ARTIGO ORIGINAL

Estudo sobre os fatores associados ao impacto da fibromialgia na qualidade de vida

Study on factors associated with the impact of fibromyalgia in the quality of life

 

Aline Kelly Ferreira de Oliveira, Ft.*, Adriana do Carmo Soares*, Bruna de Oliveira Fonseca*, Paula de Melo Gontijo*, Poliane Tâmara da Silva Lage, Ft.**, Natália Corradi Drumond Mitre**, Andrei Pereira Pernambuco***, Carolina Mitre Chaves***

 

*Graduada na Universidade de Itaúna, **Preceptora do curso de Fisioterapia da Universidade de Itaúna (UI), ***Docente do curso de graduação em Fisioterapia da UI

 

Recebido em 16 de fevereiro de 2018; aceito em 15 de maio de 2018.

Endereço para correspondência: Carolina Marques Carvalho Mitre Chaves, Rodovia MG 431 km 45, s/n, Itaúna MG, E-mail: carolinamchaves@uol.com.br; Aline Kelly Ferreira de Oliveira: aline.oliveiraa21@outlook.com; Adriana do Carmo Soares: adrianasoares46@hotmail.com; Bruna de Oliveira Fonseca: brunadeoliveirafonseca@gmail.com; Paula de Melo Gontijo: meelopaula@gmail.com; Poliane Tâmara da Silva Lage: polianetamara@yahoo.com.br; Natália Corradi Drumond Mitre: natmitre@yahoo.com.br; Andrei Pereira Pernambuco: pernambucoap@ymail.com

 

Resumo

Introdução: A fibromialgia (FM) leva a um impacto negativo na qualidade de vida, afetando a vida profissional, familiar, e social destes indivíduos, fazendo-se necessário uma avaliação multidimensional. Objetivos: O presente estudo buscou avaliar os fatores que estão associados ao impacto da FM na qualidade de vida de mulheres com essa condição. Material e métodos: Participaram do estudo 34 pessoas com FM e 21 controles saudáveis (CS). Os instrumentos utilizados foram: Questionário da dor de McGill, Índice de Religiosidade de Duke, Índice de qualidade do sono de Pittsburgh (PSQI), World Health Disability Assessment Schedule (WHODAS 2.0), Questionário de impacto da fibromialgia (FIQ). As análises, descritiva, intergrupos e de regressão foram realizadas no pacote estatístico IBM SPSS com nível de significância ajustado para a = 0,05. Resultados: As participantes com FM apresentaram níveis estatisticamente significativos de dor (p < 0,0001), pior qualidade do sono (p < 0,0001), maior nível de incapacidade (p < 0,0001) em relação aos CS. Em nenhuma dimensão da religiosidade houve diferença significativa. No FIQ o grupo FM obteve média de 65,56 ± 17,95 pontos. A análise de regressão mostrou que os domínios atividade e participação do WHODAS 2.0 estão fortemente relacionados com impacto da fibromialgia na qualidade de vida. Conclusão: A avaliação dos indivíduos com FM deve ser realizada de forma multidimensional, baseando-se em modelos como a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, para que os tratamentos propostos sejam voltados às reais necessidades do indivíduo.

Palavras-chave: fibromialgia, qualidade de vida, Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde.

 

Abstract

Introduction: Fibromyalgia (FM) leads to a negative impact on quality of life, affecting the professional, family, and social life of these individuals, making necessary a multidimensional evaluation. Objectives: This study aimed to evaluate the factors that are associated with the impact of FM in the quality of life of women with this condition. Methods: Thirty-four people with FM and 21 healthy controls (HC) participated in the study. The instruments used were: McGill Pain Questionnaire, Duke's Religiosity Index, Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), World Health Disability Assessment Schedule (WHODAS 2.0), Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ). Descriptive, intergroup and regression analyzes were performed on the IBM SPSS statistical package with a significance level set at a = 0.05. Results: Participants with FM presented statistically significant levels of pain (p < 0.0001), poorer sleep quality (p < 0.0001), and higher disability level (p < 0.0001) in relation to HC. In no religious dimension there was a significant difference. In the FIQ the FM group obtained an average of 65.56 ± 17.95 points. Regression analysis showed that the activity and participation domains of WHODAS 2.0 are strongly related to the impact of fibromyalgia on quality of life. Conclusion: The evaluation of individuals with FM should be performed in a multidimensional manner, based on models such as the International Classification of Functioning, Disability and Health, so that the proposed treatments are geared to the individual's real needs.

