effects of early mobilization in adult patients admitted to the intensive care unit: updated review

 

Bárbara Fernandes Pinto, M.Sc.*, Bruna Fernandes Pinto, M.Sc.*, Eduardo Henrique Ferreira Dias, M.Sc.**

 

*Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, **Universidade de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina

 

Recebido em 22 de março de 2018; aceito em 17 de outubro de 2018.

Endereço para correspondência: Bárbara Fernandes Pinto, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Presidente Antônio Carlos, 6627 Pampulha 31270-901 Belo Horizonte MG, E-mail: barbara_fernandes_pinto@hotmail.com; Bruna Fernandes Pinto: bruna_fernandes_6@hotmail.com; Eduardo Henrique Ferreira Dias: dreduardodias@gmail.com

 

Resumo

Introdução: Nos últimos anos, com o avanço tecnológico e da medicina, a sobrevida dos pacientes internados nas unidades de terapia intensiva (UTI) tem aumentado consideravelmente. No entanto, muitos desses pacientes permanecem imóveis e restritos ao leito causando diversas consequências deletérias associadas à imobilidade prolongada. Objetivo: Elucidar os efeitos sistêmicos da mobilização precoce em pacientes adultos internados na UTI. Métodos: Trata-se de uma revisão realizada nas bases de dados eletrônica: Pubmed, Scielo e Web of Science. Foram selecionados artigos indexados publicados entre o período de 2012 a 2017. Foram encontrados 9 estudos relevantes a essa revisão. Resultados: De forma geral, essa prática proporcionou aumento da força muscular, aumento da pressão inspiratória máxima, redução na produção de citocinas pró-inflamatórias e do estresse oxidativo, menor permanência na ventilação mecânica (VM), menor tempo de internação hospitalar e maior qualidade de vida. Conclusão: A fisioterapia torna-se essencial no desenvolvimento da mobilização precoce, contribuindo para a melhora da funcionalidade e da qualidade de vida do paciente tanto no meio hospitalar quanto pós-alta.

Palavras-chave: mobilização precoce, unidade de terapia intensiva, Fisioterapia.

 

Abstract

Introduction: In recent years, with advances in technology and medicine, the survival of patients admitted to intensive care units (ICU) has increased considerably. However, many of these patients remain immobile and restricted in the beds causing several deleterious consequences associated with prolonged immobility. Objective: To elucidate the systemic effects of early mobilization in adult patients hospitalized in the ICU. Methods: This is a review carried out in the electronic databases: PubMed, Scielo and Web of Science. We selected indexed articles between 2012 and 2017. We found 9 studies relevant to this review. Results: In general, this practice increased muscle strength, increased maximal inspiratory pressure, reduced production of proinflammatory cytokines and oxidative stress, shorter mechanical ventilation (MV), shorter hospital stay and higher quality of life. Conclusion: Physical therapy becomes essential in the development of early mobilization, contributing to improve the functionality and quality of life of the patient both in hospital and post-discharge.

Key-words: early mobilization, intensive care unit, Physical Therapy.

 

Introdução

 

Nos últimos anos, com o avanço tecnológico e da medicina a sobrevida dos pacientes internados nas unidades de terapia intensiva (UTI) tem aumentado consideravelmente [1]. De acordo com o censo realizado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira, o Brasil apresenta 2.342 UTI possuindo um total de 25.367 leitos presentes em 403 municípios [2]. No entanto, muitos desses pacientes permanecem imóveis e restritos nos leitos, causando diversas consequências deletérias [3]. A imobilidade prolongada está associada a diversos efeitos adversos [4], principalmente com relação ao declínio funcional do paciente, redução da qualidade de vida e sobrevida pós-alta hospitalar e aumento dos custos assistenciais [5].

A fraqueza muscular adquirida na UTI (ICUAW, do inglês, intensive care unit acquired weakness) ocorre já nos primeiros dias de inatividade e sua incidência corresponde de 30% a 60% dos pacientes internados em UTI [6,7]. Dentre os músculos afetados, os músculos dos membros inferiores são os primeiros a enfraquecer durante a inatividade e podem diminuir 3% ao dia em indivíduos saudáveis [8]. A inatividade prejudica não apenas a função do sistema musculoesquelético mas também do sistema gastrointestinal, urinário, cardiovascular, respiratório e cutâneo [6]. Com a finalidade de reduzir tais danos e/ou prevenir a Síndrome da Imobilidade Prolongada, o fisioterapeuta, juntamente com a equipe multidisciplinar tem se tornado um profissional essencial na UTI, devido a sua capacidade de restabelecer a função através da realização de exercícios terapêuticos e manobras [3,5,9].

