ARTIGO
ORIGINAL
Estudo
do tempo gasto com exercícios ativos realizados por hemiparéticos
crônicos submetidos a Fisioterapia em Grupo no formato
de Circuito de Treinamento
Study of time spent in active exercises realized by chronic hemiparetic patients submitted to Physiotherapy in Group in
the format of Training Circuit
Andressa Sampaio
Pereira*, Fabiana Araújo Silva**, Mileide Cristina Stoco de Oliveira**, Fabrício Eduardo Rossi***, Roselene Modolo Regueiro Lorençoni****, Lúcia Barbatto
Piva****, Augusto Cesinando de Carvalho****
*Residente
em Fisioterapia Aplicada em Neurologia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia
da Universidade Estadual Paulista (FCT-UNESP), **Mestranda em
Fisioterapia/FCT-UNESP, ***Docente do Departamento de Educação Física/FCT-UNESP,
****Docente do Departamento de Fisioterapia/FCT-UNESP
Recebido 5 de junho de 2017; aceito 15 de dezembro de 2017
Endereço
para correspondência:
Rua Antônio Onofre Gerbasi, 90, 19060-200 Presidente
Prudente SP, E-mail: andressa_fisio2013@hotmail.com; fabyana_as@hotmail.com;
cristina.mileide@gmail.com; rossifabricio@yahoo.com.br; roselene@fct.unesp.br;
lubarbatto@fct.unesp.br; augustocesinando@gmail.com.
Resumo
Introdução: Hemiparéticos
passam pouco tempo em atividades físicas funcionais em sessões de fisioterapia
convencionais. Há evidências que a Fisioterapia de Grupo em Circuito de
Treinamento (FGCT) é capaz de melhorar a capacidade funcional e aumentar a
quantidade de tempo gasto durante a terapia. Objetivo: O objetivo deste trabalho foi avaliar o tempo gasto com
exercícios ativos realizados por hemiparéticos
crônicos submetidos a FGCT e correlacionar o tempo
ativo com testes funcionais. Métodologia: Para verificar a normalidade dos dados,
utilizou-se o teste Shapiro-Wilk; o teste t-student foi usado para amostras pareadas, para comparar o
tempo ativo e inativo, considerando significante o valor de p < 0,05. O
teste de Pearson foi para avaliar as correlações do Timed-Up-and-Go (TUG) e Escala de
Equilíbrio de Berg (EEB) com o tempo ativo. Resultados:
O valor médio obtido no TUG foi 19,43 ± 8,65 segundos e na EEB foi 43,83 ± 11,07 pontos. O Teste de Pearson mostrou
correlação entre o EEB com as Atividades de Prática Ativas (APA) (r = 0,631, p ≤
0,01) e entre TUG e APA (r = -0,495, p ≤ 0,01). Conclusão: Os resultados demonstraram que o tempo gasto com
exercícios ativos durante uma sessão de FGCT foi maior que o tempo inativo, e
houve correlação moderada entre os valores de APA com os testes EEB e TUG.
Palavras-chave: acidente vascular
cerebral, paresia, terapia por exercício, fisioterapia, exercícios em
circuitos.
Abstract
Introduction: Hemiparetic patients spent little time in
functional physical activities of conventional physiotherapy. There are
evidences that the Physiotherapy of Group in Training Circuit (PGTC) is able to
better the functional capacity and increase the quantity of time spent during
the therapy. Objective: The objective
of this work was to evaluate the time spent with active exercises realized by
chronic hemiparetic patients submitted to PGTC, to
correlating active time with functional tests. Methodology: It was verified the normality of the data with the
Shapiro-Wilk test; the t-student test to paired
samples, comparing active and inactive time, being significant the value of p
< 0,05. The Pearson test was to evaluate the
correlations of Timed-Up-and-Go (TUG) and Berg Balance Scale (BBS) with the
active time. Results: The average
value obtained in the TUG was 19,43 ± 8,65 seconds and
in the BBS was 43,83 ± 11,07 points. Pearson test shows correlations between
the BBS with the Active Practical Activities (APA) (r = 0,631, p ≤ 0,01) and between the TUG and the APA (r = -0,495, p ≤
0,01). Conclusion: Results
demonstrated that the time spent with active exercises during one session of
PGTC was larger than the inactive time, and there was moderated correlation
between the values of APA with the BBS and TUG tests.