Key-words: fibromyalgia, quality of life, International Classification of Functioning, Disability and Health.

 

Introdução

 

A fibromialgia (FM) ou síndrome da fibromialgia é uma doença crônica de etiologia desconhecida, caracterizada pela presença de dor musculoesquelética generalizada [1] e sintomas como rigidez, ansiedade, depressão, dores de cabeça, distúrbios do sono, fadiga [2], que podem ocasionar alterações do humor e redução do nível de atividade física habitual [3]. Esta condição acomete cerca de 2% a 4% da população mundial e, apesar de se manifestar em indivíduos de qualquer idade, observa-se que existe uma prevalência em mulheres, na faixa etária entre os 30 a 55 anos [4]. A dor crônica é o principal sintoma dessa síndrome, tendo duração de pelo menos três meses [5-7]. Sua intensidade pode variar de moderada a severa, frequentemente tem início localizado, particularmente no pescoço, ombros, região lombar e bacia, e posteriormente torna-se generalizada [7].

Diante das diversas alterações que afetam os indivíduos com FM é possível dizer que, por muitas vezes, estes busquem um recurso interno como a religiosidade para promover saúde [8]. Para a mulher, a fé atua como importante fator ligado à recuperação e regeneração de doenças crônicas, como a FM. Devido a isso, os profissionais de saúde precisam estar aptos a abordar e trabalhar com a religiosidade [9].

Os distúrbios do sono também são frequentes na FM, afetando cerca de 90% desta população [10]. Normalmente, são descritos como dificuldade na indução do sono, inquietação noturna, excessivos despertares, sensação de sono leve e não restaurador – retratado como cansaço, rigidez matinal e fadiga [3,10]. Além disso, o sono não restaurador está associado à piora dos sintomas da FM [10], ocasionando aumento da dor, fadiga, depressão e contraturas musculares. Como conseguinte, há maiores limitações funcionais [10,11].

A dor e as limitações funcionais evidenciam forte relação, podendo sugerir a existência de um ciclo vicioso entre esses dois fatores. Essa dor, juntamente com a intolerância à atividade física, pode reprimir a habilidade para a execução de atividades funcionais e trabalho em pessoas com FM [3].

Diante da complexidade clínica e heterogeneidade presentes na FM [2], torna-se necessária uma abordagem biopsicossocial para que sejam traçados planos terapêuticos voltados às reais necessidades do indivíduo, resultando, assim, em tratamentos mais eficientes e resolutivos. Esta abordagem biopsicossocial pode ser fundamentada através da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que compõe a família de Classificações Internacionais da Organização Mundial de Saúde (OMS) [12]. Os domínios que compõe o escopo da CIF são: as funções e estruturas do corpo, atividade e participação, e fatores ambientais. De acordo com este instrumento, a funcionalidade refere-se ao termo positivo que engloba a ausência de deficiências nas estruturas e funções corporais, bem como a ausência de limitações na atividade e restrição na participação social [12].

Portanto, este estudo buscou avaliar os fatores que estão associados ao impacto da FM na qualidade de vida de mulheres com essa condição.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo observacional e transversal com utilização de grupo controle saudável (CS), realizado em uma clínica escola, no período de abril a setembro de 2017. Participaram do presente estudo 34 mulheres com FM em atendimento na clínica e 21 mulheres no grupo CS, pareadas pelas variáveis idade e índice de massa corporal (IMC) ao grupo de pessoas com FM. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da própria instituição. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os critérios de inclusão para o grupo de pessoas com FM foram: mulheres com idade superior a 18 anos, que estavam cadastradas na Clínica Escola e que possuíam diagnóstico médico de FM. Foram excluídas aquelas que apresentaram déficit cognitivo segundo o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) [13] e que manifestaram voluntariamente o desejo de não participarem do estudo. Em relação ao grupo CS, os critérios de inclusão foram: sexo feminino, idade média de 56,7 ± 9,7 anos, IMC com média de 28,4 ± 5,1 kg/m², dados estes baseados nos resultados encontrados no pareamento com o grupo de FM, sendo excluídas aquelas que possuíam qualquer doença em curso e as que utilizavam medicamentos, sendo permitido apenas o uso da classe anti-hipertensiva.

