ARTIGO
ORIGINAL
Estudo
sobre os fatores associados ao impacto da fibromialgia na qualidade de vida
Study on factors associated with the impact of fibromyalgia in the
quality of life
Aline Kelly Ferreira
de Oliveira, Ft.*, Adriana do Carmo Soares*, Bruna de Oliveira Fonseca*, Paula
de Melo Gontijo*, Poliane Tâmara da Silva Lage,
Ft.**, Natália Corradi Drumond
Mitre**, Andrei Pereira Pernambuco***, Carolina Mitre Chaves***
*Graduada
na Universidade de Itaúna, **Preceptora do curso de Fisioterapia da
Universidade de Itaúna (UI), ***Docente do curso de graduação em Fisioterapia
da UI
Recebido em 16 de fevereiro
de 2018; aceito em 15 de maio de 2018.
Endereço
para correspondência:
Carolina Marques Carvalho Mitre Chaves, Rodovia MG 431 km 45, s/n, Itaúna MG,
E-mail: carolinamchaves@uol.com.br; Aline Kelly Ferreira de Oliveira:
aline.oliveiraa21@outlook.com; Adriana do Carmo Soares:
adrianasoares46@hotmail.com; Bruna de Oliveira Fonseca:
brunadeoliveirafonseca@gmail.com; Paula de Melo Gontijo: meelopaula@gmail.com; Poliane Tâmara da Silva Lage: polianetamara@yahoo.com.br;
Natália Corradi Drumond
Mitre: natmitre@yahoo.com.br; Andrei Pereira Pernambuco: pernambucoap@ymail.com
Resumo
Introdução: A fibromialgia (FM)
leva a um impacto negativo na qualidade de vida, afetando a vida profissional,
familiar, e social destes indivíduos, fazendo-se necessário uma avaliação
multidimensional. Objetivos: O
presente estudo buscou avaliar os fatores que estão associados ao impacto da FM
na qualidade de vida de mulheres com essa condição. Material e métodos: Participaram do estudo 34 pessoas com FM e 21
controles saudáveis (CS). Os instrumentos utilizados foram: Questionário da dor
de McGill, Índice de Religiosidade de Duke, Índice de
qualidade do sono de Pittsburgh (PSQI), World Health Disability
Assessment Schedule (WHODAS 2.0), Questionário de
impacto da fibromialgia (FIQ). As análises, descritiva, intergrupos e de
regressão foram realizadas no pacote estatístico IBM SPSS com nível de
significância ajustado para a = 0,05. Resultados: As participantes com FM
apresentaram níveis estatisticamente significativos de dor (p < 0,0001), pior
qualidade do sono (p < 0,0001), maior nível de incapacidade (p < 0,0001)
em relação aos CS. Em nenhuma dimensão da religiosidade houve diferença
significativa. No FIQ o grupo FM obteve média de 65,56 ± 17,95 pontos. A
análise de regressão mostrou que os domínios atividade e participação do WHODAS
2.0 estão fortemente relacionados com impacto da fibromialgia na qualidade de
vida. Conclusão: A avaliação dos
indivíduos com FM deve ser realizada de forma multidimensional, baseando-se em
modelos como a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde, para que os tratamentos propostos sejam voltados às reais necessidades
do indivíduo.
Palavras-chave: fibromialgia,
qualidade de vida, Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade
e Saúde.
Abstract
Introduction: Fibromyalgia (FM) leads to a negative impact on quality of life,
affecting the professional, family, and social life of these individuals,
making necessary a multidimensional evaluation. Objectives: This study aimed to evaluate the factors that are
associated with the impact of FM in the quality of life of women with this
condition. Methods: Thirty-four
people with FM and 21 healthy controls (HC) participated in the study. The
instruments used were: McGill Pain Questionnaire, Duke's Religiosity Index,
Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), World Health Disability Assessment
Schedule (WHODAS 2.0), Fibromyalgia Impact
Questionnaire (FIQ). Descriptive, intergroup and regression analyzes were
performed on the IBM SPSS statistical package with a significance level set at a = 0.05. Results: Participants with FM presented statistically significant
levels of pain (p < 0.0001), poorer sleep quality (p < 0.0001), and
higher disability level (p < 0.0001) in relation to HC. In no religious
dimension there was a significant difference. In the FIQ the FM group obtained
an average of 65.56 ± 17.95 points. Regression analysis showed that the
activity and participation domains of WHODAS 2.0 are strongly related to the
impact of fibromyalgia on quality of life. Conclusion:
The evaluation of individuals with FM should be performed in a multidimensional
manner, based on models such as the International Classification of
Functioning, Disability and Health, so that the proposed treatments are geared
to the individual's real needs.