A mobilização precoce consiste em uma abordagem fisioterapêutica com participação multiprofissional com o objetivo de melhorar a funcionalidade do indivíduo na UTI e reduzir sua permanência hospitalar [10], otimizando sua qualidade de vida pós-alta [4]. Estudos demostram que essa prática está associada à melhora da função psicológica e física, além de reduzir o tempo de VM [11,12], o que é bastante comum na UTI [1]. Esse procedimento envolve desde a movimentação ativa até a deambulação sendo considerada uma prática segura e cada vez mais comum nas unidades de terapia intensiva [4,12-14].

O exercício físico é capaz de promover alterações funcionais em diversos sistemas do organismo, assim como no sistema imunológico [15], reduzindo o estresse oxidativo e a inflamação através do aumento da produção de citocinas anti-inflamatórias [6]. Quando realizado de forma moderada e regular o exercício físico melhora a função imunológica, diminuindo o risco de infecções [16,17], podendo influenciar a intensidade e frequência de sua realização na resposta imune [18].

Apesar de os enormes benefícios associados à mobilização precoce na UTI, alguns estudos demonstraram que essa prática é pouco realizada devido às diversas barreiras encontradas pelo fisioterapeuta, tais como sedação do paciente, instabilidade cardiovascular e presença de tubo endotraqueal [7,14,19]. Tendo em base esse contexto, o objetivo principal do presente estudo é elucidar os efeitos sistêmicos da mobilização precoce em pacientes adultos internados na UTI.

 

Material e métodos

 

Trata-se de uma revisão realizada nas bases de dados eletrônica: Pubmed, Scielo e Web of Science. Foram selecionados artigos indexados publicados entre o período de 2012 e 2017. Os descritores utilizados foram: mobilização precoce, unidade de terapia intensiva, reabilitação, cinesioterapia e fisioterapia. Para esse trabalho foram selecionados estudos nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola relacionados às palavras-chave anteriormente citadas. Estudos clínicos e estudos de caso associados ao tema foram incluídos no presente trabalho. Artigos relacionados a neonatos ou crianças foram excluídos, assim como os trabalhos de metodologia duvidosa, os trabalhos que não possuíram relação direta com o tema ou que apresentaram conflitos de interesse.

Para cada estudo selecionado, foram extraídos e resumidos os dados da amostra, intervenções, as variáveis analisadas e os resultados significativos. Foram identificados inicialmente 22 artigos, dos quais 15 foram excluídos por não serem relevantes ao tema abordado ou por tratarem de estudos realizados no público pediátrico/neonatal. Posteriormente, 2 estudos foram adicionados com o intuito de enriquecer o presente estudo (Figura 1).

 

 

 

Figura 1 - Fluxograma do processo de seleção dos artigos pesquisados. O número de artigos em cada etapa está indicado entre parênteses.

 

Resultados

 

Tabela ICaracterísticas dos estudos analisados, abordando a mobilização precoce em pacientes na UTI.

 

 

Discussão

 

Pacientes internados na UTI apresentam grandes riscos de descondicionamento físico, fraqueza muscular e consequentemente incapacidade funcional [28]. A imobilidade prolongada submetida a esses pacientes ocasiona diversas complicações sistêmicas, principalmente em se tratando das complicações musculoesqueléticas. A restrição no leito pode acarretar a ICUAW, afetando tanto os músculos esqueléticos periféricos, quanto a musculatura respiratórias [29]. A ICUAW é causada por polineuropatia e/ou miopatia do doente crítico, sendo a polineuropatia resultado da degeneração axonal proveniente de alterações microvasculares no endoneuro (aumento da permeabilidade vascular), permitindo a penetração de fatores tóxicos nas terminações nervosas. O edema resultante pode prejudicar na entrega de energia ao axônio, seguindo de morte axonal. A miopatia por sua vez é ocasionada pela diminuição da síntese e/ou aumento da degradação das proteínas musculares, causando a atrofia muscular [30]. Além disso, a imobilidade é capaz de alterar as fibras musculares de contração lenta para contração rápida, diminuindo ainda mais a resistência muscular do paciente [29].

A imobilidade prejudica a ação dos músculos respiratórios, reduzindo a capacidade do diafragma em gerar força, contribuindo para o aumento da intolerância aos exercícios, dispneia e hipercapnia [1]. O decúbito supino, posição bastante adotada em pacientes internados na UTI, está associado à redução dos volumes e fluxos pulmonares, assim como no aumento do trabalho respiratório. O aumento do volume sanguíneo adotado nessa posição pode ocasionar congestão e edema pulmonar, acarretando na redução da complacência do pulmão. Além disso, o aumento do volume de ejeção aumenta o trabalho cardíaco [31].