A avaliação consistiu dos seguintes instrumentos: Questionário da dor de McGill (Br- MPQ) elaborado por Melzach [14], adaptado, traduzido e validado para população brasileira por Castro [15] e Santos et al. [16]. Esse instrumento tem como finalidade qualificar a dor, contendo 78 descritores distribuídos em quatro grupos e 20 subgrupos, quanto maior o escore, pior o sintoma [14-16].

Índice de Religiosidade de Duke (DUREL), desenvolvido por Koenig e Arndt [17], e validado para a população brasileira por Taunay et al.[18], foi utilizado para averiguar a influência da religiosidade. Trata-se de uma escala de cinco itens que mensuram três das principais dimensões do envolvimento religioso relacionadas a desfechos em saúde [17,18].

Índice de qualidade do sono de Pittsburgh (PSQI), desenvolvido por Buysse et al. [19], e validado para a população brasileira por Bertolazi et al. [20], avalia a qualidade do sono nos últimos 30 dias, considerando sete componentes: qualidade subjetiva, latência, duração, eficiência habitual, distúrbios, uso de medicação e disfunções diurnas. O escore total indica o somatório dos sete componentes: zero a quatro pontos “boa qualidade de sono”; cinco a 10 pontos “qualidade de sono ruim” e 10 a 21 pontos “presença de distúrbio do sono” [19,20].

World Health Organization Disability Assessment Schedule (WHODAS 2.0) é um instrumento utilizado para avaliação da saúde e deficiência, desenvolvido pela OMS, tendo por objetivo mensurar as limitações de atividade e restrições da participação de um indivíduo, baseando-se na CIF, fornecendo o nível de funcionalidade em seis domínios de vida, considerando o período relativo aos 30 dias anteriores à avaliação. O instrumento utilizado foi à versão completa contendo 36 questões. Escores mais altos indicam maiores níveis de incapacidade [21].

Questionário de Impacto da Fibromialgia (FIQ), desenvolvido por Burckhardt et al. [22] e validado para população brasileira por Marques et al. [23], trata-se de um questionário específico para avaliar o impacto da FM na qualidade de vida dos indivíduos portadores desta condição clínica. Este contém questões relacionadas à capacidade funcional, bem-estar, faltas no trabalho, dificuldades no trabalho, dor, fadiga, rigidez, sono, ansiedade e depressão nos últimos sete dias, sendo composto por 19 questões, organizadas em 10 componentes. O escore varia de zero a 100 pontos, considerando-se casos severos aqueles que apresentam uma pontuação igual ou superior a 70 pontos [22,23].

 

Análise estatística

 

Os dados ordinais foram trabalhados inicialmente pela estatística descritiva, por meio de medidas de tendência central (média e mediana) e de dispersão (desvio padrão, erro padrão e intervalo de confiança de 95%). Os dados foram submetidos ao teste de distribuição Shapiro Wilk que apontou distribuição anormal dos dados, a comparação intergrupos foi realizada por meio do teste não paramétrico de Mann Whitney. Em seguida foi realizada uma análise de regressão múltipla do tipo Stepwise, a qual considerou como variável resposta a pontuação no FIQ e como variáveis explicativas: idade, IMC, pontuação total no McGill, religiosidade organizacional, religiosidade não organizacional, religiosidade intrínseca, pontuação total no PSQI e percentual total obtido no WHODAS 2.0. Todos os testes foram realizados no software IBM SPSS, com nível de significância ajustado para a =0,05 (p ≤ 0,05).

 

Resultados

 

Os participantes do estudo de ambos os grupos foram homogêneos em relação às variáveis: idade, sexo, massa corporal, estatura e IMC, não havendo diferença significativa entre eles (Tabela I).

 

Tabela I - Características dos participantes do estudo.

 

DP = desvio padrão, CS = controle saudável , FM: fibromialgia, p ≤ 0,05.

 

No instrumento “McGill” foi visto que o grupo CS obteve média 7,90 ± 13,35 pontos e o grupo FM apresentou média de 36,82 ± 9,99 pontos, demonstrando significativa diferença intergrupos com valor de p < 0,0001 (Tabela II).