Key-words:
fibromyalgia, quality of life, International Classification of Functioning,
Disability and Health.
A fibromialgia (FM)
ou síndrome da fibromialgia é uma doença crônica de etiologia desconhecida,
caracterizada pela presença de dor musculoesquelética generalizada [1] e
sintomas como rigidez, ansiedade, depressão, dores de cabeça, distúrbios do
sono, fadiga [2], que podem ocasionar alterações do humor e redução do nível de
atividade física habitual [3]. Esta condição acomete cerca de 2% a 4% da
população mundial e, apesar de se manifestar em indivíduos de qualquer idade,
observa-se que existe uma prevalência em mulheres, na faixa etária entre os 30
a 55 anos [4]. A dor crônica é o principal sintoma dessa síndrome, tendo
duração de pelo menos três meses [5-7]. Sua intensidade pode variar de moderada
a severa, frequentemente tem início localizado, particularmente no pescoço,
ombros, região lombar e bacia, e posteriormente torna-se generalizada [7].
Diante das diversas
alterações que afetam os indivíduos com FM é possível dizer que, por muitas
vezes, estes busquem um recurso interno como a religiosidade para promover
saúde [8]. Para a mulher, a fé atua como importante fator ligado à recuperação
e regeneração de doenças crônicas, como a FM. Devido a isso, os profissionais
de saúde precisam estar aptos a abordar e trabalhar com a religiosidade [9].
Os distúrbios do sono
também são frequentes na FM, afetando cerca de 90% desta população [10].
Normalmente, são descritos como dificuldade na indução do sono, inquietação
noturna, excessivos despertares, sensação de sono leve e não restaurador –
retratado como cansaço, rigidez matinal e fadiga [3,10]. Além disso, o sono não
restaurador está associado à piora dos sintomas da FM [10], ocasionando aumento
da dor, fadiga, depressão e contraturas musculares. Como conseguinte, há
maiores limitações funcionais [10,11].
A dor e as limitações
funcionais evidenciam forte relação, podendo sugerir a existência de um ciclo vicioso entre esses dois fatores. Essa dor, juntamente
com a intolerância à atividade física, pode reprimir a habilidade para a
execução de atividades funcionais e trabalho em pessoas com FM [3].
Diante da
complexidade clínica e heterogeneidade presentes na FM [2], torna-se necessária
uma abordagem biopsicossocial para que sejam traçados planos terapêuticos
voltados às reais necessidades do indivíduo, resultando, assim, em tratamentos
mais eficientes e resolutivos. Esta abordagem biopsicossocial pode ser
fundamentada através da Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF), que compõe a família de Classificações
Internacionais da Organização Mundial de Saúde (OMS) [12]. Os domínios que
compõe o escopo da CIF são: as funções e estruturas do corpo, atividade e
participação, e fatores ambientais. De acordo com este instrumento, a
funcionalidade refere-se ao termo positivo que engloba a ausência de
deficiências nas estruturas e funções corporais, bem como a ausência de limitações
na atividade e restrição na participação social [12].
Portanto, este estudo
buscou avaliar os fatores que estão associados ao impacto da FM na qualidade de
vida de mulheres com essa condição.
Trata-se de um estudo
observacional e transversal com utilização de grupo controle saudável (CS),
realizado em uma clínica escola, no período de abril a setembro de 2017.
Participaram do presente estudo 34 mulheres com FM em atendimento na clínica e 21
mulheres no grupo CS, pareadas pelas variáveis idade e índice de massa corporal
(IMC) ao grupo de pessoas com FM. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da própria instituição. Todos os participantes assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido.
Os critérios de
inclusão para o grupo de pessoas com FM foram: mulheres com idade superior a 18
anos, que estavam cadastradas na Clínica Escola e que possuíam diagnóstico
médico de FM. Foram excluídas aquelas que apresentaram déficit cognitivo
segundo o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) [13] e que manifestaram
voluntariamente o desejo de não participarem do estudo. Em relação ao grupo CS,
os critérios de inclusão foram: sexo feminino, idade média de 56,7 ± 9,7 anos,
IMC com média de 28,4 ± 5,1 kg/m², dados estes baseados nos resultados
encontrados no pareamento com o grupo de FM, sendo excluídas aquelas que
possuíam qualquer doença em curso e as que utilizavam medicamentos, sendo
permitido apenas o uso da classe anti-hipertensiva.
