ARTIGO
ORIGINAL
Efeito
agudo e crônico do treinamento aquático nas variáveis hemodinâmicas de
pacientes cardiopatas: uma análise retrospectiva
Acute and chronic effects of aquatic training on hemodynamic variables
of cardiac patients: a retrospective analysis
Marcela Fernandes Ferreira da Costa*, Vítor Scotta Hentschke,
D.Sc.**, Guilherme Scotta Hentschke, D.Sc.***,
Douglas Dalcin Rossato,
M.Sc.****
*Discente
do curso de Curso de Fisioterapia, Centro Universitário Franciscano, Santa
Maria/RS, **Professor do Curso de Fisioterapia, Universidade Luterana do
Brasil, Campus Cachoeira do Sul/RS, ***Professor do Curso de Enfermagem,
Universidade Luterana do Brasil, Campus Cachoeira do Sul/RS, ****Docente do
Curso de Fisioterapia, Centro Universitário Franciscano, Santa Maria/RS
Recebido em 6 de fevereiro de 2018; aceito em 12 de novembro de 2018.
Endereço
para correspondência:
Guilherme Scotta Hentschke,
Rua Jaguarão 210, 95501-260 Cachoeira do Sul RS, E-mail:
guilherme.scotta@gmail.com; Marcela Fernandes Ferreira da Costa:
marcela.ffernandes@hotmail.com; Vítor Scotta Hentschke: vitoscotta@gmail.com; Douglas Dalcin Rossato: douglasrossato@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: A Insuficiência
Cardíaca é uma patologia causada por várias desordens estruturais e funcionais
que resultam na intolerância ao exercício, porém o treinamento aquático tem-se
mostrado um importante método para a reabilitação de cardiopatas. Objetivo: Avaliar o comportamento
hemodinâmico agudo e crônico de pacientes cardiopatas submetidos a um protocolo
de treinamento aquático. Material e
métodos: A amostra foi constituída por seis indivíduos com diagnóstico de
cardiopatia, com idade de 68,3 ± 8,9 anos. Foram levantados dados dos
prontuários referentes a características da amostra, pressão arterial sistólica
(PAS), pressão arterial diastólica (PAD), frequência cardíaca (FC) e duplo
produto (DP) pré e pós-sessão
de treinamento aquático com frequência de duas vezes semanais, durante noventa
dias. Resultados: Quanto ao efeito
agudo, observou-se um aumento da FC no 2º (p=0,001) no 3º mês (p=0,033) e um
aumento do DP no 2º mês (p=0,033) e no 3º mês (p=0,028) no pós-exercício em
relação ao pré-exercício. Quanto ao efeito crônico,
observou-se aumento na FC entre o segundo e o terceiro mês (p=0,044). Conclusão: O treinamento aquático foi
capaz de aumentar aguda e cronicamente a FC e o DP em pacientes cardiopatas,
sem alterações na pressão arterial.
Palavras-chave: cardiopatia,
treinamento aquático,Hidroterapia
frequência cardíaca.
Abstract
Introduction: The cardiac insufficiency is a pathology caused by many structural and
functional disorders which result in exercise intolerance. However, the aquatic
training has been shown as an important method used in rehabilitation programs
for cardiac patients. Objective: To
evaluate the acute and chronic hemodynamic behavior of cardiac patients
performing an aquatic training protocol. Methods:
The six investigated individuals were 68.3 ± 8.9 years old, all of them with cardiopathy diagnostic. The systolic and diastolic blood
pressure and the heart rate data, before and after exercise, were taken from
medical records. The training sessions were conducted twice a week, during 90
days. Results: The acute effect of
exercise increased the heart rate during the second (p=0.001) and the third
(p=0.033) months, and also increased the double-product during the same periods
(p=0.033 and p=0.028, respectively), comparing data before and after exercise.
The chronic effect was observed by the increase of the heart rate in the third
month compared to the second (p=0.044). Conclusion:
The acute and chronic effect of the aquatic training increased the heart rate
and the double-product of cardiac patients without blood pressure variations.
Key-words: cardiopathy, aquatic training, heart rate.
A Insuficiência
Cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, resultante de diversas desordens
estruturais e funcionais como as coronariopatias, as
cardiomiopatias dilatadas, as valvopatias e a
hipertensão arterial sistêmica (HAS) [1]. Compromete a capacidade dos
ventrículos em manter os níveis adequados de suprimento sanguíneo para os
tecidos causando consequente prejuízo na oferta de suprimento energético para o
organismo [1,2]. Os principais sintomas da IC são a dispneia e a fadiga, que
levam a intolerância ao exercício físico [3].