 

Tabela II - Comparação dos resultados intergrupos.

 

PSQI = Índice de qualidade do sono de Pittsburgh; WHODAS = World Health Organization Disability Assessment Schedule; FIQ = Questionário de Impacto da Fibromialgia. CS = controle saudável e FM = Fibromialgia, DP = desvio padrão, IC 95% = intervalo de confiança de 95% e p ≤ 0,05.

 

Com relação ao Índice de Religiosidade de Duke, não houve diferença estatística significativa na análise intergrupos em nenhuma das suas três dimensões. O grupo CS na dimensão religiosidade organizacional obteve média de 2,38 ± 1,28 pontos, e o grupo FM, média de 2,38 ± 1,34 pontos. No que se refere à religiosidade não organizacional o grupo CS apresentou média 1,81 ± 0,51 pontos, grupo FM média 2,17 ± 1,24 pontos. Por fim, a dimensão religiosidade intrínseca demonstrou uma média de pontos no grupo CS de 4,66 ± 1,62 pontos, e 4,26 ± 1,56 pontos no grupo FM (Tabela II).

Em relação ao PSQI, os resultados mostram que o grupo CS apresentou boa qualidade do sono enquanto o grupo FM apresentou qualidade do sono ruim. A média obtida no grupo CS foi de 3,28 ± 2,14 pontos e no grupo FM foi de 9,88 ± 3,96 pontos. A análise intergrupos demonstrou diferença estatística significativa (Tabela II).

Os resultados encontrados no WHODAS 2.0 apontaram uma diferença significativa na análise intergrupos. No grupo CS, foi obtida média de 3,4 ± 4,74% e no grupo FM, a média encontrada foi 31,72 ± 16,50% (Tabela II).

O impacto da FM na qualidade de vida, avaliada apenas no grupo FM através do FIQ, constatou uma pontuação média de 65,56 ± 17,95 pontos (Tabela II).

A análise de regressão múltipla do tipo Stepwise demonstrou que dentre todos os modelos possíveis testados, foram gerados apenas dois que explicavam significativamente a pontuação no FIQ. No primeiro modelo, a única variável explicativa que permaneceu associada à pontuação no FIQ, independentemente das demais, foi a pontuação total no WHODAS 2.0. Neste, o percentual no WHODAS 2.0 explica em 43,3% a pontuação no FIQ e, para cada aumento de um por cento no WHODAS 2.0, observa-se um aumento de 0,67 pontos no FIQ. O outro modelo explicativo incluiu duas variáveis, o percentual total no WHODAS 2.0 e a pontuação total no PSQI. Este segundo modelo explica em 53,9% a pontuação total do FIQ. De acordo com este, para cada aumento de um por cento no WHODAS 2.0 há um aumento de 0,48 pontos no FIQ e para cada aumento de um ponto no PSQI têm-se um aumento de 0,38 pontos no FIQ.

Após observar o resultado desta primeira regressão, os pesquisadores decidiram realizar uma nova regressão apenas com os domínios do instrumento WHODAS 2.0, tendo novamente como variável resposta a pontuação total do FIQ.

Nesta segunda análise de regressão, apenas com os domínios do WHODAS 2.0, foram gerados dois modelos que explicam a pontuação no FIQ. O primeiro modelo envolve só a participação e explica o FIQ em 47,1%, já o segundo modelo inclui a participação e a atividade e este explica a pontuação do FIQ em 54,8%. No modelo um, para cada um por cento de aumento no domínio participação, temos um aumento de 0,68 pontos no FIQ. E no modelo dois, para cada um por cento de aumento na participação temos 0,57 pontos no FIQ e para cada um por cento de aumento no domínio atividade, temos um aumento de 0,32 pontos no FIQ. Isso mostra que os domínios de atividade, mas principalmente os de participação são os que mais influenciam na pontuação do FIQ.