A avaliação consistiu
dos seguintes instrumentos: Questionário da dor de McGill
(Br- MPQ) elaborado por Melzach [14], adaptado, traduzido e validado para população
brasileira por Castro [15] e Santos et
al. [16]. Esse instrumento tem como finalidade qualificar a dor, contendo
78 descritores distribuídos em quatro grupos e 20 subgrupos, quanto maior o
escore, pior o sintoma [14-16].
Índice de
Religiosidade de Duke (DUREL), desenvolvido por Koenig
e Arndt [17], e validado para a população brasileira
por Taunay et al.[18], foi utilizado para averiguar a
influência da religiosidade. Trata-se de uma escala de cinco itens que mensuram
três das principais dimensões do envolvimento religioso relacionadas a
desfechos em saúde [17,18].
Índice de qualidade
do sono de Pittsburgh (PSQI), desenvolvido por Buysse
et al. [19], e validado para a população
brasileira por Bertolazi et al. [20], avalia a qualidade do sono nos últimos 30 dias,
considerando sete componentes: qualidade subjetiva, latência, duração,
eficiência habitual, distúrbios, uso de medicação e disfunções diurnas. O
escore total indica o somatório dos sete componentes: zero a quatro pontos “boa
qualidade de sono”; cinco a 10 pontos “qualidade de sono ruim” e 10 a 21 pontos
“presença de distúrbio do sono” [19,20].
World Health Organization Disability Assessment Schedule (WHODAS 2.0) é um
instrumento utilizado para avaliação da saúde e deficiência, desenvolvido pela
OMS, tendo por objetivo mensurar as limitações de atividade e restrições da
participação de um indivíduo, baseando-se na CIF, fornecendo o nível de
funcionalidade em seis domínios de vida, considerando o período relativo aos 30
dias anteriores à avaliação. O instrumento utilizado foi à versão completa
contendo 36 questões. Escores mais altos indicam maiores níveis de incapacidade
[21].
Questionário de
Impacto da Fibromialgia (FIQ), desenvolvido por Burckhardt
et al. [22] e validado para população brasileira por
Marques et al. [23], trata-se de um
questionário específico para avaliar o impacto da FM na qualidade de vida dos
indivíduos portadores desta condição clínica. Este contém questões relacionadas
à capacidade funcional, bem-estar, faltas no trabalho, dificuldades no
trabalho, dor, fadiga, rigidez, sono, ansiedade e depressão nos últimos sete
dias, sendo composto por 19 questões, organizadas em 10 componentes. O escore
varia de zero a 100 pontos, considerando-se casos severos aqueles que
apresentam uma pontuação igual ou superior a 70 pontos [22,23].
Análise
estatística
Os dados ordinais
foram trabalhados inicialmente pela estatística descritiva, por meio de medidas
de tendência central (média e mediana) e de dispersão (desvio padrão, erro
padrão e intervalo de confiança de 95%). Os dados foram submetidos ao teste de
distribuição Shapiro Wilk que apontou distribuição
anormal dos dados, a comparação intergrupos foi realizada por meio do teste não
paramétrico de Mann Whitney. Em seguida foi realizada uma análise de regressão
múltipla do tipo Stepwise, a qual considerou como
variável resposta a pontuação no FIQ e como variáveis explicativas: idade, IMC,
pontuação total no McGill, religiosidade
organizacional, religiosidade não organizacional, religiosidade intrínseca,
pontuação total no PSQI e percentual total obtido no WHODAS 2.0. Todos os
testes foram realizados no software IBM SPSS, com nível de significância
ajustado para a =0,05 (p ≤
0,05).
Os participantes do
estudo de ambos os grupos foram homogêneos em relação às variáveis: idade,
sexo, massa corporal, estatura e IMC, não havendo diferença significativa entre
eles (Tabela I).
Tabela
I - Características dos participantes do estudo.
DP = desvio padrão, CS
= controle saudável , FM: fibromialgia, p ≤ 0,05.