Nos últimos anos,
diversos estudos relacionados ao exercício têm demonstrado sua importante
contribuição na melhora da qualidade de vida de cardiopatas [4]. O treinamento
físico também tem sido considerado uma ferramenta não farmacológica
imprescindível na prevenção e controle dos fatores de risco cardiovascular,
tais como, a HAS [5], diabetes [6], colesterol [7] e melhora
funcional [8] e estrutural do coração [9], com consequente redução do
número de readmissões hospitalares e mortalidade [10]. Entretanto, os programas
de treinamento terrestres tradicionais podem não ser adequados para todos os
pacientes, uma vez que idosos fragilizados e aqueles que apresentam condições co-mórbidas como dor crônica,
distúrbios ortopédicos ou déficit de equilíbrio podem encontrar dificuldades em
realizar os exercícios propostos, diminuindo assim a adesão aos programas de
reabilitação [11].
Entre as várias
modalidades de exercício físico [12-14], o treinamento aquático é um método
alternativo, recomendado devido às vantagens e propriedades físicas da água e
às respostas fisiológicas desencadeadas pela imersão [15]. Recentemente, um
importante estudo publicado por Adsett et al. [16] concluiu que o treinamento
aquático pode melhorar a capacidade física, força muscular e qualidade de vida
de pacientes com IC estável, evidenciando essa modalidade de exercício como um
método seguro e eficaz e com resultados semelhantes aos programas de
reabilitação realizados em solo. Além disso, outras pesquisas apontam que os
níveis de pressão arterial sistêmica (PAS) e pressão arterial média (PAM) aos
20 e 30 minutos no período pós-exercício aquático se apresentam menores quando
comparados aos valores basais [17].
Nesse contexto,
apresenta-se uma série de casos de pacientes cardiopatas submetidos a um
protocolo de treinamento aquático e o comportamento agudo e crônico das
variáveis hemodinâmicas frente a essa intervenção.
Delineamento
e aspectos éticos
O presente estudo
caracteriza-se por ser descritivo do tipo série de casos com uma abordagem
retrospectiva. Foram revisados os prontuários dos pacientes que participaram do
estudo intitulado: “Efeito da reabilitação aquática sob a capacidade funcional
e respiratória em indivíduos cardiopatas” aprovado pelo CEP do Centro
Universitário Franciscano sob parecer número CAAE
35215514.0.0000.5306.
Desenho
experimental
Foram levantados os
dados de pressão arterial sistólica (PAS), de pressão arterial diastólica (PAD)
e de frequência cardíaca (FC) pré e pós-sessão de treinamento aquático em prontuários de
pacientes encaminhados ao Laboratório de Ensino Prático em Fisioterapia do
Centro Universitário Franciscano, Santa Maria/RS. O treinamento aquático
supervisionado foi realizado entre os meses de março a junho de 2014, com
frequência de duas vezes semanais, durante noventa dias.
Sujeitos
e critérios de inclusão e exclusão
Foram utilizados como
critérios de inclusão: indivíduos de ambos os gêneros, idade entre 50 e 80
anos, diagnóstico de doença cardiovascular, fazendo uso de medicamento
betabloqueador durante o estudo e que assinaram o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE). A partir dos critérios de inclusão, foram analisados nove
prontuários. Destes, três foram excluídos por não apresentar 100% de frequência
do paciente durante o treinamento ou consumirem álcool ou bebidas com cafeína
durante o estudo.
Treinamento
aquático
As sessões de
treinamento foram divididas em três partes: 10 minutos de aquecimento; 40
minutos de exercícios aeróbicos, tendo como preditor
da intensidade a escala de BORG devendo o participante permanecer entre os
valores 11 a 13 (relativamente fácil à ligeiramente cansativo) [18]; e 10
minutos de relaxamento. Todos os participantes realizaram os exercícios ao
mesmo tempo, em grupo, com o auxílio de monitores dentro e fora da piscina.
Procedimentos
de avaliação
A mensuração da
Pressão Arterial (PA) seguiu a metodologia proposta pela IV Diretriz Brasileira
de Hipertensão Arterial [19] e a frequência cardíaca (FC) foi verificada
através de um frequencímetro Polar [20], sendo ambos analisados previamente e logo após o
término de cada sessão de treino. Para avaliar o efeito agudo do treinamento
aquático foram verificados e comparados os dados dos prontuários antes e após o
término de cada sessão de treino, durante os meses de março (1º mês), abril (2º
mês) e maio (3º mês). Para o efeito crônico foram analisados e comparados os
dados dos prontuários durante os três meses de estudos. O duplo produto (DP)
foi calculado através da multiplicação da PAS pela FC [20] e a pressão arterial
média (PAM) através da fórmula: PAM = [(2PAD)+ PAS]/3
[17].