Key-words: stroke,
paresis, exercise therapy, physical therapy specialty, circuit-based exercise.
O Acidente Vascular
Cerebral (AVC) é considerado um dos principais causadores de dependência nas
atividades de vida diária de um indivíduo [1], sendo uma doença que atinge em
grande escala adultos em meia idade e idosos. No Brasil, as doenças crônicas
não transmissíveis vêm liderando as principais causas de morte, e entre as mais
importantes está o AVC, sendo uma das principais causas de internações e
mortalidade [2], tendo um grande impacto socioeconômico junto com o
envelhecimento [3].
Após o AVC, a sequela
mais comum é a hemiparesia. Esta sequela é caracterizada por deficiência
motora, espasticidade e fraqueza muscular no hemicorpo
contralateral à lesão, podendo vir acompanhada por dificuldades no ajuste
postural, déficits de movimento, coordenação motora e seletividade de
movimentos, além de alterações sensitivas, cognitivas, perceptivas e de
linguagem, afetando todos os domínios da Classificação Internacional de
Incapacidade e Saúde (CIF), com limitações de atividades e restrições de
participação [4].
Essa limitação de
atividades e restrições de participação social atinge cerca
de 62% dos indivíduos pós AVC, tornando-os dependentes durante a
realização de suas atividades da vida diária, como exemplo: tomar banho, ir ao
banheiro, vestir-se [5]. Como resultado disso, esses indivíduos ficam
suscetíveis ao sedentarismo, o que pode resultar em prejuízo motor, apontando a
necessidade de participação em programas que realizem atividades físicas contínuas e regular para evitar as consequências da inatividade
[5,6].
A literatura mostra
que as terapias com maiores intensidades proporcionam melhores resultados
quando comparadas à terapia convencional, uma vez que a intensificação da
atividade física pode ocorrer por meio da repetição, havendo fortes evidências
de que quanto mais tempo se gasta em terapia específica, melhores serão as
respostas clínicas funcionais [7-11].
A Fisioterapia de
Grupo em Circuito de Treinamento (FGCT) tem se mostrado capaz de melhorar a
capacidade funcional de hemiparéticos e mostra-se
eficaz em aumentar a quantidade de tempo gasto com atividade física durante a
terapia, sendo um modelo de terapia que utiliza exercícios e atividades
específicas funcionais realizadas de forma intensiva [7,12].
Diante do exposto,
observa-se que os fisioterapeutas devem constantemente avaliar suas práticas
durante as terapêuticas e pensar em estratégias para maximizar o tempo em que
esses indivíduos passam engajados em atividades físicas funcionais específicas,
independentemente da categoria terapêutica. Deste modo, o objetivo deste
trabalho foi avaliar o tempo gasto com exercícios ativos realizados por hemiparéticos crônicos submetidos a
FGCT e correlacionar o tempo ativo com testes funcionais.
Para a realização deste
estudo clínico observacional transversal, foram recrutados hemiparéticos
crônicos em tratamento no centro de atendimento de fisioterapia e reabilitação
da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Todos os voluntários foram
informados sobre os objetivos e procedimentos do estudo e após concordarem com
sua participação assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido que
foi submetido ao Comitê de Ética da FCT (Número CAAE: 45076315.0.0000.5402).
Foram incluídos no
estudo, indivíduos com encaminhamento médico e hemiparesia com tempo de lesão ≥
6 meses, capazes de realizar marcha com ou sem auxílio
de órtese e dispositivo de apoio, e que apresentassem fraqueza e/ou alteração
de tônus de grupos musculares do membro inferior parético,
identificadas pelos escores diferentes de zero na escala modificada de Ashworth [13]; além de ausência de déficits cognitivos
avaliados pelo Mini-Exame do Estado Mental (ponto de
corte para indivíduos analfabetos 18/19 e para indivíduos com instrução escolar
24/25) [14]. Foram excluídos os pacientes com dupla hemiparesia, tempo de lesão
inferior a 6 meses, afasia sensitiva ou condições de
saúde adversas tais como outras doenças neurológicas ou ortopédicas não
relacionadas ao AVC.