No instrumento “McGill” foi visto que o grupo CS obteve média
7,90 ± 13,35 pontos e o grupo FM apresentou média de 36,82 ± 9,99
pontos, demonstrando significativa diferença intergrupos com valor de p < 0,0001
(Tabela II).
Tabela
II -
Comparação dos resultados intergrupos.
PSQI = Índice de
qualidade do sono de Pittsburgh; WHODAS = World Health Organization
Disability Assessment
Schedule; FIQ = Questionário de Impacto da Fibromialgia. CS = controle saudável
e FM = Fibromialgia, DP = desvio padrão, IC 95% = intervalo de confiança de 95%
e p ≤ 0,05.
Com relação ao Índice
de Religiosidade de Duke, não houve diferença estatística significativa na
análise intergrupos em nenhuma das suas três dimensões. O grupo CS na dimensão
religiosidade organizacional obteve média de 2,38 ± 1,28 pontos, e o grupo FM, média
de 2,38 ± 1,34 pontos. No que se refere à religiosidade não organizacional o
grupo CS apresentou média 1,81 ± 0,51 pontos, grupo FM média 2,17 ± 1,24
pontos. Por fim, a dimensão religiosidade intrínseca demonstrou uma média de
pontos no grupo CS de 4,66 ± 1,62 pontos, e 4,26 ± 1,56 pontos no grupo FM
(Tabela II).
Em relação ao PSQI,
os resultados mostram que o grupo CS apresentou boa qualidade do sono enquanto
o grupo FM apresentou qualidade do sono ruim. A média obtida no grupo CS foi de
3,28 ± 2,14 pontos e no grupo FM foi de 9,88 ± 3,96 pontos. A análise
intergrupos demonstrou diferença estatística significativa (Tabela II).
Os resultados
encontrados no WHODAS 2.0 apontaram uma diferença significativa na análise
intergrupos. No grupo CS, foi obtida média de 3,4 ± 4,74% e no grupo FM, a
média encontrada foi 31,72 ± 16,50% (Tabela II).
O impacto da FM na
qualidade de vida, avaliada apenas no grupo FM através do FIQ, constatou uma
pontuação média de 65,56 ± 17,95 pontos (Tabela II).
A análise de
regressão múltipla do tipo Stepwise demonstrou que
dentre todos os modelos possíveis testados, foram gerados apenas dois que
explicavam significativamente a pontuação no FIQ. No primeiro modelo, a única
variável explicativa que permaneceu associada à pontuação no FIQ,
independentemente das demais, foi a pontuação total no
WHODAS 2.0. Neste, o percentual no WHODAS 2.0 explica em 43,3% a pontuação no
FIQ e, para cada aumento de um por cento no WHODAS 2.0, observa-se um aumento
de 0,67 pontos no FIQ. O outro modelo explicativo incluiu duas variáveis, o
percentual total no WHODAS 2.0 e a pontuação total no PSQI. Este segundo modelo
explica em 53,9% a pontuação total do FIQ. De acordo com este, para cada
aumento de um por cento no WHODAS 2.0 há um aumento de 0,48 pontos no FIQ e
para cada aumento de um ponto no PSQI têm-se um aumento de 0,38 pontos no FIQ.
Após observar o
resultado desta primeira regressão, os pesquisadores decidiram realizar uma
nova regressão apenas com os domínios do instrumento WHODAS 2.0, tendo
novamente como variável resposta a pontuação total do FIQ.
Nesta segunda análise
de regressão, apenas com os domínios do WHODAS 2.0, foram gerados dois modelos
que explicam a pontuação no FIQ. O primeiro modelo envolve só a participação e
explica o FIQ em 47,1%, já o segundo modelo inclui a participação e a atividade
e este explica a pontuação do FIQ em 54,8%. No modelo um, para cada um por
cento de aumento no domínio participação, temos um aumento de 0,68 pontos no
FIQ. E no modelo dois, para cada um por cento de aumento na participação temos
0,57 pontos no FIQ e para cada um por cento de aumento no domínio atividade,
temos um aumento de 0,32 pontos no FIQ. Isso mostra que os domínios de
atividade, mas principalmente os de participação são os que mais influenciam na
pontuação do FIQ.