Análise
estatística
Utilizou-se a ANOVA
de duas vias com medidas repetidas para comparação das avaliações em três
períodos experimentais e antes e após as sessões de treinamento aquático.
Quando se identificaram diferenças significativas, aplicou-se a análise
post-hoc, usando-se o teste de Student-Newman-Keuls para comparações múltiplas [21]. Valores de p<0,05
foram considerados significativos. Para análise dos dados foi utilizado o
software SigmaPlot 12.0 (Systat Software, San Jose, CA, USA) e para a construção dos
gráficos e análise de dados complementares foi utilizado o software GraphPad Prism 5 (GraphPad Software, San Diego, CA, USA).
Conforme demonstrado
na Tabela I, a amostra foi constituída por seis
participantes com idade média de 68,3 ± 8,9 anos, peso médio de 75,8 ± 10,1 kg,
altura 1,6 ± 0,1 m e um índice de massa corpórea (IMC) média de 30,8 ± 5,9.
Dentre os participantes, dois apresentavam histórico de infarto agudo do
miocárdio, dois com quadro clínico insuficiência cardíaca congestiva e os
outros dois realizaram cirurgia de revascularização do miocárdio. Todos os
sujeitos do estudo foram previamente diagnosticados por um médico cardiologista
e faziam uso de medicamento apropriado. Nenhum participante do estudo era
diabético e fumante, entretanto todos apresentavam quadro de hipertensão
arterial sistêmica.
Tabela
I – Características físicas e sociodemográficas dos participantes de um protocolo de
reabilitação aquática.
Dados expressos em
média ± desvio padrão (DP). IAM = Infarto Agudo do Miocárdio; ICC =
Insuficiência Cardíaca Congestiva; CRM = Cirurgia de Revascularização do
Miocárdio.
A
Tabela II apresenta
dados hemodinâmicos, FC e DP individuais dos participantes do
estudo e as
figuras 1 e 2 expressam graficamente o comportamento das
variáveis frente ao
exercício aquático. Em relação à
pressão arterial, não houve alteração nos
dados
de PAS (Figura 1A), PAD (Figura 1B) e PAM (Figura 1C), o que mostra que
o
exercício aquático, quanto as variáveis
hemodinâmicas, é seguro para pacientes
cardiopatas.
Figura
1 – Comportamento pressão arterial sistólica,
pressão arterial diastólica e pressão arterial média durante o exercício
aquático.
Tabela
II -
Valores individuais de pressão arterial,
frequência cardíaca e duplo produto antes e depois de uma sessão (efeito agudo)
de um protocolo de reabilitação aquática com duração de três meses (efeito
crônico).
Dados expressos em
média ± desvio padrão (DP); PAS = pressão arterial sistólica (mmHg); PAD = pressão arterial diastólica (mmHg); PAM =
pressão arterial média (mmHg); FC = frequência cardíaca (batimentos por minuto,
bpm); DP = (duplo produto, mmHg/bpm).
Antes = antes do início da sessão de reabilitação aquática. Depois =
imediatamente após a sessão de reabilitação aquática. Analise estatística =
ANOVA de duas vias com medidas repetidas seguida do post hoc de Student-Newman-Keuls; * p <
0,05 vs. antes no mesmo mês; † p < 0,05 vs. 2º mês antes.
A Figura 2 apresenta
os valores de FC e DP durante os três meses de estudos (efeito crônico) e antes
e após as sessões de treinamento aquático (efeito agudo). Quanto ao efeito
agudo, observou-se um aumento da FC (Figura 2A) no 2º mês (antes: 74,50 ± 9,44 vs. após: 92,33 ± 22,45; p=0,001) e no
3º mês (antes: 87,00 ± 14,70 vs.
após: 97,50 ± 17,40; p=0,033) e um aumento do DP (Figura 2B) no 2º mês (antes:
9861,67 ± 1968,13 vs. após: 11766,67
± 2677,89; p=0,033) e no 3º mês (antes: 11055,00 ± 2175,02 vs. após: 13023,33 ± 3597,43; p=0,028). Quanto ao efeito crônico,
ao analisar as diferenças entre as médias da FC antes da realização do
exercício nos três meses de estudo (Figura 2A), observa-se diferença entre o
segundo e o terceiro mês (74,50 ± 9,44 vs.