Segundo Almeida et al. [23] a intensidade e ocorrência de fadiga foi significativamente menor nos pacientes submetidos a mobilização precoce. Tal resultado pode ser compreendido pelo fato de a mobilização precoce diminuir a alteração das fibras musculares tipo I (fibras altamente resistentes à fadiga) em tipo II (fibras que fadigam rapidamente) além de melhorar a força muscular, o que aumenta a resistência do pacientes aos exercícios, reduzindo o cansaço e o esforço tanto da musculatura periférica quanto da musculatura respiratória. Nesse mesmo estudo o grupo mobilização precoce apresentou aumento da distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos e redução da inabilidade para atravessar o quarto do hospital ou andar três metros sem ajuda de terceiros. Esses resultados demonstram o papel essencial da mobilização precoce na funcionalidade do paciente, facilitando a realização das suas atividades de vida diária pós-alta hospitalar e, consequentemente, melhorando sua qualidade de vida.

Alguns estudos têm demonstrado que a redução da atividade enzimática mitocondrial na musculatura esquelética tem sido evidenciada em pacientes doentes críticos. Para esses autores a disfunção mitocondrial ocasiona a perda energética conduzindo a atrofia muscular através de alterações nas vias de sinalização relacionadas à atrofia. No entanto, esses estudos são bastante recentes e tal mecanismo ainda permanece pouco claro [30,32]. Assim, a fraqueza muscular adquirida na UTI limita significativamente o paciente a realizar suas atividades básicas dificultando o processo de reabilitação [33] e contribuindo para o aumento da morbidade e da mortalidade [34].

Tendo em bases os estudos analisados, a fraqueza muscular foi atenuada pela mobilização precoce através do EENM, clicloergômetro e de diversos protocolos, contento exercícios passivos e ativos de membros superiores e inferiores, treino funcional de transferências, ortostase, treino de marcha, exercícios resistivos e deambulação. Pode-se inferir que existe uma gama de exercícios e recursos que contribuem para a realização da mobilização precoce, auxiliando na elaboração de condutas individuais e específicas para cada paciente.

Além da fraqueza muscular, a imobilidade prolongada pode ocasionar a estase venosa que ocorre devido à redução da atividade da bomba muscular nos membros, aumentando consideravelmente o risco do paciente em desenvolver trombose, que, pode se agravar em uma trombose venosa profunda e consequentemente, em tromboembolia pulmonar [25]. Outras complicações também podem ser acarretadas pelo imobilismo como contraturas, atelectasia, úlceras de pressão, delirium, hipotensão postural e taquicardia devido à alteração do funcionamento dos barorreceptores [29,35]. O período de imobilidade também pode contribuir para a desmineralização óssea e redução de água e sódio corporal [25].

A mobilização precoce é considerada uma prática segura e viável em pacientes internados na UTI [32], podendo causar vários benefícios ao paciente como a redução dos prejuízos orgânicos causados pela imobilidade prolongada, melhora do transporte de oxigênio, redução do risco de tromboembolismo e de trombose venosa profunda, além de melhorar a independência funcional e a qualidade de vida do paciente [36,37].

No estudo realizado por Almeida et al. [23] a mobilização precoce foi capaz de reduzir o tempo de VM, além de melhorar a qualidade de vida. Lai et al. [26] corroboram esses resultados demonstrando que além de reduzir o tempo de VM, essa prática é capaz de diminuir a permanência hospitalar do paciente. Entretanto, para Dantas et al. [1] e Moreira [20], as variáveis tempo de VM e permanência hospitalar não foram diferentemente significativas ao comparar o grupo mobilização com o grupo e controle. Diante das evidencias elucidadas na literatura, a mobilização precoce tem tomado grande destaque devido ao fato de proporcionar diversos benefícios ao paciente principalmente em se tratando da redução de tempo de VM e da permanecia hospitalar [38-40]. No entanto, novos estudos com protocolos de mobilização precoce padronizados devem ser realizados a fim de concretizar de forma mais eficaz a ação da mobilização precoce sobre essas duas variáveis.