A FM é uma condição
clínica complexa, que apresenta alta prevalência no sexo feminino na faixa
etária entre 30 a 55 anos [4], quando a pessoa encontra-se em idade de plena
atividade laboral [24]. Segundo Berkley [25], devido
aos processos biológicos naturais e pela sua própria anatomia, a mulher está
mais exposta à dor, devido às mudanças hormonais e diferenças no sistema
nervoso central, periférico e simpático [25]. No presente estudo, a média de
idade foi 56,76 ± 9,78 anos. Segundo Novaes [26], nessa faixa etária, o impacto
da FM é mais evidente devido às exigências traçadas pelo próprio indivíduo e
também pelos papéis que os mesmos assumem na sociedade. Dentre os vários
fatores que interferem na qualidade de vida dos indivíduos portadores de FM,
incluem-se a incapacidade e disfunção do trabalho, que ao final, resultam em
diminuição da produtividade e da qualidade de vida [26].
Através do
Questionário de Dor de McGill, foi verificado que os
participantes do grupo FM apresentaram maior índice de dor com relação aos CS.
Os dados do estudo concordam com resultados já descritos na literatura, tais
como os de Ferreira et al. [27] e Marques et al. [28]. A dor crônica e generalizada é a principal queixa de
pacientes com FM [6]; este achado foi justificado no presente estudo com o
escore final do McGill e de suas dimensões
(sensorial, afetiva, subjetiva e mista) que diferiram significativamente entre
os grupos.
Em relação à
religiosidade é possível inferir que o indivíduo ao se tornar desacreditado na
remissão dos sintomas, principalmente da dor, recorreria a outros tipos de
suporte, tais como a religiosidade. No presente estudo, não foi observada
diferenças significativas entre a religiosidade organizacional, não
organizacional e intrínseca entre os grupos do estudo. Entretanto, tal fato não
refuta a hipótese mencionada acima, mas deve ser analisada sobre outra
perspectiva, afinal, a população brasileira é uma das mais religiosas do mundo,
possuindo crenças e hábitos diversificados no que se refere à religião [29]. Em
senso realizado em 2010, apenas 8% da população se declarou sem religião, 2%
espíritas, 22,2% protestantes, 64,6% católicos e 3% declararam seguir outras
religiões [30]. Diante destes dados, parece que se pode afirmar que
independentemente de apresentar ou não um problema de saúde, o povo brasileiro
tem por hábito e/ou cultura seguir uma religião, o que pode justificar a
ausência de significância estatística entre os grupos.
Umas das principais
manifestações encontradas na FM são os distúrbios do sono, estes estão
presentes em cerca de 90% das pessoas com FM [10]. Os resultados obtidos pelo
PSQI demonstraram um sono de pior qualidade nos participantes do grupo de FM.
Este resultado corrobora os achados da literatura, que referem que pessoas com
FM, apresentam como queixas a dificuldade para iniciar o sono, múltiplos despertares noturnos com dificuldade para voltar a dormir,
despertar precoce, além de sonolência/fadiga persistente durante o dia. Tais
aspectos interferem diretamente na eficiência do sono e possivelmente
repercutem na qualidade de vida e na saúde dos indivíduos [3].
No presente estudo o
WHODAS 2.0 demonstrou funcionalidade significativamente reduzida nos
participantes com FM quando comparado aos CS. Na literatura atual são escassos
estudos que avaliem os indivíduos com tal instrumento, levando em consideração
o modelo biopsicossocial proposto pela OMS. Os estudos encontrados avaliam a
funcionalidade apenas no âmbito do desempenho físico, não permitindo um olhar
abrangente e holístico sobre a saúde e os estados relacionados a ela,
esquecendo-se da influência da atividade e participação, dos fatores ambientais
e pessoais [31].
Através do
questionário FIQ, observou-se o impacto da FM na qualidade de vida das
participantes. A pontuação dos participantes indica que a FM está impactando
fortemente a qualidade de vida dos mesmos [23]. Muitos estudos relatam este
tipo de impacto, um deles é o de Santos et al. [32], que
também observou piores índices de qualidade de vida quando comparados com os
grupos não fibromiálgicos [32]. A grande quantidade e
intensidade de sintomas presentes no quadro clínico da FM, associados às suas
implicações, muitas vezes levam estas pessoas, ainda jovens, a se
desacreditarem na recuperação. Tal fato pode levar ao aparecimento de
comportamentos depressivos, sendo comum até mesmo a ocorrência de pensamentos
suicidas entre elas [33].