 

Discussão

 

A FM é uma condição clínica complexa, que apresenta alta prevalência no sexo feminino na faixa etária entre 30 a 55 anos [4], quando a pessoa encontra-se em idade de plena atividade laboral [24]. Segundo Berkley [25], devido aos processos biológicos naturais e pela sua própria anatomia, a mulher está mais exposta à dor, devido às mudanças hormonais e diferenças no sistema nervoso central, periférico e simpático [25]. No presente estudo, a média de idade foi 56,76 ± 9,78 anos. Segundo Novaes [26], nessa faixa etária, o impacto da FM é mais evidente devido às exigências traçadas pelo próprio indivíduo e também pelos papéis que os mesmos assumem na sociedade. Dentre os vários fatores que interferem na qualidade de vida dos indivíduos portadores de FM, incluem-se a incapacidade e disfunção do trabalho, que ao final, resultam em diminuição da produtividade e da qualidade de vida [26].

Através do Questionário de Dor de McGill, foi verificado que os participantes do grupo FM apresentaram maior índice de dor com relação aos CS. Os dados do estudo concordam com resultados já descritos na literatura, tais como os de Ferreira et al. [27] e Marques et al. [28]. A dor crônica e generalizada é a principal queixa de pacientes com FM [6]; este achado foi justificado no presente estudo com o escore final do McGill e de suas dimensões (sensorial, afetiva, subjetiva e mista) que diferiram significativamente entre os grupos.

Em relação à religiosidade é possível inferir que o indivíduo ao se tornar desacreditado na remissão dos sintomas, principalmente da dor, recorreria a outros tipos de suporte, tais como a religiosidade. No presente estudo, não foi observada diferenças significativas entre a religiosidade organizacional, não organizacional e intrínseca entre os grupos do estudo. Entretanto, tal fato não refuta a hipótese mencionada acima, mas deve ser analisada sobre outra perspectiva, afinal, a população brasileira é uma das mais religiosas do mundo, possuindo crenças e hábitos diversificados no que se refere à religião [29]. Em senso realizado em 2010, apenas 8% da população se declarou sem religião, 2% espíritas, 22,2% protestantes, 64,6% católicos e 3% declararam seguir outras religiões [30]. Diante destes dados, parece que se pode afirmar que independentemente de apresentar ou não um problema de saúde, o povo brasileiro tem por hábito e/ou cultura seguir uma religião, o que pode justificar a ausência de significância estatística entre os grupos.

Umas das principais manifestações encontradas na FM são os distúrbios do sono, estes estão presentes em cerca de 90% das pessoas com FM [10]. Os resultados obtidos pelo PSQI demonstraram um sono de pior qualidade nos participantes do grupo de FM. Este resultado corrobora os achados da literatura, que referem que pessoas com FM, apresentam como queixas a dificuldade para iniciar o sono, múltiplos despertares noturnos com dificuldade para voltar a dormir, despertar precoce, além de sonolência/fadiga persistente durante o dia. Tais aspectos interferem diretamente na eficiência do sono e possivelmente repercutem na qualidade de vida e na saúde dos indivíduos [3].

No presente estudo o WHODAS 2.0 demonstrou funcionalidade significativamente reduzida nos participantes com FM quando comparado aos CS. Na literatura atual são escassos estudos que avaliem os indivíduos com tal instrumento, levando em consideração o modelo biopsicossocial proposto pela OMS. Os estudos encontrados avaliam a funcionalidade apenas no âmbito do desempenho físico, não permitindo um olhar abrangente e holístico sobre a saúde e os estados relacionados a ela, esquecendo-se da influência da atividade e participação, dos fatores ambientais e pessoais [31].

Através do questionário FIQ, observou-se o impacto da FM na qualidade de vida das participantes. A pontuação dos participantes indica que a FM está impactando fortemente a qualidade de vida dos mesmos [23]. Muitos estudos relatam este tipo de impacto, um deles é o de Santos et al. [32], que também observou piores índices de qualidade de vida quando comparados com os grupos não fibromiálgicos [32]. A grande quantidade e intensidade de sintomas presentes no quadro clínico da FM, associados às suas implicações, muitas vezes levam estas pessoas, ainda jovens, a se desacreditarem na recuperação. Tal fato pode levar ao aparecimento de comportamentos depressivos, sendo comum até mesmo a ocorrência de pensamentos suicidas entre elas [33].