87,00 ± 14,70; p = 0,044).
Figura
2 – Comportamento da frequência cardíaca e duplo
produto durante o exercício aquático.
O presente estudo
avaliou o efeito agudo e o efeito crônico do exercício aquático sob as
variáveis hemodinâmicas, frequência cardíaca e duplo produto em pacientes
cardiopatas. Os resultados indicam que o exercício aquático é uma modalidade
segura, uma vez que não houve variações hemodinâmicas significativas no
decorrer das sessões, tanto na fase aguda quanto na fase crônica. Ainda,
observamos que o exercício aquático apresenta efeito positivo em pacientes
cardiopatas, expresso por um aumento da FC e do DP antes e após as sessões de
treinamento (efeito agudo) e entre o segundo e o terceiro mês de treinamento
(efeito crônico).
Durante o exercício
físico o corpo necessita de um aporte maior de oxigênio, causando alterações
cardiovasculares e respiratórias para que o mesmo consiga suprir a demanda
energética exigida pelos músculos ativos [22]. Em exercícios dinâmicos, como
resultado de contrações musculares e movimentos articulares, observa-se um
aumento na atividade nervosa simpática desencadeada principalmente pelos mecanorreceptores musculares, e consequente aumento da
frequência cardíaca, volume sistólico pós-exercício e débito cardíaco [23] no
exercício agudo. Essa informação vai ao encontro dos resultados deste estudo,
uma vez que a FC e o DP apresentaram-se elevados agudamente após as sessões de
treinamento aquático.
Assim como Piazza et al. [17] que realizaram um estudo com o
objetivo de avaliar o efeito de exercícios aquáticos em pacientes hipertensos,
quanto ao comportamento hemodinâmico (PAS, PAD e PAM), não observamos variações
tanto no efeito agudo quanto no efeito crônico. No entanto, Arca et al. [24] relataram importantes
alterações no que diz respeito a PAS e PAD após um programa de treinamento
aquático em mulheres hipertensas, sugerindo essa modalidade de treinamento como
importante ferramenta não farmacológica para essa população. Segundo Rondon et al. [25], em indivíduos idosos e
hipertensos, após o exercício aeróbico a pressão arterial diminui devido à
redução do débito cardíaco em consequência de um menor volume sistólico.
O treinamento
aquático é benéfico para indivíduos com IC estável, por melhorar a capacidade
ao exercício, aumentar força muscular e a qualidade de vida a um nível
semelhante como o exercício ou treinamento terrestre. O DP está diretamente
relacionado ao esforço do coração durante o exercício físico sendo considerado
o melhor método não invasivo para avaliação a função e sobrecarga [26] cardíaca
[27], apresentando uma forte correlação com o consumo de oxigênio pelo
miocárdio [28]. Os resultados apresentados nesse estudo acerca do DP expressam
essa importante observação, Tal efeito está diretamente relacionado com o
aumento do débito cardíaco e consequente melhora da qualidade de vida dessa
população.
Dentre as limitações
exposta pelo estudo, destaca-se a ausência de grupo controle, o que possibilita
apenas levantar hipóteses sobre o real efeito do exercício aquático sob as
variáveis hemodinâmicas, frequência cardíaca e duplo produto em pacientes
cardiopatas. Séries e relatos de casos são os primeiros passos para a
construção das evidências científicas clínicas e abrem caminhos para estudos
clínicos controlados. Ainda, a utilização de fármaco beta-bloqueador
pelos participantes do estudo, o tamanho amostral reduzido e ausência de
investigação de mecanismos fisiológicos responsáveis pelos efeitos permitem
apenas inferir suposições acerca dos reais efeitos agudos e crônicos do
exercício aquático nessa população. Nesse contexto, sugerimos estudos clínicos
controlados, randomizados e com n amostral grande que observem os efeitos
agudos e crônicos do treinamento aquático nas variáveis hemodinâmicas e seus
possíveis mecanismos,
O treinamento
aquático foi capaz de aumentar aguda e cronicamente a frequência cardíaca e o
duplo produto em pacientes cardiopatas, sem alterações significativas na
pressão arterial sistólica, diastólica e média. Dessa forma, os resultados
dessa série de casos contribuem para o entendimento do exercício aquático como
uma importante ferramenta não farmacológica para essa população em cardiopatas.
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