No presente estudo, o
FIQ é o único questionário específico para a FM [22]. Deste modo, consideramos
a pontuação no FIQ o desfecho principal do estudo. Contudo, na tentativa de se
compreender os participantes de forma mais ampla, baseada no modelo
biopsicossocial, foi realizada uma análise de regressão múltipla, a fim de se
determinar quais foram as variáveis de interesse do estudo que melhor explicam
a pontuação no FIQ. Esta análise resultou em dois modelos explicativos, o primeiro continha apenas a pontuação no WHODAS 2.0 e o
segundo continha a pontuação no WHODAS 2.0 e no PSQI. A participação do PSQI em
um dos modelos é interessante, pois associa de forma direta a qualidade do sono
com a qualidade de vida das pessoas com FM. Conforme já mencionado, os
distúrbios do sono são frequentes em pessoas com FM [10] e pessoas privadas de
sono de boa qualidade podem apresentar diversas queixas como: cefaleia, aumento
do absenteísmo no trabalho, fadiga, maior uso de medicação, agitação, aumento
do número de acidentes no trabalho, dentre outras, todas estas alterações são
capazes de prejudicar a qualidade de vida [3,34-35].
Apesar da associação
do PSQI, a pontuação no WHODAS 2.0 foi mais fortemente associada à pontuação do
FIQ, inclusive esta foi a única variável que integrou
os dois modelos explicativos. Tal resultado demonstra a grande importância da
funcionalidade sobre a qualidade de vida de pessoas com FM. O WHODAS 2.0 possui
seis domínios (cognição, mobilidade, autocuidado, relações interpessoais,
atividades de vida e participação) [21], e apesar de não ser um questionário
específico para a FM, tem sua aplicação recomendada para qualquer pessoa,
independentemente de apresentar ou não problemas de saúde [21].
Uma segunda análise
de regressão múltipla foi realizada para se determinar quais dos seis domínios
do WHODAS 2.0 estavam mais associados à pontuação no FIQ. Novamente, dois
modelos foram gerados, um contou apenas com o domínio participação, e o segundo
contou com o domínio atividade e com o domínio participação. Isto demonstra o
quão importante é que a pessoa continue desempenhando suas atividades
cotidianas e a participação social para a manutenção de sua qualidade de vida.
De acordo com o modelo biopsicossocial e da CIF, os componentes se interagem de
modo equânime, influenciados de forma multidimensional uns sobre os outros
[12]. Isto é importante, pois em condições crônicas como a FM, o simples fato
de atuar sobre as funções e estruturas corporais, tal como no modelo médico,
não satisfaz as necessidades dos pacientes e nem promove a melhora do estado de
saúde e qualidade de vida destes [2], tornando-se de fundamental importância
que o profissional de saúde intervenha nos demais componentes do modelo, tais
como a atividade e participação, fatores pessoais e ambientais [2,12,31]. E neste sentido, os fisioterapeutas, profissionais
da funcionalidade e do movimento possuem papel importante. Estes devem voltar
sua atenção para tais componentes, a fim de melhorar a saúde e beneficiar a
qualidade de vida de seus pacientes. Para tanto, torna-se necessário incluir em
seus formulários de avaliação itens que contemplem todos os componentes do
modelo biopsicossocial.
Além de implementar a avaliação, os fisioterapeutas devem buscar
reinserir essa população no meio social, ampliando sua participação. Isto pode
ser feito através dos atedimentos em grupo,
realizados na saúde coletiva, e pelos programas de educação em saúde, a fim de
promover, prevenir e recuperar a saúde destes indivíduos, trabalhando sempre de
forma multiprofissional.
O presente estudo
demonstrou que os indivíduos com FM, ao serem comparados a CS, apresentam maior
índice de dor, pior qualidade do sono e maior incapacidade funcional, além de
um impacto negativo em sua qualidade de vida. A pontuação no WHODAS 2.0
demonstrou estar fortemente associada à pontuação do
FIQ, o que demonstra a grande importância da funcionalidade sobre a qualidade
de vida de indivíduos com FM. A funcionalidade, principalmente nos domínios
atividade e participação, e a qualidade do sono são as variáveis que mais
impactam negativamente a qualidade de vida. Estas são por diversas vezes
negligenciadas pelo fisioterapeuta no momento da avaliação e tomadas de decisão
clínica. Tal fato nos mostra a necessidade de avaliar estes indivíduos de forma
multidimensional, baseando-se em modelos como a CIF, para que os tratamentos
propostos sejam voltados às reais necessidades do indivíduo.