No presente estudo, o FIQ é o único questionário específico para a FM [22]. Deste modo, consideramos a pontuação no FIQ o desfecho principal do estudo. Contudo, na tentativa de se compreender os participantes de forma mais ampla, baseada no modelo biopsicossocial, foi realizada uma análise de regressão múltipla, a fim de se determinar quais foram as variáveis de interesse do estudo que melhor explicam a pontuação no FIQ. Esta análise resultou em dois modelos explicativos, o primeiro continha apenas a pontuação no WHODAS 2.0 e o segundo continha a pontuação no WHODAS 2.0 e no PSQI. A participação do PSQI em um dos modelos é interessante, pois associa de forma direta a qualidade do sono com a qualidade de vida das pessoas com FM. Conforme já mencionado, os distúrbios do sono são frequentes em pessoas com FM [10] e pessoas privadas de sono de boa qualidade podem apresentar diversas queixas como: cefaleia, aumento do absenteísmo no trabalho, fadiga, maior uso de medicação, agitação, aumento do número de acidentes no trabalho, dentre outras, todas estas alterações são capazes de prejudicar a qualidade de vida [3,34-35].

Apesar da associação do PSQI, a pontuação no WHODAS 2.0 foi mais fortemente associada à pontuação do FIQ, inclusive esta foi a única variável que integrou os dois modelos explicativos. Tal resultado demonstra a grande importância da funcionalidade sobre a qualidade de vida de pessoas com FM. O WHODAS 2.0 possui seis domínios (cognição, mobilidade, autocuidado, relações interpessoais, atividades de vida e participação) [21], e apesar de não ser um questionário específico para a FM, tem sua aplicação recomendada para qualquer pessoa, independentemente de apresentar ou não problemas de saúde [21].

Uma segunda análise de regressão múltipla foi realizada para se determinar quais dos seis domínios do WHODAS 2.0 estavam mais associados à pontuação no FIQ. Novamente, dois modelos foram gerados, um contou apenas com o domínio participação, e o segundo contou com o domínio atividade e com o domínio participação. Isto demonstra o quão importante é que a pessoa continue desempenhando suas atividades cotidianas e a participação social para a manutenção de sua qualidade de vida. De acordo com o modelo biopsicossocial e da CIF, os componentes se interagem de modo equânime, influenciados de forma multidimensional uns sobre os outros [12]. Isto é importante, pois em condições crônicas como a FM, o simples fato de atuar sobre as funções e estruturas corporais, tal como no modelo médico, não satisfaz as necessidades dos pacientes e nem promove a melhora do estado de saúde e qualidade de vida destes [2], tornando-se de fundamental importância que o profissional de saúde intervenha nos demais componentes do modelo, tais como a atividade e participação, fatores pessoais e ambientais [2,12,31]. E neste sentido, os fisioterapeutas, profissionais da funcionalidade e do movimento possuem papel importante. Estes devem voltar sua atenção para tais componentes, a fim de melhorar a saúde e beneficiar a qualidade de vida de seus pacientes. Para tanto, torna-se necessário incluir em seus formulários de avaliação itens que contemplem todos os componentes do modelo biopsicossocial.

Além de implementar a avaliação, os fisioterapeutas devem buscar reinserir essa população no meio social, ampliando sua participação. Isto pode ser feito através dos atedimentos em grupo, realizados na saúde coletiva, e pelos programas de educação em saúde, a fim de promover, prevenir e recuperar a saúde destes indivíduos, trabalhando sempre de forma multiprofissional.

 

Conclusão

 

O presente estudo demonstrou que os indivíduos com FM, ao serem comparados a CS, apresentam maior índice de dor, pior qualidade do sono e maior incapacidade funcional, além de um impacto negativo em sua qualidade de vida. A pontuação no WHODAS 2.0 demonstrou estar fortemente associada à pontuação do FIQ, o que demonstra a grande importância da funcionalidade sobre a qualidade de vida de indivíduos com FM. A funcionalidade, principalmente nos domínios atividade e participação, e a qualidade do sono são as variáveis que mais impactam negativamente a qualidade de vida. Estas são por diversas vezes negligenciadas pelo fisioterapeuta no momento da avaliação e tomadas de decisão clínica. Tal fato nos mostra a necessidade de avaliar estes indivíduos de forma multidimensional, baseando-se em modelos como a CIF, para que os tratamentos propostos sejam voltados às reais necessidades do indivíduo.

 

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