Uma entrevista
individual foi realizada para coleta de dados, seguido da aplicação de duas
escalas funcionais: Timed-Up-and-Go (TUG) [15], fim de avaliar a mobilidade e
habilidade funcional da marcha, sendo o tempo mensurado em segundos por um
cronômetro e a Escala de Equilíbrio de Berg (EEB) [16] para avaliar o
equilíbrio do indivíduo.
Para avaliar o tempo
de atividade ativa durante a FGCT, foi utilizada uma filmadora sobre um tripé,
colocada no espaço onde ocorreram os atendimentos. Os filmes foram observados
utilizando um computador e um cronômetro. Foram consideradas Atividades de
Prática Ativas (APA), tarefas como: 1) caminhar, 2) exercícios de membros
superiores e inferiores nas posições sentado e ortostática,
3) transferências de posições. O tempo em que o indivíduo estava parado por
mais de 10 segundos sem realizar exercícios foi considerado Período Inativo
(PI). A soma de APA com PI determinou o tempo total da terapia considerando o
percentual de 100%. A câmera foi ligada pelo pesquisador antes do início da
terapia. Após o atendimento, quando o paciente e o terapeuta saíram do local, a
câmera foi desligada pelo pesquisador. O método de filmagem e análise de APA e
PI utilizado foram descritos e utilizado previamente [7,17].
A FGCT ocorreu em 10
espaços diferentes, amplos e interligados, denominados de estações, com
diferentes graus de dificuldades. Foram alocados 2 hemiparéticos em cada estação; o tempo em cada estação foi
de 3 minutos. Foi considerado o início da terapia ativa, o momento em que o
paciente iniciou a primeira atividade motora funcional e o final da sessão
quando o hemiparético se retirou da área de
atendimento. A tabela I demonstra a descrição dos exercícios em cada estação.
Tabela
I - Descrição dos exercícios executados nas
estações.
Figura
1 – As figuras demonstram os exercícios sendo
realizados em estações.
Para verificar a
normalidade dos dados foi utilizado o teste Shapiro-Wilk,
o teste t-student foi usado para amostras pareadas, a
fim de comparar o tempo ativo e inativo de cada paciente, considerando
significante o valor de p < 0,05. Além disso, foi utilizado o teste de
Pearson para avaliar as correlações do TUG e EEB com o tempo ativo.
Participaram
deste estudo doze hemiparéticos (seis homens e seis mulheres),
cujos dados demográficos e clínicos estão apresentados na tabela II. A média de idade foi de 63,66 ± 3,06 anos, sendo que as mulheres
apresentaram uma média de idade 63,83 ± 10,26 anos e os homens 63,5 ± 11,94 anos.
O tempo médio de sequelas pós AVC dos indivíduos foi de
100,41 ± 16,32 meses.
Tabela II - Dados demográficos e clínicos de hemiparéticos.
A análise das 12 gravações demonstrou que a duração média das
sessões da FGCT foi de 43,53 ± 2,42 minutos. Sendo que 65,47 ± 5,01% do tempo total
das sessões os hemiparéticos estavam realizando exercícios
ativos, e 34,52 ± 5,01% estavam inativos ou descansando (gráfico 2). A análise estatística revelou diferença significante entre
os tempos (p ≤ 0,05).
Gráfico 1 - Comparação
do tempo ativo e inativo durante a FGCT.
O valor médio do TUG e
da EEB foi verificado, a fim de correlacionar com o tempo em APA, onde os valores
obtidos foram de 19,43 ± 8,65 segundos e 43,83 ± 11,07 pontos, respectivamente.
O Teste de Pearson mostrou correlação positiva e moderada entre o EEB com a APA
(r: 0,631, p
≤ 0,01) e entre o TUG e a APA a correlação foi negativa
e moderada (r:-0,495, p ≤ 0,01).