Em estudo realizado por Akar et al. [22], foi evidenciado que os grupos submetidos a EENM apresentaram redução dos níveis séricos de IL-8, e, quando associado a cinesioterapia, houve diminuição também da concentração da IL-6. Entretanto, o grupo que realizou apenas a cinesioterapia não apresentou diferença estatisticamente significativa. A EENM tem demostrado ser uma técnica empregada fortemente na prática da mobilização precoce. Segundo Karavidas et al. [41], a estimulação elétrica funcional (FES) realizada em pacientes cardiopatas crônicos apresentou características anti-inflamatórias, além de melhorar a função endotelial, com redução do TNF-a e aumento do IL-10. No estudo de França et al. o grupo mobilização precoce também não apresentou diferença estatística, quando comparado ao grupo controle, em se tratando dos níveis de citocinas inflamatórias [25]. Para estimular os parâmetros relacionados à imunidade celular e assim diminuir o risco de infecção, o exercício realizado pelo indivíduo deve ser moderado, apresentando o consumo de oxigênio pelo organismo (VO2) variando entre 40 e 59% do O2máx, FC entre 55 e 69% da FC máxima e pontuação entre 12-13 na escala de percepção subjetiva de esforço de Borg [16]. Assim, tal resultado evidenciado pode ser compreendido pelo fato de que os indivíduos não foram submetidos a exercícios moderados, além disso, sabe-se que as respostas desencadeadas pelo sistema imune em decorrência do exercício físico dependem de diversos fatores como: os protocolos utilizados, a intensidade, o volume e a frequência de exercícios empregados, os momentos de coleta dos níveis séricos das variáveis inflamatórias após o exercício, o número e o nível de aptidão dos sujeitos constituintes da amostra, os marcadores investigados, e o tipo de amostra utilizada (animais ou seres humanos) [42].

França et al. [25] demonstraram que os indivíduos submetidos a mobilização precoce apresentaram redução das concentrações de NO produzidas por monócitos. Sabe-se que os monócitos, assim como todos os fagócitos, produzem NO a partir da L-arginina pela enzima óxido nítrico sintase sendo essa substância capaz de reagir com os radicais de oxigênio no fagolisossomo produzindo peroxinitrito, substância altamente tóxica. Assim, pode-se inferir que a mobilização precoce reduz o estresse oxidativo, propiciando no aumento dos efeitos oxidantes sistêmicos [43,44].

Para Almeida [21] tanto o grupo mobilização precoce quanto aquele que realizou apenas VNI apresentou aumento do peak flow. Esse aumento pode ser explicado pelo fato de a mobilização precoce ser capaz de aumentar a força muscular global, assim como dos músculos abdominais (principal grupo muscular expiratório), proporcionando dessa forma aumento do fluxo expiratório [45].

Entretanto, apesar de já estarem bem elucidados na literatura os benefícios decorrentes da mobilização precoce em pacientes críticos, algumas barreiras são evidenciadas, restringindo a realização dessa prática. Em estudo realizado por Parry et al. [46] foram evidenciadas as principais barreiras que impedem ou restringem a mobilização precoce. Entre elas destacam-se a presença de tubo endotraqueal, dor, fadiga, sedação, delirium, instabilidade hemodinâmica e respiratória e a presença de cateteres da artéria pulmonar, femorais ou de hemodiálise. Fatores culturais/ tradicionais como atitudes dos profissionais, a resistência a mudanças e a falta de respeito interprofissional também foram considerados barreiras a essa prática. A limitação de recursos hospitalares assim como a inexistência de um programa de incentivo a mobilização precoce foram fatores associados à limitação da mobilização precoce [46,47].

Assim, para a prática da mobilização precoce, a equipe multidisciplinar deve se conscientizar e trabalhar em equipe a fim de reduzir as diversas barreiras solucionáveis, principalmente em se tratando da resistência dos profissionais a essa nova abordagem. Reuniões periódicas, treinamentos e discussões de caso são fundamentais para auxiliar na incorporação da rotina da mobilização precoce nas UTI.

 

Conclusão

 

Com base nos estudos analisados, conclui-se que a mobilização precoce é um procedimento seguro e viável, responsável por proporcionar diversos efeitos benéficos sistêmicos nos pacientes internados na UTI, principalmente em se tratando da prevenção da fraqueza muscular, redução do tempo em VM e redução da permanência hospitalar. A fisioterapia torna-se essencial no desenvolvimento da mobilização precoce em pacientes críticos internados na UTI, sendo responsável, juntamente com a cooperação da equipe multiprofissional, por realizar diariamente desde cinesioterapia passiva, até a deambulação sem auxílio, através da progressão dos exercícios, que são estipulados de forma individual de acordo com a condição clínica e a funcionalidade de cada paciente.

Apesar de os estudos avaliados mostrarem a eficácia da mobilização precoce, novos estudos devem ser realizados com o intuito de demostrar de forma mais concreta os efeitos sistêmicos fisiológicos e moleculares da mobilização precoce. Reuniões multiprofissionais, treinamentos e o trabalho em equipe devem ser considerados a fim de efetivar a prática da mobilização precoce, e melhorar a funcionalidade e a qualidade de vida do paciente tanto no meio hospitalar quanto pós-alta.

 

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