Este estudo
demonstrou que os hemiparéticos passaram em média de
60% do tempo das sessões de FGCT ativos e 40% inativos, corroborando com outros
estudos que tem demonstrado que os hemiparéticos
permanecem em torno de dois terços das terapias fisicamente ativos e um terço
em inatividade ou descansando [6,17]. Os baixos níveis de atividade física
durante as sessões de fisioterapia tem sido motivo de preocupação, pois esses
indivíduos deveriam gastar um maior tempo envolvidos em
tarefas ativas para uma melhor recuperação motora [18,19].
O tempo que os hemiparéticos se deslocavam de uma estação para outra foi
considerado como tempo ativo, esta atividade foi bastante observada, embora não
tenha sido mensurada separadamente; outra observação foi que as atividades nas
estações foram predominantemente na posição ortostática contemplando o
indivíduo como um todo, pois foram realizados exercícios funcionais para
membros superiores, inferiores, e também exercícios para o tronco.
Embora ainda não
esteja claramente determinado qual é o tempo ideal, o tipo de treinamento, o
número de séries, repetições para otimizar a
recuperação funcional após AVC, bem como seus efeitos sobre a qualidade de vida,
diversos autores sugerem que um grande número de repetições de tarefa ou
movimentos são necessários para resultar em alterações neurais duradouras,
mostrando que quanto maior o tempo ativo, melhor é o desempenho funcional do
indivíduo hemiparético crônico [4,5,20-23].
Um treinamento em
circuito realizado por outro estudo verificou a melhora da mobilidade funcional
de hemiparéticos a partir dos valores obtidos na EEB
e no TUG, demonstrando que a FGCT pode ser um método importante para ganhos
funcionais, reforçando as diferentes formas de treinamento existentes [24].
No presente estudo
foi observado correlação entre os valores de TUG e EEB com os valores da APA,
demonstrando que a funcionalidade é determinante no tempo gasto com atividades
funcionais e isto reforça a necessidade de considerar que hemiparéticos
devem evitar os tempos inativos durante uma sessão de fisioterapia. Além do
mais, foi notado que três dos indivíduos que realizaram o TUG em tempo igual ou
menor a 10 segundos, obtiveram uma pontuação entre 53
e 56 na EEB, indicando bom equilíbrio e baixo risco de quedas; e 5 que
realizaram o TUG, obtiveram um tempo entre 11 e 20 segundos, onde o escore
ficou entre 46 e 52 na EEB, o que aponta de baixo a moderado risco de queda
[16].
Embora a FGCT ofereça menos oportunidades para supervisão e assistência
direta, estudos afirmam que o tempo ativo gasto durante a FGCT é maior do que em
fisioterapia individual, sendo altamente efetivo para aumentar a quantidade de tempo
gasto em práticas ativas de reabilitação [7,10,27].
Assim
sendo, esse método pode ser usado como uma estratégia
econômica em serviços de reabilitação,
servindo como uma alternativa de tratamento [27,28].
No entanto, há necessidade de mais pesquisas sobre o modelo de
FGCT, principalmente quanto ao tempo gasto em APA e a dose ideal necessária para
melhorar a recuperação funcional de um indivíduo pós AVC
e sua correlação com a melhora das habilidades funcionais motoras. É importante salientar
algumas limitações do presente estudo, como o pequeno número de participantes filmados,
não termos tido um grupo controle para
efeito de comparação com os outros tipos de modalidades terapêuticas, além de não
ter ocorrido um acompanhamento dos efeitos
a longo prazo do treinamento de circuito.
A
FGCT é um treinamento físico voltado para tarefas relacionadas à mobilidade funcional
que proporciona ao hemiparético um maior tempo envolvido
em APA, o estudo mostrou uma correlação moderada entre os valores de APA e EEB e
TUG, onde é visto que quanto
maior o valor de EEB e menor o valor de TUG, mais funcional o indivíduo é, e consequentemente
apresentará maiores tempos ativos durante um programa de exercícios. Assim, a FGCT pode ser utilizado
como um método terapêutico econômico ou alternativo para fisioterapia individual
para melhorar o equilíbrio e as atividades de vida diária.